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Tentativas de suicídio e suicídios na atenção pré-hospitalar

Tentativas de suicídio e suicídios na atenção pré-hospitalar

Autores:

Natalina Maria da Rosa,
Cátia Millene Dell Agnolo,
Rosana Rosseto de Oliveira,
Thais Aidar de Freitas Mathias,
Magda Lúcia Félix de Oliveira

ARTIGO ORIGINAL

Jornal Brasileiro de Psiquiatria

versão impressa ISSN 0047-2085versão On-line ISSN 1982-0208

J. bras. psiquiatr. vol.65 no.3 Rio de Janeiro jul./set. 2016

http://dx.doi.org/10.1590/0047-2085000000129

ABSTRACT

Objective

To characterize suicide attempts and suicides in a city in Northwestern Paraná State, attended in the pre-hospital care.

Methods

Descriptive, cross-sectional study, performed with pre-hospital care records to 257 victims of suicide and suicide attempt, in the period in 2005 to 2012, through two-dimensional analysis by chi-square.

Results

There were 180 attempted suicides and 76 suicides. The age ranged 13-93 years, mean 33.5 ± 15.1 years and most prevalent in young male population. The events concentrated on the months of spring and summer, in the urban area. The use of biting object was the most used method, followed by poisoning and precipitation high places.

Conclusion

To know the characteristics, methods and aggravating factors provide subsidies for the implementation of prevention measures.

Key words: Suicide attempted; suicide; pre-hospital care; epidemiology

INTRODUÇÃO

O suicídio se tornou uma epidemia de proporções globais, com aumento de 60% da mortalidade por essa causa nos últimos 45 anos1-3. Dentre as causas externas, as lesões autoprovocadas voluntariamente estão entre as três principais causas de morte no mundo para todas as idades, superadas apenas pelos homicídios, e 75% dos casos são registrados em países emergentes e pobres2,4.

Estudos afirmam que, mundialmente, 900 mil pessoas cometem suicídio por ano, com um óbito a cada 40 segundos e uma tentativa de suicídio a cada três segundos1,3. O gasto com o suicídio, estimado em termos de DALYs – disability-adjusted-life-years (anos de vida ajustados por incapacidade), é equiparado ao valor destinado às guerras, com oneração dos cofres públicos em quase o dobro do valor gasto para o tratamento de algumas doenças crônicas2.

No Brasil, segundo o Mapa da Violência de 2014, foi observado importante incremento das taxas de suicídio, aumentando de 4,4 óbitos por 100 mil habitantes em 2002 para 5,3 em 2012. Destaca-se que, nesse período, o aumento percentual das taxas de suicídio mais acentuado foi constatado entre 2011 a 2012 (3,9%). A região Sul do país registrou 8,5 suicídios por 100 mil habitantes em 2012 e o Estado do Paraná ocupa o nono lugar em suicídios entre os Estados brasileiros – 6,0 óbitos por 100 mil habitantes em 2012, com crescimento de 5,7% de 2011 a 20124,5.

É preciso também levar em consideração a relevância das tentativas de suicídio, pois, mesmo sendo considerada muitas vezes uma injúria com baixa intencionalidade de morte e com possibilidade de intervenção para diminuir e evitar as mortes por suicídio, esse evento causa um forte impacto social1,6.

A associação entre o número de tentativas de suicídio e o curto intervalo entre uma tentativa e outra é responsável pelo aumento do risco de suicídio7. É preciso considerar que, após sobreviver a um ato suicida, as pessoas tornam-se mais vulneráveis a novas tentativas de suicídio8. Estima-se que 30% a 60% das pessoas atendidas em unidades de emergência por tentativa de suicídio haviam praticado tentativas anteriores, e comumente 10% a 25% farão novas tentativas em menos de um ano3,7.

A intenção suicida e o suicídio são problemas complexos que resultam da interação de fatores sociais, biológicos, genéticos, psiquiátricos, socioeconômicos e culturais1,3. Desemprego, problemas legais ou trabalhistas, vulnerabilidade social, problemas familiares e conjugais, vivências traumáticas, violência intrafamiliar, alcoolismo e uso de outras drogas, transtornos mentais e psicológicos, e condições clínicas incapacitantes são relacionados como fatores associados à incapacidade psíquica de administrar os problemas2,6.

Enquanto em países desenvolvidos o número de casos de suicídio começa a diminuir, o mesmo não acontece em nações em desenvolvimento, onde o aumento observado na frequência do comportamento suicida deveria indicar sinal de alerta2. No Brasil, embora se tenha conhecimento sobre as diretrizes nacionais para prevenção de suicídio elaborada pelo Ministério da Saúde, esse agravo recebe pouca atenção de políticas públicas de saúde, com ausência de estratégias nacionais que debatam o assunto e proponham ações efetivas no sistema de saúde pública5-6.

Considerando que o suicídio demanda ações multidisciplinares e intersetoriais de enfrentamento, registros locais confiáveis quanto às ocorrências de tentativas de suicídio e óbitos por suicídio são primordiais, pois o desconhecimento da situação e das características sociodemográficas dos sujeitos em nível local é um obstáculo ao planejamento efetivo de serviços de prevenção e assistência9.

A utilização de dados advindos dos serviços de atendimento pré-hospitalar, definidos como o atendimento que chega precocemente às vítimas, garantindo atendimento e/ou transporte adequado a um serviço integrado ao Sistema Único de Saúde9, pode contribuir para o conhecimento dessas características.

Nesse contexto, este artigo objetivou caracterizar as tentativas de suicídio e suicídios atendidos por um serviço pré-hospitalar ocorridos em um município do noroeste do Estado do Paraná, Brasil.

MÉTODOS

Trata-se de estudo descritivo, de corte transversal, utilizando dados da fase pré-hospitalar dos atendimentos às vítimas de tentativa de suicídio e suicídio no município de Maringá, Paraná, Brasil. Os dados referentes à amostra estudada foram obtidos apenas dos registros do Serviço Integrado de Atendimento ao Trauma em Emergência (Siate), entre o período de 2005 a 2012.

O Siate é um serviço do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Paraná, que atua em parceria mista de atendimento com o Serviço Móvel de Urgência (Samu), constituído por bombeiros socorristas, capacitados para prestar suporte básico de vida no primeiro atendimento às vítimas de trauma, ocorridos em vias públicas, ambientes laborais, domiciliares, além de realizarem transporte ou transferência inter-hospitalar de pacientes com risco de morte10. O 5º Grupamento de Bombeiros do Paraná, além de Maringá, presta assistência pré-hospitalar à população residente em outros 21 municípios do Estado.

Todas as informações geradas em uma ocorrência são compiladas no Registro de Atendimento do Socorrista (RAS), que é o documento básico utilizado para gerar relatórios no Registro Geral de Ocorrência – RGO. O sistema RGO incorpora todas as informações coletadas durante o atendimento à vítima de trauma, que são incluídas no banco de dados do sítio eletrônico da Corporação de Bombeiros do Paraná. Os dados referentes à identificação das vítimas, gravidade clínica dos casos, internação hospitalar e óbitos são de acesso restrito11.

Para o presente estudo, foram selecionados os RAS de tentativa de suicídio (TS) ou suicídio, independentemente da idade da vítima e do local do atendimento pré-hospitalar. Os dados compilados foram: ano e período da ocorrência do evento (primavera/verão, outono, inverno); regiões do corpo afetadas (múltiplos órgãos, cabeça/face, pescoço, tórax/dorso, abdome, membros superiores, membros inferiores); desfecho do caso (óbito ou encaminhamento ao serviço hospitalar); idade (categorizada por faixa etária); sexo da vítima (masculino e feminino); método utilizado (intoxicação, enforcamento, uso de arma branca, arma de fogo, precipitação de lugar elevado e outros – inalação de gases e vapores, lesão autoprovocada pelo fogo e chamas e outros métodos especificados); fator agravante à ocorrência (hálito etílico, uso de drogas ilícitas, distúrbio neurológico/psicológico, e problemas pessoais/familiares). Em todas as variáveis elegidas para a análise, excluíram-se os dados ignorados. Acresça-se que, para evitar a duplicidade de dados, todos os RAS referentes às vítimas de tentativas de suicídio e suicídio foram coletados em dois períodos diferentes e, para garantir a fidedignidade desses dados, utilizou-se o software Microsoft Office Excel 2013 para armazenar, organizar e fazer a conferência sistematizada de todos os registros.

De posse aos dados elegíveis em planilha eletrônica, estes foram processados com o uso do programa Epi Info 3.5.2 e analisados por meio de estatística bidimensional pelo Teste qui-quadrado/χ2, considerando p-valor significativo quando menor ou igual a 0,05.

Foi obtida autorização para a coleta de dados junto ao 5o Grupamento do Corpo de Bombeiros do Paraná, e o projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá (Parecer 410.881/2013).

RESULTADOS

Foram encontrados 257 registros de tentativas de suicídio e suicídio nos oito anos estudados, o que correspondeu a um registro de atendimento pré-hospitalar em um intervalo médio de 11,4 dias.

A área urbana foi a zona com maior demanda de atendimentos (99,3٪). A maioria dos atendimentos ocorreu nos meses da primavera e verão 72,7%, sendo 34% e 38,7%, respectivamente. Em relação às regiões do corpo mais afetadas, destacam-se o pescoço (26,1%), membros superiores (15,2%), e em vários atendimentos a vítima apresentava lesões de múltiplos órgãos (37,8٪). Como desfecho do total dos atendimentos prestados às vítimas de tentativas de suicídio e suicídio, grande parte das vítimas foi encaminhada a hospitais públicos e privados (62,9%), cerca de 29,3% tinham evoluído a óbito no cenário da própria ocorrência, 6,3% recusaram atendimento e 1,6% receberam atendimento por terceiros (dados descritos de forma textual, os quais não constam em gráficos ou tabelas).

Na Tabela 1, são apresentados os dados relativos à distribuição das ocorrências dos casos de tentativas de suicídio e suicídio atendidas pelo Siate durante o período estudado. Do total dos registros de lesão autoinfligida, 170 (66,4%) eram do sexo masculino e 86 (33,59%), feminino. Ao comparar os eventos por sexo, houve predominância do sexo masculino tanto nas tentativas como para o suicídio (107 tentativas, 62,9%; e 63 óbitos, 82,9%, respectivamente). O sexo masculino apresentou oscilação na frequência e percentual de tentativas de suicídio e suicídio, porém com redução considerável dos registros no final do período. Para o sexo feminino, observou-se um decréscimo na frequência e percentual de tentativas de suicídio, no período de 2005 a 2012, de 19,2% para 6,8% nos dois últimos anos estudados.

Tabela 1 Distribuição dos casos de tentativas de suicídio e suicídio, segundo sexo e ano de ocorrência. Maringá, Paraná, Brasil, 2005 a 2012 

Ano Tentativas de suicídio Suicídio Total


Feminino Masculino Feminino Masculino





n % n % n % n % n %
2005 14 19,3 19 17,6 1 7,7 15 23,9 49 19,2
2006 13 16,4 14 13,1 - - 6 9,5 33 12,5
2007 10 13,7 16 15,0 - - 6 9,5 32 12,5
2008 10 13,7 8 7,5 3 23,1 7 11,1 28 10,9
2009 9 12,3 16 15,0 3 23,1 12 19,0 40 15,6
2010 8 11,0 16 15,0 1 7,7 3 4,8 28 10,9
2011 6 6,8 11 10,3 3 30,7 6 9,5 26 10,2
2012 5 6,8 7 6,5 1 7,7 8 12,7 21 8,2
Total 75 100,0 107 100,0 12 100,0 63 100 257 100,0

Na análise dos registros de tentativas de suicídio e suicídio, a idade mínima encontrada foi 13 anos e a máxima, 93 anos, com média de idade 33,5 ± 15,1 anos, com predomínio da faixa etária de 20 a 39 anos, tanto para o sexo masculino (56,9%) como para o feminino (64,0%), sendo este último estatisticamente significativo (Tabelas 2 e 3).

Os métodos utilizados nas tentativas de suicídio mais prevalentes foram uso de objeto cortante (34,8%), intoxicação (25,1%) e precipitação de lugar elevado (21,1%); para o suicídio, destacam-se o enforcamento (70,8%) e a precipitação de lugar elevado (19,4%). Entretanto, os resultados mostram diferenças nos métodos utilizados para as tentativas de suicídio entre os sexos. Entre os homens, o ferimento por objeto cortante foi o método mais utilizado nas tentativas de suicídio (36,0%), seguido de precipitação de lugar elevado (22,0%) (Tabela 3). Para o sexo feminino, a intoxicação (33,3%) e o uso de objeto cortante (33,3%) foram os métodos mais prevalentes (Tabela 2). Vale destacar que, nas tentativas de suicídio, para ambos os sexos, apenas a intoxicação e o enforcamento foram métodos estatisticamente significativos. No que concerne ao método mais utilizado para o suicídio, o enforcamento predominou tanto para as mulheres (50,0%), quanto para os homens (74,2%) (Tabelas 2 e 3).

Tabela 3 Distribuição dos casos de tentativas de suicídio e suicídio, no sexo masculino, segundo faixa etária e método utilizado. Maringá, Paraná, Brasil, 2005 a 2012 

Tentativas de suicídio Suicídio p-valor Total



n % n % n %
Faixa etária
13 – 19 anos 17 16,7 6 9,84 0,225 23 14,1
20 – 39 anos 58 56,9 28 45,9 0,174 86 52,8
40 – 59 anos 20 19,6 18 29,5 0,147 38 23,3
60 e mais 7 6,9 9 14,7 0,101 16 9,8
Total 102 100 61 100 163 100
Método utilizado
Intoxicação 19 19,0 - - < 0,001#* 19 11,7
Enforcamento 11 11,0 46 74,2 < 0,001# 57 35,2
Objeto cortante 36 36,0 4 6,5 0,072 40 24,7
Precipitação de lugar elevado 22 22,0 10 16,1 0,361 32 19,8
Arma de fogo 3 3,0 2 3,2 1 5 3,1
Outros 9 9,0 - - 0,013#* 9 5,6
Total 100 100 62 100 162 100

* Teste Exato de Fisher.

# Estatisticamente significativo ao nível de 5%.

Tabela 2 Distribuição dos casos de tentativas de suicídio e suicídio no sexo feminino, segundo faixa etária e método utilizado. Maringá, Paraná, Brasil, 2005 a 2012 

Tentativas de suicídio Suicídio p-valor Total



n % n % n %
Faixa etária
13 – 19 anos 15 20,0 2 16,7 0,786 17 19,5
20 – 39 anos 48 64,0 4 33,3 0,005# 52 59,8
40 – 59 anos 10 13,3 3 25,0 0.269 13 14,9
60 e mais 2 2,7 3 25,0 0,017#* 5 5,7
Total 75 100 12 100 87 100
Método utilizado
Intoxicação 25 33,3 - - 0,029# 25 29,41
Enforcamento 2 2,7 5 50,0 < 0,001#* 7 8,24
Objeto cortante 25 33,3 - - 0,297 25 29,41
Precipitação de lugar elevado 15 20,0 4 40,0 0,299 19 22,35
Arma de fogo - - 1 10,0 0,117* 1 1,18
Outros 8 10,7 - - 0,277 8 9,41
Total 75 100,0 10 100,0 85 100,0

* Teste Exato de Fisher.

# Estatisticamente significativo ao nível de 5%.

Neste estudo, encontrou-se que os possíveis fatores agravantes para a ocorrência das tentativas de suicídio e suicídio foram distúrbios neurológicos e psicológicos em 48,9% e hálito etílico/uso de drogas ilícitas em 41,9% das ocorrências. A presença de distúrbios neurológicos/psicológicos foi o fator agravante com maior percentual de ocorrência entre as mulheres (64,3%) e o hálito etílico/uso de drogas ilícitas, o mais encontrado no sexo masculino (61,8%) (Tabela 4).

Tabela 4 Distribuição dos casos de tentativas de suicídio e suicídio, segundo fatores agravantes e sexo. Maringá, Paraná, Brasil, 2005 a 2012 

Fator agravante Feminino Masculino Total p-valor



n % n % n %
Hálito etílico/drogas ilícitas 05 17,9 21 61,8 26 41,9 < 0,001*#
Distúrbios mentais/neurológicos 18 64,3 12 35,2 30 48,4 0,029#
Problemas pessoais/familiares 05 17,8 01 2,9 06 9,7 0,060*
Total 28 100 34 100 62 100

* Teste Exato de Fisher.

# Estatisticamente significativo ao nível de 5%.

DISCUSSÃO

O suicídio ainda é um assunto permeado por um estigma social à pessoa que o realiza e seus familiares, o que normalmente ocasiona dificuldades no acesso aos dados, comprometimento na fidedignidade das informações e, consequentemente, aumento no número de subnotificações dos casos. Dessa forma, pesquisas voltadas para esse assunto são escassas na literatura. Até onde se sabe, esta é uma das primeiras pesquisas realizadas no âmbito de atendimento regional pré-hospitalar que aborda exclusivamente esse tema.

A fase pré-hospitalar é considerada o primeiro serviço a entrar em contato com a vítima que necessita de atendimento imediato e cuja assistência pode influenciar diretamente no prognóstico do paciente, em especial às vítimas de tentativa de suicídio e suicídio. Portanto, conhecer a caracterização dessas vítimas oferece contribuições para implementação de políticas públicas que visem à redução desse evento.

No entanto, este estudo deve ser analisado levando-se em consideração algumas limitações. O número de dados ignorados (retirados das estatísticas), com sub-registro de informações, dificulta a avaliação dos episódios, favorece falhas na identificação e classificação da causa de morte, podendo prejudicar a precisão da ocorrência desse fenômeno.

É notório que o atendimento a lesões autoinfligidas não seja um evento esporádico. Apesar disso, apenas uma em cada três pessoas que tentam o suicídio é atendida por um serviço médico de urgência4, e é provável que esse número seja ainda maior. Contudo, para oferecer assistência de qualidade às emergências psiquiátricas, esses profissionais devem dispor tanto de embasamento científico sobre os inúmeros fatores sociais, culturais, ambientais, biológicos e psicológicos que acercam esse fenômeno, quanto de técnicas de abordagem e atendimento correto às vítimas com alto risco de suicídio3.

Com vistas a reduzir a morbimortalidade e aumentar a sobrevida desses indivíduos, os profissionais do serviço de atenção pré-hospitalar realizam primeiramente o atendimento inicial, estabilização da vítima e, posteriormente, o encaminhamento adequado das vítimas às instituições hospitalares4.

Estudos epidemiológicos sugerem forte relação entre o comportamento suicida e o ambiente3,12,13. A área urbana e os meses “quentes” (primavera e verão) foram predominantes em relação aos casos estudados nesta pesquisa. Autores descrevem que a violência nas grandes cidades induz o indivíduo ao confinamento em seus lares e, além desse fator, uma vida solitária associada a temperaturas extremas, com grandes amplitudes térmicas, independentemente do país, são fatores extrinsecamente associados a esse agravo12. Outros estados do país apresentaram resultados semelhantes, como, por exemplo, um estudo do interior da Bahia, em que os maiores percentuais de tentativas de suicídio foram observados nos meses mais quentes do ano (26,9%)13, assim como em Arapiraca, cidade de Alagoas, onde o maior número de agravos ocorreu no verão (18,2%)3.

Além da influência climática, a idade e o sexo permeiam a caracterização das tentativas de suicídio e suicídios em todo o mundo. Nesta pesquisa, o sexo masculino apresentou os maiores percentuais tanto nas tentativas como nos casos de suicídios, com predomínio na faixa etária de 20 a 39 anos, correspondendo a uma população de adultos jovens ativos no mercado de trabalho.

A vulnerabilidade do sexo masculino ao ato suicida já é bastante documentada na literatura mundial14,15, bem como a maior prevalência de suicídios16,17. No Brasil, também tem sido observado predomínio da ocorrência de suicídio para o sexo masculino nos últimos anos18-20. No entanto, os dados das tentativas de suicídio, normalmente associadas ao sexo feminino16,17, foram divergentes aos da presente pesquisa, pois os homens também apresentaram os maiores percentuais.

O elevado percentual de suicídio entre os homens pode ser explicado pelos métodos utilizados para sua execução, por consistirem em agentes mais violentos e letais, tais como o enforcamento, a precipitação de locais elevados e o uso de arma de fogo19.

Outro fator preocupante para a saúde pública mundial refere-se à transição da faixa etária mais idosa para faixas etárias mais jovens, em relação às tentativas de suicídio e suicídio2,4. Nos países desenvolvidos, o suicídio está entre as três principais causas de morte entre os jovens de 15 a 35 anos e é a principal causa de mortalidade na faixa etária de 15 a 19 anos21. Tendência crescente na faixa etária jovem também foi descrita nos Estados Unidos22.

No Brasil, resultado semelhante foi encontrado em pesquisa realizada com 84 unidades de urgência e emergência vinculadas ao Sistema de Vigilância de Acidentes e Violência-Viva, em que a maioria das vítimas atendidas tinha idade de 20 a 29 anos (35%)13.

Um fato que merece atenção neste estudo refere-se ao registro de tentativa de suicídio de duas adolescentes com apenas 13 anos de idade. Óbitos por suicídio nessa faixa etária são pouco estudados em nosso meio, sendo recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) o desenvolvimento de estratégias de prevenção do suicídio em escolas2,6. Um estudo realizado no Canadá com jovens entre 12 e 17 anos e sem diagnóstico de patologia psiquiátrica encontrou que 18% dos investigados apresentaram ideação suicida e 12,5% tentaram suicídio após um colega de escola ter morrido por suicídio23. Em um centro de referência em assistência toxicológica do município de Maringá, Paraná, identificaram-se 122 casos de tentativa de suicídio e suicídio entre crianças e adolescentes (de 7 a 14 anos), entre os anos de 2006 a 2010, com predomínio do sexo feminino24.

No que concerne aos métodos utilizados para as tentativas de suicídio/suicídios apresentados nesta pesquisa, valores expressivos e estatisticamente significativos foram observados nas intoxicações e nos enforcamentos. Ao comparar por sexo, os métodos suicidas de escolha das mulheres foram a intoxicação e o ferimento por objeto cortante, e dos homens foi o ferimento por objeto cortante, seguido por precipitação de local elevado.

Vários autores descrevem a intoxicação23,19, normalmente associada a altas doses de medicamentos, como método de escolha entre as mulheres8,18,23,25. Já os homens optam por métodos mais violentos e letais. A exemplo disso, precipitação de lugar elevado foi descrita em 12% dos casos de suicídio entre homens residentes em São Paulo, usuários de bebida alcoólica19.

A escolha de métodos mais violentos para o suicídio, em sua maioria, acarreta a morte, enquanto os métodos de menor grau de letalidade possibilitam que o resgate pelos profissionais do serviço de atendimento pré-hospitalar seja realizado, aumentando as chances de sobrevivência da vítima por esse evento3. No entanto, é importante considerar que a utilização de outros métodos não fatais não indica necessariamente que a intenção do indivíduo era menos séria26.

Alguns fatores são descritos na literatura como agravantes aos atos suicidas. Transtornos mentais, distúrbios neurológicos e tentativas de suicídio anteriores2,6 são considerados os principais fatores de risco para o suicídio.

Na presente pesquisa, os distúrbios mentais/neurológicos foram os mais prevalentes no sexo feminino e o hálito etílico/drogas ilícitas, no sexo masculino. Associação estatisticamente significativa foi encontrada com os mesmos possíveis fatores agravantes. A OMS presume que, mundialmente, a prevalência de transtornos mentais em eventos suicidas varie de 80% a 100%4. A depressão é um dos transtornos mentais que podem estar associados à violência psicológica sofrida pela mulher, no âmbito das interações sociais, por parceiros íntimos, colegas de trabalho e membros da família, porém normalmente ela recorre à ajuda psiquiátrica com maior frequência, facilitando o diagnóstico precoce da doença e evitando o suicídio8,19, o que pode também justificar os menores percentuais de suicídio no sexo feminino.

O uso abusivo de bebida alcoólica reflete os padrões de consumo de álcool na população em geral, pois os homens são mais propensos à ingesta alcoólica do que as mulheres23. Estudos descrevem que grande parte das tentativas de suicídio e suicídios é antecedida pela ingestão de álcool7,25. Os alcoólatras têm 60 a 120 vezes mais chances de atentarem contra a própria vida, visto que o álcool aumenta a agressividade19.

Diante desses fatos, diversas pesquisas27,28 afirmam que a relação entre as mudanças psicossociais vividas pela população, principalmente voltadas ao aumento dos transtornos mentais29, deve ser estudada e levada em consideração como medidas essenciais na redução das perdas com o suicídio30, o que torna urgente a implementação de estratégias de prevenção para reduzir esse agravo de saúde pública29.

CONCLUSÕES

Informações relevantes foram encontradas neste estudo, permitindo a caracterização das tentativas de suicídio (maior ocorrência no sexo masculino; pelo uso de objeto cortante e intoxicação na mulher e enforcamento no homem); e suicídios (maior ocorrência no sexo masculino, tendo como método principal o enforcamento em ambos os sexos), e a identificação dos distúrbios mentais e neurológicos como possíveis fatores agravantes. Em posse desses resultados, medidas preventivas voltadas prioritariamente ao adulto jovem podem contribuir para a redução das tentativas de suicídio e suicídio.

Além desse fator, o conhecimento do grupo de maior ocorrência de tentativas de suicídio e suicídio fornece dados aos profissionais da saúde, os quais podem facilitar a identificação precoce de potenciais suicidas e, numa rápida e efetiva atuação, contribuir preventivamente para sua redução, diminuindo, ainda, o número de perdas evitáveis pelo suicídio de uma população economicamente ativa, que fora identificada neste estudo.

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