versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.23 no.3 Rio de Janeiro mar. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018233.09492016
Riverine communities are exposed to mercury due to the high ingestion of fish in their diet. In order to evaluate the levels of exposure in the Tapajós region, also assessing the fish ingestion frequency, a study was conducted in adults living in riverine communities in the municipality of Itaituba in the State of Pará. Hair samples were collected for the determination of total mercury and the weekly frequency data of fish ingestion was recorded. The mean concentration of total mercury varied from 7.25μg/g (in 2013) to 10.80μg/g (in 2014), with no significant difference being observed (p = 0.1436). As for fish ingestion frequency, the majority of the individuals evaluated revealed high consumption both in 2013 and in 2014. High levels of total mercury were observed only in those with high consumption of fish in both years. The importance of ongoing monitoring of exposure levels in humans should be stressed, basing itself on indices of tolerance of 6μg/g recommended by the World Health Organization, and investigation about the consumption of fish such that strategies for control and prevention are improved.
Key words: Mercury; Mercury poisoning; Environmental exposure
O mercúrio (Hg) é um elemento químico considerado não essencial a qualquer processo metabólito1. Reconhecido por seu potencial tóxico, ele é capaz de bioacumular nos organismos e biomagnificar através da cadeia alimentar2.
Uma das vias de exposição ao mercúrio na Amazônia é através da ingestão de alimentos contaminados, mais precisamente o pescado, cuja dieta as comunidades ribeirinhas e pesqueiras utilizam como opção de cardápio alimentar. Segundo Lemire et al.3, os peixes representam a alimentação básica e a principal fonte de proteínas para populações tradicionais, as quais merecem atenção especial por possuir maior probabilidade de exposição a níveis considerados perigosos.
Muitos desastres ocorridos no mundo já foram registrados, tanto pela utilização deste metal como pelo consumo de pescado e outros alimentos contaminados. Acidentes de grande amplitude ocorreram na baía de Minamata e Niigata, no Japão; no nordeste do Iraque; na Suécia; na Guatemala; em Alamogordo, no Novo México. Com todos esses casos mencionados, houve a crescente conscientização das consequências que o mercúrio pode causar no ecossistema e na saúde pública4.
Estudos na Amazônia, acerca dos níveis de exposição ao Hg, datam desde os anos 90, período o qual altas concentrações foram identificadas, sendo objeto de preocupação em virtude dos riscos a saúde que este metal poderia provocar a populações expostas5-15.
Na região do Tapajós, os índices em amostras de cabelos configuram uma exposição permanente, sendo o pescado da região a fonte desta exposição10,11,16. A poluição ambiental neste local foi resultante tanto do despejo de mercúrio metálico decorrente da garimpagem de ouro, como de outras fontes que contaminaram os ecossistemas aquáticos, chegando à população humana através da dieta, em sua forma de metilmercúrio17.
Com o objetivo principal de avaliar os níveis de exposição na região do Tapajós, identificando também a frequência de ingestão de pescado, é proposto testar a hipótese de que nos anos 2013/2014 houve diferença na concentração de mercúrio e na frequência de ingestão de pescado nas comunidades ribeirinhas do município de Itaituba/PA.
Trata-se de um estudo observacional transversal, selecionando somente ribeirinhos adultos (18 a 60 anos), de ambos os sexos, residentes nas comunidades de São Luiz do Tapajós (SLT) e de Barreiras (BAR), ambas situadas no município de Itaituba, considerado município que compõem a região de integração do Tapajós. Este município, historicamente, sofre influência da garimpagem de ouro, estando localizado na região sudoeste do estado do Pará, limitando-se com o estado do Amazonas. Possui como coordenadas geográficas 04° 16’ 34’’ de latitude sul, e 55° 59’ 06’’ de longitude oeste. A população estimada era de 98.493 habitantes, correspondentes à área urbana e rural, incluindo as comunidades distribuídas às margens do rio Tapajós18. Estimada pelo censo da Estratégia de Saúde da Família/MS em 460 habitantes, a comunidade de SLT está situada na margem esquerda do rio Tapajós. E a comunidade de BAR está situada na margem direita à jusante Itaituba, com uma população residente estimada em 830 habitantes. As famílias residentes nessas comunidades vivem da agricultura da mandioca e da pesca de subsistência como o meio de sobrevivência financeira18.
De cada voluntário foi colhido amostras de cabelo para a determinação do mercúrio total (HgT). A amostra foi retirada de três locais diferentes do couro cabeludo, cerca de 1 centímetro de distância de sua inserção. Acondicionadas em envelope de papel devidamente identificados para serem analisadas no laboratório de toxicologia humana e ambiental do núcleo de medicina tropical (NMT), da Universidade Federal do Pará – UFPA19.
No laboratório, as amostras de cabelo foram enxaguadas com detergente neutro, lavadas intensamente com água deionizada para retirada do detergente, lavadas com 3ml de acetona e colocadas para secarem capela de exaustão para serem picotadas até a obtenção da amostra em forma de pó. Através da espectrofotometria de absorção atômica com amalgamação em lâmina de ouro, uma quantidade de 0,1g de microfragmentos de cabelo foi submetida a um medidor de mercúrio automático denominado comercialmente como Mercury Analyzer (MA), modelo SP-3D da Nippon Corporation-Japão, tendo os resultados expressos em µg/g19.
A determinação de HgT seguiu as recomendações do fabricante do equipamento – NIC Corporation, sendo utilizadas igualmente por Pinheiro et al.5, Khoury et al.12, Amoras20, Corvelo et al.11, Milhomem Filho21, Pinheiro et al.13, Lima et al.14 e Costa Junior et al.15.
A frequência de ingestão (refeições) semanal de pescado na dieta foi avaliado através de formulário seguindo a classificação descrito por Brune et al.22. O autor classifica o consumo de peixe semanal em cinco categorias: categoria I, nenhum consumo de peixe; categoria II, < 2 refeições de peixe/semana; categoria III, 2-4 refeições de peixe/semana; categoria IV, > 4 refeições de peixe/semana; e categoria V, consumo desconhecido.
Foi considerado para este estudo: categoria III, como consumo moderado de pescado e a categoria IV, como alto consumo de pescado, desprezando a categoria I e II, como baixo consumo e aqueles com consumo desconhecido.
Os resultados da concentração de HgT por serem variáveis quantitativas continuas foram expressas por medidas de tendência central (média aritmética e mediana) e de dispersão (desvio padrão). O teste Mann-Whitney foi utilizado para comparação das medianas de HgT entre os anos (2013-2014).
A frequência de ingestão de pescado foi ajustado através de frequência e percentual, pelo fato das variáveis serem classificadas como qualitativas nominais. Para avaliar diferença na frequência de ingestão de pescado entre os anos foi adotado o teste G. O teste Mann-Whitney foi utilizado para comparação das medianas da concentração de HgT daqueles com alto consumo.
As informações inseridas em banco de dados foram analisadas, adotando α = 0,05 ou 5%, com um intervalo de confiança de 95%. Para a realização dos testes foi escolhido o pacote estatístico Bio Estat 5.023.
O estudo foi conduzido de acordo com as normas da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, Ministério da Saúde, Brasil. Foi aprovado pelo CEP – NMT/UFPA. Projeto financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq).
Foi avaliado um total de 123 amostras de cabelos e dados de consumo de pescado (55 do ano de 2013 e 68 do ano de 2014). As concentrações médias de HgT no Tapajós foram 7,25 ± 5,61µg/g e 10,80 ± 10,54µg/g, respectivamente, em 2013 e em 2014. Ao comparar a concentração mediana de HgT apresentado pelas comunidades ribeirinhas, percebeu-se que não houve uma diferença significativa nas concentrações entre os anos analisados (p > 0,05) (Figura 1).
Figura 1 Níveis de HgT em cabelo (µg/g) de ribeirinhos da região do Tapajós, PA, nos anos 2013 e 2014 (teste Mann-Whitney).
No que diz respeito à ingestão (refeições) de pescado, a frequência de indivíduos com alto consumo foi superior tanto em 2013 quanto em 2014, sendo representativo, respectivamente, por 41 (74,5%) e 65 (95,6%) ribeirinhos (Figura 2). Ao comparar os anos, foi percebida nas comunidades ribeirinhas diferença significativa na frequência de ingestão (p valor = 0,0006).
Figura 2 Frequência da ingestão de pescado de ribeirinhos da região do Tapajós, PA, nos anos 2013 e 2014.
Ao analisar os níveis de HgT conforme a frequência de ingestão semanal de pescado foi observado que, em 2013, os 14 ribeirinhos com consumo moderado e os 41 com alto consumo apresentaram, respectivamente, concentração média de HgT de 5,56 ± 5,13µg/g e de 7,83 ± 5,70µg/g. Em contrapartida, em 2014, aqueles com consumo moderado (3 ribeirinhos) e alto consumo (65 ribeirinhos) obtiveram concentração média de HgT de 2,37 ± 1,19µg/g e 11,19 ± 10,62, nesta ordem (Tabela 1).
Tabela 1 Níveis de HgT conforme a frequência do consumo de pescado apresentado pelos ribeirinhos da região do Tapajós, PA, nos anos 2013 e 2014.
Consumo Peixes | Tapajós 2013 N = 55 | Tapajós 2014 N = 68 | ||||
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| ||||||
n (%) | HgT X ± DP | Md | n (%) | HgT X ± DP | Md | |
Consumo moderado | 14 (25,5) | 5,56 ± 5,13 | 3,36 | 3 (4,4) | 2,37 ± 1,19 | 2,26 |
Alto consumo | 41 (74,5) | 7,83 ± 5,70 | 6,18 | 65 (95,6) | 11,19 ± 10,62 | 7,99 |
Houve um aumento tanto na quantidade de indivíduos com alto consumo de pescado quanto na concentração média de HgT destes (7,83µg/g para 11,19µg/g), continuando com teores acima do limite ao se basear nos níveis de tolerância de 6µg/g da Organização Mundial de Saúde (OMS). Comparando a concentração mediana de HgT apresentados por aqueles com alto consumo de pescado, percebeu-se que entre os anos não houve uma diferença significativa (p > 0,05) dos níveis (Figura 3).
Nível de mercúrio no cabelo tem sido amplamente utilizado como um biomarcador confiável para avaliar a exposição humana5,7,11-15,20,21,24. Neste estudo, foi observado que de 2013 para 2014 a concentração média de mercúrio na região aumentou, permanecendo acima do limite de tolerância (6µg/g) estabelecido pela OMS. Recentemente, índices acima de 6µg/g também foram encontrados Khoury et al.12, Pinheiro et al.13, Lima et al.14, Faial et al.25 e por outros autores em estudos anteriores9,10,24,26,27.
Níveis elevados podem ser explicados principalmente pela impactação da atividade garimpeira na área com a extração de ouro, resultando na contaminação do ambiente aquático e, consequentemente, no aumento na concentração de mercúrio no pescado, cuja questão precisa ser avaliada, pois a ingestão de peixes é a rota de exposição humana na região do Tapajós10,11,16,17. Caso os índices deste metal em peixes contaminados aumentem, maior será o risco de exposição humana. Outra possibilidade seria a falta de variação alimentar na dieta por esta população que segundo Sá et al.28 é muito pobre em verduras e legumes, e com um consumo elevado de peixe como principal fonte proteica3,29.
Com relação à ingestão de pescado, o número de indivíduos com alto consumo foi superior comparados ao consumo moderado em ambos os anos. Situação também encontrada por Farripas9 e Lima et al.14 em duas comunidades ribeirinhas da região dos Tapajós. O pescado, conforme Bastos30, Bastos et al.31 e Passos et al.32, é a base da dieta alimentar de grande parte da população ribeirinha amazônica, tornando-se assim a principal via de exposição ao Hg para esta população. Outra hipótese para justificar o alto consumo de pescado na região seria o hábito cultural da pesca e da ictiofauna na região do Tapajós, cujos rios fornecem com facilidade a fonte de proteína animal. Defende-se também a questão do isolamento ou o semi-isolamento, no qual as maiorias das populações ribeirinhas vivem que propiciam um mínimo contato social com as cidades mais próximas, favorecendo ao consumo maior de pescado ao comparar com outras fontes alimentares29.
Neste estudo, individuos com alto consumo regular de pescado apresentaram maiores concentrações médias de HgT nos anos avaliados, ao comparar com aqueles com consumo moderado. Kasper et al.33 e Lebel et al.34, em seus estudos, afirmam que a quantidade de mercúrio acumulada pelo homem a partir da ingestão do peixe altera em função da quantidade e da frequência com que o peixe é consumido e dos níveis de Hg presentes nesses peixes. Barbosa et al.35 admite que o consumo regular de pescado pelos habitantes do ecossistema amazônico conribui para os altos níveis de contaminação encontrados entre os grupos vulneráveis.
Considerando que níveis elevados podem afetar a saúde humana, e que estas concentrações podem ser resultantes dos hábitos alimentares através do consumo de pescado, dos teores de mercúrio nos pescados consumidos e de outras fontes ainda não estudadas como contaminantes dos ecossistemas aquáticos, ressalta-se a importância da continuação do monitoramento dos níveis de exposição em humanos, fundamentando-se nos índices de tolerância de 6µg/g, preconizado pela OMS, e na investigação quanto ao consumo de peixes para que as estratégias de controle e prevenção sejam melhoradas.