versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.20 no.6 Rio de Janeiro jun. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015206.10962014
Neste artigo apresentam-se o estado do conhecimento, as principais questões tratadas, os métodos de investigação utilizados e as propostas de prevenção que aparecem nos estudos sobre tentativas de suicídio em pessoas idosas.
Por tentativa de suicídio entendem-se os atos realizados por indivíduos que pretendem se matar, cujo desfecho não resulta em óbito1. Tal ação geralmente está relacionada com a impossibilidade emocional do indivíduo identificar alternativas viáveis para a solução de seus conflitos e sofrimentos, optando pela morte como resposta. Uma série de fatores está associada com o risco de suicídio, incluindo doenças físicas incapacitantes, enfermidades mentais, abuso de álcool e outras drogas e problemas de ordem familiar e socioeconômicos. No caso das pessoas idosas, a maioria dos estudos mostra a forte presença da depressão em diversos graus, outros distúrbios psiquiátricos, doenças degenerativas que causam dependência ou sofrimentos físicos insuportáveis, perda da autonomia e isolamento social.
Existe uma estreita relação entre ideações, tentativas e suicídios consumados entre idosos. A Sociedade Americana de Suicidologia2 estima que para a população em geral haja uma morte consumada para cada 25 tentativas; entre os jovens a relação é de cerca de um para 100 a 200; e entre os idosos, de 1:4. Se há um suicídio para quatro tentativas na população idosa, fica evidente para a sociedade e para o setor saúde a importância de atuar para diminuir os riscos desses atos que, segundo vários estudiosos, manifestam sofrimento e desesperança.
O interesse por estudar as tentativas de suicídio em pessoas idosas no Brasil tem vários motivos: (1) aumento da população acima de 60 anos no país, exigindo cuidados dedicados a seu bem-estar e a sua saúde; (2) evidência obtida por estudos internacionais e nacionais de que as tentativas são formas de violência que revelam problemas na qualidade de sua vida3–6; (3) afirmação da OMS de que as tentativas de se matar, no caso da população idosa, constituem grave problema de saúde pública1; (4) o fato de que, por uma diversidade de motivos, os dados sobre esses eventos permanecerem pouco conhecidos, uma vez que apenas os casos muito graves chegam aos serviços de saúde e são estatisticamente contabilizados. Por fim, mas não menos importante, (5) conhecer os fatores que predispõem um idoso a tentar tirar sua própria vida é fundamental para que se criem programas eficazes e efetivos de prevenção.
Nesta revisão, a ênfase é dada aos artigos que tratam especificamente das tentativas. A literatura mostra que elas estão correlacionadas tanto com ideações como com suicídios consumados, mas têm alguma especificidade. Portanto, o propósito é focalizar esse evento que, apesar de sua importância, não está presente na literatura brasileira. Daí a relevância de introduzi-lo, facilitando a circulação do conhecimento já bastante consolidado em outros países.
Esta pesquisa recobre o período de 2002 a 2013. Abrange publicações de artigos indexados na Biblioteca Virtual de Saúde Pública (BVS/SP) da Biblioteca Regional de Medicina da Organização Pan-Americana da Saúde (Bireme), na Medline, na PubMed e na PsycINFO. Os assuntos pesquisados foram: “suicidal attempts in elderly”; “risk of suicide attempts in elderly”; e “prevention of suicide attempts in the elderly”. Nessa busca, foram recuperados 105 documentos, dos quais 30 não estavam diretamente relacionados com o tema desta revisão, por discorrerem sobre autonegligências, ideações e suicídios consumados. Um grupo de artigos foi também excluído por discutir o mesmo fenômeno em instituições de longa permanência, asilos e residências, tema que não integra esta revisão, por introduzir a questão da internação como um fator específico. Restaram 80 textos, dos quais três não seguem a datação prevista e dois são complementares.
Todos os resumos foram lidos e 35 artigos foram analisados em sua versão integral. A revisão foi feita segundo critérios da análise documental: organização do material segundo os objetivos deste trabalho; análise da metodologia adotada nos artigos, abordagem do conteúdo das investigações e ênfase nos resultados e conclusões.
As principais categorias de análise para o estudo foram: (1) visão dos autores sobre os motivos que levam o idoso a tentar suicídio e dos fatores de risco para esse evento; (2) métodos empregados pelos autores em seus estudos; (3) diversidade regional dos artigos e suas peculiaridades; e (4) propostas de prevenção.
A categoria classificatória “visão dos autores”, referida nestes resultados inclui motivações, diagnósticos clínicos e situacionais e fatores de risco. É a partir dessas três perspectivas que foram lidos os textos.
O diagnóstico mais comum que se encontra na maioria dos artigos referentes a tentativas de suicídio entre idosos é a presença de depressão grave associada com outros problemas psiquiátricos7–23. Alguns autores assumem a depressão como o mais relevante fator de risco para tentativas de dar cabo à vida24. Outros, já no próprio título do trabalho, assinalam a relevância do tema da depressão, partindo do pressuposto de que essa é a chave para compreensão do problema9,12,20,25-28.
Mesmo ressaltando o papel incisivo da depressão grave, a maioria dos autores aqui consultados ressalta uma evidente combinação desse problema com morbidades físicas e mentais e problemas sociais nas tentativas de suicídio: sintomas depressivos associados a doenças graves, insônia e ausência de parentes ou amigos com quem compartilhar problemas29; perda da visão e da audição e de outras morbidades degenerativas e saúde mental abalada10; transtornos de personalidade frequentemente não diagnosticados, combinados com doenças crônicas e degenerativas que levam à perda de autonomia e à vivência de intenso sofrimento, solidão e isolamento social11,12; transtornos de personalidade associados a recentes eventos traumáticos14; falta de suporte social e inatividade combinados com sintomas depressivos e abuso de bebidas alcoólicas15; presença de doenças cerebrovasculares30 e sintomas subclínicos como ansiedade, insônia e dificuldades relacionais31; sintomas subclínicos de ansiedade e hostilidade combinados com insônia e dificuldades de relacionamento31; relação com esquizofrenia32; vivência de solidão acompanhada por dificuldades materiais e sociais de sobrevivência associada a problemas psiquiátricos e tentativas anteriores18; conflitos familiares, privação social, desesperança e baixa autoestima33,34; falta de suporte social associada com depressão grave20; solidão, isolamento, falta de apoio social, vivência em ambiente familiar conflituoso, perdas de pessoas amadas combinados com distúrbios mentais e abuso de substâncias; presença de enfermidades degenerativas que causam elevado sofrimento, e já ter praticado tentativas anteriormente13; síndrome de pânico associada ao uso abusivo de medicamentos22; transtornos de personalidade, distúrbios de ansiedade, abuso de substâncias durante a vida, problemas afetivos com a mãe na infância e desajustes sociais35; e ter personalidade neurótica e problemas afetivos que acirram a inadaptação aos problemas do envelhecimento36. Perda do pai na infância, redundando em dificuldades financeiras, problemas relacionais, prevalência de psicoses afetivas, de depressão, de abuso de álcool e comorbidades foram encontrados por De Leo et al.7 como fatores que predispõem à repetição de tentativas, num estudo multicêntrico realizado na Europa.
Alguns autores ressaltam padrões diferentes de gênero nas tentativas de suicídio entre idosos: os riscos tendem a se reduzir com a idade para mulheres e a aumentar para os homens. Cook et al.8 e Salib e Green37 ressaltam mais uma vez, o papel desencadeante da depressão grave e das morbidades psiquiátricas tanto para homens como para mulheres.
No caso das idosas, as questões que mais as levam a tentar tirar sua própria vida são principalmente a dependência física, as doenças degenerativas, os distúrbios de memória e as tentativas prévias, segundo Lebret et al.16; as doenças físicas graves (as cardiovasculares, as metabólicas, as ortopédicas e as do aparelho digestivo) que as deixam dependentes e problemas mentais como distúrbios psiquiátricos e estresse, segundo Inoue et al.38. Lau et al.39 ressaltam a baixa resiliência, o distresse, a desesperança, o isolamento social e o descontrole sobre as emoções. Blüml et al.36, mostram elevado risco para as tentativas entre as mulheres com personalidade neurótica quando combinadas com quadro depressivo em grau moderado ou severo, dificuldades de relacionamento e de adaptação às contingências do envelhecimento. Cougle et al.40 reportam que, para as mulheres idosas, as quatro principais formas de ansiedade (social, pós-traumática, por estresse e distúrbio de pânico) são preditivas de tentativas de suicídio. As idosas com personalidade neurótica, no mesmo sentido já citado por Blüml et al.36, têm forte probabilidade de desenvolver depressão, segundo Cougle et al.40. A interação entre depressão e distúrbios de ansiedade, refere esse autor, talvez explique a significância da neurose como fator de risco para as mulheres e não para os homens.
No caso dos homens, Bradvik e Berglung17 invertem o pensamento mais habitual, dizendo que a tentativa de suicídio é preditora de depressão. São assinalados, principalmente, como predisponentes: problemas de saúde, distúrbios de ansiedade e comorbidades psiquiátricas sem tratamento41; conflitos pessoais e sexuais permanentes com a esposa e desentendimentos com os filhos, separação conjugal e baixa autoestima42. Tan e Wong27 chamam atenção para a importância da depressão grave, das doenças físicas degenerativas, que provocam sofrimento ou impotência, e do baixo nível de suporte social. Miret et al.43 assinalam como fatores predisponentes: hospitalização psiquiátrica prévia; e utilização de meios letais nas tentativas prévias. Capron et al.44 acrescentam a esses fatores, ter planos de se matar, ter persistentes ideações, verbalizar as tentativas de forma irônica e sofrer distúrbios de ansiedade. Quando não há sintomas depressivos, Kato et al.23 citam o peso dos distúrbios de humor, da falta de suporte social e da inatividade como fatores predisponentes. Awata et al.15 ressaltam o abuso de bebidas alcoólicas, sintomas depressivos e outros distúrbios mentais. Como fator precipitante Conwell et al.45 citam ter uma arma de fogo em casa. Blüml et al.36 assinalam como fatores de risco o baixo grau de extroversão e de comunicação e altos níveis de ansiedade. Quanto a esse último ponto, os achados de Blüml et al.36 contrariam o que foi encontrado por Cougle et al.40, para quem a ansiedade é um fator predisponente para as mulheres e não para os homens. Numa amostra de idosos veteranos e sem teto nos Estados Unidos, Shinka et al.46 encontraram forte associação de tentativas de suicídio com histórias psiquiátricas e de abuso de substância, além de sentimentos depressivos narrados por eles próprios, reforçando os achados de Miret et al.43.
Tento em vista que a revisão contemplou o período de 2002 a 2013, é importante dizer que as maiores diferenças nos temas escolhidos para estudo se encontram entre as regiões de origem dos pesquisadores. Os artigos provenientes de autores asiáticos são principalmente de base populacional, comunitária e de arquivos hospitalares10,14,21,27,31,37,46,47, e a maioria deles apresenta coautoria com pesquisadores americanos e europeus. Algumas poucas pesquisas aprofundam assuntos específicos como o de Kim et al.48, que analisa as tentativas de suicídio por envenenamento na Coreia do Sul; e o de Kwon e Kim49, que estuda o impacto da qualidade de vida nas tentativas e ideações entre os idosos também da Coreia do Sul. Na América do Sul as investigações são quase inexistentes e os artigos são de âmbito local11,12,50. A produção é descontínua, demonstrando falta de investimento teórico no tema.
Na América do Norte e na Europa, os estudos, em geral, tendem a refinar os achados, fazendo associações e apresentando propostas de ação. É o caso do artigo de Heisel et al.20, que ressalta a concordância e as discordâncias dos relatos de idosos com os de pessoas que os apoiam sobre os temas de ideações e tentativas. As pesquisas de Cook et al.8 que focalizaram tentativas e ideações entre idosos afro-americanos e as de Baca-Garcia et al.51 entre populações idosas hispânicas também nos Estados Unidos. Há ainda as contribuições de Crandall et al.52 e Stein et al.53 sobre a articulação entre tentativas de suicídio e trauma; a revisão de Fässberg et al.54 sobre os fatores sociais associados às tentativa; o estudo de Peisah et al.55 sobre as possíveis relações entre tentativas e suicídios consumados por meio de análises clinicopatológicas; as de Wiktorsson et al.18 sobre as motivações para tentativas na população em geral e entre os idosos; estudos de acompanhamento de um grupo de idosos com tentativas prévias19; análises segundo gênero38,41; abordagens sobre risco de suicídio nas internações psiquiátricas42; sobre avaliação cognitiva de idosos que tentaram suicídio28. Ziervogel et al.26 trabalharam sobre formação de cuidadores para prevenção de ideações e tentativas de morte autoinfligida e Conwell e Thompson3 apresentam vasta produção sobre assuntos específicos e sobre prevenção.
Organizou-se uma síntese temática e temporal da totalidade de artigos aqui estudados na Tabela 1, apresentada abaixo. Os textos foram ordenados por ano de publicação e agrupados num conjunto quadrienal. Foi feita uma análise dos títulos, temas e local de publicação. Buscou-se uma visão sucinta de como os conteúdos se desdobraram ao longo de doze anos.
A evolução temporal da produção científica revelou que, entre 2002 e 2005, havia estudos de tentativa de suicídio articulados a suicídios consumados, com foco em comportamentos de risco, sendo a depressão o fator mais preocupante, associado a doenças crônicas e transtornos de personalidade.
Entre 2006 e 2009, observou-se uma expansão do tema em três continentes e os estudos buscaram delinear a severidade da depressão, da ideação, das tentativas e o impacto de fatores de risco (traumas, danos cerebrais, transtornos de ansiedade e outros).
Entre 2010 e 2013, houve um aumento na produção de artigos e uma profusão de enfoques, o tema da tentativa de suicídio aparece relacionado à ideação e a diferenças de gênero, étnicas, de faixa etária, dificuldades interpessoais, suporte social, ansiedade, qualidade de vida, a relação entre depressão e cognição e entre esperança e psicose, contexto de apoio e tratamento e tipo de inserção social.
No conjunto, constata-se uma diferenciação crescente da tentativa de suicídio, que inicialmente está muito associada à depressão, doenças e transtornos. Em seguida, há uma atenção na gravidade do quadro e nos fatores de risco associados. Por fim, há uma ênfase numa pluralidade de enfoques e dimensões, quando a tentativa é analisada por gênero, etnia, idade tardia, transtornos, traumas, relacionamentos e apoio social, revelando que o tema cresce em importância e complexidade no cenário mundial. Em todos os períodos nota-se uma preocupação crescente com a prevenção da depressão e do suicídio, e com a necessidade de maior apoio do profissional da atenção primária e da saúde mental.
Dos 75 textos analisados, apenas três utilizaram abordagem qualitativa12,33,50. Mesmo assim, os trabalhos de Matusevich, por exemplo, não descrevem o percurso metodológico que foi utilizado. Há seis revisões54,56-60. Todos os outros artigos são provenientes de abordagens epidemiológicas com bases clínicas ou populacionais.
Nesse último caso há: estudos de frequência com análises multivariadas8,16,18,22,23,36,37; estudos de prevalência a partir de base populacional10,27,41,47,61,62; análises retrospectivas baseadas em arquivos hospitalares, de emergência hospitalar7,18,19,29,31,37,50 e de hospitais psiquiátricos16,23; estudos longitudinais7,35; estudos de revisão na busca de evidências54,56,57,59,60,63,64; estudos utilizando caso controle com amostra de pacientes psiquiátricos14,17,30,31,32; estudos de caso controle de base comunitária39,65-67; estudos de base populacional com uso de escalas: Geriatric Suicide Ideation Scale (GSIS-C)16,46,63 da Beck Hopelessness Scale33; escala de Mini exame mental (MMSE)9,31 e de testes como o Anxiety Sensitivy Index (ASI)43; estudos clinicopatológicos54 e neuropsiquiátrivos57; estudos prospectivos de coorte7,19,29,33,34,51; estudos transversais randomizados de base populacional35,53,68; estudos multicêntricos por amostras randomizadas53,54,56,66, estudo de caso55; análises de tendências38,61,62,69.
A área da saúde trabalha com três níveis clássicos de prevenção: o primeiro, visando a que o problema não se manifeste; o segundo, em tendo se manifestado, propõe cuidados necessários em nível ambulatorial, familiar e comunitário; e o terceiro, diz respeito aos tratamentos que possam ajudar a superar ou a minimizar o sofrimento que leva a tentativas de suicídio.
A maioria dos autores aqui referidos não desenvolvem propostas de prevenção. Os que o fazem tem várias preocupações: revisões em busca de evidência das ações preventivas58-60,63,64; estudos avaliativos de eficácia de intervenções60,66,67,70-74; e reforço de propostas conclusivas a partir de análises epidemiológicas68,72,74-79. Muitos trabalhos dão ênfase à atenção primária que requer integração de esforços de familiares, da sociedade e, também, dos profissionais de saúde. A hipótese para o investimento no nível básico de saúde é que tentativas de suicídio costumam ser resultantes de um complexo de fatores estressantes que atravessam a existência e aparecem com mais força na velhice. Portanto, uma tentativa nunca deve ser entendida como um ato isolado66-68,75. Nesse sentido, a avaliação de risco, ainda que haja hoje vários tipos de escala que possam ajudar a realizá-la, não pode dispensar as habilidades dos profissionais de saúde para estabelecer relações de forma empática com a pessoa idosa e para dar atenção especial às circunstâncias, expectativas, qualidade de vida e história de suas doenças e de seus sofrimentos.
Alguns autores mencionam iniciativas tomadas fora do âmbito da medicina e que ajudam na prevenção das tentativas. Por exemplo, Nock et al.56, a partir de revisão da literatura, assinalam, por exemplo, o papel importante da espiritualidade, das crenças e práticas religiosas, tendo em vista a força das objeções morais a tal tipo de comportamento; e também ressaltam a efetividade do suporte social, da presença de crianças no lar e da integração da pessoa idosa na família e na comunidade13. O cultivo de amizades e de relacionamentos é assinalado como um fator protetivo importante tanto contra a depressão quanto contra a ideação, tentativas e efetivação da morte autoinfligida são assinalados por Beeston4 e Conwell e Thompson3. Outros estudos como os de Mann et al.58, Kapusta et al.62, Conwell e Thompson3 e Shah61 ressaltam que a restrição aos meios letais que facilitam as tentativas e o tratamento da depressão têm mostrado importantes resultados preventivos.
Segundo Cox et al.64 há quatro principais ações imprescindíveis para prevenção das tentativas de suicídio: restringir os meios, criando barreiras físicas a seu uso; tornar possível a busca de apoio, instalando sinalizadores e telefones para ajuda; aumentar a probabilidade de intervenção de um terceiro, através da vigilância de pessoas leigas ou profissionais de saúde treinados para isso; e alertar e encorajar a mídia a produzir reportagens de forma responsável, propiciando aos profissionais instruções sobre como se deve ou não proceder. Os autores consideram que todas as outras evidências são fracas, apesar de suas promessas.
Vários estudiosos enfatizam a importância do treinamento adequado dos profissionais de saúde que atuam na atenção primária e na atenção à saúde mental para lidar com propostas preventivas e mitigar os riscos de tentativas36,68. Serna13 insiste tanto na necessidade de conhecimentos básicos necessários aos que atuam na atenção primária como na importância do treinamento psiquiátrico. Pois, comenta o autor, existe evidência de que a maioria das pessoas idosas que tentaram ou cometeram suicídio, nos dias antecedentes ao ato havia consultado profissionais de saúde, mas não receberam deles o atendimento e os cuidados adequados59,60,76. Se os riscos fossem reconhecidos durante as consultas, os idosos mais vulneráveis com certeza teriam maior oportunidade de serem dissuadidos. Para a atenção primária, o uso do Brief Symptom Rating Scale (BSRS-5), associado com entrevista para verificar se há comprometimento cognitivo, pode ajudar os profissionais a atuar adequadamente frente ao problema31. Outros autores se preocupam com a integração dos serviços de atenção primária, emergência e os de atenção à saúde mental, para que se promova um acompanhamento efetivo de idosos que tentaram suicídio, visando à não repetição do ato3,62.
Mesmo que a depressão tenha sido um ponto importante associado às tentativas de morte autoinfligida, nos estudos aqui analisados, a ênfase foi dada à atenção primária e à necessidade de se aprimorarem os diagnósticos, para se conseguirem encaminhamentos adequados. Nos tratamentos dos casos mais graves, a proposta é que a prevenção reúna uso de medicamentos antidepressivos com vários tipos de psicoterapia: cognitiva70; dialética comportamental71; de solução de problemas77; e adaptativa72. No entanto, não há uma opinião consensual sobre o tema. Por exemplo, Erlangsen et al.69, a partir de uma pesquisa de base comunitária, demonstra que o tratamento com antidepressivos não diminuiu tentativas e suicídios consumados. Alguns autores, como Heisel75, ressaltam que não há estudos sobre a efetividade das combinações medicamentosas com as várias modalidades de psicoterapia. Mesmo porque, muitos tipos de psicoterapia que parecem ser eficazes para outros grupos de idade, dificilmente são aceitos pelos idosos. Porém, Bruce et al.66 e Szanto et al.74 encontraram efeitos positivos na combinação entre o uso de antidepressivos e terapias interpessoais, embora, referem eles, ainda não se possa afirmar o peso de uma e de outra intervenção nos efeitos do tratamento. Há igualmente outras propostas como a terapia eletroconvulsiva que trata depressão em idoso, particularmente, dos que tentam suicídio. Mas Van der Wurff et al.59 ressaltam que não há estudos que mostrem evidência da efetividade de tal procedimento.
A grande quantidade de motivos e fatores apresentados pelo conjunto de autores aqui revisitados, para explicar as tentativas de suicídio de idosos, de um lado, mostra que nunca é apenas uma causa que leva a esses atos; de outro, que não existe consenso sobre a multicausalidade do fenômeno e que falta aprofundamento sobre os fatores que realmente importam.
Grande parte dos autores referidos nesta revisão magnificam o papel da depressão na explicação das tentativas. Existem, porém, muitas controvérsias, o que se observa na argumentação de alguns pesquisadores. Richard-Devantoy et al.57, por exemplo, ressaltam que o comportamento suicida é resultado de uma complexa interação entre fatores estressantes, fatores de vulnerabilidade, incluindo-se os déficits cognitivos, com ênfase na depressão e nas histórias prévias de tentativas. Também em recente pesquisa concluída, May e Klonsky78 assinalam que de todas as motivações comumente descritas, tanto para tentativas como para ideação suicida, as únicas que podem ser consideradas universais são a desesperança e o sofrimento emocional insuportável.
Conwell et al.45, já em 2002, chamavam atenção para o fato de que estudos prospectivos de coorte e retrospectivos de caso controle indicavam que os distúrbios afetivos constituem potentes fatores de risco para que os idosos tentem suicídio e, portanto, isso tem implicação para a prevenção. Em segundo lugar, os autores assinalavam a ausência ou a perda de laços familiares, a rigidez de personalidade e outros problemas mentais com papel importante nas tentativas de suicídio de idosos. No entanto, esses estudiosos comentavam, à época, que há ainda necessidade de se definir mais precisamente as interações entre os fatores emocionais, físicos e sociais que determinam risco para tentativas e suicídios consumados, como o faz ainda Conwell79 em anos mais recentes.
Um ponto importante observado na literatura é que as tentativas geralmente sejam tratadas de modo sobreposto aos estudos de suicídios consumados, tanto do ponto de vista epidemiológico como qualitativo. Possivelmente a explicação para isso esteja no fato de que, quase sempre, o conhecimento sobre as tentativas ocorre a partir de autópsias psicológicas que trazem a perspectiva de parentes e familiares sobre os fatos passados3-6,56. É a partir desses estudos que vários motivos predisponentes têm sido conhecidos: isolamento social, mortes e perdas de pessoas referenciais, depressão, tentativas anteriores, fortes sentimentos de desesperança, comorbidades que limitam a autonomia física ou mental; sentimento de perda da função social e do sentido da existência; dores físicas permanentes e frequentes; perda da autonomia, que é sentida ao mesmo tempo como perda da dignidade e humilhação3-6,61,68.
Um ponto de grande relevância refere-se às abordagens metodológicas. A maioria dos artigos (94,7%) utiliza os instrumentais da epidemiologia. Boa parte deles trabalha com dados secundários ou com abordagens empíricas, sendo que estas últimas quase sempre são realizadas por meio da utilização de escalas. Os principais materiais de estudo são: arquivos dos serviços de saúde; resultados de surveys; estatísticas populacionais; resultados de testes de cunho psicológico e análises neuropatológicas.
Os três trabalhos (4%) que utilizam abordagem qualitativa constituem estudos de casos individuais e coletivos, com uso de entrevistas em profundidade ou por meio de outros instrumentos como o psicodrama. Sobre essa quase ausência da abordagem qualitativa nas pesquisas de tentativas de suicídio, a primeira pergunta que os desenhos metodológicos suscitam é: por que o idoso que tenta suicídio quase não é ouvido pelos pesquisadores em entrevistas em profundidade, uma vez que ele está vivo e, na maioria dos casos, tem condições físicas e mentais para definir sua situação? Não seria ele a pessoa mais importante para falar sobre suas razões, desrazões, superações e possibilidades de mudança? Essa preocupação aparece timidamente num artigo de Chen et al.47, depois de relatarem o estudo que fizeram sobre a prevalência de tentativas de suicídio, utilizando os cinco itens da “Brief Symptom Rating Scale” (BSRS-5): “quando o BSRS-5 é usado para avaliar pacientes idosos que tentaram suicídio, é melhor que o profissional de saúde mental conduza pessoalmente a entrevista, para se certificar se eles ainda têm ideias suicidas”. Os autores sugerem que a pessoa tem algo a expressar sobre o que ocorre com ela, independentemente das perguntas que lhe possam ser feitas por profissionais, a partir de seus referenciais técnicos. Quando se toma como pressuposto que as ideações e as tentativas têm a ver com as vivências existenciais nas relações, nas doenças, nas perdas e em outras circunstâncias, dever-se-ia considerar que não existe ninguém mais capaz de narrar sobre tais eventos do que a pessoa idosa.
Seguindo o raciocínio emitido no parágrafo anterior, outro ponto a ser assinalado é que a maioria dos autores, por se filiarem às áreas psicológicas e psiquiátricas, dá pouca atenção às vivências sociais, microssociais e de contextos. Elas são mencionadas apenas como uma variável que influencia nos desfechos. Adentrar-se apenas nas condições intrapsíquicas de produção das tentativas de suicídio seria a antítese da proposta de Durkheim80, para quem os problemas sociais só podem ser compreendidos por análises sociológicas. Essa tese durkheimiana há muito foi ultrapassada, mas corre-se o risco do extremo oposto, quando o que acontece apenas com o indivíduo é supervalorizado. É importante esclarecer que não se faz aqui uma crítica aos trabalhos de cunho epidemiológico com base em matrizes psicológicas e psiquiátricas. Apenas se registra um alerta sobre a necessidade de combinar métodos em que as evidências médicas possam usufruir dos argumentos dos sujeitos em sua trajetória existencial.
Inicialmente se apresentam algumas limitações deste artigo, dentre as quais: o fato de a bibliografia estudada se limitar às bases de dados citadas no método de revisão; não ter sido possível acessar todos os artigos citados na íntegra (apenas 35 deles); e, não menos importante, dificuldades de conhecimento e de análise das autoras que há pouco vêm se aprofundando no tema em pauta. No entanto, considera-se que deste estudo algumas conclusões e questões podem ser ressaltadas:
A complexidade do fenômeno das tentativas de suicídio em idosos. Grande parte dos artigos assinala a contribuição de problemas físicos, neurobiológicos, médicos, psicológicos e sociais. A maioria evidencia como elementos predisponentes: doenças graves e degenerativas, dependência física, distúrbios e sofrimentos mentais e, sobretudo, depressão severa.
Não há consenso entre os autores quanto à evidência da relevância de cada fator no desfecho das tentativas. Grande parte deles magnificam o papel da depressão, porém, há muitas controvérsias nas argumentações de vários deles. Essa enfermidade é vista em sua sintomatologia própria ou associada a questões de sofrimento físico crônico e de terminalidade da vida ou, ainda, a problemas de ordem social e cultural, como perdas, abandonos, solidão ou conflitos no interior das famílias. Para May e Klonsky78, as únicas motivações que podem ser consideradas universais são a desesperança e o sofrimento emocional insuportável, como já foi referido no corpo do texto.
As diferenças de gênero devem ser consideradas nas tentativas de mortes autoinfligidas. Condizente com todo o conhecimento universal sobre o fenômeno do suicídio, em qualquer idade, as mulheres idosas têm mais ideação e produzem mais tentativas de dar cabo à vida; os homens são os que mais chegam ao ato final por usarem instrumentos mais efetivos. Exceção existe e é mostrada nos estudos das populações da China, Japão e Singapura, onde tanto as tentativas como os atos consumados são elevados entre homens e mulheres. Numa gradação etária entre idosos, para o grupo acima de 80 anos, as tentativas diminuem entre as mulheres e aumentam entre os homens.
Do ponto de vista do papel da saúde pública, algumas questões precisam ser consideradas. (1) Na população idosa existe uma relação próxima entre ideação, tentativas e ato fatal, de tal forma que as manifestações de desejo de se matar ou alguma ação nesse sentido devem ser tratadas imediatamente, buscando-se as causas mais próximas, evitando-se a consumação do ato. (2) A literatura mostra que é possível prevenir o suicídio atuando sobre os fatores a ele associados com medidas sociais, apoio psicológico e ajuda médica.
Do ponto de vista social, é importante evitar o isolamento e o abandono do idoso, para que tenha uma vida em interação com sua comunidade e chegue com dignidade ao final da vida. Do ponto de vista médico, é fundamental dar acesso a tratamentos que possam diminuir a degenerescência, o sofrimento e as dependências. Do ponto de vista psicológico, é urgente a proposta de atendimentos psicoterápicos que apostem nas energias e nas possibilidades dos idosos e possam ser combinados com tratamentos psiquiátricos. Nesse último caso, embora a depressão seja tratada como o fator singular desencadeador mais relevante, essa enfermidade tem vários graus de severidade que exigem cuidados diferenciados. E nos tratamentos medicamentosos, muito precisa ser feito ainda para evidenciar o resultado de determinadas substâncias, de terapias eletroconvulsivas e sobre a combinação entre elas e determinadas psicoterapias. Para isso, é necessário investir na formação de profissionais capazes de compreender e diagnosticar o que leva a pessoa a tentar se matar e o que pode ajudá-la a superar a desesperança.
Como se assinalou ao início, não existe nenhum artigo de autor brasileiro registrado nas citadas bases de dados internacionais sobre tentativas de suicídio de idosos. Portanto, a importância deste estudo para o SUS é evidente, uma vez que traz para a sua agenda um problema que existe e não é tratado no país nem na teoria e nem na prática. Espera-se que esta revisão seja a base para estudos empíricos que possam se beneficiar dela, aportando informações específicas sobre a situação das tentativas de suicídio de idosos no país, a favor de um envelhecimento saudável.