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Teste de Reconhecimento de Fala no Ruído, HINT-Brasil, em crianças normo-ouvintes

Teste de Reconhecimento de Fala no Ruído, HINT-Brasil, em crianças normo-ouvintes

Autores:

Carolina Lino Novelli,
Nádia Giulian de Carvalho,
Maria Francisca Colella-Santos

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Otorhinolaryngology

versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686

Braz. j. otorhinolaryngol. vol.84 no.3 São Paulo maio/jun. 2018

http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2017.04.006

Introdução

A comunicação possibilita ao homem a criação e a transformação do meio em que vive, é determinante na sua qualidade de vida. A comunicação se expressa, principalmente, por meio da linguagem oral, a qual necessita de um sistema auditivo íntegro, para que o indivíduo possa ouvir, compreender e processar conhecimento, o que resulta no aprendizado.

O sistema auditivo é constituído pelas porções periférica e central. A porção periférica é aquela cujas estruturas têm como função principal a captação e transmissão da onda sonora até a cóclea, onde será processada e enviada à porção central, por meio do nervo vestibulococlear. O sistema auditivo central é o responsável pelas funções de discriminação, localização, reconhecimento do som, compreensão, atenção seletiva e memória auditiva. Desse modo, a complexidade do sistema nervoso auditivo central possibilita a análise de eventos sonoros desde os mais simples até mensagens complexas, como a fala.1

A perda auditiva é definida como um desvio ou uma mudança para pior na estrutura ou na função auditiva.2 Já o processamento auditivo central diz respeito à série de processos envolvidos nas funções auditivas já descritas, se referindo aos mecanismos feitos basicamente pelas estruturas do sistema nervoso auditivo central.3 Podemos afirmar então que o transtorno do processamento auditivo pode ser definido como um déficit em pelo menos um desses mecanismos.

Desde a década de 1950, pesquisadores estudam crianças que apresentavam audiogramas dentro da normalidade, mas com queixas auditivas. Os sintomas descritos indicavam boa acuidade auditiva em locais acusticamente controlados, mas dificuldades de audição em ambientes reais de escuta. Desse modo, chegou-se à descoberta da existência de um déficit na percepção auditiva, principalmente no que se tratava da supressão de um ruído competitivo para se atentar a outro.4

A percepção da fala sempre foi de grande interesse para aqueles que trabalham com a comunicação humana. Para avaliar e diagnosticar quão prejudicada essa percepção está, são usados vários testes na prática clínica, porém a maioria usa estímulos isolados com palavras mono e dissílabas.5,6

Jacob et al.7 salientaram a importância de testes na presença de ruído, uma vez que os resultados de avaliações de pacientes com as mesmas habilidades de reconhecimento de fala no silêncio podem apresentar-se completamente diferentes em situações competitivas de fala. Assim, os testes usados na logoaudiometria, a qual faz parte da avaliação audiológica básica, não são tão eficazes em detectar como está a capacidade funcional do indivíduo de perceber e entender a fala em ambientes ruidosos, visto que são aplicados no silêncio, sendo ainda mais complexa a avaliação da habilidade auditiva de crianças nessas condições.

Uma criança com dificuldades de compreensão da fala na presença de ruído pode ser incapaz de usar o seu conhecimento da linguagem para melhorar o sinal degradado. Por outro lado, sua dificuldade de registrar as propriedades do sinal acústico pode ser tão deficiente que até o uso pleno do conhecimento da linguagem não conseguiria direcionar à compreensão satisfatória; assim, o problema reflete em uma incapacidade de processamento dos sinais auditivos.8

A inclusão, então, de testes de percepção da fala no ruído na avaliação auditiva de escolares se torna imprescindível à medida que esses testes se assemelham mais às situações de fala dos indivíduos e garantem que a avaliação seja feita em um ambiente real de escuta diária.

Para melhor avaliação do reconhecimento de fala na presença de estímulo competitivo, o uso de sentenças é melhor do que o uso de palavras, pois as sentenças melhor simulam as situações de comunicação diária.9

É, então, importante a realização de pesquisas na área de percepção de fala e processamento auditivo central, com tipos de ruídos que sejam representativos da situação de escuta do dia a dia, a fim de avaliar sua eficácia na prática clínica.10

O Hearing In Noise Test (HINT) é um teste adaptativo para a mensuração do limiar de reconhecimento de sentença (LRS), que comprova a eficiência estatística e prática da audição no ruído, por meio de sentenças da vida cotidiana. Pode ser usado para avaliar a capacidade funcional auditiva, ou seja, determinar o quão bem a pessoa é hábil para ouvir e entender em ambientes ruidosos. É composto por sentenças digitalmente gravadas, que podem ser apresentadas no silêncio e no ruído; o ruído mascarador usado no HINT é um ruído branco, o qual foi sintetizado na taxa amostral original e dimensionado para a mesma amplitude das sentenças.11 As sentenças foram padronizadas quanto à língua, dificuldade, inteligibilidade e distribuição fonética.

O HINT foi desenvolvido pelo House Ear Institute (HEI), em 1994, inicialmente sendo testado em adultos normo-ouvintes, para que se pudessem obter parâmetros para outros grupos.11

Para o desenvolvimento e a aplicação do HINT no Brasil foi elaborado inicialmente um material de sentenças controladas. O material foi elaborado em um trabalho de parceria entre pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas e da Universidade de São Paulo, em Bauru, os quais normatizaram o teste, com um locutor brasileiro nativo.12

Um estudo brasileiro com adultos, ao fazer a comparação entre o HINT e os testes de percepção da fala aplicados na audiologia clínica, observou que o HINT possibilitou medir dificuldades em sujeitos mesmo com audição normal.13

Foram encontrados, na literatura nacional, 11 estudos que usaram o HINT como método de avaliação do reconhecimento de fala no ruído. Desses, quatro foram feitos com a população infantil, porém apenas um tem na amostra crianças com audição dentro dos padrões da normalidade, sendo 21 crianças entre sete e 14 anos;7 além disso, a pesquisa do LRS foi feita em campo livre, e não com uso de fones.

O HINT tem, na literatura internacional, algumas versões adaptadas para crianças, as quais são constituídas de um subconjunto das listas de sentenças do HINT original, porém gravadas, no silêncio, por crianças. Esses estudos indicaram que a versão do HINT para essa faixa etária pode ser usada clinicamente na avaliação do reconhecimento de fala no ruído em indivíduos com diferentes alterações auditivas e também com audição normal.14-17

Apesar de alguns estudos terem aplicado o HINT-Brasil na população infantil,5,7,18-20 visto que o material de fala desenvolvido busca controlar as variáveis que podem influenciar a inteligibilidade de fala para adultos e crianças,7 o programa não tem uma versão do teste para essa população, como em outras línguas. Assim, é fundamental que existam instrumentos que contenham tarefas mais complexas para detectar as dificuldades da percepção de fala em ruído, de crianças em idade escolar, já que os transtornos de aprendizagem podem estar associados a dificuldades de processamento auditivo em sala de aula.

Faz-se então necessária a elaboração de protocolos de avaliação que visem analisar o desempenho de crianças sem alterações auditivas em tarefas linguísticas na presença de ruído, para que os limiares de normalidade possam ser estabelecidos e usados na avaliação de crianças com alterações auditivas, tanto periféricas quanto centrais.

Desse modo, o objetivo deste estudo é avaliar o desempenho de crianças normo-ouvintes, entre oito e 10 anos, nas tarefas de reconhecimento de fala, no silêncio e no ruído, por meio do teste HINT, considerando a faixa etária e os gêneros feminino e masculino.

Método

Estudo observacional descritivo, de corte transversal prospectivo, desenvolvido na instituição onde a pesquisa foi feita. Foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob o parecer n° 785.723.

Foram avaliados 60 escolares, 32 do gênero feminino e 28 do masculino, entre oito e 10 anos, pertencentes ao Ensino Fundamental da rede municipal de ensino.

Os sujeitos foram divididos em três grupos, 22 de oito anos no Grupo I, 18 de nove anos no Grupo II e 20 de 10 anos no Grupo III. Os dados foram coletados de agosto de 2014 a janeiro de 2016.

Inicialmente as crianças foram selecionadas por meio de um questionário respondido pela equipe pedagógica das escolas selecionadas. O questionário foi composto por perguntas a respeito do rendimento escolar de cada aluno, atenção e comportamento, além da presença de indícios de dificuldades auditivas na criança. Os questionários foram analisados e apenas as crianças com adequado rendimento escolar, bom comportamento, atentas e sem indícios de alterações auditivas foram selecionadas.

A seguir, foi feito contato telefônico com os pais ou responsáveis de cada criança e foram explicados os procedimentos, o caráter voluntário da pesquisa, os objetivos do estudo e a ausência de risco à saúde. Aqueles que concordaram foram convocados para comparecer, com a criança, no local da coleta de dados. Na data agendada, o responsável pela criança assinou o termo de consentimento livre e esclarecido.

Foram considerados como critérios de inclusão: faixa de oito a 10 anos; ser aluno da rede pública de ensino; não apresentar dificuldades escolares; não apresentar queixas e/ou problemas auditivos; e apresentar resultados normais na avaliação audiológica básica e no teste dicótico de dígitos.

Como critérios de exclusão, foram considerados: apresentar dificuldades escolares; apresentar queixas fonoaudiológicas e auditivas; apresentar histórico de otites; estar sob uso de medicamentos psicoativos; apresentar perdas auditivas ou alterações uni ou bilaterais da estrutura ou função auditivas; e apresentar transtornos mentais, neurológicos, e/ou síndromes genéticas.

Foram feitos os seguintes procedimentos:

  • - Anamnese: feita com os pais, a fim de que fossem descartadas da pesquisa as crianças com perda auditiva e/ou histórico de otite média recorrente, crianças que já tivessem feito terapia fonoaudiológica, além de possíveis outras queixas, como desatenção e dificuldades na aquisição da linguagem oral, leitura e escrita.

  • - Meatoscopia: permitiu observar a presença de impedimentos para o exame;

  • - Avaliação audiológica básica: composta pelos testes: audiometria tonal liminar; logoaudiometria; imitanciometria.

  • - Teste dicótico de dígitos: a etapa de atenção livre desse teste foi usada como procedimento de triagem do processamento auditivo, já que possibilita avaliar a habilidade de figura-fundo para sons-verbais por meio da integração binaural.21

  • - Teste HINT-Brasil: as crianças que apresentaram resultados dentro dos parâmetros de normalidade para os procedimentos foram encaminhadas para o teste HINT, na situação com fones de ouvido.

O equipamento do teste HINT contém o microprocessador HTD (Hearing Test Device) versão 7.2, fabricado em 2003 pela empresa Bio-Logic System Corp e desenvolvido pelo Laboratório de Pesquisas de Aparelhos Auditivos do Departamento de Ciência e Comunicação Humana do HEI. Esse equipamento contém o software que conduz o processo do teste com as sentenças gravadas e o ruído competidor do tipo ruído branco. Foram usados os fones de ouvido TDH 39.

O HINT é composto por sentenças digitalmente gravadas, que podem ser apresentadas no silêncio ou no ruído, com fones de ouvido ou com caixas acústicas, em campo livre. Cada lista do teste HINT-Brasil conta com 20 sentenças e o tempo de administração do teste varia de oito a 10 minutos.

As sentenças são apresentadas por um falante do gênero masculino, no silêncio e no ruído; conforme sugerido por Bevilacqua,12 no estudo que fez a padronização da versão brasileira do HINT, o ruído é fixado a 65 dB (A) e a intensidade do sinal de fala varia de acordo com as repetições, ou seja, a cada acerto a intensidade da fala diminui e a cada erro a intensidade aumenta.

A intensidade inicial da fala é de 65 dB (A), ou seja, relação sinal/ruído (S/R = 0); durante a apresentação das quatro primeiras sentenças, ocorrem variações de 4 em 4 dB (A), o que permite estimar o limiar do sujeito. A partir da quinta sentença, a variação passa a ser de 2 em 2 dB (A) e o limiar de cada condição de teste é determinado após a apresentação das 20 sentenças da lista selecionada.22

Foram selecionadas quatro listas, das 12 contidas no material do HINT-Brasil. A ordem de apresentação das listas foi fixa para todas as crianças.

O software permitiu a determinação do LRS, em dB, na condição fala no silêncio (FS). Permitiu, ainda, determinar a menor relação fala/ruído (F/R) em que o sujeito repetiu corretamente 50% das sentenças apresentadas, nas condições: ruído frontal (RF); ruído à direita (RD); ruído à esquerda (RE).

Cada uma dessas condições de teste corresponde a uma determinada situação de silêncio ou ruído, conforme indicado na figura 1.

Figura 1 Condições de teste com uso de fones de ouvido. 

Os testes feitos com fones de ouvido são apresentados com uma filtragem digital, a qual simula as condições e características relacionadas à posição da cabeça, que ocorreriam nos testes feitos em campo livre.23

No início do teste, os escolares foram orientados a repetir as sentenças que ouviram, ainda que incompletas ou incorretas. A sentença deveria ser precisamente repetida, para que fosse considerada correta; no entanto, pequenas substituições, em verbos e artigos, por exemplo, foram permitidas, conforme orientou Nilsson.11

A estratégia usada permitiu a determinação da relação F/R em cada condição de teste. No fim, o software calculou o ruído composto (RC), que constitui a média ponderada da relação F/R nas três condições de ruído, a partir da fórmula: RC=2×RF+RD+RE/4 .

Os dados foram tabulados e as seguintes análises estatísticas foram feitas: comparação entre os gêneros, entre as idades e entre as orelhas direita e esquerda.

A análise estatística dos dados coletados foi feita por meio do software The SAS System for Windows, versão 9.4. Adotou-se um nível de significância de 0,05 (5%) assinalado por meio de asterisco (*) nos resultados. Para comparação dos resultados entre gêneros foi usado o teste de Mann-Whitney e para comparação dos resultados entre as idades foi usado o teste de Kruskal-Wallis; já para comparação dos resultados entre orelhas direita/esquerda foi usada a Anova para medidas repetidas.

Resultados

Apresentamos os resultados obtidos no teste HINT-Brasil, quanto ao LRS, nas condições testadas, comparando os valores obtidos em relação às variáveis gênero, idade e orelhas. A tabela 1 apresenta a caracterização da amostra, de acordo com os três grupos etários e gêneros masculino e feminino. Não houve diferença estatisticamente significante para o número da amostra considerando a variável gênero.

Tabela 1 Caracterização da amostra, segundo a faixa etária e o gênero 

8 anos 9 anos 10 anos Total p-valor
Masculino 9 9 10 28 0,5552a
Feminino 13 9 10 32
Total 22 18 20 60

aTeste de Kruskal-Wallis.

A tabela 2 apresenta os valores de média e DP da relação F/R, dos gêneros masculino e feminino, independentemente da idade, nas condições de teste FS, RF, RD e RE e no RC. Os resultados não apontam diferença estatisticamente significante com relação a essa variável.

Tabela 2 Crianças do gênero masculino e feminino, segundo o desempenho nas condições de teste FS, RF, RD e RE e no RC 

Relação F/R Masculino Feminino p-valor
n Média DP n Média DP
FS 28 23,00 2,86 32 22,07 3,18 0,2859a
RF 28 -2,47 1,20 32 -2,74 0,83 0,3425a
RD 28 -8,17 2,21 32 -8,80 1,64 0,1519b
RE 28 -7,89 2,51 32 -8,73 1,93
RC 28 -5,27 1,40 32 -5,75 1,00 0,1380b

DP, desvio-padrão; FS, fala no silêncio; n, número da amostra; RC, ruído composto; RD, ruído à direita; RE, ruído à esquerda; RF, ruído frontal.

aTeste de Mann-Whitney.

bComparativo Anova para medidas repetidas.

A tabela 3 apresenta os valores de média e DP da relação F/R, das idades de oito, nove e 10 anos, independentemente do gênero, nas condições de teste FS, RF, RD e RE e no RC. Os resultados apontam diferença estatisticamente significante para as condições com ruído e para o cálculo do RC, no que diz respeito à comparação entre as idades de oito e 10 anos.

Tabela 3 Crianças das faixas de oito, nove e 10 anos, segundo seu desempenho nas condições de teste FS, RF, RD e RE e no RC 

Relação F/R 8 anos 9 anos 10 anos p-valor
n Média DP n Média DP n Média DP
FS 22 22,97 2,82 18 23,09 3,32 20 21,46 2,90 0,2332a
RF 22 -2,09 1,09 18 -2,82 0,74 20 -3,01 0,95 0,0078 (8 > 10)a
RD 22 -7,64 1,72 18 -8,49 2,24 20 -9,47 1,43 0,0048 (8 > 10)b
RE 22 -7,53 2,80 18 -8,41 1,75 20 -9,16 1,65
RC 22 -4,86 1,31 18 -5,63 1,02 20 -6,16 0,91 0,0035 (8 > 10)a

DP, desvio-padrão; FS, fala no silêncio; n, número da amostra; RC, ruído composto; RD, ruído à direita; RE, ruído à esquerda; RF, ruído frontal.

aTeste de Kruskal-Wallis.

bComparativo Anova para medidas repetidas.

A figura 2 apresenta os valores de média e DP da relação F/R, das idades de oito, nove e 10 anos, independentemente do gênero, nas condições com ruído e no RC. Valores menores da relação F/R indicam melhor desempenho.

Figura 2 Crianças das faixas de oito, nove e 10 anos, segundo seu desempenho nas condições de teste RF, RD e RE e no RC. RF, ruído frontal; RD, ruído à direita; RE, ruído à esquerda; RC, ruído composto. 

A tabela 4 apresenta a análise descritiva geral do estudo, com os valores de média, mediana, desvio-padrão (DP), mínimo e máximo da relação F/R, para cada condição de teste e para o RC calculado, independentemente de gênero e idade. Não houve diferença estatisticamente significante entre as orelhas, na comparação entre as condições de teste RD e RE.

Tabela 4 Média, mediana, desvio-padrão, mínimo e máximo para as condições de testes FS, RF, RD e RE e para o RC 

Relação F/R n Média Mediana DP Mínimo Máximo
FS 60 22,5 22,4 3,05 15,10 30,50
RF 60 -2,61 -2,75 1,02 -4,8 0,80
RD 60 -8,51 -8,80 1,94 -11,90 -2,10
RE 60 -8,34 -8,40 2,24 -12,80 1,20
RC 60 -5,53 -5,70 1,22 -7,60 -1,40

p-valor RD × RE = 0,2670 (Comparativo Anova para medidas repetidas).DP, desvio-padrão; FS, fala no silêncio; n, número da amostra; RC, ruído composto; RD, ruído à direita; RE, ruído à esquerda; RF, ruído frontal.

Discussão

O HINT é um teste que visa analisar a habilidade de fechamento, por meio de sentenças, e por isso foi escolhido para ser o instrumento de avaliação deste estudo. Foi feito em ambiente acusticamente tratado, com fones de ouvido. O uso de fones de ouvido permite que seja criado um campo sonoro virtual, no qual a audição de ambas as orelhas pode ser avaliada simultânea e separadamente; além disso, impede que haja erro nos resultados, devido a movimentos involuntários da cabeça pelo indivíduo testado.11

A amostra foi composta por 60 indivíduos, 28 de gênero masculino e 32 do feminino, sendo homogênea com relação à esta variável (tabela 1).

Ao analisarmos os resultados com relação aos gêneros masculino e feminino, não houve diferença estatisticamente significante, em qualquer das situações de teste, bem como para o RC (tabela 2).

O estudo brasileiro que continha na amostra crianças normo-ouvintes não apresentou informações quanto ao gênero,7 não podendo dessa forma analisar se houve diferença para essa variável. Sbompato et al., em um estudo com população de adultos, e que visou à normatização do HINT-Brasil para essa população, assim como a presente pesquisa, não encontrou diferenças significantes quanto ao gênero.24

Os estudos de Jerger25 e Garcia26 et al. analisaram o reconhecimento de fala no ruído por meio do teste de reconhecimento de sentenças com mensagem competitiva denominado PSI; ambos os estudos também não encontraram diferenças significantes entre a variável gênero.

Assim, apesar da escassez de estudos, na literatura nacional, com as mesmas características desta pesquisa, os trabalhos encontrados confirmam a ausência de interferência da variável gênero, nas respostas dos indivíduos em tarefas de reconhecimento de fala no ruído.

Com relação à faixa etária, a amostra foi dividida em três grupos, de oito, nove e 10 anos, apresentando 22 indivíduos na faixa de oito anos, 18 na de nove e 20 na de 10. A média foi de 8,97 anos (± 0,84).

Consideramos importante analisar essa faixa etária visto ser a idade crucial para o desenvolvimento das habilidades escolares e porque suas habilidades auditivas já são passíveis de avaliação. Segundo a ASHA (American Speech-Language-Hearing Association), devido à grande variabilidade nos resultados, recomenda-se que os testes usados para a avaliação do processamento auditivo não sejam administrados em crianças com menos de sete anos.27

Na comparação dos resultados em relação à faixa etária, na condição de teste FS (tabela 3) as diferenças apresentadas entre os grupos não foram estatisticamente significantes. Considerando, porém, a comparação dos resultados em relação à faixa etária nas condições de teste RF, RD e RE, bem como no RC, a diferença apresentada foi estatisticamente significante quando comparadas as faixas de oito e de 10 anos, sendo que os indivíduos do grupo de oito anos apresentaram média da relação F/R maior do que os indivíduos do grupo de 10 anos, ou seja, obtiveram pior desempenho (tabela 3).

Um estudo canadense sobre a aplicação do HINT em francês, que teve na amostra 70 crianças, encontrou variação na relação F/R na condição com ruído entre as faixas etárias, sendo estatisticamente significante a diminuição do LRS pelo aumento da idade.14

Esses achados vão ao encontro dos obtidos em um estudo que avaliou, em crianças de 8-10 anos, com e sem dificuldades escolares, o processamento de certas habilidades auditivas, entre elas a de reconhecimento da fala no ruído. O estudo obteve a melhoria das respostas com o aumento da idade, sendo essa melhor estatisticamente significante para a faixa de 10 anos, em comparação com a de oito anos; as autoras consideraram a faixa de nove anos como uma idade de transição, se assemelhando ora à de oito anos, ora à de 10.25

Myhrum et al. afirmaram que a população infantil apresenta vocabulário mais limitado além de menor conhecimento das regras da língua do que os adultos; desse modo, as crianças tendem a apresentar maior dificuldade na compreensão de sinais linguísticos, principalmente em se tratando de sentenças.15

Boyd & Bee28 afirmaram que a formação reticular, a região encefálica encarregada pelos processos atencionais, tem sua mielinização iniciada nos primeiros dois anos de vida, porém esse processo continua durante toda a infância e adolescência, se completando apenas em torno dos 20 anos. Visto que os processos de escolha da mensagem sonora importante em detrimento de outra são regulados pela atenção, pode-se afirmar que o desempenho na tarefa de fechamento é gradativamente melhorado com o aumento da idade e que a habilidade de reconhecimento de fala no ruído está baseada no funcionamento de caminhos auditivos que dependem da maturação das vias.1

Segundo estudos feitos no House Ear Institute, considerando os materiais de fala do HINT em inglês americano, cada 1 dB de aumento nos limiares de reconhecimento de sentença corresponde a uma inteligibilidade cerca de 10% mais pobre, em condições de escuta ruidososa.23

Desse modo, sugerimos então os valores de média e desvio-padrão da relação F/R, para as condições de teste com ruído e para o RC, considerando as idades de oito, nove e 10 anos (tabela 3).

Por fim, a tabela 4 apresenta os valores para a média geral, independentemente da idade ou do gênero, em todas as situações de teste.

Com relação à condição de teste RF, a média total da relação F/R foi de -2,61. Esse valor é maior quando comparado ao -6,5 encontrado em um estudo americano acerca do HINT-Brasil em adultos jovens29 e também ao valor de -4,6 encontrado no Brazilian Portuguese HINT,12 estudo de normatização do HINT também em adultos. Esses estudos vêm ao encontro dos achados de Vaillancourt et al.,14 cuja análise demonstrou que o LRS alcança valores de adultos apenas em crianças mais velhas. No que se refere aos achados de um estudo norueguês com crianças, porém, foram obtidos, na condição RF, valores de média entre -0,3 e -3,3,15 o que coincide com nossos achados.

Com relação ao RC, esse foi obtido por meio do cálculo RC=2×RF+RD+RE/4 . Esse cálculo equaliza a contribuição do RF e dos dois testes laterais (RD e RE) e fornece assim, um único índice geral de reconhecimento da fala em ambientes ruidosos.23

A média geral do RC, obtida no presente estudo, foi de -5,53 (tabela 4). Em comparação novamente com os achados do estudo norueguês, foram obtidos valores entre -5,7 e -9,7, ou seja, as crianças norueguesas apresentaram melhor desempenho nas condições avaliadas.15 Essas variações podem estar relacionadas à diferença entre as faixas etárias dos dois estudos, visto que a pesquisa internacional foi feita com crianças entre seis e 13 anos, integrando, portanto, crianças com até três anos a mais do que as da atual pesquisa; além disso, o estudo citado foi feito em campo livre, ou seja em diferentes condições de escuta.

Considerando agora, as condições em que habilidade de fechamento foi avaliada como uma tarefa dicótica, nas situações de teste RD e RE foram obtidos como valores gerais de média -8,51 e -8,34, respectivamente, em nosso estudo; não há, porém, diferença estatisticamente significante entre as orelhas (tabela 4). Do mesmo modo, outro estudo também não observou diferença entre as orelhas, ao aplicar o HINT-Brasil em crianças normo-ouvintes, em campo livre.7

Um estudo recente que buscou estabelecer os padrões de normalidade para adultos jovens no HINT-Brasil obteve os valores de -12,1 e -12,2, para RD e RE, respectivamente, valores esses menores do que os obtidos neste estudo, visto que usou na amostra indivíduos na faixa entre 18 e 50 anos.12 Esse fato vem ao encontro da afirmação de Myhrum et al. de que os valores obtidos para o reconhecimento de fala no ruído em crianças estão mais afastados dos valores obtidos em adultos, principalmente nas tarefas que exigem lateralização.15

Por fim, este trabalho pode evidenciar que o teste HINT-Brasil é simples e rápido, não oferecendo dificuldades em seu uso com crianças normo-ouvintes, sem queixas escolares; as crianças se mostraram atentas e dispostas a apresentar bom desempenho no teste, o que tornou o HINT um instrumento atraente e de fácil aplicação. Além disso, os resultados que não apontam diferença estatisticamente significante entre os gêneros ou entre as orelhas mostram se tratar de um teste eficaz para ser usado com a faixa etária avaliada.

Desse modo, vê-se a importância de que novas pesquisas que avaliem a habilidade de fechamento, com o uso do teste HINT em crianças, sejam feitas, a fim de que os resultados possam ser comparados.

Conclusão

Com base nos resultados desta pesquisa, no qual o teste HINT foi aplicado em 60 escolares normo-ouvintes, na faixa de oito, nove e 10 anos, as seguintes conclusões foram obtidas:

  • - Não foram observadas diferenças estatisticamente significantes em relação aos resultados do HINT e as variáveis lado da orelha e gênero feminino e masculino;

  • - A faixa de oito anos apresentou diferença estatisticamente significante com relação à de 10 anos, sendo que essa apresentou desempenho melhor do que a de oito anos, tanto para as situações com ruído quanto para o RC; a faixa de nove anos não apresentou diferença estatisticamente significante com relação às de oito e de 10, em qualquer condição de teste, nem para o RC;

  • - Sugerimos os valores de média e desvio-padrão da relação F/R obtidos, considerando as faixas etárias: oito anos - RF: -2,09 (± 1,09); RD: -7,64 (± 1,72); RE: -7,53 (± 2,80); RC: -4,86 (± 1,31); nove anos - RF: -2,82 (± 0,74); RD: -8,49 (± 2,24); RE: -8,41 (± 1,75); RC: -5,63 (± 1,02); 10 anos - RF: -3,01 (± 0,95); RD: -9,47 (± 1,43); RE: -9,16 (± 1,65); RC: -6,16 (± 0,91).

REFERÊNCIAS

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