On-line version ISSN 1982-0194
Acta paul. enferm. vol.27 no.1 São Paulo Jan./Feb. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201400008
No Brasil, considera-se idoso a pessoa com idade equivalente ou superior a 60 anos. Os idosos representam atualmente 14,5 milhões de pessoas − 8,6% da população total do Brasil, portanto, sendo este o segmento populacional que mais cresce na atualidade.( 1 )
Dados da Organização Mundial da Saúde-OMS preveem que 63 milhões de pessoas serão submetidas a tratamentos cirúrgicos devido a injúrias ou traumas a cada ano e outras 31 milhões para tratar malignidades.
O aumento do número de cirurgias em idosos requer conhecimento em enfermagem cirúrgica e geriátrica, devido a fisiologia do processo de envelhecimento humano, como mudanças no turgor da pele, perda de massa muscular, aumento do tecido adiposo, diminuição na absorção de nutrientes e medicamentos, prejuízo no equilíbrio e marcha, lentidão na velocidade e no processamento das informações.( 1 - 3 )
Por outro lado, nota-se o crescimento dos índices de complicações cirúrgicas tais como: deiscência de suturas, atelectasia, trombose venosa profunda ou infecção.( 2 - 6 ) Isso requer estratégias direcionadas para a segurança do paciente, a redução de morbimortalidade, das reinternações e dos custos hospitalares.
As complicações cirúrgicas são indicativas de retardo na recuperação, fenômeno de interesse global que afeta os resultados do cuidado e onera os custos do tratamento.
O diagnóstico de enfermagem de recuperação cirúrgica retardada como é definido como a extensão do número de dias de pós-operatório necessários para iniciar e desempenhar atividades que mantêm a vida, a saúde e o bem-estar.
A identificação correta desse diagnóstico permite unir os fatores contribuintes para retardamento cirúrgico, ampliando o foco clínico do enfermeiro para auxiliar na redução dos danos cirúrgicos.
São descritos como fatores relacionados a esse diagnóstico: dor; expectativas pós-operatórias; infecção pós-operatória no local da incisão; obesidade; procedimento cirúrgico extenso e procedimento cirúrgico prolongado. E como indicadores clínicos de presença desse diagnóstico: adiar o retorno às atividades de trabalho/emprego; dificuldade para movimentar-se; evidência de interrupção na cicatrização da área cirúrgica; fadiga; percepção de que é necessário mais tempo para a recuperação; perda de apetite com ou sem náusea; precisa de ajuda para completar o autocuidado; e relato de dor ou desconforto.
As unidades de internação cirúrgica em hospitais brasileiros acomodam pacientes adultos e idosos em uma mesma área e o cuidado de enfermagem é geral às duas populações.
O objetivo deste trabalho é comparar a prevalência do diagnóstico de enfermagem de recuperação cirúrgica retardada na população de adultos e idosos.
Estudo observacional seccional realizado com 72 pacientes cirúrgicos acompanhados após o quinto dia de pós-operatório, ou seja, pacientes com tempo de pós-operatório limítrofe. Com esse tamanho amostral, pôde se afirmar que as proporções identificadas consideram-se ao nível de confiança de 95%, e a erros percentuais máximos de 12%.
O cenário do estudo foi um Hospital Universitário de grande porte localizado no Estado do Rio de Janeiro, região sudeste do Brasil, com 550 leitos. Foram internados 210 pacientes cirúrgicos, no período de setembro 2011 a março de 2012, sendo incluídos no estudo 72 pacientes com mais de cinco dias de pós-operatório.
O instrumento de pesquisa foi um formulário com as definições conceituais e operacionais das características definidoras e fatores relacionados ao diagnóstico de enfermagem recuperação cirúrgica retardada, variáveis sociodemográficas, informações referentes ao número de dias em pré e pós-operatório, resultados de exames laboratoriais e observação da ferida cirúrgica.
Para análise dos dados, utilizou-se o programa Statistical Package for the Social Science, versão 13.0. Para avaliar a normalidade dos dados utilizando-se o teste de Kolmogorov Smirnov. Para investigar diferenças significativas, foram utilizados os testes qui-quadrado ou de Mann-Withney; ao se ter resultado inconclusivo, adotou-se o teste exato de Fisher e, para razão de chances, considerou-se o intervalo de confiança de 95% (IC95%).
A partir dos resultados construídos, realizaram-se as análises das diferenças entre as duas populações para o diagnóstico de recuperação cirúrgica retardada, por meio do cruzamento descritivo e analítico simples, para determinação das diferenças e dos níveis de ocorrência.
O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.
A distribuição da amostra quanto à idade apresentou-se com 37 (51,4%) dos sujeitos adultos e 35 (48,6%) idosos. Na tabela 1 apresenta-se a distribuição do diagnóstico de enfermagem de recuperação cirúrgica retardada segundo a faixa etária e sexo.
Variáveis | Com recuperação cirúrgica retardada | Total |
Sem recuperação cirúrgica retardada |
Total |
---|---|---|---|---|
Adulto | ||||
Feminino | 12 | 28 | 3 | 9 |
Masculino | 16 | 6 | ||
Idoso | ||||
Feminino | 8 | 27 | 2 | 8 |
Masculino | 19 | 6 |
Observa-se que há diferença na prevalência do diagnóstico de recuperação cirúrgica retardada nos idosos (77,1%) em comparação aos adultos (75,7%), porém sem diferença estatística significativa (p=0,421). Não houve diferença nos grupos estudados quanto ao sexo (p=0,136).
Na medida em que a faixa etária avança, a prevalência do diagnóstico de recuperação cirúrgica retardada aumenta nos idosos: 48,6% dos idosos com idade acima de 70 anos e, destes, 82,3 % possuíam recuperação cirúrgica retardada.
Para as variáveis "dias de pós-operatório" e "dias de internação" não houve distribuição normal segundo o teste de Kolmogorov-Smirnov (p=0,001 e p=0,007, respectivamente), adotando-se para comparações o teste de Mann-Withney, este sem diferença significativa entre os grupos (p=0,227 e 0,098).
Dentre as cirurgias com diferenças estatísticas entre adultos e idosos, estão as gastrintestinais (p=0,001), com IC95% de 1,67-901 e razão de chance de 3,9 vezes mais de desenvolver problemas gastrintestinais que um adulto.
Outra cirurgia com diferença significativa foi retirada de tumor. O teste qui-quadrado se mostrou inconclusivo, porém o exato de Fisher mostrou que diferença significativa (p=0,003) entre adultos e idosos. De fato, enquanto não ocorreu entre os adultos, no grupo de idosos ocorreu em 13,6% do grupo.
A tabela 2 apresenta a distribuição das características definidoras do diagnóstico de enfermagem de recuperação cirúrgica retardada, de acordo com as duas populações.
Característica definidora | Adultos | Idosos | p-value | |
---|---|---|---|---|
Adia o retorno às atividades de trabalho/emprego | Ausente | 7 | 9 | 0,685 |
Presente | 21 | 18 | ||
Dificuldade para se movimentar | Ausente | 13 | 7 | 0,045 |
Presente | 15 | 20 | ||
Evidências de interrupção na cicatrização da área cirúrgica | Ausente | 14 | 19 | 0,606 |
Presente | 14 | 8 | ||
Fadiga | Ausente | 16 | 11 | 0,059 |
Presente | 12 | 16 | ||
Percepção de que é necessário mais tempo para a recuperação | Ausente | 19 | 9 | 0,000 |
Presente | 9 | 18 | ||
Perda de apetite com náusea | Ausente | 20 | 22 | 0,252 |
Presente | 8 | 5 | ||
Perda de apetite sem náusea | Ausente | 24 | 20 | 0,414 |
Presente | 4 | 7 | ||
Precisa de ajuda para completar o autocuidado | Ausente | 20 | 10 | 0,000 |
Presente | 8 | 17 | ||
Relato de desconforto | Ausente | 17 | 14 | 0,498 |
Presente | 11 | 13 |
Realizado teste qui-quadrado para cálculo dep-value
A característica definidora "Dificuldade para se movimentar" apresentou diferença significativa (p=0,045), com razão de chances igual de 2,1, indicando que a chance do idoso ter dificuldade de se movimentar é 2,1 vezes maior que a chance de um adulto apresentar a mesma dificuldade.
Outra característica peculiar aos idosos foi a "Percepção de que é necessário mais tempo para recuperação" (p=0,000), o que sugere que os próprios idosos identificam subjetivamente o retardo em sua recuperação.
Para a característica "Precisa de ajuda para completar o autocuidado" (p=0,000), observa-se sua correlação com a primeira, "Dificuldade para se movimentar", e também com a importância da avaliação da capacidade funcional nos idosos cirúrgicos. A chance de um idoso precisar dessa ajuda é 4,62 vezes maior que a chance de um adulto, com IC significativo de 2,054-10,372.
A tabela 3 apresenta a distribuição dos fatores relacionados do diagnóstico de enfermagem de recuperação cirúrgica retardada nas duas populações.
Fatores relacionados | Adultos | Idosos | p-value | |
---|---|---|---|---|
Dor | Ausente | 14 | 11 | 0,855 |
Presente | 14 | 16 | ||
Expectativas pré-operatórias |
Ausente | 1 | 3 | 0,183 |
Presente | 27 | 24 | ||
Infecção pós-operatória no local da cirurgia | Ausente | 14 | 17 | *** |
Presente | 14 | 10 | ||
Obesidade | Ausente | 25 | 22 | 0,373 |
Presente | 3 | 5 | ||
Procedimento cirúrgico extenso | Ausente | 9 | 8 | 0,823 |
Presente | 19 | 19 | ||
Procedimento cirúrgico prolongado | Ausente | 19 | 18 | 0,498 |
Presente | 9 | 9 |
Realizado teste qui-quadrado para cálculo de p-value
*** Teste inconclusivo
Apesar das diferenças absolutas, como em dor e obesidade, com duas observações nos idosos a mais que nos adultos, houve também, nos adultos três observações de expectativa no pós-operatório e quatro de infecção no local da incisão a mais que nos idosos; porém todas sem significância estatística. As demais observações foram iguais nas duas populações, não influenciando as diferenças entre elas, qual seja procedimento cirúrgico extenso e prolongado.
Outros fatores relacionados indicados pela literatura e analisados neste estudo foram: deficiência nutricional, diabetes, uso de corticoides, hipertensão arterial sistêmica e anemia. Dentre eles, somente a hipertensão arterial apresentou diferença significativamente estatística (p=0,026), com razão de chances de 2,46 e IC 95%=1,11- 5,47.
Os limites dos resultados deste estudo estão relacionados ao desenho transversal que não permite estabelecer relações de causa e efeito.
Alguns estudos consideram o aumento da possibilidade de complicações na recuperação cirúrgica em idosos com taxas de 24 a 67,7%.( 2 , 3 , 6 ) Os resultados deste trabalho não apresentaram diferença significativa quanto a prevalência do diagnóstico de recuperação cirúrgica retardada.
As alterações fisiológicas advindas do processo do envelhecimento podem influenciar na recuperação cirúrgica do paciente idoso, ocasionando complicações pós-operatórias.( 1 ) Tais complicações estão associadas a nutrição desequilibrada, desidratação, estresse e comorbidades comuns nessa fase da vida, podendo afetar a recuperação cirúrgica dos clientes.( 1 , 6 )
Além disso, os idosos possuem a capacidade funcional mais baixa, a qual piora após a cirurgia, devido à redução da força física e da tolerância ao esforço físico, e enfraquecimento muscular proveniente tanto do envelhecimento quanto do repouso no pós-operatório imediato.( 7 )
Por isso, desde o pré-operatório, é necessário realizar esforços físicos para compensar e aperfeiçoar a função respiratória, já que a anestesia e determinadas cirurgias predispõem a alterações na mecânica respiratória, volumes pulmonares e trocas gasosas. Assim, indica-se, como intervenção aos idosos, exercícios respiratórios que promovam expansão pulmonar e consequente oxigenação sanguínea após a anestesia. Com a capacidade funcional diminuída, os idosos tendem a ter mais dificuldade que os adultos para realizar exercícios respiratórios no pré e pós-operatório.( 8 )
Em um estudo sobre os principais diagnósticos de enfermagem apresentados em idosos hospitalizados, dos 61 clientes, 30 (50,74%) apresentaram diagnóstico de mobilidade física prejudicada caracterizado por instabilidade postural durante a execução de atividades da vida diária, amplitude limitada de movimento, relacionado à medicações, desconforto, prejuízos sensório-perceptivos, neuromusculares e musculoesqueléticos, prejuízo cognitivo, má nutrição, enrijecimento das articulações ou contraturas, perda da integridade de estruturas ósseas e presença de doenças crônico-degenerativas ou agudas.( 9 ) Ou seja, características comuns ao idoso, que interferem na mobilidade e, consequentemente, retardam sua recuperação cirúrgica.( 1 - 3 , 6 )
Os portadores de doenças crônicas, como a dislipidemia e a hipertensão arterial sistêmica, que associadas à patologia de base afetam ainda mais a capacidade funcional do idoso, ou seja sua independência e autocuidado. Deve ser considerada a dificuldade do idoso em manter, no pós-operatório, a pressão arterial e o índice de massa corporal com valores dentro da normalidade.( 10 )
A diminuição da capacidade de autocuidado determina alterações na rotina de cuidados, atingindo o cuidador/família, com necessidade de adaptação do ambiente e a fragilidade do paciente.( 1 , 2 , 10 ) Estudos revelam que 5% das pessoas acima de 65 anos perdem a capacidade de executar cuidados simples relacionados às Atividades Básicas de Vida Diária, taxa que sobe para 30% quando a idade ultrapassa os 85 anos.( 3 )
Outra importante peculiaridade do processo de envelhecimento que influencia na recuperação cirúrgica seria as modificações na pele, que se torna ressecada, frágil, sem preservação de elasticidade e turgor, propensa a lesões, presença acentuada de gordura subcutânea, e diminuição de pêlos, glândulas sudoríparas e sebáceas. As lesões podem ser causadas conjuntamente com fatores como mobilidade prejudicada, nutrição desequilibrada, percepção sensorial diminuída e umidade da pele.( 2 , 4 , 7 , 10 ) Por isto a análise do diagnóstico amplia a análise dos fatores contribuintes e indicativos do retardo na recuperação cirúrgica nos idosos.
Os idosos apresentaram recuperação cirúrgica mais prolongada devido a dificuldade para se movimentar, dependência no autocuidado e sua própria percepção de que é necessário mais tempo para se recuperar, necessitando de uma assistência de enfermagem específica para o processo de envelhecimento humano. Diferenciar esse atendimento, do adulto e do idoso, pode favorecer uma assistência perioperatória no tempo almejado.