versão On-line ISSN 2526-8910
Cad. Bras. Ter. Ocup. vol.28 no.1 São Carlos jan./mar. 2020 Epub 17-Fev-2020
http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoao1760
A desigualdade educacional no Brasil é, ainda, um dos grandes problemas do país. De acordo com os dados divulgados pelo IBGE, coletados na última Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD), em 2016, 51% da população com mais de 25 anos concluíram apenas o Ensino Fundamental, existindo, ainda, 11,8 milhões de analfabetos (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2016).
Apesar do número relativamente alto de matriculados na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, 99,2% das crianças e adolescentes entre seis e 14 anos – esse índice diminui quando se trata do Ensino Médio – 87,9% dos adolescentes e jovens entre 15 e 17 anos estão matriculados nesse nível (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2016). Os dados revelam também um elevado índice de distorção idade/série, já que 32,8% de jovens entre 18 e 24 anos estavam matriculados na Educação Básica, quando já deviam tê-la concluído. Por outro lado, destacam a importância da escola pública: 73,5% das matrículas eram nesse tipo de instituição (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2016).
Tais dados nos situam em um quadro bastante grave no que se refere à Educação Básica, sintetizado por Demerval Saviani ao afirmar que, no Brasil, entramos no século XXI sem ter realizado a tarefa que deveríamos ter cumprido ainda no século XIX, em contraste com muitos outros países, inclusive da América Latina, de erradicação do analfabetismo e universalização da educação (Saviani, 2004). Ainda que as políticas educacionais das últimas décadas tenham focalizado o acesso à escola, isso tem sido pouco para transformar esse quadro, perdurando outros dois grandes problemas: o da permanência e da aprendizagem efetiva (Ferreira Junior & Bittar, 2006).
Bittar & Bittar (2012) pontuam que a democracia brasileira permanecerá carente de conteúdo social enquanto não dermos conta do desafio de uma Educação Básica pública de qualidade e que proporcione, para todos, as mesmas oportunidades, tendo em vista que a aprendizagem e a formação crítica são partes fundamentais para a participação na vida nacional.
Deve-se somar também a este debate a Educação Especial que, mais recentemente, tem sido pautada pela perspectiva da Educação Inclusiva, mas que, no entanto, historicamente tem sido discutida de forma apartada da Educação Básica regular (Mendes, 2010).
A escolarização de pessoas com deficiências de toda ordem, convencionalmente chamada de Educação Especial, teve como marca a tendência a acontecer de forma paralela ao sistema regular de ensino. Esse processo, ao longo do tempo, esteve diretamente vinculado tanto às mudanças no entendimento sobre as deficiências como à ampliação das oportunidades educacionais para a população em geral, passando da segregação em instituições nem sempre especializadas à busca da integração em escolas comuns, a princípio, em salas especiais e, neste século, por influências de documentos e movimentos internacionais, do debate em torno da inclusão, em salas comuns no sistema regular de ensino (Mendes, 2010).
Embora os dados do censo escolar de 2017 indiquem um aumento substancial no número de matrículas de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento ou altas habilidades na Educação Básica, resta um quantitativo razoável de matriculados em salas especiais, principalmente na Educação Infantil. Além disso, a mesma pesquisa (Brasil, 2018) mostrou que a grande maioria das escolas, públicas e privadas, não possui ambiente físico adequado para receber esse alunado.
Assim, os dados estatísticos indicam que a luta por acesso, permanência, qualidade no processo de ensino e de aprendizagem e democratização na/da escola envolve tanto os alunos que são quanto os que não são público-alvo da Educação Especial, ao que Mendes (2010) acrescenta que o desafio é construir uma escola de qualidade para todos e, ao mesmo tempo, garantir que o acolhimento às especificidades seja garantido.
Propostas nesse sentido foram elaboradas pelo Plano Nacional de Educação2 (PNE) de 2014, apresentando planejamento e objetivos a serem atingidos no âmbito de toda educação brasileira até 2024. Dentre as principais metas estabelecidas, destacam-se aquelas voltadas para a universalização e garantia do direito à Educação Básica de qualidade, redução das desigualdades e valorização das diversidades dentro das escolas e, também, a valorização dos profissionais da educação (Brasil, 2014).
No que concerne à terapia ocupacional e esses processos históricos, tradicionalmente, a relação da profissão com o campo da educação tem acompanhado, principalmente, os debates em torno da Educação Especial e da Educação Inclusiva, mas, vêm sendo pautadas na área também as demais demandas da Educação Básica.
Inicialmente, com uma atuação fortemente voltada para a reabilitação, os terapeutas ocupacionais se inseriram profissionalmente em instituições especializadas em Educação Especial, que se configuraram como importantes espaços de trabalho (Bartalotti & De Carlo, 2001). Porém, com o desenvolvimento da área, outras perspectivas e espaços foram se ampliando para a atuação como, de um lado, as mudanças propostas para a educação de pessoas com deficiências, por exemplo, que chamou os profissionais a proporem ações no sentido de uma Educação Inclusiva (Rocha, 2007) e, de outro, a percepção de problemáticas sociais que demandavam modelos de intervenção específicos.
Atualmente, os parâmetros assistenciais terapêutico-ocupacionais de 2012 definidos pelo Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO), dentre as diversas modalidades, estabelecem a atuação profissional tanto na educação quanto nos contextos sociais nos âmbitos da educação regular, da Educação Especial e em serviços, programas e projetos educativos formais e não formais, englobando ações voltadas para a redução das desigualdades educacionais, inclusão de pessoas com deficiências no sistema regular de ensino, atendimento especializado em Educação Especial, adequações ambientais e de materiais, favorecimento dos processos de ensino-aprendizagem, formação para o trabalho e promoção da cidadania e participação social (Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, 2012).
Calheiros et al. (2016), em uma pesquisa acerca da produção científica da terapia ocupacional sobre a área da educação, realizaram o levantamento e a análise de 34 artigos publicados entre os anos de 2003 e 2013 em periódicos nacionais da área de terapia ocupacional, concluindo que a produção de conhecimento da terapia ocupacional em torno da educação tem se dado com base em duas principais perspectivas: uma ancorada na Educação Inclusiva e outra voltada para os problemas sociais decorrentes de situações de vulnerabilidade social (Castel, 1999).
Dentro dessa segunda perspectiva, aponta-se uma proposta de trabalho direcionado à Educação Básica e à escola pública, no sistema regular de ensino, com destaque para o Ensino Médio e para o Ciclo II do Ensino Fundamental, em que a preocupação é com a garantia do direito à educação, com acesso, permanência e qualidade, e com o exercício da cidadania de adolescentes e jovens pobres3 e/ou de camadas populares. Esse trabalho tem sido produzido, principalmente, pelo Núcleo UFSCar do Projeto Metuia4, tendo como base os fundamentos teóricos da terapia ocupacional social.
Pereira (2018), também em pesquisa acerca da interface da terapia ocupacional com a educação, buscou compreender, por meio de levantamento, sistematização e análise de artigos nacionais e estrangeiros, as proposições da terapia ocupacional na/para a escola, identificando, nas produções brasileiras, quatro eixos, assim denominados: a) inclusão social, inclusão escolar, a criança com deficiência e o diálogo com a terapia ocupacional; b) recursos e dispositivos para a prática da terapia ocupacional na escola; c) a Educação Infantil e sua interface com a terapia ocupacional; e d) infância, adolescência e juventudes em situação de vulnerabilidade social, a escola pública e a terapia ocupacional.
Em geral, a autora aponta nos três primeiros eixos propostas voltadas para a inclusão escolar de crianças com deficiência e, no último, ações com crianças e jovens inseridos em zonas de vulnerabilidade social, no que se refere aos processos de integração na sociedade capitalista (Castel, 1999), tomando a escola pública como um equipamento social estratégico para intervenções com esse público. Assim como indicado por Calheiros et al. (2016), no estudo de Pereira (2018), destacam-se nesse último eixo as produções do METUIA/UFSCar.
Criado em 1998 por docentes da área da terapia ocupacional de três universidades brasileiras: Universidade Federal de São Carlos, Universidade de São Paulo e Pontifícia Católica de Campinas, o Projeto Metuia se caracteriza como um grupo interinstitucional de estudos, formação e ações pela cidadania de grupos em processos de ruptura das redes sociais de suporte (Barros et al., 2002), tendo como proposta o desenvolvimento de projetos no âmbito do ensino, da pesquisa e da extensão universitária em terapia ocupacional social e em sua interconexão com diferentes setores (Lopes & Malfitano, 2016).
Lopes (2016) defende que a atuação no campo social deve se pautar na luta e pela garantia de dois conceitos-chave: cidadania e direitos sociais, entendendo a cidadania plena, com base nas formulações de Marshall (1967), como a garantia do exercício dos seus três componentes: direitos civis, direitos políticos e direitos sociais. Tomando a questão social que configura uma sociedade capitalista, a autora pontua que a luta pela ampliação do acesso do “trabalho” ao fundo público, por meio de políticas públicas sociais que viabilizem a consecução de direitos sociais, é fundamental, pois estes não estão, a priori, assegurados nessa sociedade.
Desde a sua criação, um dos focos do trabalho do METUIA/UFSCar é em relação às políticas sociais voltadas para a adolescência e juventude, debruçando-se sobre questões da adolescência e juventude advindas de grupos populares urbanos, produzindo reflexões, ações de pesquisa e formação profissional, por meio de intervenções terapêutico-ocupacionais viabilizadas pela extensão universitária. Ganham destaque nesses trabalhos as políticas educacionais e a escola pública, por sua centralidade em relação a esse público (Lopes, 2013).
É nesse sentido que, como apontado por Calheiros et al. (2016), tais propostas partem de um pressuposto diverso das demais, tendo em vista que as demandas emergem das condições socioeconômicas dessa população e não de suas necessidades educativas especiais.
Com vistas a compreender de forma mais aprofundada o que tem sido produzido pelo METUIA/UFSCar na e em relação com a escola pública, vem sendo empreendida uma pesquisa de doutorado que tem como objetivo geral responder a essa pergunta. No recorte que aqui se apresenta, objetivou-se reunir e analisar as produções bibliográficas desse grupo em relação à escola pública, tomando-as como fonte de dados documentais.
Este texto decorre de uma pesquisa documental (Cellard, 2008) cuja fonte foi o material bibliográfico produzido pelo METUIA/UFSCar em torno da escola pública, entre 2006 e 2016.
Tais fontes foram buscadas na página online do METUIA/UFSCar (Universidade Federal de São Carlos, 2017) e no currículo de suas coordenadoras na Plataforma Lattes/CNPq. Em uma primeira etapa exploratória, foram levantadas as produções que, por meio da leitura de seus títulos, poderiam se enquadrar nos objetivos da pesquisa, sendo que, havendo alguma dúvida nessa fase, a produção era incluída na fase seguinte. Foi solicitado, via e-mail, às coordenadoras que nos disponibilizassem os documentos que não eram de domínio público, como relatórios de pesquisa e iniciação científica, para que fossem submetidos, juntamente com os que estavam disponíveis online, a uma pré-análise.
Com base na leitura das palavras-chave e resumos, foram incluídos os trabalhos que tinham escola e termos correlatos no título, nas palavras-chave ou que apresentassem em seu resumo uma articulação explícita com a escola, e, ainda, que tivessem sido produzidos por terapeutas ocupacionais e/ou na área da terapia ocupacional. Optou-se por uma composição mais ampla, ainda que diversificada, dos tipos de produção bibliográfica, em uma estratégia que buscou agregar mais elementos diante do escopo de interesses da pesquisa.
Foram reunidas 45 produções, sendo: três relatórios de pesquisa, duas teses de doutorado, seis dissertações de mestrado, nove relatórios de iniciação científica, oito capítulos de livros e 17 artigos5, conforme a Tabela 1, a seguir:
Tabela 1 Produções bibliográficas do METUIA/UFSCar acerca da escola pública entre 2006 e 2016.
Título | Autor(a)/Autores(as) | Natureza/Nível Acadêmico | Ano |
---|---|---|---|
Problemas e perspectivas escolares no cotidiano dos meninos e meninas trabalhadores da UFSCar. | Diana Basei Garcia. Orientadora: Roseli Esquerdo Lopes | Relatório de iniciação científica | 2006 |
Terapia Ocupacional Social e a Infância e a Juventude Pobres: Experiências do Núcleo UFSCar do Projeto METUIA. | Roseli Esquerdo Lopes; Ana Paula Serrata Malfitano; Carla Regina Silva; Patrícia Leme de Oliveira Borba; Beatriz Akemi Takeiti; Diana Basei Garcia; Paula Giovana Furlan | Relato de experiência | 2006 |
Políticas Públicas, Educação, Juventude e Violência da Escola: quais as dinâmicas entre os atores envolvidos? | Carla Regina Silva. Orientadora: Roseli Esquerdo Lopes | Dissertação de mestrado | 2007 |
Adolescentes e Jovens em Escolas Públicas de Ensino Médio na Cidade de São Carlos: perfil sócio-econômico e estudo exploratório de sua avaliação acerca da violência na escola. | Beatriz Rocha Moura. Orientadora: Roseli Esquerdo Lopes | Relatório de iniciação científica | 2007 |
Adolescentes em Programas de Medidas Sócio-Educativas em Meio Aberto e a Escola na Cidade de São Carlos. | Sara Caram Sfair. Orientadora: Roseli Esquerdo Lopes | Relatório de iniciação científica | 2007 |
Adolescentes e Jovens – A Vida numa Sociedade de Risco. | Roseli Esquerdo Lopes | Relatório de pesquisa | 2007 |
O campo da educação e demandas para a terapia ocupacional no Brasil. | Roseli Esquerdo Lopes; Carla Regina Silva | Ensaio | 2007 |
Juventude pobre, violência e cidadania. | Roseli Esquerdo Lopes; Rubens de Camargo Ferreira Adorno; Ana Paula Serrata Malfitano; Beatriz Akemi Takeiti; Carla Regina Silva; Patrícia Leme de Oliveira Borba | Artigo | 2008 |
Sala de leitura e escrita com jovens e adultos em uma escola pública de periferia urbana na cidade de São Carlos (SP). | Débora Monteiro do Amaral; Carla Regina Silva; Roseli Esquerdo Lopes | Capítulo de livro/relato de experiência | 2008 |
Fomento de Metodologias Participativas com a Juventude: apontamentos sobre experiências de intervenção na busca da articulação entre extensão, ensino e pesquisa. | Roseli Esquerdo Lopes; Ana Paula Serrata Malfitano; Carla Regina Silva; Patrícia Leme de Oliveira Borba; Beatriz Akemi Takeiti | Capítulo de livro/relato de experiência | 2008 |
(Re)Pensando o cotidiano na Escola de Tempo Integral – a experiência de uma Escola Estadual na periferia da cidade de São Carlos (SP). | Brena Talita Cuel. Orientadora: Roseli Esquerdo Lopes | Relatórios de iniciação científica | 2008 e 2009 |
Violência, Escola e Jovens de Grupos Populares Urbanos: o caso de estudantes de Ensino Médio de São Carlos/SP. | Roseli Esquerdo Lopes; Carla Regina Silva; Beatriz Rocha Moura; Jorge Oishi | Artigo | 2009 |
Expressão livre dos jovens por meio do fanzine: recurso para a terapia ocupacional social. | Gustavo Artur Monzeli. Orientadora: Roseli Esquerdo Lopes | Relatório de iniciação científica | 2010 |
Oficinas de Atividades como Processos Educativos e Instrumento para o Fortalecimento de Jovens em Vulnerabilidade Social. | Natalia Keller de Almeida Trajber. Orientadora: Roseli Esquerdo Lopes | Dissertação de mestrado | 2010 |
Escola, adolescência e juventude em grupos populares: cidadania, direitos e políticas públicas | Roseli Esquerdo Lopes et al. | Relatório de pesquisa | 2010 |
Problemas e Perspectivas Escolares e de Trabalho no Cotidiano dos Meninos e Meninas Trabalhadores da UFSCar. | Roseli Esquerdo Lopes; Diana Basei Garcia | Artigo | 2010 |
Educação profissional, pesquisa e aprendizagem no território: notas sobre a experiência de formação de terapeutas ocupacionais. | Roseli Esquerdo Lopes; Ana Paula Serrata Malfitano; Carla Regina Silva; Patrícia Leme de Oliveira Borba; Michelle Selma Hahn | Relato de experiência | 2010 |
Reconstruindo Trajetórias de Jovens no Jardim Gonzaga: da prática do ato infracional às relações dentro da instituição escolar. | Beatriz Prado Pereira. Orientadora: Roseli Esquerdo Lopes | Relatório de iniciação científica | 2011 |
Percursos juvenis e trajetórias escolares: vidas que se tecem nas periferias das cidades. | Carla Regina Silva. Orientadora: Roseli Esquerdo Lopes | Tese de doutorado | 2011 |
Oficinas de Atividades com Jovens da Escola Pública: Tecnologias Sociais entre Educação e Terapia Ocupacional. | Roseli Esquerdo Lopes; Patrícia Leme de Oliveira Borba; Natalia Keller de Almeida Trajber; Carla Regina Silva; Brena Talita Cuel | Relato de experiência | 2011 |
Acompanhamento Individual e Articulação de Recursos em Terapia Ocupacional Social: Compartilhando uma Experiência. | Roseli Esquerdo Lopes; Patrícia Leme de Oliveira Borba; Mayra Cappelaro | Relato de experiência | 2011 |
Escola Pública em Foco: Incidência, Discursos e Dilemas na Relação com o Adolescente em Conflito com a Lei. | Franciele Dariolli. Orientadora: Roseli Esquerdo Lopes | Relatório de iniciação científica | 2012 |
Educação Sexual para Adolescentes e Jovens: o que preveem os documentos públicos nos níveis federal e estadual em São Paulo. | Sara Caram Sfair. Orientadora: Marisa Bittar, Coorientadora: Roseli Esquerdo Lopes | Dissertação de mestrado | 2012 |
Juventude marcada: relações entre ato infracional e a escola pública em São Carlos – SP. | Patrícia Leme de Oliveira Borba. Orientadora: Roseli Esquerdo Lopes | Tese de doutorado | 2012 |
Adolescentes em medidas socioeducativas em meio aberto e a escola. | Roseli Esquerdo Lopes; Sara Caram Sfair; Marisa Bittar | Artigo | 2012 |
Adolescentes e Jovens em Escolas Públicas de Ensino Médio em São Carlos/SP: Perfil Socioeconômico e a Questão da Violência. | Roseli Esquerdo Lopes; Carla Regina Silva; Beatriz Rocha Moura; Jorge Oishi | Capítulo de livro | 2012 |
Trajetórias Juvenis: do cumprimento da medida socioeducativa em meio aberto às relações com a instituição escolar. | Renata Cacioli Jaime Rodrigues. Orientadora: Roseli Esquerdo Lopes | Relatório de iniciação científica | 2013 |
Em casa, na pista ou na escola é tanto babado: espaços de sociabilidade de jovens travestis. | Gustavo Artur Monzeli. Orientadora: Roseli Esquerdo Lopes | Dissertação de mestrado | 2013 |
Expressão livre de jovens por meio do Fanzine: recurso para a terapia ocupacional social. | Roseli Esquerdo Lopes; Patrícia Leme de Oliveira Borba; Gustavo Arthur Monzeli | Artigo | 2013 |
Conflito, Diálogo e Permanência: o Professor Mediador, o Adolescente que Cometeu Ato Infracional e a Escola. | Maria Fernanda Jorge Rocha. Orientadora: Marisa Bittar, Coorientadora: Roseli Esquerdo Lopes | Dissertação de mestrado | 2014 |
Por que ir à escola? O que dizem os jovens do Ensino Médio. | Beatriz Prado Pereira. Orientadora: Roseli Esquerdo Lopes | Dissertação de mestrado | 2014 |
Social occupational therapy: conversations about a Brazilian experience. | Ana Paula Serrata Malfitano; Roseli Esquerdo Lopes; Lilian Magalhães; Elizabeth Townsend | Artigo | 2014 |
Recursos e tecnologias em terapia ocupacional social: ações com jovens pobres na cidade. | Roseli Esquerdo Lopes; Ana Paula Serrata Malfitano; Carla Regina Silva; Patrícia Leme de Oliveira Borba | Relato de experiência | 2014 |
Escola, Juventude e Cidadania: Relação entre a Escola e o Ato Infracional em São Carlos (SP) | Roseli Esquerdo Lopes et al. | Relatório de pesquisa | 2015 |
Trajetórias escolares de adolescentes em conflito com a lei: subsídios para repensar políticas educacionais. | Patrícia Leme de Oliveira Borba; Roseli Esquerdo Lopes; Ana Paula Serrata Malfitano | Artigo | 2015 |
Historia, conceptos y propuestas en la terapia ocupacional social de Brasil. | Roseli Esquerdo Lopes; Ana Paula Serrata Malfitano; Carla Regina Silva; Patrícia Leme de Oliveira Borba | Artigo | 2015 |
Educação sexual para adolescentes e jovens: mapeando proposições oficiais. | Sara Caram Sfair, Marisa Bittar, Roseli Esquerdo Lopes | Artigo | 2015 |
METUIA/UFSCar na escola: 10 anos de atividades | Karen Garcia de Godoy. Orientadora: Roseli Esquerdo Lopes | Relatório de iniciação científica | 2016 |
Por que ir à Escola? Os sentidos atribuídos pelos jovens do ensino médio. | Beatriz Prado Pereira; Roseli Esquerdo Lopes | Artigo | 2016 |
O Professor Mediador Escolar e Comunitário: uma prática em construção. | Maria Fernanda Jorge Rocha, Marisa Bittar, Roseli Esquerdo Lopes | Artigo | 2016 |
A escola pública como temática para a terapia ocupacional social | Lívia Celegati Pan; Marina Jorge da Silva | Capítulo de livro/relato de experiência | 2016 |
Juventude e educação: a trajetória constituída pelo não lugar | Carla Regina Silva | Capítulo de livro/relato de experiência | 2016 |
Em “Caravana” rumo à promoção de direitos: divulgando e dialogando sobre o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) nas escolas | Letícia Brandão de Souza; Aline Cristina de Morais | Capítulo de livro/relato de experiência | 2016 |
Traçados de vida e as marcas do sistema socioeducativo | Patrícia Leme de Oliveira Borba, Beatriz Prado Pereira | Capítulo de livro/relato de experiência | 2016 |
Jóvenes pobres em la ciudad: contribuciones de la terapia ocupacional social | Roseli Esquerdo Lopes; Ana Paula Serrata Malfitano; Carla Regina Silva; Patrícia Leme de Oliveira Borba | Capítulo de livro/relato de experiência | 2016 |
Por fim, todos os trabalhos foram lidos na íntegra e analisados de acordo com referenciais advindos de fundamentos sócio-históricos da educação, em geral e no Brasil, da sociologia das juventudes e da terapia ocupacional social, aplicados às temáticas abordadas, à compreensão de escola pública e às possibilidades de intervenção da terapia ocupacional social nesse âmbito. Esse processo resultou no agrupamento de tais dados em três conjuntos temáticos, a seguir apresentados e discutidos: a juventude em foco, a escola pública como equipamento social e propostas de atuação da terapia ocupacional social na escola pública.
O trabalho do METUIA/UFSCar em torno da escola pública tem como centro a proposta de lidar com a produção de conhecimentos que contribuam com problemas vivenciados por uma camada importante da população brasileira: adolescentes e jovens pobres (Lopes, 2013).
Esse início é marcado pelo desenvolvimento de um primeiro projeto mais amplo de pesquisa pela equipe do Laboratório METUIA da UFSCar: “Escola, adolescência e juventude em grupos populares: cidadania, direitos e políticas públicas”, originalmente apresentado ao Programa de Pós-graduação em Educação da UFSCar, entre os anos de 2004 e 2010, que envolveu os trabalhos de Garcia (2006), Silva (2007), Moura (2007), Sfair (2007) e Cuel (2009).
Estes trabalhos lidam com a temática da violência e problematizam a ideia enraizada na sociedade brasileira do jovem pobre como aquele que comete violência, discutindo-se as violências e violações de direitos sofridas de forma recorrente por esses jovens desde a infância que, além de outras implicações, favorecem a evasão escolar.
Paralelamente e em conjunto a essas pesquisas, eram realizados projetos de extensão universitária6, promovendo intervenções em terapia ocupacional social com jovens de grupos populares urbanos dentro e fora da escola pública, o que permitiu tanto potencializar a pesquisa então em construção, como viabilizar a formação prática profissional de estudantes de graduação nessa subárea na cidade de São Carlos – SP.
É esse processo de construção de propostas extensionistas, especialmente aquelas apoiadas pelo Programa de Apoio à Extensão Universitária (PROEXT), da Secretaria de Ensino Superior do Ministério da Educação, que favorecia as condições para a realização dessas atividades, inclusive com possibilidade de contratação de profissionais e pagamento de bolsas para alunos de graduação, que, articuladas com ações de pesquisa, propiciaram a consolidação da produção de conhecimento e formação profissional em terapia ocupacional social, tomando como foco a juventude pobre (Lopes, 2013).
Embora o Projeto Metuia existisse desde 1998, até 2005, as intervenções terapêutico-ocupacionais do Núcleo UFSCar aconteciam em São Paulo-SP e em Campinas-SP, quando passaram a ser realizadas também na cidade de São Carlos-SP, o que, pode-se dizer, coloca no centro dos interesses do METUIA/UFSCar a relação juventude, escola e terapia ocupacional social, pois, ainda que a escola perpassasse as discussões das produções anteriores, especialmente quando se tratava da infância e juventude (Lopes et al., 2001, 2002; Malfitano & Lopes, 2004), esta não se colocava como um lócus de intervenção.
Em continuidade, entre os anos de 2010 e 2015, desenvolveu-se outro projeto temático de pesquisa: “Escola, juventude e cidadania: relação entre a escola pública e o ato infracional em São Carlos (SP)”, com a realização dos subprojetos de pesquisa de Pereira (2011), Borba (2012), Dariolli (2012), Rodrigues (2013) e Rocha (2014).
Tais trabalhos também se relacionam com a questão da violência, mas se debruçaram especificamente sobre a relação de jovens e adolescentes que cometeram ato infracional, tanto buscando apreender suas relações com a escola quanto as estratégias que os sujeitos da escola utilizam para lidar com esse público, compreendendo que sua permanência na escola não está, a priori, garantida.
Outras temáticas abordadas, mas de forma minoritária em outras pesquisas, foram a potencialidade do uso de recursos e metodologias específicas em ações com jovens (Monzeli, 2010; Trajber, 2010), os impactos das políticas educacionais nas trajetórias individuais de alguns jovens (Silva, 2011), políticas voltadas para a educação sexual de jovens (Sfair, 2012), a relação de jovens travestis com a escola (Monzeli, 2013) e as motivações que os jovens no Ensino Médio constroem para permanecerem na escola (Pereira, 2014).
Parte dos resultados desses trabalhos de pesquisa foi publicada em artigos em periódicos de diferentes áreas, desvelando um diálogo tanto com a terapia ocupacional (Lopes & Garcia, 2010; Lopes et al., 2012; Malfitano et al., 2014) quanto com outras, como a saúde pública (Lopes et al., 2008, 2013; Sfair et al., 2015) e com a educação (Lopes et al., 2009; Borba et al., 2015; Pereira & Lopes, 2016; Rocha et al., 2016).
Destaca-se no delineamento dessa construção a figura da professora Roseli Esquerdo Lopes, especialmente por sua vinculação com o Programa de Pós-graduação em Educação da UFSCar, o que permitiu a formação em mestrado e doutorado de terapeutas ocupacionais (Silva, 2007, 2011; Borba, 2012), com estudos que discutiam questões relacionadas à escola pública e à juventude, perpassadas pela terapia ocupacional, em um momento que até então não existia uma pós-graduação específica na área de terapia ocupacional.
Com a criação do Programa de Pós-graduação em Terapia Ocupacional da UFSCar (PPGTO/UFSCar), a maior parte dos trabalhos de pós-graduados passa a estar vinculada a esse programa, apresentando um maior exercício de correlação com a terapia ocupacional. Até então, as principais articulações feitas, no que se refere à terapia ocupacional, eram a respeito do uso das metodologias de trabalho da terapia ocupacional social para coleta e/ou construção de dados e incremento dos processos de pesquisa. Com o PPGTO/UFSCar, foi possível pautar de forma mais adensada as questões da juventude pobre, nas quais se incluem suas relações com a escola pública, no interior da área da terapia ocupacional.
No que concerne às compreensões teóricas, o conjunto desses trabalhos se embasa em uma perspectiva sócio-histórica, tomando determinados conceitos em torno de Estado, sociedade capitalista e do papel das políticas públicas, particularmente as sociais. Nesse sentido, discutem-se os direitos a serem garantidos por tais políticas para a efetivação da plena cidadania, com foco na infância e juventude (Lopes, 2016).
Um referencial que se destaca é Robert Castel, utilizado em todos os trabalhos para o entendimento dos processos de (não) inserção social, que geram situações de vulnerabilidade, fundamentando a proposição de ações em terapia ocupacional social que visem ao fortalecimento das redes sociais de suporte, como em diversos relatos de experiências (Lopes et al., 2006, 2008, 2010, 2011a, 2011b, 2014).
Seguindo esse raciocínio teórico, os trabalhos revelam um entendimento da escola pública como um equipamento social que compõe uma rede de serviços de atenção e cuidado de crianças e jovens. Como tal, a escola deveria trabalhar em conjunto com os demais serviços em prol da sua população-alvo. Coloca-se em debate, portanto, uma ideia de escola que não teria o papel “apenas” de garantir a aprendizagem dos conteúdos curriculares, mas também de cuidado, naquilo que é a garantia dos direitos sociais de seus alunos. Isto remete a uma grande discussão do campo da educação, para a qual não há consensos, sobre qual é a função social da escola pública (Bueno, 2001).
Se por um lado os índices educacionais indicam que não temos conseguido efetivar padrões mínimos de qualidade em termos de aprendizagem, por outro, o processo de construção histórica da escola no Brasil desenhou um modelo de escola pública voltada para as classes populares (Buffa, 2012), as quais, no geral, vivem condições precárias de acesso aos bens sociais, que dificultam os processos de cuidado, sejam educacionais ou socioassistenciais.
Não se trata, obviamente, de cobrar mais uma função de uma escola que já é tão cobrada pela sociedade, mas sim de refletir e colocar em debate que tipo de suporte a escola, em conjunto com os outros serviços e equipamentos que compõem essa rede, pode oferecer para crianças e jovens.
Dada a complexidade das demandas em torno da infância e da juventude pobre e dos níveis de vulnerabilidade e violações a que estão submetidas, é necessário que se pense em uma rede de cuidado, que envolve a escola pública, mas não apenas, que se articule para que se garanta, de fato, os direitos desses sujeitos (Malfitano, 2009).
De acordo com Marshall (1967), a cidadania só é plena quando todos os seus componentes estão garantidos: cidadania civil, cidadania política e cidadania social, sendo que esta última, ou seja, os direitos e deveres a ela correlatos, dependerão dos esforços da sociedade em geral para compor um fundo público (deveres) para que políticas sociais a efetivem para todos (direitos) (Lopes, 2016). Até o momento, no Brasil, consideramos saúde, educação e assistência social como direitos sociais básicos, estando previstas nas políticas afetas a esses setores sua articulação e/ou integração para que se complementem na consecução do “cuidado/direito” educacional e socioassistencial do cidadão. Torna-se necessário, portanto, profissionais que assimilem a dimensão e importância de um trabalho que se volte para a articulação dos serviços e das ações dos diferentes setores.
De certa forma, embora as produções aqui analisadas não façam uma referência direta à Educação Inclusiva, pode-se compreender que as ações propostas se coadunam com essa perspectiva, na medida em que defendem uma escola única e que acolha todas as diversidades, como preconizado pela Declaração Mundial sobre Educação para Todos (1990) e pela Declaração de Salamanca (1994).
No entanto, compreende-se também que, apesar de haver essa correlação, tais propostas, como apresentado em Lopes et al. (2006, 2008, 2010, 2011a, 2011b, 2014), extrapolam o âmbito da Educação Inclusiva, pois entendem que o acesso e a permanência na escola é “apenas” uma das demandas dessa população e um dos elementos para o exercício de sua cidadania e participação social. Sendo estes objetivos da terapia ocupacional, faz-se necessária uma proposta de intervenção que se volte também para fora da escola.
No bojo dessa discussão, há que se ressaltar o fato de que muitos documentos internacionais que apontam ou até mesmo induzem a adoção de medidas inclusivas, como indica Mendes (2010), foram formulados por países que já possuem um sistema de Educação Básica, público e de qualidade efetivo e eficaz, ao contrário de países como o Brasil.
Apreende-se que o conjunto dessa produção explicita processos de exclusão vivenciados pelos jovens na escola pública e revela demandas que necessitam ser trabalhadas, propondo formas de lidar com tais questões com base na terapia ocupacional social. Essas propostas são trazidas nas publicações dos relatos de experiência: Lopes et al. (2006, 2008, 2010, 2011a, 2011b, 2014, 2016), Amaral et al. (2008), Pan & Silva (2016), Silva (2016), Souza & Morais (2016) e Borba & Pereira (2016), que pontuam as possibilidades de contribuição da terapia ocupacional social com/na escola pública, assim como permitem a reflexão e teorização sobre o que se faz.
Nesse sentido, destacam-se os trabalhos de Lopes et al. (2011b, 2014, 2015, 2016), os quais elaboram teoricamente algumas metodologias de intervenção da terapia ocupacional social, a saber: Acompanhamento Individual/Singular Territorial, Oficinas de Atividades, Dinâmicas e Projetos, Articulação da Rede de Atenção e Dinamização dos Recursos, propondo que estas se constituam como tecnologias sociais passíveis de replicação.
Com base em uma compreensão de escola pública como um equipamento social e do uso dessas metodologias, são realizadas intervenções tanto dentro como fora da escola. Embora não haja nenhuma pesquisa que se debruce sobre seus resultados, as produções nos permitem algumas inferências.
As proposições, naquilo que se refere aos objetivos, voltam-se para dois âmbitos: um para a escola enquanto instituição e outro direcionado aos alunos. Exemplificam isso os discursos, especialmente nos textos de Lopes et al. (2008, 2011a, 2014), Pan & Silva (2016) e Borba & Pereira (2016), em relação à busca de fortalecimento da instituição escolar, ressignificação do processo de escolarização e ampliação das formas de se conceber a ação educativa.
No entanto, o que é trazido nos relatos são ações com os jovens na escola, geralmente em salas de aula, na hora do intervalo, abordando temas concernentes ao universo juvenil, como direitos civis, políticos e sociais, sexualidade, violência, drogas lícitas e ilícitas, e algumas parcerias e trabalhos com os professores e com a gestão escolar como na disciplina de Sociologia, por exemplo, e em intervenções nas Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo (ATPC), além da continuidade e extensão dessas intervenções com os jovens para fora da escola, por meio de acompanhamentos individuais e territoriais. Assim, o conjunto dessas produções revela que apesar de haver propostas para a escola enquanto instituição, o que se alcança, em geral, são os seus alunos, na medida em que se encontram entraves para realização de ações com professores e gestores, como trazido em Sfair (2007), Cuel (2009), Borba & Pereira (2016), Silva (2016) e Souza & Morais (2016). Da mesma forma, ainda que as intervenções propostas sejam grupais e coletivas, os resultados mais palpáveis são percebidos naqueles jovens que se aproximam e se vinculam com os profissionais da equipe, trazendo relatos sobre sua participação nas atividades, como aparece em Garcia (2006), Sfair (2007), Amaral et al. (2008), Cuel (2009), ou demandas que se desdobram em acompanhamentos individuais, como em Lopes et al. (2011b).
Estes dados trazem indicadores sobre os limites e as potências dos projetos de extensão universitária no que se refere à intervenção profissional. Por um lado, para que se conseguisse propostas mais efetivas no âmbito da instituição escolar seria preciso um trabalho conjunto mais amplo e integrado, com toda a equipe escolar, não apenas com os jovens, mas que, ao mesmo tempo, as políticas e/ou programas educacionais favorecessem, de fato, a gestão democrática da escola pública e o trabalho coletivo, inclusive com as famílias e comunidade (Dourado, 2007). De outro, a não institucionalidade do vínculo profissional permitida pela extensão universitária possibilita maior flexibilidade na proposta de trabalho, o que potencializa os acompanhamentos individuais, já que exige disponibilidade do técnico para estar junto em diferentes contextos da vida dos jovens, como indicado por Lopes et al. (2011b, 2013), por exemplo.
Tais proposições práticas podem ser consideradas exemplos de como a terapia ocupacional pode contribuir para a conquista de algumas das metas do Plano Nacional de Educação (Brasil, 2014), especialmente aquelas voltadas para a redução das desigualdades e da valorização das diversidades na escola.
Isto nos remete a uma discussão sobre quais as defesas em torno da atuação do terapeuta ocupacional na Educação Básica e na escola pública e quais as propostas de inserção profissional da terapia ocupacional nesse setor. Embora a profissão seja definida como também “da educação” e de haver parâmetros para a atuação nesse setor (Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, 2012), os terapeutas ocupacionais não são reconhecidos, ainda, pelo setor da educação, no sentido de não haver regulamentações que prevejam sua contratação. Não obstante, quem acompanha os debates em torno da formação e definição profissional do terapeuta ocupacional sabe que boa parte dos profissionais se identifica apenas com o setor da saúde, mesmo os que atuam na educação, por exemplo (Pan & Lopes, 2016).
Outras categorias profissionais têm buscado inserção profissional no setor, como serviço social e psicologia7, defendendo a obrigatoriedade da presença desses profissionais nas escolas. Se de um lado a crítica ao fato de a escola não dar conta das demandas com as quais lida se constitui como estratégia de ampliação do mercado de trabalho para algumas profissões, por outro, fragiliza o entendimento da escola pública como equipamento social, que deveria trabalhar em conjunto com outros equipamentos, assim como põe em cheque a responsabilidade e capacidade da rede de atenção e serviços voltados à infância e à juventude, que deveriam dar conta do cuidado a essa população.
No âmbito da terapia ocupacional, é preciso uma discussão conjunta entre pesquisadores e profissionais da área que elaboram, sob diferentes perspectivas, intervenções terapêutico-ocupacionais na Educação Básica, com vistas a se construir consensos de propostas e parâmetros para essa atuação profissional.
O trabalho desenvolvido pelo METUIA/UFSCar traz como principais pontos de debates para a terapia ocupacional as demandas emergentes do campo social, para as quais a profissão tem recursos para lidar, e a juventude popular urbana como um público que, no bojo da questão social, deve ser considerado. As produções elaboradas pelo grupo com essa população colocam a centralidade da escola pública, haja vista sua importância na nossa sociedade naquilo que nela se projeta como espaço de oportunidades para emancipação e participação social, mas também por seus mecanismos de exclusão, os quais deixam de fora parcelas significativas da infância e juventude.
A discussão que se pretendeu apresentar não visa, obviamente, a tensionar a necessidade de priorizar públicos, ao contrário, tem a intenção de levantar o debate sobre a necessidade e o desafio, no qual a terapia ocupacional pode e deve se colocar, de construção de uma escola de qualidade para a mais ampla diversidade de crianças e jovens.
Consideramos que as produções do METUIA/UFSCar pontuam demandas importantes a serem lidadas por terapeutas ocupacionais em suas práticas, problematizando sua contribuição em torno da Educação Básica no Brasil e da marca da desigualdade social que esta carrega e que perdura ainda no Século XXI.
Ressalta-se, aqui, o desafio da área em construir parâmetros comuns acordados para uma atuação profissional que se volte para toda a diversidade de demandas da Educação Básica, incluindo aquelas tradicionalmente colocadas no campo das deficiências, mas não apenas.