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“Tèt asanm pou la sante”: apontamentos etnográficos sobre a cooperação internacional para a saúde no Haiti

“Tèt asanm pou la sante”: apontamentos etnográficos sobre a cooperação internacional para a saúde no Haiti

Autores:

Uliana Esteves

ARTIGO ORIGINAL

História, Ciências, Saúde-Manguinhos

versão impressa ISSN 0104-5970versão On-line ISSN 1678-4758

Hist. cienc. saude-Manguinhos vol.23 no.2 Rio de Janeiro abr./jun. 2016

http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702016000200011

Abstract

This article discusses the functioning of a health-oriented development project pursued in an emergency situation and its impacts beyond its stated goals. The tripartite project between Brazil, Haiti, and Cuba was designed to strengthen Haiti’s health and epidemiologic surveillance system, introduced in 2010 as part of the aid effort after the earthquake. An essentially ethnographic perspective is taken, with a focus on describing the practices and perspectives of the agents involved in the program. The networks of agents were mapped out, paying particular attention to translators, drivers, and journalists, who were understood as being “cooperation brokers”. Finally, the article discusses the project’s position in the broader context of international health initiatives in Haiti.

Key words: ethnography; international cooperation; regime of emergency; Haiti; mediators

“Tèt ansanm pou la sante” ou, numa tradução livre do créole haitiano para o português, “todos juntos pela saúde” é o slogan presente na logomarca da Cooperação Tripartite Brasil-Cuba-Haiti, projeto trilateral assinado pelos governos brasileiro, cubano e haitiano, elaborado após o terremoto que ocorreu no país em 12 de janeiro de 2010.

A expressão tèt asanm literalmente significa “cabeças juntas” e diz respeito a brainstormings colaborativos, conversas ou encontros para gerar soluções comuns a problemas (Schüller, 2012). Seu emprego está associado a organizações de bases populares e iniciativas internacionais, nomeando projetos e organizações. “Estar junto para a saúde” evoca uma ideia de participação coletiva para a “reconstrução” do sistema de saúde pública, já antes muito precário e fortemente abalado pelo evento de 2010,1 que vitimou muitos funcionários do governo haitiano e de organizações internacionais e destruiu grande parte da estrutura governamental, nela o incluído o Ministério de Saúde Pública e de Populações (MSPP), além de diversas instalações hospitalares.

Após a destruição das estruturas físicas do MSPP, os escritórios passaram a funcionar em contêineres e numa estrutura feita de lona. Na entrada desse espaço, há uma placa indicando que o local tinha sido construído em cooperação com o governo canadense. Na área em que funciona o MSPP, localiza-se também um dos alojamentos da Brigada Médica Cubana (BMC). É o chamado “anexo”, que tem esse nome por ser parte do Hospital Central, por sua vez localizado em frente ao MSPP. No estacionamento, muitos automóveis de variadas organizações internacionais, como Fundo das Nações Unidas para a Criança e o Adolescente (Unicef), Cruz Vermelha, Programa Alimentar Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Cooperação Venezuela-Cuba, entre outras.

O terremoto não foi o único evento a causar milhares de vítimas no Haiti em 2010. Alguns meses após o tremor de terra, foi oficialmente declarada uma epidemia de cólera, doença até então desconhecida no país.2 Esses dois cenários demonstram como uma emergência se sobrepõe a outra no Haiti. “Emergência” é um termo usado tanto política quanto analiticamente para fazer referência a catástrofes, conflitos e demais cenários de sofrimento e “crise humanitária”, uma expressão que serve para justificar as ações de organizações internacionais e legitimar suas práticas (Calhoun, 2010; Fassin, Pandolfi, 2010). A emergência se configura com base em uma ideia de temporalidade marcada pelo rompimento inesperado com o ordinário, ao menos do ponto de vista de quem está fora da situação, agindo sobre ela para mitigar o sofrimento. No entanto, essa temporalidade, em alguns casos, pode assumir contornos mais prolongados, tornando-se uma espécie de “ordem” (Calhoun, 2010). Esse parece ser o caso do Haiti, onde sucessivos eventos se tornam justificativas para intervenções humanitárias e militares. A intervenção da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah), desde 2004, é justificada em termos de segurança e humanitarismo, sob a alegação de assegurar a vida de civis e a “estabilidade” política do país.3

É com base na ideia de “reconstrução” do Haiti pós-terremoto que, em 27 de março de 2010, o governo brasileiro, por meio do Ministério da Saúde (MS), o presidente haitiano e os ministros da saúde de Cuba e do Haiti assinam em Porto Príncipe o “Memorando de entendimento entre Brasil, Haiti e Cuba para o fortalecimento do sistema de saúde e de vigilância epidemiológica do Haiti” (Brasil, abr. 2014). Esse documento marca o início das atividades da Cooperação Tripartite Brasil-Haiti-Cuba. Os principais órgãos envolvidos são o MS e as instituições Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Universidade Federal de Santa Catarina, representando o Brasil, o MSPP, do Haiti, e a BMC de Cuba.

A partir de um estudo etnográfico, ou seja, fundamentado na observação das práticas e interações dos sujeitos envolvidos com a Tripartite, busco, neste artigo, esboçar algumas reflexões sobre projetos de cooperação internacional4 para o desenvolvimento no Haiti, privilegiando, fundamentalmente, a perspectiva dos atores e as relações que eles estabelecem a partir das ações da iniciativa. Este exercício pretende olhar para as pessoas que atuam nesse universo buscando compreender expertises, trajetórias, valores morais e sentimentos em jogo no projeto. Ao descrever algumas situações observadas, busca-se apreender os sentidos das ações desses agentes.

Portanto, o objetivo deste trabalho não é saber se a Tripartite cumpre seu papel no desenvolvimento do sistema de saúde público haitiano, procedendo a uma avaliação das ações ou mesmo das relações internacionais nela implicadas. O que se pretende é entender como funciona um projeto de saúde nesse cenário de emergência e quais os efeitos dele decorrentes para além daqueles propostos como sendo seus objetivos explícitos. Para isso, tomo como inspiração os questionamentos realizados por Mosse (2005, p.2), ao examinar, a partir da etnografia, o “fazer e re-fazer” de políticas de programas de desenvolvimento:

Na melhor das hipóteses, a relação entre a política e as práticas é entendida em termos de uma ‘lacuna’ não intencional entre a teoria e a prática, reduzida através de uma melhor política mais efetivamente implementada. Mas, e se a prática do desenvolvimento não for impulsionada pela política? E se as coisas que fazem a política forem diferentes daquelas que a tornam implementável? E se as práticas de desenvolvimento forem, na verdade, ocultas em vez de produzidas pela política? E se, em vez da política produzir a prática, as práticas produzirem política, no sentido de que os atores do desenvolvimento dedicam suas energias para manter representações coerentes, independentemente dos acontecimentos? (destaque no original).5

Para fins deste estudo, tomo como orientação teórico-metodológica uma perspectiva multiescalar para pensar a cooperação internacional como um universo que envolve agentes e agências de distintas grandezas. Essa escolha heurística permite levar em consideração a multiplicidade de escalas (Revel, 1998) dos processos sociais que constituem a cooperação e que mobilizam diferentes lógicas (individuais, profissionais, institucionais, nacionais, internacionais e supranacionais) de modo a tratar os processos relacionados ao plano das agências, por um lado, e, por outro, ao plano das pessoas e suas interações. As trajetórias dos agentes colocam em perspectiva algumas questões levantadas por Mitchell (2002, p.277), a saber: “Quais são as estratégias, estruturas e silêncios que transformam o experto em porta-voz para o que aparece como força do desenvolvimento, regras da lei, progresso da modernidade e racionalidade do capitalismo?”

Com isso, coloca-se o desafio de apreender as experiências vividas pelas pessoas e, ao mesmo tempo, ter uma compreensão dos processos sociais que envolvem as agências no universo da cooperação internacional. Na área de estudos antropológicos sobre a cooperação internacional, abordagens multiescalares semelhantes foram propostas, entre outros autores, por Barroso e Nicaise (2014). Portanto, o que se pretende é pensar, como bem observa Barroso (2008, p.302), a cooperação internacional como “um universo fragmentado, composto por muitos atores, de variadas grandezas, situados em diferentes escalas e com múltiplas visões, e não simplesmente um universo ligado à transferência de saberes técnicos”.

Entre expertises, emoções e burocracias nacionais

“Fiquei muito tocada com aquela situação; era muito sofrimento.” Essa foi uma das primeiras falas de Tereza6 quando da nossa primeira conversa no escritório da Tripartite no Haiti. Tereza se referia ao ano de 2010, quando visitou o país pela primeira vez. À época do trabalho de campo, ela era a coordenadora da Cooperação no Haiti, onde vivia desde 2012. A coordenadora, médica especialista em saúde da família, acreditava que para entender melhor o Haiti e poder colaborar com o projeto, deveria morar no país. Desse modo, decidiu se mudar.

Tereza compunha o núcleo da Tripartite no Haiti do qual também faziam parte Carla, Fernando e Sandra. Todos trabalham no escritório que recebe o nome de Espaço Zilda Arns, localizado no prédio Hexagone em Pétion Ville, distrito da região metropolitana de Porto Príncipe. No prédio também funciona o escritório da embaixada brasileira.

Além do núcleo central residente em Porto Príncipe, há um fluxo de pessoas que visitam periodicamente o Haiti e participam de atividades pontuais com objetivos específicos. O fluxo se estabelece a partir de uma dinâmica de movimentação geográfica e temporal que se condensa sob a rubrica de “missão”. Esse termo é usado na área de cooperação internacional para designar viagens realizadas por agentes envolvidos em atividades internacionais para cumprir uma determinada agenda de trabalho. De modo geral, as missões têm como objetivo serviços de consultoria, pesquisas, encontros, reuniões etc., para citar algumas atividades de natureza semelhante, encontradas tanto na etnografia aqui apresentada quanto em outros trabalhos (Redfield, 2005; Mosse, 2005).7 As missões possuem uma temporalidade demarcada, com agendas planejadas de atividades e locais específicos para sua realização.

Por meio dessas missões, forma-se uma rede de agentes e agências que dá ensejo à formulação de políticas de saúde pública no Haiti. Na Tripartite, essas viagens são feitas principalmente por agentes brasileiros, pois os cubanos já residem no país. No entanto, há também encontros e visitas técnicas no Brasil e em Cuba. Não são apenas pessoas em fluxo, mas também expertises e racionalidades de governo e objetos como vacinas doadas, reagentes para experiências em laboratórios, ambulâncias etc. Doações essas que compõem parte das atividades da Cooperação.

No Haiti, o fluxo de estrangeiros da cooperação internacional realizada por diversas organizações cria espaços de socialização bem particulares, sobretudo no distrito Pétion Ville, onde estão localizados diversos escritórios internacionais, embaixadas, além de ser local da residência presidencial. Nessa região há vários restaurantes de cozinha internacional, lojas de artesanato e grandes supermercados que comercializam, sobretudo, produtos americanos, europeus e orientais, como sírios e libaneses, além de bancos, confeitarias, lanchonetes, livrarias e uma infraestrutura bastante distinta do resto da cidade, que dão uma marca específica ao distrito. Muitas pessoas envolvidas com as organizações internacionais no Haiti residem nessa área.

A cooperação Tripartite é formada por uma rede de agentes identificados a partir de suas origens nacionais e ocupações profissionais: motoristas, tradutores, jornalistas, médicos, enfermeiras, epidemiologistas, entomologistas, técnicos, cientistas, engenheiros, coordenadores, arquitetos, contadores, faxineiras, professores, diretores, psicólogos, chefes, oficial de chancelaria e ministros – mais especificamente, os ministros da saúde de cada um dos países em questão. Além dessas pessoas, poderíamos ainda identificar os “beneficiários” diretos do projeto, ou seja, alunos, pacientes atendidos pelas ambulâncias, pessoas vacinadas e usuários potenciais dos hospitais, em construção à época.

Os brasileiros que atuam no projeto fazem parte do quadro de funcionários de agências estatais do país. Alguns haitianos são contratados via Organização Pan-americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (Opas/OMS). Outros estão ligados a órgãos do governo como o MSPP e o Laboratório Nacional de Saúde Pública (LNSP). Eles possuem expertises técnicas e científicas (epidemiologistas, médicos, psicólogos, enfermeiras) e atuam na discussão de propostas e na implementação de atividades. Os demais envolvidos ocupam cargos políticos (ministros, assessores etc.) e trabalham em instâncias de decisão e avaliação da Cooperação, como o Comitê Gestor Tripartite e os Grupos de Trabalho, grupos temáticos que se reúnem periodicamente para propor e avaliar as ações executadas.

A terceira nacionalidade implicada é a cubana. Os agentes de Cuba que participam da Tripartite fazem parte da BMC no Haiti. A BMC é parte da política internacionalista de Cuba que é implementada pelos seus colaboradores, como se autodenominam os médicos, enfermeiras, pedagogos, epidemiologistas, entomologistas, jornalistas e motoristas que fazem parte das brigadas. Na percepção de alguns deles, o internacionalismo é uma forma de Cuba fazer “países amigos” e não se isolar politicamente. A BMC está presente no Haiti desde 1998, ano em que ocorreu o furacão Georges. Após o trabalho de ajuda imediata, Cuba passou a prestar assistência médica gratuita com base em um acordo chamado Programa de Saúde Integral (PSI), que oferece serviços médicos ao país anfitrião durante um determinado período.

Os diversos agentes nacionais interagem em espaços de planejamento e decisão, em momentos de encontro e reuniões e durante as missões, como foi dito. Durante o período da pesquisa de campo, presenciei quatro “missões”. Uma delas – chamada de “Missão Fiocruz no Haiti” – foi um encontro realizado entre os dias 25 e 28 de fevereiro de 2013 e tinha como objetivo formular o currículo para um curso na área de epidemiologia. As principais agências envolvidas nesse processo foram o MSPP e o LNSP do Haiti, BMC e a brasileira Fiocruz. Essa missão surgiu a partir de uma experiência anterior de formação de haitianos que realizaram estágios em laboratórios na sede da Fiocruz no Rio de Janeiro, no âmbito das atividades da Tripartite. Tal experiência acabou por levantar a demanda por parte do LNSP de formação de profissionais no próprio Haiti.

A pauta do encontro foi elaborada a partir das “necessidades dos haitianos”, em uma tentativa de “não impor conteúdos”, nas palavras de alguns interlocutores brasileiros. Essa seria uma premissa da ideia de cooperação Sul-Sul, uma das representações políticas acionadas para a justificação e legitimação de dispositivos de governo implementados transnacionalmente.8 De modo geral, o discurso Sul-Sul se constrói em torno da redução – ou mesmo negação – de práticas hierarquizantes na relação entre as partes envolvidas. As propostas dos haitianos foram recebidas pelos cientistas e coordenadores da Fiocruz, que as condensaram em uma agenda de atividades. Entre essas, foi incluída a organização da Missão Fiocruz no Haiti.

Uma das reuniões foi iniciada com a apresentação do professor francês Louis, consultor permanente do LNSP no programa de entomologia e parasitologia, vinculado à Universidade de Notre Dame, na França. Sua fala tratou da situação de transmissão de doenças vetoriais no Haiti. Segundo as colocações do professor, existem poucos entomologistas no país, sendo necessário formar recursos humanos e construir laboratórios de entomologia bem equipados. Desse modo, levantou-se a demanda pela criação dessas instalações. Em resposta, o técnico da Fiocruz afirmou que a participação da Fundação na Tripartite é limitada ao apoio na formação de recursos humanos e não possibilita a construção de estruturas físicas.9 Buscando possíveis alternativas para atender a essas demandas, o professor Louis sugeriu a criação de um anexo de um laboratório da Flórida, o que poderia se dar em cooperação com o governo americano. Tal sugestão sublinha a possibilidade de formação de redes de negociação em torno de projetos de cooperação agregando outras agências também atuantes nesse cenário, não se restringindo àquelas envolvidas no escopo do projeto. Sublinha ainda a presença norte-americana no governo da saúde no país.

Após essas discussões, houve a apresentação dos técnicos haitianos que haviam estagiado na sede da Fiocruz no Rio de Janeiro. Um dos pontos levantados em suas falas tratava do fato de que muitos técnicos formados acabavam saindo do país. Um cientista da Fiocruz insistiu na ideia de que eles deveriam permanecer e contribuir para o desenvolvimento do Haiti. A categoria “desenvolvimento” foi, então, colocada na reunião, demonstrando como as ideias de bem-estar, melhorias e benefícios a ela associadas são constituintes desses projetos de cooperação, sugerindo, ainda, que os sentidos atribuídos pelos agentes às suas ações também estão imbuídos dessas noções. Outro ponto evidenciado foi a questão da “fuga de cérebros”, apresentada como um fator que impede o “desenvolvimento” do país. O impasse na discussão era o fato de que a formação de quadros técnicos não garantia seu aproveitamento e sua integração no sistema de saúde. Segundo interlocutores brasileiros, esse mesmo impasse é registrado em outros processos de formação na Tripartite. Como contam, há uma preocupação em formar uma quantidade específica de pessoas para responder aos objetivos da iniciativa, mas não há discussão sobre as possibilidades reais de ingresso no mercado de trabalho para os recém-formados.

Se para alguns cooperantes e haitianos formados pela Fiocruz a “fuga de cérebros” é uma questão, para outros haitianos, o projeto representa uma chance de entrar no mercado de trabalho da cooperação internacional no país. Para Florence, por exemplo, uma enfermeira haitiana que atua na Escola Nacional de Formação Técnica em Saúde (ENFTS), trabalhar na Tripartite significa uma grande oportunidade em sua carreira, pois, como conta, pensa em atuar “na cooperação” depois que a Tripartite acabar, ressaltando o fato de haver postos de trabalho nessa área no país. Florence valoriza sua participação no projeto, afirmando que este lhe traz “novos conhecimentos todos os dias”. Aprecia também o fato de aprender com os agentes brasileiros a trabalhar com planificação de atividades, apreendendo, desse modo, racionalidades e saberes de governo de outro Estado.

Os alunos dos diversos cursos oferecidos no âmbito da Tripartite também são agentes desse universo, visto que são beneficiários diretos da iniciativa. Ismael é um dos alunos que participam do curso de inspetor sanitário. Formado em letras, fala francês, créole, espanhol e inglês, além de demonstrar interesse em aprender português e italiano. Decidiu entrar para o curso porque queria “aprender mais para poder contribuir para o desenvolvimento de seu país”. Ele diz levar muito a sério essa oportunidade, pois “conhecimento não tem preço”. Conta que se sente muito orgulhoso por estar participando da formação e que tão logo o curso acabe pretende encontrar um trabalho e “ajudar seu povo”. Pergunto o que pensa sobre as ações do governo brasileiro no Haiti, ele diz: “Não sou contra; eu gosto do Brasil, gosto da cultura do Brasil... Não gosto de falar de política ou tomar partido. Quero uma vida melhor”.

As percepções positivas do projeto relatadas tanto por Florence quanto por Ismael reforçam o argumento de Simensen (2003). Para esse autor, quem recebe uma doação é cuidadoso nas críticas, e quem dá tende a assumir uma postura diplomática, sendo prudente para não causar prejuízos a uma boa causa (Simensen, 2003; Barroso, 2008, p.23). Em contrapartida, a narrativa de alguns agentes brasileiros assume outras nuanças, como a de Antônia, que compõe o quadro do MS do Brasil. Na Cooperação Tripartite, ela está envolvida com as atividades da ENFTS. Na reunião final de avaliação da primeira semana de trabalho na escola, Antônia relatou: “Eu me emocionei muitas vezes na sala. Hoje estou realizando um sonho. Isso não seria possível sem um trabalho em equipe”.

A agente afirma ter um perfil de “gestora”. Sua narrativa revela motivações e dificuldades encontradas no trabalho. Conta que gosta muito do que faz, mas ao longo dos anos de atuação no projeto pensou, algumas vezes, em sair devido às dificuldades vivenciadas. Mas conclui: “O amor pelo que eu faço falou mais alto; e eu sempre digo que eduquei dois filhos e que hoje eles estão formados, seguindo suas carreiras, e agora eu gostaria de formar aqueles mais desprovidos, e isso me incentiva a ir em frente”.

A alusão ao sentimento de amor pelo trabalho, associado à sua própria maternidade e ao termo usado na definição de sua expertise (“gestora”), aponta para a função constitutiva e pedagógica de “maternagem”, de “ensinar a ser”, própria da ideia de “gestar”, associada ao sentido do poder público, como discute Souza Lima (2002).10 O sentimento de “amor” e o desejo de educar que surgem no discurso da agente marcam as justificativas morais para o desempenho das suas funções, constituindo-se em uma motivação para o trabalho. A moralidade e, mais especificamente, os sentimentos de compaixão e generosidade são elementos constitutivos nas justificativas das políticas contemporâneas de cooperação internacional (Fassin, 2011; Nicaise, 2009).

Para Antônia, sua atuação no Haiti é “mais que um trabalho”. Em suas palavras, “é um trabalho porque é remunerado, mas é uma missão, porque é um país muito difícil, com uma cultura muito diferente da nossa”. Ela acredita que não há um governo haitiano, considerando que “o governo é acéfalo”, em suas palavras. Enfatiza que o processo de trabalho em conjunto com o MSPP é difícil. Segundo conta, os agentes da Tripartite “têm que fazer tudo”, e muitas negociações têm que ser refeitas “porque em um mês o MSPP esquece o que foi acordado anteriormente”. Considera que a presença institucional é “zero”. Fala ainda que, na Cooperação, o que se faz é “prover tudo”. Complementando: “É tentar ocupar o vácuo que o Estado lá deixa”.

As percepções das burocracias nacionais e as narrativas de seus agentes mudam conforme a posição que ocupam no projeto. A partir das suas narrativas, podem-se identificar motivações, saberes e práticas que constroem as estruturas de significação e de atitudes dos envolvidos com a cooperação internacional. Dentre as percepções do Estado haitiano por parte dos agentes brasileiros, como observado em suas narrativas, destacam-se alguns pontos. Primeiramente, ele se personifica por meio das suas instituições, possuindo capacidade de agência como “o esquecimento” ou a “ausência” voluntária. Embora o Estado seja visto como capaz de agir, ele é tido por ausente. Essa ideia encontra eco nas abordagens políticas e teóricas que tratam o Estado haitiano como fraco, como analisa Evangelista (2010).11

Para Antônia, o que diferencia a cooperação brasileira das demais é a ideia de “cooperação estruturante”, por meio da qual ensinam aos haitianos como fazer o trabalho. Com isso, acredita que, quando o projeto terminar, eles poderão dar continuidade às atividades. Diz que os brasileiros têm tentando suprir de todas as formas as lacunas do país, buscando prover os professores e alunos de um conhecimento que anteriormente não tinham. Antônia acredita que essa iniciativa pode fazer uma grande diferença no Haiti. Como outros agentes também pontuam, ela faz referência à “fuga de cérebros”. Contudo, acredita que a formação técnica incentiva a permanência no país, na medida em que os capacita profissionalmente.

O discurso da brasileira mostra o processo em que as ideias do projeto são colocadas em prática e que ambas, ideias e práticas, retroalimentam-se na implementação das ações. Observa-se como os agentes envolvidos no mundo da cooperação tecem suas práticas para além do proposto nos planos originais, acionando sentimentos morais, ajustando-se aos impedimentos burocráticos, ao mesmo tempo que buscam dar sentido aos projetos de modo a mantê-los (Mosse, 2005).

A cooperação e seus brokers

As relações entre atores de origens nacionais distintas são mediadas por pessoas cuja atuação influencia diretamente a comunicação entre eles. Tais sujeitos estão na infraestrutura dos projetos, tornando-os possíveis, embora suas atividades não estejam em primeiro plano nos objetivos propostos. Em minha observação etnográfica identifiquei três ocupações que cumprem o papel de mediadoras, a saber: tradutores, motoristas e comunicadores/jornalistas. Ao olhar para essas ocupações específicas, intenta-se compreender a atuação desses agentes como mediadores sociais, ou brokers. Utilizo um sentido estrito da elaboração sobre brokers proposta por Wolf (1956), considerando-os indivíduos móveis capazes de operar em grupos de poderes desiguais dentro da sociedade, atuando na interface da “nação-comunidade”, nos termos do autor. Ao tratar do papel de intermediação entre a comunidade e o Estado do México, Wolf apresenta o broker como uma figura poderosa, ainda que marginal e vulnerável, situada entre pontos de conexão dos sistemas de relações complexas.

Mosse e Lewis (2006), por sua vez, analisam o papel dos intermediários que operam nas interfaces de diferentes visões de mundo e sistemas de conhecimento implicados nos projetos de desenvolvimento. Essa análise revela a importância dessas pessoas em funções de negociação e de mediação nas relações e representações. A preocupação dos autores não é pensar como os atores operam e criam estratégias dentro de arranjos existentes de desenvolvimento, mas sim como a implementação desses projetos, sempre imprevisível, torna-se real por meio do trabalho de mediação e de tradução de interesses, congregando apoiadores e sustentando as interpretações dos planos e dos resultados. O conceito de “tradução” se refere à inscrição mútua e ao entrelaçamento de interesses que produz as realidades do projeto (Mosse, Lewis, 2006).

A necessidade de haver postos de trabalho para intérpretes/tradutores revela o multilinguismo observado nas redes de relações estabelecidas em torno da Tripartite. Francês e créole são os idiomas oficiais do Haiti. O espanhol e o português também entram em jogo pela presença de cubanos e brasileiros. Por vezes, as pessoas recorrem ao inglês. No escritório em Pétion Ville, escutava-se mais o português, mas também o créole falado entre os haitianos que aí trabalham. Esses são os idiomas em jogo nas comunicações oral e escrita no âmbito das relações observadas.

O trabalho de tradução consiste, basicamente, na promoção da comunicação entre os agentes envolvidos de modo a adequar as mensagens trocadas. Isso implica não apenas uma operação linguística, mas também o estabelecimento de princípios de correlação entre diferentes visões de mundo, de modo que os tradutores se tornam mediadores de experiências de pessoas de sociedades distintas, cumprindo o papel de colocar em diálogo pessoas de nacionalidades diferentes. Observei a presença de tradutores em dois espaços: no escritório e na ENFTS.

Nos encontros dos agentes dos três Estados, sempre há necessidade de tradução simultânea. Neles, algumas pessoas não haitianas, ainda que não dominem o francês, buscam se arriscar falando o idioma.12 Outras permanecem silenciosas ou recorrem ao auxílio do tradutor. Alguns brasileiros, sobretudo os que trabalham permanentemente no Haiti, também tentam falar créole. Em reuniões observadas, o processo de comunicação encontrava obstáculos devido ao fato de que nem todos os participantes dominavam o francês e de que nenhum dos estrangeiros presentes se comunicava em créole. Tais limitações implicam a redução da participação de alguns agentes nos processos de discussão, dificultando seu campo de atuação no projeto.

A questão do idioma é fundamental nesse universo transnacional não apenas pela comunicação em si, mas pelas posições que são demarcadas a partir do domínio de um idioma ou mais e pelas possibilidades de interação, negociação e de formação de alianças. No caso da cooperação empreendida pelo governo do Brasil, a língua é ponto de tensão para o próprio fazer dos cooperantes brasileiros. Em campo, um agente brasileiro diz ter aprendido a falar francês sozinho e critica o fato de o governo brasileiro não investir na capacitação dos cooperantes. Esse mesmo agente relata que em muitas reuniões com organismos supranacionais, como a Opas, “o Brasil fica mal visto” justamente por seus agentes não terem um domínio linguístico que os habilite a dialogar nos espaços de negociação.13

A competência linguística é um fator relevante para o trânsito no universo da cooperação internacional, uma vez que se revela como um capital, demarcando posições em campos de negociação, além de possibilitar a formação de alianças. De acordo com Dezalay (2004), o mercado da expertise internacional é elitista, protegido por barreiras de entrada muito discretas. Para ascender, é necessário dispor de certas competências, sendo as culturais e linguísticas aquelas que, para o autor, ressaltam o essencial de um capital social herdado (Dezalay, 2004, p.6).

No escritório da Tripartite trabalhava René, um jovem haitiano que decidiu fazer curso de português no Centro Cultural Brasil-Haiti Celso Ortega Terra porque estava sem ocupação naquele momento.14 A dedicação ao curso fez com que sua professora o indicasse para trabalhar com as tropas brasileiras da Minustah, logo após o terremoto de 2010. René considerava o trabalho bastante inseguro. Surgiu uma chance numa determinada ONG em que atuavam dois brasileiros. Sem que seu chefe da Minustah soubesse, ele fez uma entrevista para essa outra organização, que o contratou. Meses depois, participou de seleção para a Cooperação Tripartite, para trabalhar no primeiro curso de formação de agentes comunitários de saúde, em 2010. Segundo ele, naquele momento havia uma grande insegurança no país por conta de denúncias de fraude nas eleições presidenciais, e os brasileiros tiveram que ir embora. Em 2013, ele participou de nova seleção para a Tripartite. René faz tradução de documentos do português para o francês, e vice-versa. Ele também acompanha membros da equipe em reuniões.

Já na ENFTS, observei o trabalho de três tradutores em sala – Joseph, Robert e Mitchell – quando traduziam do créole, falado pelos alunos e professores, para o português, falado pelos especialistas brasileiros que acompanhavam a dinâmica das atividades. Cada um tinha um ritmo para a tradução simultânea. Joseph, por exemplo, demorava um pouco mais a compreender toda a situação falada para então interpretá-la e colocá-la em sentenças. Já Robert traduzia de modo mais rápido, frase a frase. Joseph aprendeu português no Haiti, enquanto Robert estudou no Brasil, tendo vivido por quatro anos em Minas Gerais com uma família brasileira. Ele formou-se em biomedicina, mas conta que, como não há mercado de trabalho para essa profissão no Haiti, não consegue emprego. Por isso, considerava a possibilidade de sair do país para fazer mestrado no Canadá. Mitchell, por sua vez, era o mais querido entre os especialistas brasileiros. Segundo Fernando, que trabalha diretamente com a ENFTS, Mitchell reúne todas as qualidades necessárias para um tradutor, ou seja, é capaz não apenas de traduzir palavra a palavra, mas de interpretar a sentença de modo que o conteúdo fique mais claro para os ouvintes.

Em algumas situações pude observar a mediação da interação entre os profissionais brasileiros e haitianos feita pelos tradutores. Uma delas foi em uma aula do curso de formação de auxiliar de enfermagem polivalente. Na sala, junto com os estudantes haitianos, estavam Carolina, enfermeira representante de uma das escolas técnicas do SUS, e a professora haitiana. Carolina recebia auxílio do tradutor para se comunicar com a professora e com os alunos que falam francês e créole. Durante a aula, Carolina permaneceu na sala e deu algumas coordenadas à professora. Os alunos leram em voz alta, individualmente, um texto sobre a história da enfermagem. Enquanto isso, Carolina trabalhava em suas anotações. Em determinado momento da leitura, o texto menciona que os povos antigos acreditavam que os “espíritos maus” poderiam causar doenças. Nesse momento, um aluno perguntou se um espírito mau realmente poderia causar alguma doença. A professora respondeu que sim, afirmando ser isso comum no Haiti. Interessante observar que o tradutor só traduziu para mim, pois Carolina estava ocupada de modo que não teve acesso a essa informação.

Os tradutores estão no fluxo entre pessoas com diferentes níveis de poder político e econômico, agindo como brokers, no sentido discutido por Wolf (1956). Por atuarem no mundo dos blan – termo em créole usado para fazer referência aos estrangeiros –, conseguem privilégios financeiros, bons contatos e possibilidades de sair do país. Segundo alguns relatos, porém, em diversas situações aqueles que trabalham diretamente com as forças armadas da Minustah podem ser acusados de trair e delatar vizinhos e conhecidos, o que demonstra o risco desse posicionamento fronteiriço.

A segunda categoria profissional que destaco como mediadora é a dos motoristas. Ao longo dos meses de trabalho de campo, ao acompanhar os agentes brasileiros, conheci pelo menos cinco motoristas que trabalharam para o escritório em períodos distintos. Todos falavam francês, e alguns conseguiam estabelecer comunicação básica em inglês. Apenas um deles falava esta última língua fluentemente, fator que permitiu minha comunicação direta com ele. Com os demais, eu buscava falar algo em créole, de modo que eles acabavam por colaborar com meu aprendizado da língua. Gerald, o primeiro motorista que conheci, também era pastor. Ele tinha contrato como motorista do projeto por três meses, o que sugere a rotatividade desse universo profissional ligado à cooperação internacional no Haiti. De modo geral, a rotatividade e a instabilidade nas ocupações são aspectos da cooperação internacional, dada a temporalidade da burocracia dos projetos. Os motoristas são contratados via Opas/OMS ou trabalham diretamente para as empresas que alugam os carros. No primeiro caso, devem seguir as regras de segurança colocadas pela ONU, como por exemplo a proibição de passar pelas “zonas vermelhas” da cidade – especificamente, Bel Air e Boston, em Cité Soleil –, consideradas perigosas pela entidade. Outra regra é a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança. Certo dia, presenciei a discussão entre uma haitiana que trabalhava no escritório da Tripartite e um motorista, devido ao uso do cinto. Ela ficou revoltada e quis apresentar uma queixa à coordenação, porque o motorista insistiu no uso do equipamento de segurança, recusando-se a dar partida enquanto ela não o fizesse. Em certo sentido, os motoristas se apresentam como mediadores da relação dos agentes com os espaços da cidade, facilitando a circulação e apresentando as localidades, histórias e as clivagens entre as esferas espaciais de socialização. Eles também fazem cumprir determinadas normas de segurança impostas pelas agências internacionais. Tais regras e proibições não são implementadas pelos agentes cubanos, que contam com motoristas de seu próprio país e circulam em carros doados pela cooperação com a Venezuela. Os motoristas cubanos não têm restrições quanto às zonas da cidade, entrando em suas pequenas ruas e passando pelo centro sem maiores constrangimentos.

A terceira ocupação entendida aqui como mediadora é a de especialistas em comunicação. Em campo, observei o trabalho de brasileiros e cubanos para compreender o universo da cooperação responsável pela divulgação das ações das agências em territórios internacionais. O trabalho desses profissionais consiste em estabelecer um elo entre as agências governamen-tais e os espaços públicos nacionais.

O governo cubano publica suas ações por meio do jornal Granma (do Partido Comunista de Cuba) e da rede estatal de televisão. Os comunicadores cubanos fazem parte da equipe de colaboradores da BMC. No período da pesquisa de campo, estavam no Haiti Martinez e Alejandro, que trabalham com audiovisual, Marcos, o cameraman, e Pablo, responsável por escrever as matérias sobre a BMC. Pablo estava no Haiti havia quatro meses. Sua função era reportar as atividades para o jornal Granma. Para ele, ir a Porto Príncipe significou “uma oportunidade de aprender mais”. Estar em missão representa uma oportunidade de trabalhar com pessoas mais experientes e assim continuar o processo de aprendizagem, segundo relatou.

Os jornalistas cubanos dedicam um tom emotivo às ações dos médicos de seu país, destacando aspectos como a generosidade. Sobretudo durante o período que sucedeu ao terremoto, as notícias publicadas no Granma reportavam o evento por meio de imagens do sofrimento humano. Como aponta Sontag (2003), a exposição a imagens de sofrimento faz parte da experiência moderna do indivíduo. Fotografias do sofrimento se configuraram como um meio de tornar reais situações que “pessoas socialmente privilegiadas, ou simplesmente em segurança, talvez preferissem ignorar” (p.12). As imagens de tragédia ajudam na própria definição do regime de emergência e produzem simpatia, apesar da distância (Calhoun, 2010).

O governo brasileiro, por sua vez, publica as atividades da Tripartite em um site.15 A agência responsável é a Fiocruz, por meio de seu Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde. As publicações destacam as ações do projeto utilizando fotografias, vídeos e releases de atividades. Essas atividades constroem um sistema de signos, textos e linguagens pelo qual se estabelece uma relação entre os eventos e os objetivos do projeto.

Essa relação é o modo pelo qual seu sucesso é socialmente produzido. Os projetos se tornam bem sucedidos não necessariamente ou tão somente porque transformam objetivos em realidade, mas também porque sustentam modelos políticos ao oferecer uma interpretação dos eventos por meio de um discurso que dá sentido às agências, forja e mantém uma rede de suporte, criando uma audiência para o trabalho de transformação social (Mosse, 2005, p.181). Como apontam Boyer e Hannerz (2006), o jornalismo está entre os fenômenos socioculturais que contribuem para a translocalização, a transnacionalização e a cosmopolitanização da vida contemporânea, estabelecendo distintas formas de ligar diferentes localidades. Desse modo, o trabalho dos comunicadores desses projetos internacionais representa uma forma de as agências envolvidas transnacionalizarem a ideia de sucesso, construída em torno dos resultados, e legitimarem, em seus respectivos cenários nacionais, aquilo que é realizado por elas em território internacional.

Se, por um lado, a prática dos jornalistas medeia a representação e faz circular a informação, por outro, as condições e possibilidades do trabalho de mediação dependem de esquemas institucionais, profissionais e do instrumentário técnico (Boyer, Hannerz, 2006). No limite, o trabalho de mediação social dos comunicadores que atuam a partir das demandas institucionais acaba por estabelecer regimes de verdade que justificam e legitimam os discursos oficiais da política internacional, sendo uma versão entre outras da representação desse universo. Ressalte-se que isso não quer dizer que haja construção de “inverdades”. Há ações para o sistema de saúde que são de fato implementadas, como campanhas de vacinação, doação de ambulâncias, construção de hospitais e formação de recursos humanos. O que observamos é a produção social de sentidos em torno dessas ações.

As agências internacionais e o governo da saúde no Haiti

A Tripartite integra um dos diversos projetos que atuam na saúde pública do Haiti. Ao observarmos o relacionamento entre o Brasil, por meio da Cooperação, e a Opas/OMS, é possível situar as ações do governo brasileiro em uma extensa rede de agências e agentes com diferentes lógicas e planos de ação.16 A Opas/OMS, que já atua há dezenas de anos no Haiti, tem focado suas atividades em duas áreas principais: a chamada “ajuda humanitária e de recuperação de desastres” e a “cooperação técnica para o desenvolvimento nacional da saúde”.17 A presença de organismos internacionais, sobretudo na área da saúde, é marcante no país. O próprio processo de formação do MSPP, da sua organização burocrática e das racionalidades aí implicadas, ocorreu em estreita relação com organizações estrangeiras – sobretudo norte-americanas.18 No organograma atual do MSPP, há um setor responsável pela cooperação, chamado Serviço de Coordenação da Cooperação. Esse serviço é parte da Unidade de Programação e Avaliação. Em termos de articulação entre os órgãos do Estado, o MSPP também atua com o Ministério do Planejamento e Cooperação Externa, que trabalha na coordenação das atividades das organizações nacionais e internacionais (Haiti, 2012).

A sobreposição de agências e propostas compõe aquilo que trato como a “paisagem projetificada”, configurada pela atuação de diversos organismos internacionais no Haiti. Essas intervenções na saúde, múltiplas e fragmentárias, com suas sobreposições de projetos e orientações políticas, configuram “paisagens projetificadas de cuidados”, nas quais a abrangência e o papel do governo são redefinidos, as micropolíticas diversificadas e prospectos de empreendimentos de todo tipo explorados (Whyte et al., 2013; Biehl, Petryna, 2013).

A noção de paisagem projetificada de cuidados é usada por Whyte et al. (2013) para descrever o cenário das ações voltadas ao tratamento de HIV/Aids em Uganda no início dos anos 2000. Os autores discutem sobre a proliferação de programas antirretrovirais e de projetos de apoio a pessoas soropositivas no país. Três fatores contribuíram para essa proliferação: a abertura política, o aumento do financiamento internacional de programas de tratamento e as próprias exigências do tratamento, sobretudo o princípio da adesão. A paisagem de cuidados de saúde se desdobrou em uma série de programas, em vez de um único formato de atendimento prestado pelo sistema estatal de saúde existente. Cada programa recrutou seus membros, monitorou medicação e estado de saúde dos atendidos e manteve seus próprios arquivos. Segundo os autores, o resultado foi um novo formato de cuidados de saúde em Uganda.

A imagem apresentada por Whyte et al. (2013) mostra a articulação de distintas lógicas (nacionais, internacionais, institucionais, profissionais) que estruturam a relação entre cuidados com a saúde e a atuação de organizações internacionais. Agentes, agências e expertises configuram essa paisagem de sobreposição de projetos tanto em Uganda quanto no Haiti.19

O MSPP, por meio de relatórios, sublinha a importância do dinheiro injetado pela cooperação internacional no financiamento da saúde, mas aponta em contrapartida uma falta de coordenação desse apoio financeiro e dos múltiplos projetos, o que leva à fragmentação do sistema (Haiti, 2012, jun. 2013). O ministério haitiano vê no desempenho de instituições internacionais um fator que gera desequilíbrio em programas e serviços: o documento ressalta que, longe de reforçar o sistema de saúde, o aporte financeiro “só enfraquece a liderança do MSPP” (Haiti, 2012, p.8). Paradoxalmente, o sistema de saúde do Haiti é tratado como “altamente dependente da ajuda externa” (Haiti, jun. 2013, p.19). Em termos financeiros, o investimento da cooperação externa correspondeu a 86% de toda a despesa nacional em saúde em 2011. O financiamento é canalizado por agências doadoras bilaterais e multilaterais, algumas das quais lidam diretamente com o Estado e com outras ONGs.20

Ressalte-se que a relação do Haiti com as organizações não governamentais se modula conforme a situação geopolítica. Com o desenvolvimento do capitalismo neoliberal, o Haiti serviu como palco de atuação crescente de diversas dessas organizações (Schüller, 2012). Essa atuação cresceu exponencialmente depois de 1994, com a empreitada internacional e nacional pela “restauração da democracia” (James, 2010). As ações dos organismos internacionais se davam, principalmente, sob o rótulo de defesa dos “direitos humanos”. Em 1994, após conflitos políticos e diplomáticos, os EUA intervieram militarmente no país, abrindo espaço para as ações humanitárias que se desenvolveram posteriormente. Organizações nacionais e internacionais implementaram diversas iniciativas de ajuda humanitária (James, 2010). Segundo Farmer (2006), em 2004, quando da deposição do presidente Aristide, a saúde pública ficou ainda mais enfraquecida. Diversas organizações, como a norte-americana Fundação Bill Clinton, recusaram-se a trabalhar no Haiti sob o novo regime político instalado. Atualmente, as ONGs no Haiti recebem grande parte da ajuda financeira oficial ao país (Schüller, 2007).

Ao estabelecer programas como a Cooperação Tripartite, que se propõe a “fortalecer” a estrutura estatal, o governo haitiano se constrói nessa relação de sobreposição de programas e estratégias transnacionais. Essa construção se dá a partir do fluxo de racionalidades e planos de governo resultantes de momentos históricos específicos que tanto reverberam políticas nacionais próprias a cada Estado que atua no país quanto o próprio cenário geopolítico internacional. Pode-se dizer que a Tripartite é resultado de um processo social, que ao longo do tempo modulou a ajuda/cooperação em torno de preocupações específicas e com agentes diversos mobilizando a estrutura burocrática do campo da saúde no país.

Considerações finais

A Cooperação Tripartite Brasil-Cuba-Haiti é formada por uma articulação entre agentes e agências, e por meio dela circulam tecnologias de governo, racionalidades, saberes, pessoas e objetos. Tal articulação é organizada em muitas escalas: na política externa dos Estados nacionais, na burocracia de suas agências, na interação entre as pessoas que implementam e pensam as ações e em suas subjetividades. Por essa razão, entendo a cooperação técnica internacional como um universo permeado de nuanças, em que as conclusões a que podemos chegar não são estanques, mas igualmente nuançadas. Ressalte-se que este trabalho não tinha como objetivo avaliar eventuais resultados positivos ou negativos do projeto. A proposta foi observar, a partir de seu funcionamento, desde uma perspectiva etnográfica, a movimentação de diferentes lógicas nas várias escalas analisadas.

Como foi observado, a Tripartite é um dos diversos arranjos que agem na saúde pública do país e que compõem uma paisagem projetificada do governo da saúde. As racionalidades das burocracias nacionais dos governos brasileiro, haitiano e cubano integram a mesma rede de organizações que atuam na área da saúde haitiana em conexão com a Opas/OMS. É possível observar por meio do projeto o fluxo transnacional de racionalidades e modelos de governo de populações que caracteriza o campo da cooperação internacional. Percebe-se, assim, como agências diversas, consultores, expertises, dados epidemiológicos, dados de equipamentos de saúde e sobreposição de projetos compõem um modo de pensar e implantar políticas transnacionais de saúde.

A cooperação internacional movimenta uma gama de profissionais que engendram a implementação do projeto e acionam esferas de ação para além dos objetivos previstos pelo plano. Inventariar essas ocupações nos revela a heterogeneidade dos atores envolvidos com as operações do desenvolvimento, dando-nos subsídios empíricos para pensar como as iniciativas de cooperação constroem espaços específicos, criam códigos de conduta, movimentam mercados de trabalho, injetam dinheiro no país, promovem interações entre agentes de vários estados nacionais, produzindo alianças, disputas, assimetrias e discursos. A cooperação se mostra, portanto, como um universo ambivalente, multiescalar e multilinguístico. Nele, o domínio dos idiomas não se limita a estabelecer comunicação entre as pessoas, mas também modula as possibilidades de participação nos momentos de interação entre agentes de distintos países.

A partir dessa reflexão, observou-se como os projetos de desenvolvimento operam em múltiplas escalas e são constantemente transformados e contestados por seus agentes. Esses os revestem dos sentidos que suas formações (pessoais, acadêmicas, profissionais etc.) e sua posição na rede de agentes e agências que matizam o cenário das políticas do espaço haitiano atual lhes permitem captar, apreender e reproduzir. Esse cenário nuançado é produzido em meio à paisagem projetificada do governo da saúde no Haiti, construída com a efetivação de diversas ações nesse campo sob a justificativa humanitária e que evoca a participação de “todos juntos” pela reconstrução do país.

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