versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.8 no.2 São Paulo abr./jun. 2010
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082010rc937
Cistos pericárdicos são conhecidos também por cistos mesoteliais, cistos pleuropericárdicos ou cistos celômicos do pericárdio e resultam de aberrações na formação das cavidades celômicas. Eles são compostos de tecido conectivo e uma camada de células mesoteliais e geralmente contêm fluido líquido seroso. Invariavelmente, são conectados ao pericárdio, embora uma comunicação visível entre o cisto e o pericárdio seja encontrada em poucas cirurgias(1-2). A maioria desses cistos se origina no ângulo cardiofrênico anterior, mais frequentemente no lado direito (77%) do que no esquerdo (22%)(3-4) e são responsáveis por 12-18% dos tumores de mediastino(5). Sua incidência é de, aproximadamente, 1:100.000 pessoas(4). Cerca de 75% deles são assintomáticos, sendo achados incidentalmente em radiografias de tórax e ecocardiografias.
São descritos na literatura cistos gigantes(6), cistos de localização atípica (mediastino anterior e posterior), em formatos diferentes7, associados a outras doenças - anemia de Fanconi8 - e hemorrágicos(9-10). Bava et al.11descreveram um caso de torção do pedículo intrapericárdico do cisto com consequente isquemia e tamponamento.
Este caso que relatamos refere-se a um cisto pericárdico que torceu sobre seu próprio eixo, levando ao desenvolvimento de uma porção isquêmica e outra intacta quanto à vascularização, sendo que o diagnóstico foi realizado por meio da tomografia computadorizada com multidetectores, confirmado posteriormente por videotoracoscopia.
Paciente do sexo masculino, de 49 anos, deu entrada no serviço de emergência com quadro de dor no hemitórax direito há dois dias, após esforço físico, o qual piorava à movimentação e à inspiração, sem dispneia ou febre. Foram realizadas radiografias do tórax em posteroanterior e perfil, que mostraram massa homogênea, ovalada, de limites bem definidos, contígua ao coração, no seio cardiofrênico direito, com a margem cardíaca direita visível e com atelectasia laminar adjacente a ela (Figura 1). Foi então realizada uma tomografia computadorizada com protocolo para tromboembolismo pulmonar, com base na história clínica do paciente, que evidenciou formação cística pleuropericárdica na base do hemitórax direito (Figura 2), com porção anterior em contato com a gordura pericárdica e porção posterior em contato com a superfície pleural, medindo 17 x 12,5 cm nos maiores eixos. Em seu aspecto medioanterior, tal formação se apresentava entremeada por gordura e estruturas lineares densas, aspecto que sugeria torção (Figuras 3 e 4).
Figure 1 (A) Chest radiograph in PA view showing a well-defined homogeneous mass in the right cardiophrenic angle, with a clearly visible right-side heart margin and laminar atelectasis adjacent to it. (B) Chest radiograph in lateral view shows the mass predominantly on the posterior position.
Figure 2 Computed tomography. (A) Coronal section shows a pleuropericardial cyst on the right hemithorax base. (B) Coronal section: in the mid-anterior view, the cyst is filled by fat tissue and dense linear structures (“whirl sign”), suggesting torsion. (C) Sagittal section: torsion site (arrow).
Este caso é peculiar pelo fato de que o “sinal do redemoinho”, originalmente descrito em volvos intestinais, foi evidenciado, indicando uma torção de cisto pleuropericárdico. Fischer descreveu esse sinal na tomografia computadorizada como massa de partes moles, na qual havia internamente um enovelado com atenuação de gordura e partes moles(12-13). Neste caso, a espiral observada na tomografia computadorizada com multidetectores indicava uma torção do pedículo do cisto mediastinal. Com o advento dos aparelhos com multidetectores, o pedículo torcido pode ser observado, o que permite o diagnóstico definitivo desse caso14. A tomografia computadorizada contrastada tem sido descrita como modalidade de escolha no diagnóstico e follow-up de cistos pericárdicos, sendo que nela os cistos são identificados como massas homogêneas, de contornos bem definidos e com paredes finas(3,13,15).
Ocasionalmente, os cistos são pedunculados2. A sua atenuação é um pouco maior que a densidade da água, até 30 a 40 UH, devido ao seu material viscoso, simulando, algumas vezes, massas sólidas(3,15,16).
A maioria das lesões císticas localizadas no espaço cardiofrênico é benigna. Os achados de imagem (US, TC e RM) são muito ú:teis para determinar a natureza sólida ou cística da lesão. De acordo com a literatura, lesões puramente císticas geralmente são benignas3. O diagnóstico diferencial pode ser estabelecido com outras massas císticas mediastinais, particularmente cisto broncogênico, que apresenta características semelhantes, embora a sua ocorrência no espaço cardiofrênico seja atípica. Cisto hidático é outra lesão cística incomum que pode ocorrer nessa topografia, quando ocorre hérnia através do forâmen de Morgagni3.
Esses cistos geralmente são assintomáticos, porém quando alcançam um tamanho aumentado, podem produzir sintomas, tais como dor torácica retroesternal, dispneia e tosse(7,17) . São descritas algumas complicações graves dos cistos pericárdicos, como obstrução ventricular direita, estenose pulmonar, tamponamento cardíaco(10-11), erosão parcial da veia cava superior e insuficiência cardíaca congestiva18. Eles aparecem comumente na quarta e quinta décadas da vida, sem diferença entre os sexos(15,19). Apesar disso, são considerados congênitos, já que a fisiopatologia decorre de uma falha na fusão das lacunas primitivas do pericárdio ou pela formação de dobras abdominais da pleura embriológica durante o processo de formação do pericárdio(3,17,20).
O tratamento do cisto pericárdico é algo controverso na literatura. Há diversas condutas: expectantes, aspiração percutânea do conteúdo do cisto, seguida ou não de esclerose21, e a ressecção cirúrgica.
Aqueles que defendem que o tratamento por meio da ressecção cirúrgica não é necessário argumentam que os cistos pericárdicos não têm potencial de malignização, tornando a cirurgia somente indicada em casos de dúvida diagnóstica (localização atípica ou densidade elevada na tomografia computadorizada) ou quando há sintomas. Por outro lado, não temos certeza do comportamento clínico futuro desses cistos.
A aspiração percutânea é um tratamento reportado na literatura, sem evidências de recidiva a curto/médio prazo, embora não tenhamos dados de seguimento a longo prazo, nem estudos comparativos contra a ressecção cirúrgica. Ela normalmente é acoplada a algum método de imagem, como o ecocardiograma ou a tomografia de tórax, para diminuir o risco de complicações da punção22.
A videotoracoscopia pode ser considerada o método cirúrgico de escolha para a ressecção de cistos pericárdicos(23,24) , já que esses não tendem à malignização. Mesmo em cistos gigantes, a videotoracoscopia é factível, já que se pode abrir o cisto esvaziando o seu conteúdo líquido para permitir a retirada da cápsula do cisto pela pequena incisão da parede torácica25. Já há descrição inclusive de cirurgia robótica para cistos pericárdicos, com menores incisões e menor perda de sangue26.
Acreditamos que a ressecção cirúrgica é a conduta de excelência para cistos pericárdicos assintomáticos e sintomáticos. A conduta expectante ou observacional é arriscada, em virtude das raras, porém graves complicações já descritas na literatura. A aspiração percutânea do cisto pericárdico deve ser reservada apenas para casos selecionados: comorbidades que contraindiquem a ressecção cirúrgica, procedimento descompressivo temporário precedendo a ressecção de um cisto sintomático27 e recusa do paciente à cirurgia.