On-line version ISSN 1982-0194
Acta paul. enferm. vol.29 no.5 São Paulo Sept./Oct. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201600079
Os recém-nascidos de muito baixo peso (RNMBP) em sua maioria são pré-termo e constituem um grupo heterogêneo, compreendido entre a faixa que varia de 28-29 semanas até 32-33 semanas de idade gestacional.(1) A ocorrência de infecção é maior nesta população alvo em virtude de fatores de risco intrínsecos (relacionados à imaturidade no desenvolvimento do sistema imunológico e às ineficientes barreiras de pele e mucosa) e extrínsecos (exposição ao ambiente hospitalar, manipulação da equipe de saúde, antibióticos, nutrição parenteral e dispositivos invasivos).(1,2)
O uso de procedimentos invasivos é um dos principais fatores extrínsecos de risco para infecção nos recém-nascidos de muito baixo peso. Entretanto, estes são essenciais ao suporte à vida destes pacientes.(1,3,4) O rigor nas técnicas de execução destes procedimentos, a observância dos padrões de assepsia, aliados ao quantitativo adequado de profissionais na assistência, necessitam ser considerados nas práticas das unidades de terapia intensiva neonatal (UTIN).(4) Nesse sentido, o acesso à rede vascular do RNMBP através de cateteres centrais e a ventilação pulmonar mecânica, necessários para o suporte à vida dos pré-termo, vêm sendo considerados os principais responsáveis pela ocorrência de infecção relacionada à assistência à saúde (IRAS) com altas taxas nas UTIN.(1,5-8)
A sepse neonatal é definida como resposta sistêmica à infecção caracterizada por uma síndrome clínica com diversas manifestações.(9,10) Pode ser classificada como precoce (de provável origem materna ocorrendo sintomas dentro das primeiras 48h de vida) e tardia (de provável origem hospitalar).(9) Seu diagnóstico se dá pela presença de pelo menos um sintoma que esteja em três dos seguintes itens: 1) Apnéia, bradipnéia, gemência, taquipnéia, retrações esternais e subcostais, batimento de asas de nariz e cianose; 2) Instabilidade térmica (hipotermia <36,5° e hipertermia >37,5°); 3) Hipotonia e convulsões; 4) Irritabilidade e hipoatividade/letargia; 5) Sintomas gastrintestinais, como distensão abdominal, vômito, resíduo gástrico e dificuldade de aceitação alimentar; 6) Icterícia idiopática; 7) Palidez cutânea, pele fria, sudorética, hipotensão e tempo de enchimento capilar superior a três segundos; 8) Intolerância à glicose; 9) Sinais de sangramento com quadro sugestivo de coagulação intravascular disseminada; 10) Avaliação subjetiva: Recém-nascido que “não parece bem”.(9)
Assim, há necessidade de estudos que tenham como propósito correlacionar os procedimentos assistenciais com a ocorrência de sepse neonatal, o que poderia contribuir para o aprimoramento da assistência. O objetivo deste estudo foi correlacionar os procedimentos assistenciais invasivos realizados nos recém-nascidos de muito baixo peso com a ocorrência de sepse neonatal.
Estudo quantitativo de coorte retrospectivo, longitudinal, realizado por meio de pesquisa de dados secundários em um hospital universitário federal do município de Niterói, Estado do Rio de Janeiro, Brasil. A coleta de dados ocorreu no período de novembro de 2013 a novembro de 2014 e sistematizada no arquivo médico, utilizando-se os prontuários dos recém-nascidos de muito baixo peso e na Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) com as fichas de vigilância epidemiológica.
A unidade neonatal do hospital é constituída por uma unidade de terapia intensiva neonatal com sete leitos e pela unidade intermediária neonatal (UIN) com oito leitos. Durante os anos de abrangência do estudo ocorreu um total de 486 internações na unidade, conforme registro no sistema de gerenciamento de internações. Como instituição de referência para a gestação de risco, os recém-nascidos comumente necessitam de cuidado intensivo por apresentar prematuridade, baixo peso ao nascer, malformação ou comprometimentos associados a alterações obstétricas apresentadas por suas mães, o que acarreta prolongada permanência na UTIN até que apresentem condições de alta domiciliar. Este fato resulta em baixa rotatividade e consequente pequeno número de internações na unidade.
Participaram do estudo todos os recém-nascidos de muito baixo peso (peso entre 1.000g-1.500g inclusive) admitidos nos anos de 2008 – 2012 e registrados no Nosocomial Infection Surveillance System (NISS) da CCIH com diagnóstico de sepse neonatal. Todos os RNMBP apresentaram sepse. Esses critérios resultaram em amostra em quarenta e nove recém-nascidos. O sistema NISS foi criado nos Estados Unidos da América na década de 70, pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC), objetivando a formação de um banco de dados nacional e de notificação voluntária que garantiria o controle de infecções nos hospitais participantes.(11)
Foram critérios de inclusão: peso entre 1.000 e 1.500g; registro no NISS da CCIH por ter apresentado sepse neonatal; ter nascido no hospital local do estudo no período entre 2008 – 2012; ter sido submetido a procedimento assistencial invasivo na sala de parto e/ou unidade de terapia intensiva neonatal; ter sido admitido na UTIN imediatamente após o parto. Foram critérios de exclusão: RNMBP transferidos, oriundos de outras unidades hospitalares; ter sido admitido na UIN ou no Alojamento Conjunto (AC) logo após o parto, antes da UTIN.
Os procedimentos assistenciais invasivos estudados foram: Cateterismo Umbilical Arterial e Venoso, Cateter Central de Inserção Periférica (PICC), Acesso Venoso Periférico, Intubação Orotraqueal e Cateterismo Vesical. A seleção foi baseada em Manual específico da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e associam-se às definições de infecção neonatal por topografia, detalhadas nesse Manual, compreendendo: Infecções Primárias de Corrente Sanguínea clínica e com confirmação microbiológica, IRAS do Trato Respiratório, Infecções do Sistema Nervoso Central, Infecções do Trato Urinário e Infecção do Sistema Gastrintestinal.(9)
Para tratamento dos dados foi utilizado o programa estatístico Stata versão 6.0 (StataCorp). Na análise bivariada das características dos recém-nascido e a ocorrência de sepse, foi feita comparação da diferença das médias (teste de Mann-Whitney) e das frequências (teste do qui quadrado), tendo como desfecho a presença ou não de sepse neonatal. Na análise bivariada dos procedimentos invasivos realizados nos recém-nascidos e a ocorrência de sepse, foi feita comparação da diferença das frequências (teste qui-quadrado). Foi realizada análise multivariada (Regressão Logística). As variáveis independentes foram: as características dos recém-nascidos de muito baixo peso e os procedimentos invasivos. A variável dependente foi a ocorrência de sepse precoce ou tardia. Todas as variáveis com significância de p<0.20 na análise bivariada foram candidatas a compor o modelo de regressão logística. Permaneceram no modelo as variáveis com valor de p<0,10.
Foi definida, de acordo com a ANVISA, a Sepse Neonatal Precoce de provável origem materna como aquela que ocorre dentro das primeiras 48h de vida e relacionada com fatores maternos, gestacionais e periparto e a Sepse Neonatal Tardia como o processo infeccioso que se manifesta no recém-nascido após 48h de vida.(9) Os RNMBP estudados foram divididos em três grupos: os que desenvolveram apenas episódio de sepse precoce, os que apresentaram apenas a sepse tardia e aqueles que apresentaram os dois episódios - tanto de sepse precoce como de tardia. Para as comparações, o grupo de sepse precoce foi separado dos demais (tardia e precoce e tardia), uma vez que os procedimentos sabidamente interferem na ocorrência de sepse tardia e não na precoce.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Antônio Pedro, Universidade Federal Fluminense e foi registrado na Plataforma Brasil sob o número do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) 13565613.9.0000.5243.
Os quarenta e nove (49) recém-nascidos de muito baixo peso do estudo foram classificados de acordo com o tipo de sepse desenvolvida: Sepse Precoce, com frequência de 71,4% (n=35), Sepse Precoce e Tardia, com 16,3% (n=8) e Tardia, com 12,2% (n=6).
As características dos RNMBP e a ocorrência de sepse estão apresentadas na tabela 1. Estes foram distribuídos em dois grupos, de acordo com a sepse que apresentaram: sepse precoce ou outra (incluindo neste grupo os que apresentaram apenas a sepse tardia, e os que apresentaram ambas - a precoce e a tardia). A sepse precoce apresentou n=35 e outra (tardia ou ambas) n= 14.
Tabela 1 Características dos recém-nascidos de acordo com diagnóstico de sepse (precoce x outras)
Característica | Sepse precoce (n=35) | Outras sepse* (n=14) | p-value |
---|---|---|---|
Idade gestacional (semanas) Média | 30 | 30 | 0,75† |
Peso de nascimento (gramas) Média | 1.160 | 1.060 | 0,03† |
Gênero feminino (n) | 19 | 8 | 0,85# |
Parto cesáreo (n) | 27 | 10 | 0,67# |
Adequado para a idade gestacional (n) | 27 | 9 | 0,35# |
Óbito (n) | 3 | 2 | 0,55# |
*sepse precoce e tardia e sepse tardia
†teste de Mann-Whitney
#teste do qui-quadrado
A tabela 2 mostra a relação entre os procedimentos assistenciais invasivos realizados e a ocorrência de sepse. A aspiração de vias aéreas superiores (AVA) ocorreu em trinta e quatro RN (69%) e a intubação orotraqueal (IOT) em quatorze (28%), ambos na sala de parto. IOT na UTIN foi realizada em dezoito (37%) recém-nascidos, o cateterismo umbilical arterial em cinco (10%), o cateterismo umbilical venoso em treze (26%), o cateter central de inserção periférica (PICC) em quarenta (81%), o acesso venoso periférico em quarenta e três (88%) e o cateterismo vesical de demora em apenas um (2%) RN.
Tabela 2 Procedimentos assistenciais invasivos realizados nos recém-nascidos de acordo com diagnóstico de sepse (precoce x outra)
Característica | Sepse precoce (n=35) | Outra sepse* (n=14) | p-value# |
---|---|---|---|
Aspiração da VA na sala de parto | 26 | 8 | 0,24 |
Entubação traqueal na sala de parto | 9 | 5 | 0,48 |
Entubação traqueal na UTI | 11 | 7 | 0,22 |
Cateter umbilical arterial | 2 | 3 | 0,10 |
Cateter umbilical venoso | 9 | 4 | 0,83 |
Uso de PICC | 27 | 13 | 0,20 |
Acesso venoso periférico | 30 | 13 | 0,05 |
*sepse precoce e tardia e sepse tardia
#teste do qui-quadrado
Cateter Central de Inserção Periférica (PICC)
Unidade de Terapia Intensiva (UTI)
O peso de nascimento, cateter umbilical arterial e acesso venoso periférico foram selecionados para a construção de um modelo de regressão logística ajustada para a idade gestacional e gênero. Os resultados desta regressão podem ser analisados na tabela 3.
Tabela 3 Modelo de regressão logística dos fatores associados à ocorrência de sepse tardia ou ambas - precoce e tardia
Variáveis | Odds Ratio | p-value | IC 95% |
---|---|---|---|
Peso de nascimento (gramas) | 1.00 | 0,046 | 1.000143 – 1.016384 |
Cateter umbilical arterial | 8.52 | 0,078 | 1.087546 – 92.26034 |
Modelo ajustado para idade gestacional e gênero
A sepse neonatal é citada como a topografia mais incidente da Infecção Relacionada à Assistência à Saúde notificada.(12,13) No período de cinco anos que o estudo abrangeu, a sepse precoce de provável origem materna, destacou-se pela maior frequência com n=35, sendo citada em outros estudos como um dos diagnósticos mais comumente feitos na unidade de terapia intensiva neonatal e provavelmente relacionada à deficiências na assistência prénatal.(9,13,14) Não há evidência epidemiológica neste estudo e nem na literatura que suporte o aumento do risco de sepse tardia seguido de sepse precoce nos recém-nascido sobreviventes e comparados àqueles que não apresentaram sepse precoce, apesar de terem apresentado maior tempo de hospitalização, necessidade de procedimentos assistenciais invasivos para tratamento da infecção e maior risco de morte.(15)
Dentre os recém-nascidos que desenvolveram infecção de origem hospitalar, os que tiveram apenas episódio de sepse tardia apresentaram n= 6, e os que desenvolveram apresentaram a sepse tardia já tendo desenvolvido episódio de sepse precoce (desenvolveram ambas – precoce e tardia) n = 8, totalizando quatorze (14) RN com notificação de episódio de sepse tardia, resultado bem menor que o quantitativo da sepse precoce.
Este achado difere do comumente mostrado em vários estudos que analisam ocorrência de infecção nas UTIN, nos quais as taxas de sepse tardia normalmente são mais elevadas e os recém-nascidos de muito baixo peso acometidos necessitam comumente de maior tempo de hospitalização e mais procedimentos invasivos, resultando em aumento na incidência de complicações como broncodisplasia e hemorragia intracraniana.(5,7,16,17) Na UTIN onde se desenvolveu o estudo, a sepse tardia mostrou menor expressividade.
Entretanto, independente da frequência de ocorrência de infecções relacionadas à assistência à saúde dos RN, os procedimentos assistenciais invasivos continuam sendo importantes causadores de quebra de barreira facilitando a invasão de agentes patogênicos.(18) Acessos venosos são referenciados com destaque como IRAS e associação com casos de sepse.(4,12,16-18) Neste estudo, o peso de nascimento (p= 0,03), acesso venoso periférico (p= 0,05) e cateter umbilical arterial (p= 0,10) mostraram maior significância, com p< 0,20, compondo o modelo de regressão logística ajustado à idade gestacional e gênero. Porém, permaneceram no modelo final como fatores independentes o peso de nascimento e o cateter umbilical arterial, este como importante determinante na ocorrência de sepse tardia.
O peso de nascimento é forte fator associado ao risco de sepse em pré-termo pela imaturidade imunológica peculiar, sendo inversamente proporcional.(4,7,16,19) Neste estudo houve forte associação e maior risco para sepse.
O estudo(13) que observou a sepse como a principal notificação, mostra que a infecção prevalente associada a dispositivos invasivos é aquela ligada ao cateter venoso central, tendo o cateter umbilical elevada densidade de incidência. O RNMBP em uso de nutrição parenteral, em grande exposição ao ambiente da UTIN, à colonização da porção distal do cateter não inserido provocada pela manipulação dos profissionais da equipe de saúde e pelo contato com a microbiota da própria pele, constituem importantes fatores de risco já citados por vários estudos que observaram taxas elevadas de infecções sanguíneas associadas a cateteres venosos centrais.(4,8,13,17-19)
Neste estudo, o cateter umbilical arterial apresentou associação oito vezes e meia maior à ocorrência de sepse tardia, corroborando outros estudos de associação entre infecção de origem hospitalar com cateteres venosos.(17,19) As infecções sanguíneas relacionadas ao uso de cateter venoso são relatadas como as mais comuns nas UTIN e são, em grande parte, resultado de falha na técnica, tanto na instalação quanto no cuidado do local de inserção e manuseio do cateter.(20)
Ocorrência de sepse neonatal tardia e sua relação com o ambiente da UTIN e os procedimentos invasivos aos quais os RN são submetidos, têm sido amplamente discutidos em estudos realizados nos grandes centros do país e a nível internacional.(5,7,8,17,19,21) Esta preocupação busca melhoria na qualidade da assistência ao pré-termo de baixo peso com redução nas sequelas ocasionadas pelos agravos clínicos provocados pelos intensos processos de infecção e das taxas de óbito.
É de responsabilidade de toda equipe de saúde a prevenção de IRAS na assistência desempenhada na UTIN. Medidas de prevenção e controle empregadas continuamente reduzem as chances de contaminações. A implementação de um “bundle de cuidados na UTIN”, tem se mostrado uma estratégia eficaz, através de um grupo de intervenções baseadas em evidências e em recomendações de manuais, com abordagem multifacetada, para reduzir a incidência de sepse associada aos cuidados de saúde.(21) Além disso, a educação intensiva e continuada de toda equipe de saúde reduz efetivamente as IRAS(22) contribuindo para que ocorra a melhoria dos indicadores de saúde neonatal.
Independente do total de infecções tardias na unidade de terapia intensiva neonatal, a rotina de cuidados prestados aos recém-nascidos, dependentes de terapia intensiva, necessita atenção na prevenção de infecções e controle do ambiente e da prática dos profissionais da equipe de saúde.
Em especial, os acessos vasculares alcançaram maiores frequências, necessitando grande rigor no controle de infecções originadas em sua prática rotineira. A sistematização da assistência na prevenção e controle de infecções relacionadas a saúde poderia ser atendida com o “bundle de cuidados” como tecnologia na assistência ao recém-nascido, aliada à prática continuada de educação em serviço. Dessa forma, o aprimoramento da qualidade reduziria as taxas de infecções contribuindo para a sobrevida dos recém-nascidos de muito baixo peso. Contudo, os benefícios são para o RN, sua família, equipe de saúde da UTIN e instituição, com uma internação menos estressante e redução nos gastos com terapias contra graves infecções.