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Tobacco use among women receiving treatment in a psychosocial care center

Tobacco use among women receiving treatment in a psychosocial care center

Autores:

Lúcia Margarete dos Reis,
Aroldo Gavioli,
Viviane Rosa Figueiredo,
Magda Lúcia Félix de Oliveira,
Ana Carla Efing

ARTIGO ORIGINAL

Acta Paulista de Enfermagem

Print version ISSN 0103-2100On-line version ISSN 1982-0194

Acta paul. enferm. vol.32 no.1 São Paulo Jan./Feb. 2019

http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201900005

Resumen

Objetivo:

Analizar factores sociodemográficos y clínicos asociados con el uso de productos derivados del tabaco en mujeres con trastornos mentales y comportamentales, acompañadas en un centro de atención psicosocial.

Métodos:

Se trata de un estudio de prevalencia, con una muestra aleatoria de 181 mujeres con edad igual o superior a 18 años, con diagnóstico médico de trastornos mentales y comportamentales según la Clasificación Internacional de Enfermedades. La recolección de datos fue realizada en el período de agosto de 2016 a abril de 2017, por medio de una entrevista telefónica con las participantes del estudio. Los datos fueron sometidos a tratamiento estadístico a través de análisis descriptivo y medidas de tendencia central.

Resultados:

Entre las 181 mujeres entrevistadas, un 24,9% hacía uso de productos derivados del tabaco, predominando las mujeres con: edad entre 40 y 49 años, raza / color pardo, escolaridad entre uno y ocho años estudiados, ingresos entre uno y menos de dos salarios mínimos, sin trabajo fuera de casa, ausencia de residencia con compañero, y con religión católica. Cuarenta y nueve mujeres (27,1%) relataron comorbilidades, principalmente Hipertensión Arterial Sistémica y Diabetes Mellitus, presentando relación con el uso de productos derivados del tabaco (p = 0,049).

Conclusión:

La prevalencia del uso de productos derivados del tabaco en mujeres con trastornos mentales y comportamentales es elevada si se compara con la población general femenina, y tiene relación con la presencia de comorbilidades clínicas.

Descriptores Tabaco; Tabaquismo; Salud de la mujer; Trastornos mentales; Enfermería psiquiátrica

Introdução

A prevalência do uso do tabaco em mulheres no Brasil tem sido relativamente baixa (13,1%), se comparada aos homens (21,6%). No Brasil o tabagismo entre os homens vem diminuindo enquanto que entre as mulheres tem se mantido estável.(1) Embora, no Brasil, dados da prevalência do uso do tabaco tenham apontado uma queda no número de usuários destes produtos, as mulheres apresentam maior dificuldade em parar de consumir o tabaco, bem como iniciam mais precocemente o hábito.(2,3) A sobrecarga de trabalho, as incessantes demandas sociais familiares e as contradições que as mulheres estão vivendo e enfrentando na sociedade contemporânea podem potencializar o hábito de fumar.(4)

Sabe-se também que as mulheres estão mais sujeitas a distúrbios de humor, como a depressão e ansiedade, ou a sentimentos como a tristeza e a solidão, nesse contexto, o uso do tabaco tem sido utilizado como automedicação para aliviar os sintomas da depressão. Alguns estudos apontam maiores escores de depressão, uso de álcool, e comportamentos de compulsão alimentar em mulheres fumantes do que em não fumantes.(4-6) Este comportamento aumenta o consumo de cigarros e os riscos de dependência a nicotina.(7)

Estudo multicêntrico conduzido com 2.475 pacientes, com objetivo de estimar a prevalência e os fatores associados ao uso do tabaco entre pacientes psiquiátricos no Brasil encontrou prevalência de 52,7% de fumantes. A prevalência do uso de produtos derivados do tabaco em pessoas com transtornos mentais é elevada e maior se comparada à população geral.(8)

Vale ressaltar que, dos 50% de pacientes psiquiátricos que fumam, somente 15% desses conseguem parar de fumar, enquanto dos 25% de fumantes da população geral, aproximadamente 50% conseguem a cessação.(9) Pessoas com transtornos mentais parecem ser mais suscetíveis à dependência de nicotina, devido à influência positiva sobre o humor, ansiedade e a cognição.(10) Inversamente, a sintomatologia dos transtornos mentais se manifesta de forma mais intensa em os usuários de produtos derivados de tabaco, com maior frequência de delírios e alucinações, ideação e tentativas de suicídio, e maior ocorrência de internações psiquiátricas.(11,12)

A associação entre os transtornos mentais e o uso de produtos derivados do tabaco ainda é pouco estudada, e a maioria dos estudos é de base escolar, com diferentes faixas etárias e com distintos critérios para a definição de problemas mentais.(13) Nesse sentido, o presente artigo pretende responder a indagação “que fatores sociodemográficos e clínicos estão associados ao uso de produtos derivados do tabaco em mulheres com transtornos mentais e comportamentais?”, tendo como objetivo analisar fatores sociodemográficos e clínicos associados ao uso de produtos derivados do tabaco em mulheres com transtornos mentais e comportamentais acompanhadas em um centro de atenção psicossocial.

Métodos

Trata-se de um estudo de prevalência por meio de amostragem probabilística aleatória, desenvolvido em um Centro de Atenção Psicossocial – CAPS da região Norte do Estado do Paraná, no período de agosto de 2016 a abril de 2017.

O cálculo do tamanho da amostra baseou-se em um índice de confiança – IC bilateral de 95% em torno de uma proporção de 50%. Nesse sentido, considerando uma prevalência de 50% de usuárias de produtos derivados do tabaco em uma população com transtornos mentais, e que o CAPS apresenta uma população de 250 mulheres cadastradas, a amostra investigada foi composta por 181 mulheres. Foram consideradas elegíveis para o estudo as mulheres com idade igual ou superior a 18 anos e que apresentavam diagnóstico médico segundo o Capítulo V - Transtornos mentais e comportamentais (F00-F99) da Classificação Internacional de Doenças – CID 10 registrado no prontuário de atendimento da paciente. As mulheres foram incluídas no estudo a partir de sorteio do banco de dados de pacientes do CAPS. As 19 perdas por recusa ou falta de registro do diagnóstico no prontuário foram motivos para o sorteio de novas mulheres para o estudo compondo a amostra em estudo.

A coleta de dados foi realizada por meio de contato telefônico utilizando um questionário estruturado composto por perguntas relacionadas a variáveis sociodemográficas – idade, raça/cor, escolaridade, renda, situação de trabalho, estado civil, e religião; variáveis relacionadas ao uso de produtos derivados do tabaco – uso (sim/não), idade de início do hábito tabágico, tipo de produto usado e quantidade usada por dia, tempo entre acordar e usar produtos derivados do tabaco, e tentativa de cessação nos últimos 12 meses; variáveis clínicas – presença de comorbidade e diagnóstico médico de transtornos mentais e comportamentais. Apenas a variável diagnóstico médico foi coletada do prontuário da paciente.

Os transtornos mentais foram agrupados segundo a CID 10 em: transtornos mentais orgânicos, inclusive os sintomáticos; transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de substância psicoativa; esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e transtornos delirantes; transtornos do humor; transtornos neuróticos, transtornos relacionados com o “stress” e transtornos somatoformes; síndromes comportamentais associadas a disfunções fisiológicas e a fatores físicos; transtornos da personalidade e do comportamento do adulto; retardo mental; transtornos do desenvolvimento psicológico; transtornos do comportamento e transtornos emocionais que aparecem habitualmente durante a infância ou a adolescência; e, transtorno mental não especificado.

A descrição das variáveis de estudo foi realizada por meio da distribuição de frequência absoluta e relativa e por análise de medidas de tendência central. Para testar a associação entre a variável dependente (uso de tabaco) e as variáveis independentes (sociodemográficas, relacionadas ao uso de produtos derivados de tabaco e clínicas) foi utilizado o teste Qui-quadrado para proporção. Para os cruzamentos que apresentaram valor esperado menor do que 5 em mais de 20% das células foi utilizado o teste Exato de Fisher. O nível de significância adotado foi de p<0,05 e todas as análises foram realizadas por meio do software SPSS versão 23.0.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da PUCPR (Parecer 2.013.959). Na abordagem telefônica o entrevistador utilizou um texto padrão para realizar o convite das mulheres para participação na pesquisa seguindo os moldes do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para orientação quanto aos preceitos éticos da pesquisa.

Resultados

A média de idade das mulheres entrevistadas foi de 44,9 anos (DP = 13,9), a mediana foi de 46 anos e a moda de 52 anos, com uma idade mínima de 18 anos e máxima de 82 anos. A prevalência do uso de produtos derivados de tabaco foi de 24,9%, predominando as mulheres com: idade entre 40 a 49 anos (14 – 31,1%), raça/cor pardo (23 – 51,1%), escolaridade entre um e oito anos estudados (26 – 57,8%), renda entre um e menos que dois salários mínimos (35 – (77,8%), sem trabalho fora de casa (38 – 84,4%), não moram com companheiro (29 – 64,4%), e com religião católica (30 – 66,7%) (Tabela 1).

Tabela 1 Distribuição de frequências das mulheres segundo o uso de produtos derivados de tabaco e as variáveis sociodemográficas 

Variáveis Uso de produtos derivados de tabaco
Não
n(%)
Sim
n(%)
Total
n(%)
p-value
Idade (anos)
18 a 29 23(16,9) 4(8,9) 27(14,9) 0,530
30 a 39 24(17,6) 7(15,6) 31(17,1)
40 a 49 33(24,3) 14(31,1) 47(26,0)
50 a 59 40(29,4) 12(26,7) 52(28,7)
60 ≥ 16(11,8) 8(17,8) 24(13,3)
Raça/Cor
Amarelo 3(2,2) - 3(1,7) 0,776
Branco 55(40,4) 18(40,0) 73(40,3)
Pardo 68(50,0) 23(51,1) 91(50,3)
Preto 10(7,4) 4(8,9) 14(7,7)
Escolaridade (anos estudados)
Nenhum 24(17,6) 6(13,3) 30(16,6) 0,873
1 a 4 33(24,3) 13(28,9) 46(25,4)
5 a 8 46(33,8) 13(28,9) 59(32,6)
9 a 11 22(16,2) 9(20,0) 31(17,1)
12 ≥ 11(8,1) 4(8,9) 15(8,3)
Renda (SM)*
Sem renda 2(1,5) 3(6,7) 5(2,8) 0,056
>1 11(8,1) 6(13,3) 17(9,4)
1 a menor 2 107(78,7) 35(77,8) 142(78,5)
2 ou mais 16(11,8) 1(2,2) 17(9,4)
Trabalha fora de casa
Não 106(77,9) 38(84,4) 144(79,6) 0,238**
Sim 30(22,1) 7(15,6) 37(20,4)
Mora com companheiro
Não 83(61,0) 29(64,4) 112(61,9) 0,411**
Sim 53(39,0) 16(35,6) 69(38,1)
Religião
Católica 77(56,6) 30(66,7) 107(59,1) 0,115**
Outra 59(43,4) 15(33,3) 74(40,9)
Total 136(75,1) 45(24,9) 181(100,0)

*Baseada no Salário Mínimo (SM) vigente no ano de 2017 que corresponde a 937,00 reais;

**Teste Exato de Fisher

Dentre as 45 mulheres usuárias de produtos derivados de tabaco, 39 (86,7%) iniciaram o uso durante a infância e adolescência, sendo que oito iniciaram o uso quando tinham menos que 11 anos de idade. A média de idade declarada do início do hábito tabágico foi 14,3 anos (DP = 3,7). O cigarro industrializado foi declarado como escolha principal de 38 mulheres (84,4%) e a maioria (24 – 53,3%) usa de 11 a 20 cigarros por dia, com uma média de 17,7 (DP = 9,7) cigarros. A única usuária de narguilé declarou que usa uma vez ou duas por semana. Vinte e uma mulheres declararam que fazem uso de produtos derivados do tabaco em até 30 minutos após acordarem, sendo que 10 mulheres (22,2%) acendiam o primeiro cigarro em até cinco minutos após acordar. A tentativa de cessação do uso foi encontrada em 19 (42,2%) mulheres, sendo que na amostra estudada identificou-se que 14 mulheres (7,7%) eram ex-fumantes há mais de doze meses (Tabela 2).

Tabela 2 Distribuição de frequências das mulheres segundo as variáveis relacionadas ao uso de produtos derivados de tabaco 

Variáveis n(%)
Idade de início do uso (anos)
Menos que 11 8(17,8)
12 a 17 31(68,9)
18 ≥ 6(13,3)
Tipo de produto
Cigarro industrializado 38(84,4)
Cigarro de palha 6(13,3)
Narguilé 1(2,2)
Quantidade de uso
Menos que 10 14(31,1)
11 a 20 24(53,3)
21 ≥ 7(15,6)
Tempo de uso após acordar
Até 30 minutos 21(46,7)
De 31 a 60 minutos 24(53,3)
Tentativa de cessação
Não 26(57,8)
Sim 19(42,2)
Total 45(100,0)

Observou-se na amostra estudada que 49 mulheres (27,1%) relataram presença de comorbidades clínicas, principalmente hipertensão arterial sistêmica (37 – 20,4%) e diabetes mellitus (16 – 8,8%), sendo relatadas também bronquite, artrite, artrose e hipotireoidismo. Dentre as 45 fumantes, 17 (37,8%) apresentavam comorbidades clínicas, das quais 11 apresentavam hipertensão arterial sistêmica e seis diabetes mellitus (Tabela 3).

Tabela 3 Distribuição de frequências das mulheres segundo o uso de produtos derivados de tabaco e variáveis clínicas 

Variáveis Uso de produtos derivados de tabaco
Não
n(%)
Sim
n(%)
Total
n(%)
p-value
Comorbidades
Não 104(46,4) 28(62,2) 132(72,9) 0,049*
Sim 32(23,5) 17(37,8) 49(27,1)
Hipertensão arterial sistêmica
Não 110(80,9) 34(75,6) 144(79,6) 0,285
Sim 26(19,1) 11(24,4) 37(20,4)
Diabetes mellitus
Não 126(92,6) 39(86,7) 165(91,2) 0,176
Sim 10(7,4) 6(13,3) 16(8,8)
Transtornos mentais grupo CID10
Orgânicos e sintomáticos 9(6,6) 5(11,1) 14(7,7) 0,346
Esquizofrenia e delirantes 37(27,2) 12(26,7) 49(27,1)
Humor 60(44,1) 24(53,3) 84(46,4)
Neuróticos, estresse, somatoformes 20(14,7) 3(6,7) 23(12,7)
Personalidade e comportamento adulto 2(1,5) - 2(1,1)
Retardo mental 8(5,9) 1(2,2) 9(5,0)
Total 136(75,1) 45(24,9) 181(100,0)

*Teste Exato de Fisher

Das 45 usuárias de produtos derivados de tabaco, 24 (53,3%) tinham diagnóstico de transtornos do humor (grupo CID 10 F30 – F39). Em menor frequência, a esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e transtornos delirantes (grupo CID 10 F20 – F29) estavam registrados no prontuário de 12 mulheres (26,7%). Não se observou significância estatística entre o uso de produtos derivados de tabaco e as variáveis sociodemográficas e os transtornos mentais e comportamentais, no entanto, parece haver uma relação positiva entre o hábito de fumar e a presença de comorbidades clínicas.

Discussão

Neste tipo de delineamento se obtém a frequência de ocorrência de eventos de saúde em uma população em um determinado espaço de tempo, permitindo investigar associações entre os fatores de risco e a doença. Este estudo sustenta a hipótese de que o uso de tabaco é mais frequente entre as mulheres com transtorno mental do que na população geral feminina.

A prevalência do uso de produtos derivados do tabaco em mulheres com transtornos mentais e comportamentais encontrada neste estudo (24,9%) é elevada se comparada ao consumo da população geral feminina, que corresponde a 13,1%.(1) Estudo realizado com o objetivo de avaliar a prevalência do uso das diversas formas de tabaco e o perfil demográfico das mulheres fumantes no Estado do Paraná identificou que dentre 2.153 mulheres, a prevalência do uso na amostra total foi de 13,4%, sendo que 12,3% fumavam diariamente.(14)

O perfil sociodemográfico das mulheres com transtornos mentais e comportamentais assemelha-se ao da população geral de mulheres fumantes em relação à idade e escolaridade. No entanto, as mulheres usuárias de produtos derivados de tabaco investigadas na amostra estudada possuem menor renda, trabalham com menor frequência fora de casa e não moram com companheiro. Outros dados que chamam a atenção foram a idade média de início do habito tabágico, que foi mais precoce na amostra estudada (14,3 anos) enquanto na população geral a média foi de 17 anos; a quantidade média de cigarros fumados por dia foi maior (17,7) enquanto na população geral correspondeu a uma média de 10,2 cigarros; e, foi identificado maior quantidade de mulheres que acendiam o primeiro cigarro dentro de cinco minutos depois de acordar, 22,2% enquanto na população geral correspondeu a 18,9%.(14)

Estudos realizados na Austrália, Estados Unidos e Israel mostram que a frequência de tabagistas entre os portadores de transtorno mental é, aproximadamente, duas vezes superior à encontrada nas pessoas sem história de doenças psiquiátricas.(15,16) Pesquisas relacionadas ao uso de tabaco em populações psiquiátricas brasileiras demostraram prevalências distintas: 21,4%, 35,6% e 52,7%, a depender do universo em estudo e do transtorno mental investigado.(8,17,18)

O elevado consumo de tabaco impacta a vida financeira dos portadores de transtornos mentais, pois eles comprometem até 30% de sua renda mensal na compra de cigarros, sendo que o comprometimento de mais de 4% já é considerado prejudicial. A dificuldade em ter acesso aos cigarros leva alguns portadores de transtornos mentais a práticas humilhantes, como furto de cigarros e fumo de bitucas, comprometendo sua autoestima e seu autorrespeito.(6)

Em relação aos transtornos mentais e comportamentais entre as mulheres usuárias de produtos derivados de tabaco investigadas no presente estudo, observou-se que a maioria apresentava diagnóstico de transtornos do humor (53,3%), seguido do grupo das esquizofrenias, transtornos esquizotípicos e transtornos delirantes que corresponderam a 26,7% da amostra.

Estudo comparativo entre fumantes e nunca fumantes em um Centro de Referência de Abordagem e Tratamento do Tabagismo da região norte do Paraná, identificou que no grupo de fumantes, 49,2% apresentavam o transtorno de humor depressivo. A ocorrência de depressão e o uso de sedativos foram significativamente maiores nos fumantes que nos nunca fumantes.(19) Outro estudo com o objetivo de identificar o grau de dependência nicotínica entre esquizofrênicos e portadores de outros transtornos mentais, internados em hospital geral, identificou que dentre os 270 portadores de transtorno mental, 35,6% eram tabagistas, e que 33,3% dos tabagistas eram esquizofrênicos, aproximando-se aos dados encontrados na amostra do presente estudo.(18)

Em relação aos transtornos de ansiedade observou-se uma discrepância em relação a dados encontrados na literatura. Enquanto na presente amostra, os transtornos de ansiedade corresponderam a 6,7%, um estudo com o objetivo de investigar a presença de transtornos de ansiedade e tabagismo entre pacientes atendidos em um ambulatório identificou uma prevalência de 75% de tabagistas com transtornos de ansiedade.(17)

Vale ressaltar que as discrepâncias de prevalência encontradas na literatura em relação ao uso de produtos derivados de tabaco em populações psiquiátricas precisam considerar três aspectos: são poucos os estudos nacionais que abordam o uso do tabaco por portadores de transtorno mental e os fatores associados ao tabagismo; existem diferenças na assistência ao portador de transtornos mentais a depender do universo de pesquisa; e, o perfil da amostra em estudo foi constituída por mulheres acompanhadas em um centro de atenção psicossocial, que de acordo com o cenário atual da política pública de saúde mental, oferece atendimento a pessoas com sofrimento ou transtorno mental grave e persistente, no âmbito do Sistema Único de Saúde.(20)

Um dos pontos que fortalece a continuação da cultura do uso de produtos derivados do tabaco nas instituições de assistência psiquiátrica está relacionado à crença do aumento da agressividade e do agravo do transtorno mental com a retirada do tabaco.(19) O que se sabe até o momento é que a abordagem para a cessação do uso de tabaco em pacientes com transtornos depressivos e/ou em uso de substâncias psicoativas deve ser o mesmo recomendado para a população geral.(19,21) No entanto, estudos apontam que mulheres com transtornos mentais tem mais dificuldade para alcançar a cessação do uso de produtos derivados do tabaco.(9,10) No presente estudo, apenas 7,7% das mulheres entrevistadas eram ex-fumantes enquanto na população geral feminina este percentual correspondeu a 14,4%.(14) Outro dado relevante foi uma menor tentativa de cessação nos últimos doze meses pelas mulheres entrevistadas (42,2%) se comparada à população geral feminina (49%).(14) Estes dados parecem confirmar a dificuldade das mulheres com transtornos mentais em tentar e alcançar a cessação do uso de produtos derivados do tabaco.

Estudo brasileiro, realizado com portadores de transtornos mentais, internados em Unidade Psiquiátrica em Hospital Geral, revelou-se que 78% dos fumantes usavam o tabaco como forma de automedicar os sintomas psiquiátricos, sendo que 79% disseram que o fumo aliviava a ansiedade, 57,3% relataram melhorava o humor e 29,2% afirmavam que aumentava a concentração. Alguns pacientes reconheceram que o alívio desses sintomas era temporário, o que os induzia a fumar maior quantidade de cigarros.(6,18,22)

Mesmo que, a assistência à pessoa em sofrimento mental tenha avançado nas últimas décadas, pouco se avançou em relação ao tabagismo nesta população, fazendo-se necessária a consolidação de uma rede assistencial capaz de acolher e proporcionar um cuidado frente ao uso de produtos derivados do tabaco por pessoas com transtornos mentais.(18)

Embora no presente estudo não tenha sido observado significância estatística entre o uso de produtos derivados de tabaco e as variáveis sociodemográficas e os transtornos mentais e comportamentais, identificou uma relação entre o hábito de fumar e a presença de comorbidades clínicas. No entanto, vale salientar que, o tamanho da amostra que compôs o presente estudo pode ter influenciado este resultado não significativo. Em estudo com amostra mais numerosa, avaliando relações estatísticas entre variáveis sociodemográficas e clínicas, verificou-se associação entre menor qualidade de vida, comorbidades clínicas e o hábito tabágico.(19)

Estes mesmos autores verificaram que fumantes mais frequentemente apresentaram incapacidades laborais e domésticas, presença de fumantes em casa, hospitalizações, transtorno depressivo, uso de sedativos, história de transtorno mental na família e pior qualidade de vida. Fumantes apresentaram mais frequentemente diabetes, hipertensão arterial, doenças cardíacas, doenças respiratórias e úlcera péptica do que os que nunca fumaram.(19)

O tabagismo é um dos principais fatores de risco para as doenças crônicas não transmissíveis e a principal causa global prevenível de morbidade e mortalidade, responsável por cerca de 6 milhões de mortes ao ano. Projeções apontam que, em 2020, esse número será de 7,5 milhões, ou seja, 10% de todas as mortes ocorridas no mundo.(23)

Evidências epidemiológicas apontam uma relação de causalidade entre o tabagismo e cerca de 50 doenças, das quais se destacam as cardiovasculares, respiratórias e cânceres, As principais causas de morte na população feminina são, em primeiro lugar, as doenças cardiovasculares; em segundo, as neoplasias; e, em terceiro, as doenças respiratórias. É possível perceber que as três causas podem estar relacionadas ao tabagismo. Estima-se que o tabagismo seja responsável por, aproximadamente 10% das doenças do aparelho circulatório, 70% dos cânceres de pulmão e 42% das doenças respiratórias crônicas.(2,23,24)

Estima-se que os portadores de transtornos mentais graves e persistentes morrem, em média, 25 anos mais cedo que a população geral, sendo o tabagismo um dos principais responsáveis pela diminuição da sua expectativa de vida.(25,26)

Os resultados do presente demonstraram uma prevalência elevada do uso de produtos derivados do tabaco em mulheres com transtornos mentais e comportamentais. São conhecimentos e argumentos necessários para que o tabagismo possa ser integrado ao diálogo com os pacientes e com a equipe multidisciplinar, sobretudo, sejam pensadas estratégias de prevenção e cessação do uso de tabaco nesta população.

Os profissionais de enfermagem são fundamentais na atuação da equipe multiprofissional, pois o cuidado contínuo permite maior proximidade com os pacientes. As ações de enfermagem devem estar voltadas para a promoção da saúde com ênfase em hábitos de vida saudáveis. O enfermeiro deve estar atento para estimular o paciente a tomar consciência dos recursos que possui para enfrentar o transtorno mental e o uso de produtos derivados do tabaco.(18)

As limitações deste estudo estão relacionadas à utilização de dados informados durante entrevista telefônica. Considerando que o hábito tabágico pode suscitar estigmas no próprio usuário, a coleta de dados em caráter presencial poderia estimular o entrevistado a falar mais abertamente sobre o assunto.

Conclusão

A prevalência do uso de produtos derivados de tabaco em mulheres com transtornos mentais e comportamentais é elevada se comparada à população geral feminina. Embora não tenha sido observada significância estatística entre o uso de produtos derivados de tabaco e as variáveis sociodemográficas e os transtornos mentais e comportamentais, identificou-se uma relação entre o hábito de fumar e a presença de comorbidades clínicas na amostra investigada. Estes achados podem indicar que investimentos em terapias para a cessação do uso de produtos derivados de tabaco sejam implementados para resguardar e recuperar a saúde deste grupo de pessoas vulneráveis. Além do sofrimento desnecessário que a falta de tratamento pode infringir a essa população é importante considerar os gastos de recursos financeiros e humanos para remediar agravamento de doenças que poderiam ser prevenidas a partir da cessação do consumo de tabaco.

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