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Terapias Alternativas com Base em Evidências que “Tocam o Coração”

Terapias Alternativas com Base em Evidências que “Tocam o Coração”

Autores:

Anderson Donelli da Silveira,
Ricardo Stein

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170

Arq. Bras. Cardiol. vol.113 no.6 São Paulo dez. 2019 Epub 02-Dez-2019

https://doi.org/10.36660/abc.20190719

Introdução

Desfibrilador implantável subcutâneo, stents com polímeros bioabsorvíveis e implante de valva aórtica transcateter para certos pacientes com estenose aórtica grave, assim como o uso de novos anticoagulantes, são exemplos palpáveis do avanço terapêutico da cardiologia no final desta segunda década do século XXI. Em paralelo, embora recebendo um aporte financeiro infinitamente menor e sem tanta visibilidade nas revistas científicas e nos congressos cardiológicos, intervenções não farmacológicas consideradas “alternativas” também vêm sendo testadas com o objetivo de melhorar desfechos importantes nesses mesmos pacientes. Além disso, na cardiologia, estudos utilizam a meditação, o Tai Chi Chuan (TCC), o ioga e até a risoterapia como tratamento. Nesse cenário, tal atualização clínica tem como objetivos: 1) Fazer com que o leitor dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia tenha acesso a informações sobre as terapias alternativas citadas; 2) Viabilizar, se for do interesse dos envolvidos, a utilização delas no dia a dia profissional; 3) Mostrar que pesquisadores brasileiros estão publicando artigos envolvendo algumas dessas terapias alternativas em periódicos, como os Arquivos Brasileiros de Cardiologia, assim como em revistas internacionais de impacto.

Preâmbulo - Meditação, TCC e ioga

A meditação, o TCC e o ioga são práticas orientais milenares que, nas últimas décadas, se tornaram mais populares e se difundiram no Ocidente. Todas têm em comum o fato de serem encontradas em textos e escrituras antigas, com suas bases e seus fundamentos, por muitas vezes, representando uma área de intersecção entre o “sagrado” e a ciência.

Essas atividades têm em comum a integração entre o corpo e a mente, visando, além dos benefícios físicos e fisiológicos, a uma transformação na visão de mundo em busca de mais felicidade, qualidade de vida e paz interior. Houve um aumento marcado na quantidade de publicações sobre essa temática nas últimas décadas; contudo, são poucos os estudos observacionais e ensaios clínicos randomizados (ECR) bem delineados e sem potenciais vieses ou conflitos de interesse contemplando essas três práticas. Alguns deles serão detalhados a seguir.

Meditação

É uma prática cuja origem data de mais de 5.000 anos e, embora muito associada ao budismo e hinduísmo, está presente na maioria das doutrinas religiosas, incluindo as três grandes religiões monoteístas (cristianismo, judaísmo e islamismo).

O termo “meditação” engloba diversas práticas com preceitos semelhantes, que podem ser técnicas com base no budismo (zazen, shamata e vipassana), no ioga (meditação Raja Yoga), na meditação transcedental, na atenção plena (mindfulness) e até mesmo na meditação compassiva (budismo tibetano). Por isso, uma definição adequada da técnica e dos procedimentos é muito importante para replicação de resultados, e sua ausência é um problema metodológico relevante em muitos experimentos que utilizaram a meditação e já foram publicados.

Estudos relatam um efeito modesto da meditação na redução da pressão arterial (PA), na resposta ao estresse, na ansiedade e na cessação do tabagismo.1 A ação sobre a PA é leve, com uma metanálise de 19 estudos mostrando redução de 4 a 5 mmHg na pressão sistólica e de 2 a 4 mmHg na pressão diastólica.2 Numerosos estudos, em populações saudáveis e doentes, exploraram os efeitos da meditação nos resultados psicológicos e psicossociais. Cabe salientar que a maioria deles relata alguma melhora nos níveis de estresse percebido, bem como em humor, ansiedade, depressão, qualidade do sono ou no bem-estar geral.3

Uma análise da Agência de Pesquisa e Qualidade em Saúde restrita a ECR e com controle ativo concluiu, com pouco nível de evidência, que os programas de meditação e de atenção plena mostraram melhoras modestas no estresse, na ansiedade e no afeto negativo.4 Por sua vez, um grupo de pesquisadores do Hospital das Clínicas de São Paulo avaliou, por meio de um ECR, a prática de meditação comparada a um grupo-controle em pacientes com insuficiência cardíaca (IC).5 Foi observada uma redução da ativação simpática nesses indivíduos, bem como melhora na qualidade de vida e aumento da eficiência ventilatória medida pela relação da inclinação do VE/VCO2.

Com base nos dados mencionados, pode-se observar algum benefício da meditação em pacientes com fatores de risco ou com doença cardiovascular já estabelecida. No entanto, muitas lacunas restam a serem preenchidas, como o potencial efeito da prática na função endotelial, na variabilidade da frequência cardíaca (VFC) e na prevenção primária e secundária de diferentes doenças cardiovasculares.

Tai Chi Chuan

É uma arte marcial que tem suas bases na medicina tradicional chinesa e no taoísmo. Seus gestos lentos e ritmados visam interligar os movimentos das partes superior e inferior do corpo de maneira sincrônica, fluida, com continuidade e sem quebras, buscando a quietude dentro do próprio movimento. Apesar de lentos e aparentemente de fácil execução, os movimentos do TCC funcionam, para muitos pacientes, como um tipo de exercício físico estruturado.

Estudos demonstram efeitos benéficos da sua prática tanto em aspectos físicos quanto mentais, destacando-se: redução de estresse, depressão e ansiedade; aumento da capacidade funcional; redução da PA e melhora no perfil lipídico.6,7 Além disso, estudos em idosos evidenciaram melhora importante no equilíbrio, redução do risco de quedas, diminuição de dores musculares e articulares, melhora na osteoporose e até mesmo aumento ou manutenção do desempenho cognitivo.6

Devido a uma lacuna científica avaliando o impacto da prática do TCC em pacientes com doença arterial coronariana (DAC),8 o grupo de pesquisa em cardiologia do exercício do Hospital de Clínicas de Porto Alegre estudou o seu efeito em 61 pacientes pós-infarto agudo do miocárdio (IAM).9 Eles foram randomizados para a prática de TCC durante 60 minutos, três vezes por semana, ou para alongamento (grupo-controle). Após 12 semanas de treinamento, o grupo que realizou TCC apresentou melhora significativa no consumo de oxigênio de pico (14% = 3,1 mL.kg-1min-1), enquanto o grupo alongamento não apresentou melhora. Efeitos semelhantes foram encontrados em alguns estudos em pacientes com IC, o que comprova que essa prática pode impactar positivamente no incremento da capacidade funcional.

Ioga

A última das três práticas orientais citadas é a que apresenta o maior corpo de evidências a favor de potenciais benefícios, seja por contar com maior volume de estudos ou por ser mais difundida no Ocidente. Sua prática data de 1.500 a.C. e está presente em todos os livros sagrados hindus (Vedas, Bhagavad Gita e Upanishads). A palavra ioga é derivada do sânscrito e significa “união”. Sua prática é divida em três componentes, a saber: os asanas, que são as diferentes posturas praticadas; os pranayamas, que são exercícios respiratórios; e os dhyanas, que nada mais são do que práticas meditativas. Diferentes estudos demonstram benefícios fisiológicos da sua prática, dentre eles: efeitos metabólicos (redução da PA, melhora no perfil lipídico e na glicemia), anti-inflamatórios (redução da proteína C reativa e de citocinas), imunológicos (aumento da atividade dos linfócitos T CD4+ e da telomerase), neuroendócrinos (diminuição de cortisol, epinefrina e aldosterona) e autonômicos (aumento da VFC e melhora no barorreflexo).10,11

As evidências também apontam para um aumento no consumo de oxigênio e na força em pacientes com IC, redução da angina e elevação da capacidade funcional em indivíduos com DAC, além da diminuição de sintomas em pacientes com fibrilação atrial.10 Uma revisão sistemática e metanálise avaliou os efeitos do ioga sobre alguns fatores de risco cardiovasculares, encontrando redução média de 5 mmHg nas pressões sistólica e diastólica, diminuição da massa corporal e do índice de massa corporal, redução da lipoproteína de baixa densidade (LDL) e dos triglicerídeos, além de aumento no colesterol da lipoproteína de alta densidade (HDLc).11 Mais recentemente, um grupo de pesquisadores de diferentes instituições do Rio Grande do Sul realizou um ECR arrolando pacientes com IC e fração de ejeção preservada. Os autores compararam os efeitos do ioga associado a técnicas respiratórias com um grupo-controle, conforme protocolo recentemente publicado.12 Efeitos positivos foram encontrados na força muscular inspiratória e na modulação autonômica avaliada por meio da análise da VFC no grupo exposto à intervenção (dados não publicados).

Risoterapia

O riso é mais do que um comportamento visual e vocal; ele é sempre acompanhado de uma série de mudanças fisiológicas, incluindo contrações espasmódicas da musculatura esquelética, elevação da frequência cardíaca por liberação de catecolaminas e hiperventilação com aumento da troca de ar residual e consequente aumento da saturação de oxigênio.13 O estudo dos efeitos do riso e do humor e seu impacto psicológico e fisiológico no corpo humano é chamado de gelotologia. Os primeiros experimentos nessa área são da década de 1930, avaliando o efeito do riso sobre o tônus muscular e o mecanismo respiratório da risada. O aumento da quantidade de estudos sobre o assunto baseia-se no pressuposto de que, se o mau humor é prejudicial ao sistema cardiovascular, o bom humor (risoterapia) e suas alterações fisiológicas devem ser benéficos.

Um dos poucos estudos que utilizou a risoterapia em indivíduos não saudáveis foi realizado por Tan et al.14 No experimento, 48 diabéticos com IAM recente foram divididos em dois grupos. Os 24 pacientes do grupo experimental deveriam assistir a um vídeo de humor diariamente durante 30 minutos, além de permanecer em tratamento convencional. Após um ano de acompanhamento, os autores observaram uma redução significativa na PA em relação aos indivíduos do grupo-controle. Além disso, os que foram expostos à comédia evidenciaram menos episódios de arritmias, uso menos frequente de nitroglicerina para a angina e menor recorrência de IAM (apenas dois versus dez do grupo-controle).

Por fim, um ECR está em andamento com o objetivo de avaliar as respostas hemodinâmicas e bioquímicas de pacientes com DAC estável submetidos a risoterapia.15 Nesse experimento, pessoas de ambos sexos, com 18 anos ou mais, em acompanhamento regular em um hospital universitário do sul do Brasil estão sendo alocados para um grupo de intervenção (que assistirá a um filme de comédia de 30 minutos) ou para um grupo-controle (que assistirá a um documentário neutro de 30 minutos). A previsão é de que alguns resultados já estejam disponíveis em 2020.

Conclusão

Este é um tempo em que a cardiologia acelera na direção de novas tecnologias, e recursos como a inteligência artificial, por exemplo, começam a apresentar-se como parceiros reais do médico. É nesse momento que tradições milenares como a meditação, o TCC e o ioga, assim como algo tão gostoso quanto a risada, têm sido testadas e podem ser utilizadas no manejo de pacientes com diferentes cardiopatias.

Mesmo sem apresentar um corpo de evidências tão robusto, sendo amparadas mais comumente em pequenos estudos de eficácia, essas terapias são uma alternativa terapêutica simples, segura e barata, que, além de melhorar a qualidade de vida, podem influenciar positivamente parâmetros fisiológicos e bioquímicos dos indivíduos. Finalmente, existe a perspectiva de que, com o aumento da quantidade de adeptos dessas práticas, estudos maiores e mais bem delineados sejam realizados, podendo estabelecer o real papel dessas práticas, seja na prevenção ou no tratamento das doenças cardiovasculares.

REFERÊNCIAS

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3 Carlson LE, Doll R, Stephen J, Faris P , Tamagawa R, Drysdade E. et al. Randomized controlled trial of mindfulness-based cancer recovery versus supportive expressive grouP therapy for distressed survivors of breast cancer. J Clin Oncol. 2013; 31(25):3119-26.
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7 Wang C, Bannuru R, Ramel J,Kupelnick B, Scott T, Schmid CH. Tai Chi on psychological well-being: systematic review and meta-analysis. BMC Complement Altern Med. 2010;21:10-23.
8 Nery RM, Zanini M, Ferrari JN, Silva CA, Farias LF, Comel JC, et al. Tai Chi Chuan como reabilitação cardíaca na doença arterial coronária: revisão sistemática. Arq Bras Cardiol. 2014; 102(6):588-92.
9 Nery RM, Zanini M, De Lima JB, Buhler RP , Silveira AD, Stein R. Tai Chi Chuan improves functional capacity after myocardial infarction: a randomized clinical Trial. Am Heart J. 2015;169(6):854-60.
10 Guddeti RR, Dang G, Williams MA. Role of yoga in cardiac disease and rehabilitation. J Cardiopulm Rehabil Prev. 2019;39(3):146-52.
11 Chu P , Gotink RA, Yeh GY, Goldie SJ, Hunik MG. The effectiveness of yoga in modifying risk factors for cardiovascular disease and metabolic syndrome: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Eur J Prev Cardiol. 2016; 23(3):291-307.
12 Lopes CP , Danzmann LC, Moraes RS, Vieira PJ, Meurer FF, Soares DS. Yoga and breathing technique training in patients with heart failure and preserved ejection fraction: study protocol for a randomized clinical trial. Trials. 2018; 19(1):405.
13 Fry WF. The physiological effects of humor, mirth and laughter. JAMA. 1992; 267(13):1857-58.
14 Tan SA, Tan LG, Lukman ST, Berk LS. Humor, as an adjunct therapy in cardiac rehabilitation, attenuates catecholamines and myocardial infarction recurrence. Adv Mind Body Med. 2007; 22(3-4):8-12.
15 Nery RM, Buhler RP , Macedo DS, Delfino J, Ferrari F, Silveira AD, et al. Hemodynamic responses of patients with stable coronary artery disease to a comedy film: study protocol for a randomized controlled trial. Clinical Trials in Degenerative Diseases. 2019;4(2):43-8.