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Tonsilectomia no adulto: a dor pós-operatória depende das indicações

Tonsilectomia no adulto: a dor pós-operatória depende das indicações

Autores:

Olaf Zagólski,
Mariusz Gajda,
Pawel Strek,
Michael John Kozlowski,
Artur Gadek,
Jerzy Nyzio

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Otorhinolaryngology

versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686

Braz. j. otorhinolaryngol. vol.82 no.5 São Paulo set./out. 2016

http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.11.010

Introdução

Dor intensa é uma das queixas pós-operatórias mais importantes após uma tonsilectomia; em 20% dos pacientes, essa dor é a razão para um retorno ao hospital, também em decorrência da subsequente desidratação.1-3 A intensidade da dor difere, dependendo da técnica cirúrgica2,4,5 e do tratamento farmacológico aplicado.6,7 Existem diferentes padrões de dor após uma tonsilectomia; frequentemente, ela tem uma característica decrescente, mas alguns pacientes informam escores aumentados durante os primeiros dias do pós- operatório.8 Em alguns indivíduos, a intensidade da dor diminui cerca de uma semana após a cirurgia e, em outros, persiste por mais de duas semanas.8 Existe também um grupo de pacientes que apresenta um nível muito elevado de dor desde o início - uma dor que diminui apenas gradualmente.8 Não obstante, a maioria dos pacientes adultos a serem submetidos a uma tonsilectomia podem ser adequadamente orientados no pré-operatório com relação à provável duração da dor pós-operatória e do período de espera para um retorno ao trabalho e à deglutição normal.9

Com frequência, a dor pós-operatória de uma tonsilectomia é descrita pelos pacientes como semelhante à dor que acompanha a tonsilite aguda. Quase todos os pacientes com indicação de tonsilectomia já passaram por essa experiência dolorosa em numerosas ocasiões antes da cirurgia, pois a tonsilite crônica, definida pelos Critérios para Cirurgia Cefalocervical da American Academy of Otolaryngology, como uma amigdalolitíase ou tonsilite aguda recorrente (episódios incapacitantes de dor de garganta ocorrentes cinco ou mais vezes por ano, e sintomas com duração mínima de um ano),10 constitui a principal indicação para a tonsilectomia em adultos.11 Outras indicações incluem a hipertrofia tonsilar e a suspeita de neoplasia.12,13 No entanto, várias tonsilectomias são realizadas em decorrência de outras indicações, frequentemente estabelecidas por otorrinolaringologistas em conjunto com médicos não otorrinolaringologistas: tonsilite focal,14 resultando em artrite reumatoide, psoríase vulgar, pustulose palmo-plantar e/ou hiperosteose esternoclavicular,14,15 além da nefropatia de imunoglobulina A induzida por tonsilite.16 Em casos selecionados, a indicação também pode ser a presença de halitose.17 Em geral, esses pacientes não apresentam uma história de tonsilite recorrente e podem não estar familiarizados com a dor intensa da faringe antes daindicação da tonsilectomia.14,15,18

Foi observado que processos inflamatórios influenciam a inervação sensitiva em diversos órgãos e tecidos.19-23 Estudos experimentais demonstraram que a inflamação se faz acompanhar, geralmente, por um desenvolvimento anormal de fibras nervosas sensitivas e autônomas periféricas, o que intensifica significativamente a sensação de dor.20-22 Por outro lado, a inflamação pode estar associada a atrofia, apoptose e necrose de fibras nervosas sensitivas, o que acarreta uma neuropatia mediada por neuropeptídios nas glândulas salivares.19

Neste estudo, nos propusemos a verificar se indivíduos com tonsilite recorrente vivenciam uma intensidade dolorosa pós-tonsilectomia diferente, quando comparada com a de pacientes operados por outras razões, sem histórico de tonsilite recorrente. Nosso objetivo foi também determinar se a densidade das fibras nervosas capsulares nas tonsilas resecadas diferem entre esses grupos.

Método

Antes do exame, os participantes assinaram um formulário de consentimento livre e esclarecido para sua participação no estudo. O plano de pesquisa foi aprovado pelo comitê institucional de pesquisa e pelo comitê de ética médica local (75/KBL/OIL/2010). O estudo foi realizado em conformidade com os princípios da Declaração de Helsinque.

O tamanho da amostra do estudo foi estimado com o uso da mínima diferença esperada de escores para a dor de 2; um desvio padrão estimado da variável de 1,5, com uma diferença padronizada resultante de 1,3; e um poder de teste desejável de 0,8. No total, foram realizadas 61 tonsilectomias no período de janeiro de 2013 a março de 2014. O grupo foi constituído por 33 mulheres e 28 homens, com idades entre 20-40 anos (média = 29; DP = 6,6). Não analisamos os pacientes nos quais a tonsilectomia foi realizada por motivo de obstrução das vias aéreas superiores secundária à hipertrofia tonsilar, pois todos esses procedimentos foram combinados com uma uvulopalatoplastia assistida por laser. A indução da anestesia geral foi obtida com 1-2 mg/kg de fentanil e 1-2 mg/kg de propofol; também administramos 0,6-1 mg/kg de rocurônio como miorrelaxante para a intubação endotraqueal. A anestesia foi mantida por sevoflurano em uma mistura de 50% de O2/ar e com ventilação intermitente por pressão positiva. Para a analgesia, administramos 5-10 mg de morphine IV e 50-100 mg de cetoprofeno.

A cirurgia foi realizada com um laser de potássio-titânio-fosfato (KTP/532 AMS Aura XP, San Jose, CA, EUA). A potência do laser foi regulada para 15 W. Foram realizadas várias ligaduras (Vicryl 4-0; Ethicon, Johnson&Johnson, New Brunswick, NJ, EUA) de vasos sanguíneos nos leitos tonsilares. As partes de difícil acesso dos pilares, adjacentes à base da língua, foram cauterizadas com o laser, com o objetivo de impedir sangramentos pós-operatórios. As tonsilas excisadas foram reservadas para exame histológico.

Por ocasião da cirurgia, foi administrada uma dose única de esteroide intravenoso. Cada paciente foi medicado com uma dose única IV de 150 mg/kg (dose máxima: 8 mg) de fosfato sódico de dexametasona; também foi feita medicação com três doses orais diárias de cloridrato de tramadol 37,5 mg + paracetamol 325 mg, e mais quatro comprimidos diários de paracetamol 500 mg durante 10 dias. Além disso, foi permitido o uso de até um comprimido de 50 mg de cloridrato de tramadol por dia. Não houve relatos de alergia aos medicamentos. Todas as cirugias foram realizadas por um mesmo cirurgião. Os pacientes permaneceram menos uma noite internados no hospital em recuperação.

Todos os pacientes operados durante o período da pesquisa foram convidados a participar deste prospectivo observacional estruturado em torno do questionário, e todos aceitaram o convite. Esses pacientes foram acompanhados por 3 semanas.24 Os dados coletados consistiram em variáveis como: idade, gênero, história clínica e indicação para a cirurgia. As variáveis pós-operatórias estudadas foram: tempo de hospitalização, percentuais de hemorragia e reinternação, bem como outras complicações que ocorreram durante a recuperação cirúrgica. Houve necessidade de reinternação quando o paciente não conseguia beber um volume suficiente de líquidos, necessitando de reidratação intravenosa. Os participantes mantiveram um diário para avaliação dos sintomas pós-operatórios; os sintomas eram informados mediante o preenchimento de um questionário durante as consultas de seguimento nos dias 4, 10 e 21 do pós-operatório. Os pacientes responderam um conjunto de perguntas relacionadas à intensidade da dor em dias consecutivos, à duração da dor, à perda do peso corpóreo com o estômago vazio, antes da tonsilectomia e no dia 10 do pós-operatório (pós período de maior intensidade dos transtornos), e a característica e intensidade das dificuldades de deglutição e sua duração, além de doses extras de analgésicos. A dor máxima pós-operatória durante a deglutição foi classificada com a ajuda de uma escala subjetiva de 1-5, na qual 1 indica "ausência de dor", e 5, " dor intensa".25 As dificuldades de deglutição foram classificadas em uma escala de 1 a 4: 1 - leve transtorno da deglutição, ingestão de líquido inalterada; 2 - dificuldade moderada para comer e beber; 3 - dificuldade significativa para comer e beber; 4 - grave dificuldade para comer e beber. Nos dias 4 e 10 do pós-operatório, cada paciente teve sua faringe examinada com o objetivo de avaliar o processo de cicatrização, com classificação em uma escala de cinco pontos: 4 - hiperemia e edema de grande parte da mucosa da faringe, incluindo a úvula; 3 - edema da úvula com ou sem hiperemia e/ou edema da mucosa dos pilares anteriores; 2 - hiperemia e edema dos tecidos peritonsilares, exclusive a úvula, 1 - hiperemia da mucosa do pilar anterior sem edema; 0 - mucosa normal, sem hiperemia ou edema.26

Os participantes foram instruídos com relação ao significado científico da confiabilidade dos dados que estavam fornecendo. Nenhum dos pacientes deixou de comparecer ao seguimento.

Para verificar se as diferenças na intensidade da dor entre os grupos poderiam ser decorrentes de alterações na inervação da tonsila causadas por episódios de inflamação aguda e de subsequente inflamação crônica, foi realizado exame histológico da densidade das fibras nervosas nas tonsilas resecadas.

Ambas as tonsilas removidas ficaram imersas durante a noite em formalina 10% tamponada, sendo em seguida lavadas em salina tamponada com fosfato (PBS) e imersas em solução de sacarose a 25%. As áreas tonsilares contendo a cápsula, foram então processadas. Os blocos contendo o tecido foram montados em composto em temperatura ótima para corte (optimal cutting temperature, OCT) e congelados rapidamente. Foram obtidas criosecções com espessura de 10 µm, descongeladas e montadas em lâminas revestidas com poli-L-lisina.

As secções foram submetidas a coloração de imunofluorescência indireta.27 Resumidamente, foi aplicada uma etapa pré-incubação com soro de cabra normal a 10%, durante 40 minutos. Primeiramente, as secções foram incubadas durante a noite com anticorpos de coelhos criados para o marcador de fibra nervosa em geral - produto do gene de proteína 9.5 (PGP 9.5; AB1761, Chemicon, Temecula, CA, EUA; 1:2000) e para o marcador de sensibilidade - peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP; AB5920, Chemicon; 1:4000). Em sequência, foram efetuadas incubações secundárias com o uso de soro de cabra anticoelho conjugado a Cy3 (111-165-144, Jackson IR, West Grove, PA, EUA; 1:500), durante 2 horas. As secções foram montadas com meio Vectashield (H-1000; Vector, Burlingame, CA, EUA).

A seguir, elas foram examinadas com o uso de um microscópio de epifluorescência Olympus BX-50 (Olympus, Tóquio, Japão) equipado com um conjunto de filtros apropriado (U-MNG) para visualização de Cy3. Foram obtidas imagens digitais com uma câmera Olympus DP-71. As densidades relativas em diferentes localizações foram semiquantitativamente avaliadas em secções histológicas por dois observadores independentes. Foi estabelecida uma pontuação arbitrária para as densidades das fibras nervosas: 0 - ausência de fibra; 1 - uma fibra; 2 - número escasso de fibras; 3 - numerosas fibras.

Não examinamos tonsilas saudáveis (controle), pois nosso objetivo era comparar pacientes com intensidades de dor pós-operatória potencialmente diferentes.

Para que fossem determinadas diferenças significantes entre as distribuições da idade, intensidades de dor, escores de dor máximos, média de dias até o retorno à alimentação normal, intensidade da dificuldade de deglutição, perda de peso corpóreo e número de doses extras de analgésicos, aplicamos o teste U de soma das ordens (rank sum) de Mann- Whitney com o programa Statistica v. 5 (Statsoft, Inc. Tulsa, OK, EUA). Foram criadas tabelas de contingência e foi aplicado o teste do Qui-quadrado para confirmação das diferenças nas densidades relativas das fibras nervosas. Finalmente, empregamos regressão logística para comparação da incidência de reinternações causadas por desidratação em ambos os grupos.

Resultados

As indicações para tonsilectomia permitiram a definição de dois grupos de pacientes: 1) com história de tonsilite aguda recorrente (34 participantes), e 2) sem história de tonsilite recorrente (27 participantes: foco tonsilar - 20 e halitose- 7).

A distribuição por idade e gênero dos participantes não diferiu entre os grupos. A duração da internação também não diferiu. As diferenças na intensidade da dor nos dias 1, 2 e 5-13 do pós-operatório não foram significativas (tabela 1). A intensidade da dor nos dias 3 e 4 foi significativamente maior no grupo sem história de tonsilite aguda. As diferenças em relação à duração da dor e à perda de peso corpóreo com o estômago vazio observadas antes da cirurgia e no 10º dia do pós-operatório, a característica e intensidade da dificuldade de deglutição e sua duração, e também as doses extras de analgésicos não foram significantes. A cicatrização da mucosa da faringe também não diferiu significativamente entre os grupos analisados.

Tabela 1 Comparação dos valores médios (desvios padrão) das medidas observadas nos grupos 

Indicações para tonsilectomia Tonsilite recorrente Outras indicações Estatística
Intensidade da dor nos dias pós-operatórios
1 2,8 (0,9) 2,7 (1,2) SSE
2 3,4 (0,9) 3,2 (1,5) SSE
3 2,7 (0,7) 4,1 (0,9) p < 0,01
4 2,4 (0,8) 4,0 (0,9) p < 0,01
5 2,6 (0,6) 3,5 (1,2) SSE
6 2,7 (1,1) 2,9 (1,7) SSE
7 2,0 (0,6) 2,5 (1,4) SSE
8 1,6 (0,7) 2,0 (1,1) SSE
9 1,3 (0,8) 2,1 (1,5) SSE
Duração da dor (dias) 12,4 (2,6) 11,0 (2,0) SSE
Cicatrização (0-4) 1,0 (1,0) 1,2 (1,1) SSE
Intensidade da dificuldade de deglutição (1-4) 1,9 (0,8) 2,2 (1,1) SSE
Duração da disfagia (dias) 11,7 (1,8) 11,0 (2,6) SSE
Perda de peso corpóreo (kg) 4,6 (1,4) 5,4 (3,4) SSE
Peso de peso corpóreo (%) 7,0 (1,4) 6,5 (3,9) SSE
Doses adicionais de analgésicos 5,3 (1,4) 4,6 (2,8) SSE

SSE, sem significado estatístico; Cicatrização, hiperemia e edema de grandes áreas da mucosa da faringe, incluindo a úvula, 4; edema da úvula com ou sem hiperemia e/ou edema da mucosa do pilar anterior, 3; hiperemia e edema dos tecidos peritonsilares, excluindo a úvula, 2; rubor da mucosa do pilar anterior sem edema, 1; mucosa normal, sem hiperemia ou edema, 0; Deglutição, 1 - transtorno leve da deglutição; ingestão de líquido inalterada; 2 - dificuldade moderada para comer e beber, 3 - dificuldade significativa para comer e beber; 4 - grave dificuldade para comer e beber.

Não ocorreram complicações pós-operatórias graves e nem hemorragia pós-operatória importante em qualquer dos grupos que exigisse atenção cirúrgica. Consideramos hemorragia precoce se um episódio ocorresse dentro das primeiras 24 horas do pós-operatório, e tardia se ocorresse depois de 24 horas. Quatro pacientes apresentaram hemorragia leve que cessou espontaneamente , igualmente incidentes entre os grupos. Todos os casos de hemorragia pós-operatória ocorreram depois de transcorridas 24 horas do ato cirúrgico. Cinco pacientes no grupo sem história de tonsilite recorrente vs. um paciente no grupo com história de tonsilite recorrente necessitaram de reinternação devido à desidratação (diferença significante em p < 0,05).

Em geral, a densidade das fibras nervosas observada nas cápsulas tonsilares foram baixas. As fibras imunorreativas para PGP 9.5 foram mais numerosas do que as fibras positivas para CGRP (tabela 2, figs. 1 e 2). As fibras positivas para CGRP se localizavam quase que exclusivamente na cápsula (fig. 2); por outro lado, foi observado um grande número de fibras positivas para PGP 9.5 (a maioria relacionada a vasos sanguíneos) no tecido linfoide (fig. 3). Não foram observadas diferenças significantes nas densidades de fibras nervosas imunorreativas para PGP 9.5, bem como nas densidades de fibras nervosas imunorreativas para CGRP (tabela 2).

Figura 1 Algumas fibras nervosas imunorreativas para PGP 9.5 (setas) na cápsula da tonsila.  

Figura 2 Fibras nervosas isoladas imunorreativas para CGRP (setas) na cápsula da tonsila. 

Figura 3 Numerosas fibras nervosas imunorreativas para PGP 9.5 (setas) no tecido linfoide da tonsila. 

Tabela 2 Comparação das densidades relativas das fibras nervosas imunorreativas para PGP 9.5 e CGRP 

PGP 9.5 CGRP
Tonsilite recorrente 2 0
Outras indicações 2 1
Estatística SSE SSE

PGP 9.5, produto de gene de proteína 9.5; CGRP, peptídeo relacionado ao gene da calcitonina; SSE, sem significado estatístico.

A validade externa dos achados foi confirmada pelo fato de que todos os pacientes deram consentimento para participação (não houve influência de potenciais diferenças entre aqueles que deram seu consentimento e os que não deram); os grupos de pacientes examinados demonstraram coerência em termos de idade e inexistência de comorbidades, e tais grupos refletiam as características demográficas e socioeconômicas da população geral tratada em um hospital aberto à comunidade. Do mesmo modo, a técnica cirúrgica foi a mesma para todos os participantes.

Discussão

Os dados provenientes deste estudo demonstram que a intensidade da dor pós-tonsilectomia, nos dias 3 e 4 do pós- operatório em pacientes sem história de tonsilectomia recorrente, foi significantemente maior em comparação com pacientes nos quais a indicação para cirurgia foi tonsilite recorrente. Do mesmo modo, o percentual de reinternações causadas por desidratação foi mais elevado no primeiro grupo. Até onde vai nosso conhecimento, ainda não foram publicadas evidências sobre a relação entre as doenças que motivaram as indicações cirúrgicas sobre a dor pós-tonsilectomia.

É lógico pressupor que a dor pós-operatória em pacientes amigdalectomizados causada por tonsilite recorrente deva ser mais intensa do que no outro grupo, pois a dissecção das tonsilas dos tecidos fibróticos circunjacentes pode estar associada a maior trauma intraoperatório. Portanto, ao planejar o estudo, decidimos usar o laser em lugar da cirurgia a frio, para que fosse eliminada possível influência da dissecção mais agressiva das tonsilas, nesse grupo de pacientes. Isso nos possibilitou eliminar fatores relacionados ao próprio procedimento cirúrgico na análise dos desfechos pós-tonsilectomia. Nosso estudo não confirmou a ocorrência de dor mais intensa no grupo de pacientes com tonsilite recorrente, muito provavelmente porque o laser possibilita uma fácil dissecção das tonsilas de seus leitos.

Foi possível observar diferenças significantes na intensidade da dor nos dias em que houve maior exacerbação da dor pós-tonsilectomia na maioria dos pacientes.8 Em estudos precedentes, os escores para dor após a dissecção/tonsilectomia (medidos em uma escala análoga visual) diferiram significantemente entre cada terceiro dia consecutivo, após o quarto dia do pós-operatório.9 Dois terços dos pacientes tiveram de ser medicados com analgésicos após o primeiro dia do pós-operatório. Cerca de 80% dos participantes retornaram ao trabalho em até 14 dias após a cirurgia, e praticamente todos relataram deglutição normal em 14 dias após a cirurgia,9 o que corrobora nossas observações relacionadas à tonsilectomia assistida por laser. Mas nosso estudo não confirmou a observação de que a dor pós-tonsilectomia, embora inicialmente um pouco menos intensa após a operação com o laser KTP vs. após a rotineira tonsilectomia a frio, tenha piorado duas semanas após a cirurgia em pacientes operados com laser.28 Poderia ser difícil comparar os nossos resultados relacionados à cicatrização da ferida cirúrgica e subsequente dor com aqueles obtidos em pacientes com tonsilectomia realizada por meio de método convencional, devido ao leve retardo na cicatrização habitualmente relatada após tonsilectomias com o laser KTP.29

Tendo em vista que não foram estabelecidas diferenças histológicas entre os grupos examinados, a observação de que a dor mais intensa relatada pelos pacientes sem história de tonsilectomia recorrente pode ser explicada pelo fato de que os pacientes com história de tonsilectomia aguda recorrente estavam mais familiarizados com esse tipo de dor na faringe e, portanto, tinham maior tolerância.

As densidades e distribuição das fibras nervosas na cápsula tonsilar e no tecido linfático diferiram entre indivíduos e regiões anatômicas da tonsila; a distribuição dependeu do plano de intersecção histológica. Assim, foram observadas diferenças locais consideráveis nas densidades das fibras nervosas em diversas tonsilas examinadas. Contudo, as diferenças gerais observadas não foram estatisticamente significantes.

Os pontos positivos deste estudo incluem comparação direta de grupos de pacientes operados pelos mesmos motivos, com o uso da mesma técnica e com monitoração prolongada. O ponto fraco é o fato de que poderiam existir outros fatores determinantes de diferenças na percepção da dor pós-operatória que não foram levados em consideração. A determinação desses fatores deverá dar ensejo a futuras pesquisas nesse campo. Por outro lado, as escalas empregadas para dificuldade de deglutição e para cicatrização da ferida no pós-operatório não eram validadas e, portanto, estão sujeitas a vieses.

É possível chegar a várias conclusões importantes neste estudo. Os resultados obtidos ajudarão na orientação pré- operatória de pacientes agendados para tonsilectomia, sobre a intensidade de uma possível dor pós-operatória e o estabelecimento de protocolos de seguimento aprimorados. Com base nos resultados obtidos, antes da cirurgia coletamos uma história clínica detalhada de todos os candidatos à tonsilectomia. Se determinado paciente não tem história de tonsilite recorrente, ele é informado sobre a maior probabilidade de ocorrência de dor pós-operatória intensa alguns dias após a tonsilectomia; e preconizamos o ajuste das doses dos analgésicos. Esses pacientes também são orientados a permanecer por mais tempo no hospital, até que o agravamento na dificuldade de deglutição tenha cedido, pois tais pacientes encontram-se em risco de reinternação devido à desidratação.

Conclusão

Os pacientes qualificados para tonsilectomia em decorrência de tonsilite recorrente informam intensidade de dor mais baixa no pós-operatório, em comparação com pacientes com outras indicações para a cirurgia. A intensidade da dor pós-operatória não teve relação com a densidade das fibras nervosas.

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