versão impressa ISSN 0066-782X
Arq. Bras. Cardiol. vol.103 no.5 São Paulo nov. 2014
https://doi.org/10.5935/abc.20140186
A tomografia computadorizada e a ressonância magnética cardiovascular são um importante tópico dentro da área de imagem cardiovascular no Brasil e no mundo. Nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia não é diferente, e apesar do maior enfoque nos estudo clínicos, estes dois tópicos cresceram em impacto e publicações científicas nos últimos anos.
É notória a ampliação do parque tecnológico nacional com entrada de inúmeros aparelhos capazes de realizar estudos avançados utilizando a tomografia e ressonância magnética cardiovascular com um impulso cada vez maior para abertura de mais centros especializados nestes métodos.
Quando realizamos uma revisão sistemática utilizando o EndNote como ferramenta de busca e selecionamos apenas o PubMed como banco de dados com as palavras “magnetic resonance” e “computed tomography” apenas no jornal “Arquivos Brasileiros de Cardiologia” observamos um total de 182 trabalhos (Figura 1).
Figura 1 Número de publicações nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia com foco exclusivo em tomografia computadorizada e ressonância magnética cardiovascular.
Paralelamente quando fazemos uma busca no PubMed utilizando a palavra “cardiac” e os MeSH (Medical Subject Headings) terms “computed tomography” e “magnetic resonance imaging” encontramos uma somatória de publicações próxima a 45 mil artigos (44.711 artigos) (Figura 2).
Figura 2 Número de publicações no PubMed com foco exclusivo em tomografia computadorizada e ressonância magnética cardiovascular.
Estes gráficos acabam sendo meramente ilustrativos mas são, sem dúvida, marcadores do impacto destes métodos no Brasil (Figura 1) e no mundo (Figura 2). É fácil identificar que após o ano 2000 e na última década houve uma grande inserção destes métodos no cenário científico e acreditamos refletir também no cenário clínico.
Os primeiros trabalhos publicados nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia foram basicamente estudos de contexto clínico e relatos de caso, onde os métodos conseguiram contribuir para um melhor diagnóstico 1-4. Os primeiros artigos originais vieram com a utilização da ressonância magnética nos trabalhos de Kalil Filho e cols. 5,6 no ano de 1995. Neste mesmo ano, guiado por Pinto e cols. 7, surgiu o primeiro consenso brasileiro para a utilização da ressonância magnética cardíaca na prática cardiológica. A tomografia computadorizada teve o seu primeiro artigo original publicado em 1997, por Kalil e cols. 8. Um dos trabalhos pioneiros no caminho da avaliação do atual escore de cálcio foi realizado por Feldman e cols. 9.
Temos atualmente duas sociedades internacionais dedicadas especificamente aos métodos. A SCMR ( Society for Cardiovascular Magnetic Resonance ) foi a primeira a ser fundada, e no ano 2000 já organizava o processo de credenciamento para os que se dedicavam à ressonância magnética cardiovascular 10. A SCCT ( Society of Cardiovascular Computed Tomography ) foi fundada um pouco depois, seguindo os avanços do método, e em 2009 já colocava à disposição as suas diretrizes para melhor prática do método 11,12. No Brasil, os Arquivos Brasileiros de Cardiologia tiveram papel fundamental na publicação da nossa primeira diretriz 13 que, neste ano (2014), foi atualizada e está passando pelo processo de editoração para futura publicação.
Nos primórdios da organização no Brasil, ocorreu a formação de um grupo de estudos de ressonância e tomografia cardiovascular, chamado de GERT, e que teve papel fundamental na difusão do conhecimento por todo o Brasil. Um grupo de médicos dedicados à tomografia computadorizada e à ressonância magnética cardiovascular criaram no Brasil o Encontro Nacional de Radiologia Cardíaca (ENRC) que irá para o oitavo ano consecutivo em 2015. Este grupo é formado por radiologistas e cardiologistas que aproveitam o suporte da SCMR e da SCCT, em conjunto com as sociedades nacionais, para aprimorar os métodos no Brasil e discutir as experiências no território nacional. Da mesma forma, o Departamento de Imagem Cardiovascular (DIC) da SBC, reunindo especialistas em ecocardiografia, medicina nuclear, ultrassom vascular, ressonância e tomografia cardiovascular, reúne-se anualmente em um congresso com quase 2 mil participantes e mantém o papel difusor do conhecimento nas áreas de ressonância magnética e tomografia cardiovascular iniciado com o GERT.
Ainda temos poucos centros formadores de especialistas na área, a maioria no eixo Rio-São Paulo, mas nos últimos 5 anos um maior número de instituições privadas e hospitais universitários estão fortalecendo o ensino e a pesquisa na área. Muitos que atualmente estão chefiando os centros especializados no Brasil buscaram sua especialização em centros internacionais e acreditamos que em um futuro próximo esta realidade não será mais verdadeira, pois teremos grandes grupos em todo o território nacional.
O crescente aumento do grupo de pessoas envolvidas em imagem cardiovascular no Brasil e no mundo culminou em uma explosão de publicações dedicadas à padronização e correta utilização do método nos últimos anos 14-31.
Alguns trabalhos pioneiros e de grande impacto internacional foram elaborados por brasileiros e conseguimos, através deste editorial, chamar a atenção para cada um em sua área.
Avaliação de coronárias – O trabalho realizado por Miller e cols.32 teve um dos maiores impactos científicos e colaboração de 3 brasileiros, sendo um deles o investigador principal, e teve ainda o maior número de pacientes do estudo incluídos por um centro brasileiro. Publicado no The New England Journal of Medicine, os autores concluíram que a tomografia computadorizada pode identificar a presença e a severidade da doença arterial coronariana com boa acurácia mas que quando positiva não poderia substituir a angiografia coronariana convencional. Recentemente, a tomografia mostrou seu valor nos pacientes com síndrome coronariana aguda33.
Avaliação de perfusão miocárdica – Os trabalhos de Cury e cols.34, primeiramente publicados na Radiology, trouxeram uma nova proposta para a utilização da tomografia computadorizada na avaliação de isquemia miocárdica. Com protocolos simples e de fácil aplicabilidade clinica, conseguiu demonstrar que a perfusão miocárdica por tomografia computadorizada tem boa correlação com o SPECT e com a angiografia coronariana convencional na identificação de estenose de vasos nativos35 ou com stent36. O primeiro trabalho multicêntrico validando esta nova técnica de detecção de isquemia miocárdica foi recentemente publicada por Rochitte e cols.37. Neste estudo observou-se alta acurácia para detecção de estenoses significativas associadas a defeitos perfusionais no mesmo território na avaliação pela tomografia quando comparada à combinação do cateterismo invasivo com a cintilografia por SPECT, e com um custo menor de dose de radiação. Assim, este novo método é capaz de diagnosticar estenoses hemodinamicamente significativas ou que se associam à redução do fluxo sanguíneo miocárdico.
Avaliação de volumes e função – A quantificação de volumes e função ventricular já foi validada frente a outros métodos de grande aplicabilidade clínica38,39, mas recentemente o uso destas mensurações demonstrou um grande potencial de detecção do risco cardiovascular e mortalidade40.
Avaliação de fibrose focal – Nos trabalhos de Shiozaki e cols.41,42, conseguimos observar que além da capacidade de detectar fibrose focal, a tomografia pode ser utilizada para predizer arritmias ventriculares. Este campo é de grande importância pois alguns pacientes não conseguem realizar a ressonância magnética e podem se beneficiar com esta nova técnica.
Avaliação de fibrose intersticial – Na quantificação de fibrose intersticial pela tomografia computadorizada, os trabalhos de Nacif e cols.43,44 foram pioneiros e abrem um potencial de avaliação de comprometimento miocárdico subclínico anteriormente não possível no contexto das miocardiopatias.
Impacto epidemiológico – Os trabalhos de Bittencourt e cols.45 e Hulten e cols.46, demonstraram o potencial prognóstico da tomografia computadorizada em pacientes sintomáticos e com doença coronariana não obstrutiva e obstrutiva. Já Prazeres e cols.47 conseguiram de forma ímpar resumir o potencial da técnica para uso na sala de emergência, com potencial de redução de custos para os doentes de baixa probabilidade.
Avaliação de coronárias – A avaliação das coronárias pela ressonância magnética esta limitada atualmente à caracterização da origem ou avaliação dos terços proximais dos vasos principais. Recentemente, novas técnicas e utilização de contraste vasculares específicos criaram um novo horizonte para a realização deste método que é livre de radiação ionizante. Raman e cols.48 demonstraram que o meio de contraste endovenoso Gadofosveset trisodium teve uma performance pouco melhor do que os meios de contraste rotineiramente utilizados.
Avaliação de perfusão miocárdica – Desde os trabalhos iniciais de caracterização da obstrução microvascular por Rochitte e cols.49 em 1998, até a aplicabilidade clínica da avaliação da isquemia miocárdica por Cury e cols.50 em 2006, e a utilização da multimodalidade (combinada) das técnicas de ressonância para caracterização da doença arterial coronariana por de Mello e cols.51 em 2012, conseguimos constatar a atual maturidade do método em território nacional.
Avaliação de volumes e função – Após anos utilizando indexação e valores morfológicos, volumétricos e funcionais de estudos internacionais podemos dizer que de forma pioneira Macedo e cols.52 conseguiram demonstrar em uma população brasileira padrões morfológicos e volumétricos diferentes para homens e mulheres. Nacif e cols.53 demostraram que existem várias formas de quantificação do volume atrial e que todas possuem correlação entre si.
Avaliação de depósito de ferro – Os trabalhos de Fernandes e cols.54-56 são de grande importância para padronização e avaliação dos pacientes com depósito de ferro hepático e miocárdico.
Avaliação de fibrose focal – Neste tópico de publicações são inúmeras as contribuições de brasileiros no impacto do método no cenário mundial, mas sem sombra de dúvidas, um dos trabalhos mais discutidos foi o de Azevedo e cols.57 que conseguiu demonstrar a importância da detecção e quantificação do realce miocárdico tardio nos pacientes que se submeteram à troca valvar aórtica, tendo grande implicação na melhora funcional do ventrículo esquerdo e na avaliação de mortalidade.
Avaliação de fibrose intersticial – Os trabalhos de Nacif e cols.44, Mongeon e cols.58, Coelho-Filho e cols.59, Sibley e cols.60 e Liu e cols.61, foram pioneiros na avaliação da fibrose intersticial pelas técnicas do mapa T1 e quantificação do volume extracelular.
Impacto epidemiológico – Sem sombra de dúvidas, a ressonância magnética é um dos melhores métodos para quantificação de fibrose miocárdica. A fibrose miocárdica quando presente está relacionada a maior mortalidade e pior prognóstico62. No Brasil, além das doenças comumente avaliadas no mundo, temos a doença de Chagas que foi muito bem estudada por Rochitte e cols.63,64. Agora, um dos trabalhos com grande impacto na decisão clínica utilizando o método foi na reclassificação de risco utilizando agentes estressores65.
Os Arquivos Brasileiros de Cardiologia funcionam como termômetro nacional e principal canal científico refletindo esta explosão de publicações. O artigo de Duarte 66, publicado em 2010, demonstra claramente o crescimento da tomografia computadorizada e seu impacto na detecção da doença arterial coronariana. Nos últimos dez anos observamos um número crescente de artigos do tipo revisão 67-75 e artigos originais 47,52,76-90 o que reforça o impacto da tomografia e da ressonância na imagem cardiovascular atual.
Finalmente, não é possível incluir todos os trabalhos de autores brasileiros devido ao número crescente de publicações na área, mas temos certeza que estamos entrando em uma nova era da imagem cardiovascular. O grande desenvolvimento da tecnologia aplicada à medicina faz com que a tomografia computadorizada e a ressonância magnética cresçam cada vez mais modificando dia-a-dia o impacto na prática clínica.