Compartilhar

Trabalho de alta exigência entre professores:associações com fatores ocupacionais conforme o apoio social

Trabalho de alta exigência entre professores:associações com fatores ocupacionais conforme o apoio social

Autores:

Marcela Maria Birolim,
Arthur Eumann Mesas,
Alberto Durán González,
Hellen Geremias dos Santos,
Maria do Carmo Fernandez Lourenço Haddad,
Selma Maffei de Andrade

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.4 Rio de Janeiro abr. 2019 Epub 02-Maio-2019

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018244.08542017

Introdução

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) revela que aproximadamente 160 milhões de pessoas sofrem de males associados ao trabalho no mundo. O estresse no ambiente de trabalho ganha repercussão nesse cenário na medida em que se relaciona a uma série de doenças psicológicas, cardiovasculares e gastrointestinais1.

Existem vários modelos teóricos na literatura para a análise do estresse e, dentre eles, destaca-se o modelo demanda-controle, proposto por Robert Karasek2. Nesse modelo, os indivíduos são classificados em quatro quadrantes, de forma a expressar as relações entre demandas e controle no ambiente de trabalho. A existência conjunta de grandes demandas psicológicas com baixo controle sobre o processo de trabalho gera o que se conhece como trabalho de alta exigência (job strain), com efeitos nocivos à saúde do trabalhador2. Também nociva é a situação que conjuga baixas demandas e baixo controle (trabalho passivo), pela possibilidade de gerar desinteresse pelo trabalho. Por outro lado, quando altas demandas e alto controle coexistem, os indivíduos experimentam o processo de trabalho de forma ativa, pois, ainda que as demandas sejam excessivas, o trabalhador tem maior possibilidade de planejar o que priorizar em suas horas de trabalho. A situação considerada menos estressante seria aquela que conjuga baixas demandas e alto controle do processo de trabalho3.

Uma terceira dimensão foi acrescentada ao modelo de Karasek por Johnson e Hall4: a percepção de apoio social por colegas e chefes no ambiente de trabalho, atuando, de acordo com a oferta, como amortecedor ou potencializador do efeito da demanda e do controle na saúde3. O apoio social no trabalho pode ser definido como uma função de auxílio exercido por pessoas significativas em relação à provisão material, de informações ou de assistência emocional em situações de estresse5.

O instrumento utilizado para a avaliação do estresse segundo o modelo de demanda-controle foi traduzido para vários idiomas e vem sendo utilizado e reavaliado por pesquisadores de vários países, tanto em sua forma original, o Job Content Questionnaire (JCQ), com 49 questões, quanto em sua versão reduzida e modificada por Theorell, o Demand Control Support Questionnaire (DCSQ)2,6. O DCSQ abrange 17 itens distribuídos em três dimensões: demandas psicológicas (cinco itens), controle no processo de trabalho (quatro itens sobre uso de habilidades e dois sobre autonomia para decisão) e apoio social no trabalho (seis itens). No Brasil, a versão do DCSQ foi adaptada e validada por Alves et al.7.

Os estudos sobre estresse no trabalho em professores com abordagem segundo o modelo de demanda-controle concentram-se em desfechos negativos em saúde, especialmente distúrbios psíquicos como ansiedade, depressão e Síndrome de Burnout8-10. No entanto, evidências apontam que condições desfavoráveis de saúde física também estão associadas ao estresse laboral11,12.

A precarização das condições de trabalho, o acúmulo de tarefas e a desvalorização da carreira dos docentes do ensino básico no Brasil fazem com que a docência seja considerada uma das profissões mais estressantes13. Esse cenário tem como consequência, muitas vezes, a baixa produtividade, o absenteísmo, o afastamento de função, a ocorrência de acidentes de trabalho e, até mesmo, o abandono da profissão14.

De acordo com um dos estudos brasileiros mais relevantes sobre a Síndrome de Burnout, desenvolvido em 1.440 escolas, 26,3% dos professores apresentavam alta exaustão emocional, 9,1% apresentaram despersonalização e 30,6% foram classificados no grupo de baixo envolvimento pessoal no trabalho13. Em outros países, como Grécia, constatou-se que mulheres que lecionavam em instituições públicas apresentavam maiores níveis de estresse15. Resultado semelhante a esse foi encontrado em uma amostra de professores belgas16.

Alguns estudos investigaram, ainda, o estresse no trabalho e a presença de apoio social em escolas, e encontraram um efeito protetor sobre os níveis de estresse em professores londrinos17, chineses18 e gregos15. Neste último estudo, maiores níveis de apoio social percebido por parte de colegas e supervisores estiveram associados, respectivamente, ao menor sofrimento profissional e a níveis mais baixos de estresse ocupacional15.

Assim, provavelmente, o apoio social percebido por professores em seu ambiente laboral decorra da possibilidade de compartilhar emoções e sentimentos com outros indíviduos durante a realização do seu trabalho. No entanto, embora sejam encontrados na literatura diversos estudos que avaliam a relação entre estresse e desfechos negativos em saúde8-12, não foram localizados estudos que analisaram a influência de fatores ocupacionais na percepção de trabalho como de alta exigência em professores de ensino fundamental e médio, segundo a oferta de apoio social.

Dessa forma, o objetivo deste estudo é analisar os fatores ocupacionais associados ao trabalho de alta exigência em professores da educação básica e se as associações variam conforme o apoio social.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal vinculado ao projeto “Saúde, estilo de vida e trabalho de professores da rede pública do Paraná (Pró-Mestre)”, desenvolvido em Londrina, Paraná. A rede estadual de ensino do município é composta por 73 escolas (63 sediadas na zona urbana, sete na zona rural e três em aldeias indígenas), com mais de 1.500 turmas e aproximadamente 50.000 alunos matriculados no ensino fundamental e médio. O quadro docente é formado por cerca de 3.000 professores, que atuam nos níveis de ensino infantil, fundamental e médio regulares, e ainda, na educação de jovens e adultos (EJA), na educação profissional e tecnológica e no ensino especial (modalidade de educação escolar oferecida para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação)19.

Para o presente estudo, foram selecionados os professores do ensino regular fundamental ou médio das 20 escolas da rede estadual de Londrina (PR) com maior número de docentes, representando aproximadamente 75% do total de docentes desse tipo de ensino na cidade. Foram excluídos professores que atuavam exclusivamente no ensino infantil, aqueles que lecionavam somente em modalidades de ensino não regulares, readaptados de função, os com tempo de profissão menor que um ano ou que estiveram em licença por mais de 30 dias nos 12 meses anteriores à pesquisa. Os professores não localizados após a quinta tentativa, aqueles que não aceitaram participar da pesquisa ou que estavam em licença durante o período estipulado para coleta de dados em cada escola (total de 51 dias) foram considerados perdas.

A coleta de dados foi realizada no período de agosto de 2012 a junho de 2013, por pesquisadores treinados. Realizou-se estudo piloto em três escolas (82 professores) em cidade vizinha. As entrevistas foram realizadas durante a hora-atividade dos professores (período reservado aos docentes para a realização de atividades extraclasse) no próprio colégio ou em outro local definido pelo professor e tiveram duração de aproximadamente 40 minutos. Ao final, foi entregue um questionário a ser respondido pelo professor (com duração de preenchimento aproximada de mais 15-20 minutos) o qual continha dados sociodemográficos e algumas escalas usadas em estudos epidemiológicos (incluindo o DCSQ), com identificador único para posterior ligação com os dados das entrevistas.

Os formulários e questionários foram devidamente conferidos e codificados. Realizou-se dupla digitação e comparação dos bancos de dados no programa Epi Info®, versão 3.5.4, para identificação e correção de erros de digitação.

A variável dependente deste estudo foi o trabalho de alta exigência, que combina as situações de alta demanda psicológica e baixo controle no trabalho (job strain). As opções de resposta, tanto para a dimensão demanda psicológica quanto para o controle no trabalho variam numa escala de frequência de um (nunca ou quase nunca) a quatro pontos (frequentemente)7. Neste estudo, o item “trabalho repetitivo” foi excluído da dimensão controle após análise fatorial confirmatória do DCSQ, realizada com base em recomendação de outros estudos20,21. O escore de cada dimensão é formado pelo somatório dos pontos de cada item que compõem a referida dimensão/subdimensão (demanda, uso de habilidades e autonomia para decisão). Assim como a maior parte dos estudos que utilizam o modelo de demanda-controle22, adotou-se a mediana como ponto de corte para a composição dos grupos de alta e baixa exposição à demanda e ao controle, posteriormente categorizados em trabalho de alta exigência (alta demanda e baixo controle) ou não.

Para a dimensão “apoio social” as possibilidades de resposta variavam de “concordo totalmente” (quatro pontos) a “discordo totalmente (um ponto)”. O escore da dimensão “apoio social” é obtido pela soma de pontos obtidos em cada um dos itens. A mediana também foi usada para classificar os professores com maior ou menor apoio no trabalho.

As variáveis independentes principais foram as relacionadas ao trabalho do professor: tempo de trabalho na docência (1-5, 6-10 e > 10 anos), tipo de vínculo (estatutário; não estatutário), trabalho noturno (sim ou não), lecionar no ensino fundamental (sim ou não), carga horária semanal como professor (≤ 40 ou > 40 horas), carga horária total de trabalho na semana, incluindo outras ocupações (≤ 40 ou > 40 horas), percepção quanto ao relacionamento com os alunos, à remuneração, à quantidade de aluno por sala de aula e ao equilíbrio entre vida pessoal e profissional (excelente/bom e regular/ruim) e relato de violencia contra o professor (agressão verbal, humilhação, assédio moral, assédio sexual, agressão física ou por arma) nos 12 meses anteriores à entrevista. Foram também analisadas as seguintes variáveis sociodemográficas: sexo, idade, situação conjugal, grau de instrução e renda familiar.

O programa Statistical Package for the Social Science (SPSS) versão 19 foi utilizado para as análises estatísticas. Foram realizadas análises descritivas e de associação e/ou correlação bivariadas e de regressão logística bruta e ajustada, com cálculo das razões de odds (OR) e respectivos intervalos de confiança (IC 95%). Utilizou-se o método backward para seleção de variáveis na análise múltipla. Inicialmente, todas as variáveis independentes que se associaram ao trabalho de alta exigência (p < 0,20) na análise bivariada foram incorporadas aos modelos na análise multivariada. A idade foi analisada como variável quantitativa contínua. Permaneceram nos modelos finais as variáveis independentes que mantiveram associação significativa após o ajuste (p < 0,05), de acordo com o teste de Wald. Para analisar o papel do apoio social nas associações encontradas, repetiram-se as análises ajustadas de forma estratificada em professores com maior e menor apoio social no trabalho.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Todos os professores incluídos no estudo foram esclarecidos sobre os objetivos da pesquisa e aspectos éticos e assinaram termo de consentimento livre e esclarecido.

Resultados

Dentre os 1.126 professores elegíveis para a pesquisa maior (Pró-Mestre), registraram-se 148 (13,1%) perdas: 65 (5,7%) estavam de licença e não retornaram às atividades em até 51 dias do início da coleta de dados na respectiva escola, 63 (5,6%) recusaram-se a participar do estudo e 20 (1,8%) professores não foram localizados após cinco tentativas.

Para este estudo, foram excluídos ainda 98 (8,7%) professores (nove por terem tempo de profissão menor que um ano e 89 por terem permanecido em licença por 30 dias ou mais nos 12 meses anteriores à entrevista). Houve perda ainda de 38 (3,4%) por preenchimento incompleto do DCSQ. Dessa forma, a amostra final constituiu-se de 842 professores.

Houve predominância de mulheres e de pessoas com idade acima de 40 anos. A média de idade e o desvio-padrão (DP) foram, respectivamente, de 41,2 ± 9,9 anos, variando entre 23 e 68 anos, com mediana de 41 anos.

Mais da metade dos entrevistados vivia com um(a) companheiro(a) e tinha renda familiar mensal média de até R$ 5.000,00. Com relação à formação acadêmica, a maioria concluiu especialização ou mestrado/doutorado (Tabela 1).

Tabela 1 Distribuição de professores da rede estadual de ensino de Londrina (PR), segundo variáveis sociodemográficas e do trabalho, 2012-2013. 

Variáveis N %
Sexo
Feminino 568 67,5
Masculino 274 32,5
Idade
19 a 39 anos 375 44,5
40 a 49 anos 283 33,6
≥ 50 anos 184 21,9
Situação Conjugal *
Com companheiro 482 57,2
Sem companheiro 356 42,3
Grau de instrução *
Bacharel / Licenciatura 112 13,3
Especialização 617 73,3
Mestrado/ Doutorado 111 13,2
Renda mensal familiar *
Até R$ 3.000,00 214 25,4
De R$ 3.001,00 até R$ 5.000,00 295 35,0
Acima de R$ 5.000,00 328 39,0
Tempo de trabalho como professor
Até 5 anos 205 24,3
6 a 10 anos 205 24,3
Acima de 10 anos 432 51,4
Tipo de vínculo
Estatutário 559 66,4
Não estatutário 283 33,6
Trabalho noturno
Sim 373 44,3
Não 469 55,7
Leciona no ensino fundamental
Sim 608 72,2
Não 234 27,8
Carga horária semanal como professor
≤ 40 horas 661 78,5
> 40 horas 181 21,5
Carga horária semanal total de trabalho
≤ 40 horas 594 70,5
> 40 horas 248 29,5
Violência nos 12 meses anteriores à entrevista
Sim 599 71,1
Não 243 28,9

* Os totais diferem para essas variáveis por ausência da informação nos questionários.

O tempo médio de trabalho na carreira docente foi de 13,5 anos, com mínimo de 12 meses (critério de inclusão) e máximo de 45 anos. Pelo menos um vínculo de trabalho estável (estatutário) foi referido por dois terços dos professores. A carga horária semanal como professor teve média de 35,3 horas (DP de 10,7) e mediana de 38 horas. Entre os professores estudados, 44,3% referiram trabalhar no período noturno. A carga horária em todas as atividades laborais apresentou média de 38,1 horas, com DP de 11,3 horas, e 29,5% trabalhavam mais de 40 horas semanais (Tabela 1).

A maioria dos professores percebia seu relacionamento com os alunos e o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional como bom ou excelente. Por outro lado, as percepções sobre a remuneração e a quantidade de alunos por sala tiveram maiores frequências nas categorias ruim/regular, 63,4% e 68,9%, respectivamente (dados não apresentados em tabelas).

O trabalho considerado como de alta exigência foi verificado em 40,3% dos professores e foi mais frequente, (p < 0,20) entre mulheres (p = 0,122). Também se observou aumento da frequência de trabalho de alta exigência conforme a redução da idade dos professores (β = -0,20; p = 0,005) (dados não apresentados em tabelas).

Na análise multivariada, verificou-se associação estatística do trabalho de alta exigência com carga horária semanal como professor acima de 40 horas, percepção ruim/regular quanto à remuneração, à quantidade de alunos por sala de aula, ao equilíbrio entre a vida pessoal e profissional e ao relato de algum tipo de violência na escola nos 12 meses anteriores à pesquisa (Tabela 2).

Tabela 2 Fatores ocupacionais associados ao trabalho de alta exigência, de professores da rede estadual de ensino de Londrina (PR), segundo modelo ajustado por regressão logística, 2012-2013. 

Variável Trabalho de Alta Exigência

N(%) OR Bruta (IC 95%) OR ajustada* (IC 95%) p-valor
Carga horária semanal como professor
1 a 20 horas 44 (34,4) 1 1
21 a 40 horas 208 (39,0) 1,22 (0,82-1,83) 1,20 (0,78-1,83) 0,406
> 40 horas 87 (48,1) 1,77 (1,11-2,82) 1,72 (1,05-2,82) 0,031
Remuneração
Bom/excelente 86 (27,9) 1 1
Ruim/regular 253 (47,4) 2,32 (1,72-3,14) 1,93 (1,41-2,65) <0,001
Quantidade de aluno por sala
Bom/excelente 81 (30,9) 1 1
Ruim/regular 258 (44,5) 1,79 (1,32-2,44) 1,43 (1,03-1,99) 0,033
Equilíbrio entre vida pessoal e profissional
Bom/excelente 200 (33,0) 1 1
Ruim/regular 139 (58,9) 2,91 (2,13-3,97) 2,36 (1,71-3,26) <0,001
Violência nos 12 meses anteriores à entrevista
Sim 273 (45,6) 2,25 (1,62-3,11) 1,83 (1,31-2,58) <0,001
Não 66 (27,2) 1 1

* Modelo multivariado (método backward) ajustado por: sexo, idade (variável contínua), tempo de profissão, trabalho noturno, carga horária semanal como professor, relacionamento com alunos, remuneração, quantidade de alunos por sala, equilíbrio entre a vida pessoal e profissional e violência sofrida pelo professor nos 12 meses anteriores à entrevista.

No entanto, a maior carga horária e a percepção ruim ou regular em relação à quantidade de alunos por sala de aula permaneceram significativas apenas no grupo de menor apoio social (Tabela 3).

Tabela 3 Fatores ocupacionais associados ao trabalho de alta exigência, estratificado por grupos de maior e menor apoio social no trabalho de professores da rede estadual de ensino de Londrina (PR), segundo modelo ajustado por regressão logística, 2012-2013. 

Variáveis Trabalho de Alta Exigência

Maior Apoio Menor Apoio

OR (IC 95%) p-valor OR (IC 95%) p- valor
Carga horária semanal como professor
1 a 20 horas 1,00 1,00
21 a 40 horas 0,86 (0,48-1,57) 0,634 1,48 (0,80-2,76) 0,207
> 40 horas 0,87 (0,42-1,80) 0,711 2,75 (1,36-5,58) 0,005
Remuneração
Bom/excelente 1,00 1,00
Ruim/regular 1,91 (1,18-3,07) 0,008 1,85 (1,20-2,87) 0,006
Quantidade de aluno por sala
Bom/excelente 1,00 1,00
Ruim/regular 1,04 (0,63-1,70) 0,887 1,76 (1,13-2,77) 0,013
Equilíbrio entre vida pessoal e profissional
Bom/excelente 1,00 1,00
Ruim/regular 2,58 (1,51-4,41) 0,001 2,07 (1,37-3,14) 0,001
Violência nos 12 meses anteriores à entrevista
Sim 1,65 (1,01-2,69) 0,046 1,74(1,07-2,86) 0,027
Não 1,00 1,00

Modelo multivariado (método backward) ajustado por: sexo, idade, tempo de profissão, trabalho noturno, carga horária semanal como professor, relacionamento com alunos, remuneração, quantidade de alunos por sala, equilíbrio entre a vida pessoal e profissional e violência sofrida pelo professor nos 12 meses anteriores à entrevista.

Por outro lado, as variáveis referentes à percepção negativa quanto à remuneração e quanto ao equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, bem como ter sofrido violência na escola nos 12 meses anteriores à pesquisa permaneceram associadas nos dois grupos (Tabela 3).

Discussão

O trabalho de alta exigência, mesmo após os ajustes realizados, esteve associado à maior carga horária semanal como professor e à percepção negativa quanto à remuneração, à quantidade de alunos por sala de aula e ao equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. O relato de violência sofrida na escola nos 12 meses anteriores à entrevista também se manteve independentemente associado ao trabalho de alta exigência. Observou-se, no entanto, que os resultados variaram conforme o apoio social, com perda de significância estatística para as variáveis carga horária semanal e percepção quanto à quantidade de alunos em sala de aula no grupo de professores com maior apoio social.

Não foram encontrados, na revisão da literatura, estudos que avaliassem o modelo demanda-controle como desfecho, o que dificultou comparações com os resultados do presente estudo. Na maioria dos trabalhos, o modelo de Karasek foi utilizado em estudos de associação relacionados a diversos desfechos em saúde como distúrbios psíquicos menores23, depressão e ansiedade8, Síndrome de Burnout e exaustão emocional9, respostas endócrinas11, alterações vocais12, percepção do estado de saúde24 e níveis de pressão arterial25.

O relato de violência sofrida no ambiente escolar associou-se ao trabalho considerado de alta exigência tanto no grupo de professores com maior como menor apoio social, indicando ser este um importante fator de estresse no trabalho. A pesquisa internacional sobre ensino e aprendizagem (TALIS) verificou que, dentre os 34 países pesquisados, o Brasil foi o país com as maiores porcentagens de intimidação ou ofensa verbal contra professores (12,5%), e de intimidação e ofensas verbais entre alunos (34,4%). Nessa mesma pesquisa, o uso ou posse de drogas e de bebidas alcoólicas nos ambientes escolares brasileiros foi de 6,9%, resultado superior à média dos demais países estudados (3,5%). Ademais, em relação às infrações como ações de vandalismo e furtos, a frequência no Brasil (11,8%) foi inferior apenas à do México (13,2%)26. Em recente revisão sistemática e meta-análise sobre a relação entre assédio moral e saúde mental, foram encontradas associações significativas entre assédio moral no trabalho e sintomas de depressão, ansiedade e queixas psicológicas relacionadas ao estresse27. Esses achados revelam a importância de enfrentamento da violência no ambiente escolar e, mais amplamente, na sociedade, para reduzir a percepção de estresse no trabalho e de adoecimentos em professores da educação básica.

A percepção negativa quanto ao equilíbrio entre a vida pessoal e profissional associada significativamente ao trabalho de alta exigência, tanto em professores com maior como menor apoio social no trabalho, remete à discussão da interface família-trabalho. Seligmann-Silva28 afirma que a complexa relação entre esse binômio deixa entrever uma via de mão dupla na qual, de um lado, existe um fluxo em que a subjetividade desloca experiências familiares para o ambiente de trabalho; de outro, a corrente que transporta para a vida familiar determinações advindas do trabalho. Embora não seja possível examinar todos os aspectos relacionados a esse binômio no trabalho docente, é possível que professores que percebem falta de equilíbrio entre sua vida pessoal e profissional possam estar sobrecarregados e tenham, portanto, maior chance de perceber seu trabalho como de alta exigência.

A predominância de mulheres no magistério é outro fator que pode interferir na percepção negativa quanto ao equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. Pesquisadores suecos que avaliaram a produção de catecolaminas entre homens e mulheres no trabalho e em casa observaram que, durante o trabalho, os níveis de noradrenalina foram semelhantes nos dois grupos. No entanto, ao retornarem para casa, os níveis de noradrenalina em mulheres continuavam a crescer, enquanto nos homens a produção desse neurotransmissor diminuía29. Nesse sentido, a associação entre a percepção regular ou ruim quanto ao equilíbrio entre a vida pessoal e profissional com o trabalho de alta exigência, em uma população predominantemente feminina, talvez possa ser explicada, em parte, pelo fato de, para as mulheres, o retorno para casa significar uma nova jornada de trabalho que envolve várias atividades domésticas e outras exigências familiares.

A percepção de baixa remuneração manteve-se associada ao trabalho de alta exigência em ambos os grupos (maior e menor apoio social). A busca por melhor remuneração pode ser considerada como um dos potencializadores para o desenvolvimento de problemas de saúde entre os professores na medida em que, para aumentar a renda, estes buscam jornadas de trabalho mais intensas, assumindo mais aulas e, muitas vezes, trabalhando em mais de uma escola e em mais de um período do dia13. Em estudos com professores que avaliaram a relação entre renda e Síndrome de Burnout, os autores demonstraram que o padrão de remuneração é proporcional aos níveis de Burnout, especialmente em relação ao envolvimento pessoal com o trabalho e à despersonalização13.

Outra variável que se associou de forma significativa ao trabalho de alta exigência foi a percepção negativa quanto à quantidade de alunos por sala de aula, porém apenas no grupo de professores com menor apoio social no trabalho, indicando que o apoio social pode amenizar essa relação. A esse respeito, destaca-se que, no Brasil, 47,5% e 63,5% dos professores atuam em turmas com mais de 30 alunos, no ensino fundamental e médio, respectivamente. Atender a um maior número de alunos representa ter uma maior demanda de trabalho em relação ao planejamento de atividades, correção de trabalhos e provas, situações conflitantes em sala e, consequentemente, maiores chances de desenvolver estresse nesse ambiente30. Pesquisa com professores de escolas particulares da região metropolitana de Porto Alegre revelou que o elevado número de alunos e a carga horária de trabalho são possíveis fatores de risco para o desenvolvimento de Burnout31.

Indivíduos com carga horária acima de 40 horas semanais como professor tiveram chance mais elevada de perceber seus trabalhos como de maior desgaste, porém observou-se papel atenuador do apoio social no trabalho, pois essa relação se manteve apenas no grupo de menor apoio. O acúmulo de atribuições do professor é abordado por vários autores como um dos preditores no desenvolvimento de estresse e da Síndrome de Burnout31. Segundo a pesquisa TALIS de 201326, o Brasil está entre os países em que os professores passam o maior número de horas em sala de aula. Também é no Brasil que se observa o maior percentual médio de tempo gasto com tarefas administrativas em sala de aula, por exemplo, registrando frequência, distribuindo informativos e formulários da escola26.

O papel do apoio social nas relações entre características ocupacionais e trabalho de alta exigência foi confirmado neste estudo, pois, ao se estratificar o grupo de alta exigência de acordo com maior ou menor apoio social, a maior carga horária semanal como professor e a percepção ruim/regular em relação à quantidade de alunos por sala de aula permaneceram significativas apenas no grupo de menor apoio. Os efeitos positivos da presença ou percepção de apoio social no trabalho relacionado à saúde e ao bem-estar podem ser verificados em estudos sobre redução do estresse10,32, aumento da satisfação no trabalho33 e aumento do uso de estratégias de enfrentamento a situações adversas no ambiente de trabalho34. A docência é considerada uma atividade altamente estressante, dadas as características específicas dessa ocupação13. Porém, a alteração nas associações significativas após a estratificação dos grupos segundo maior ou menor apoio social demonstra a importância da existência desse suporte no trabalho docente, seja por parte dos colegas ou dos chefes e supervisores.

Esse resultado é pertinente à discussão de recente estudo que buscou apresentar aspectos teóricos e políticas institucionais que contribuem para incorporar dimensões da saúde mental nos processos de vigilância em saúde do trabalhador. Segundo Leão e Gomez35, o sofrimento pode ter sua origem nas relações interpessoais estabelecidas no ambiente de trabalho por meio de comportamentos abusivos, violências psicológicas e simbólicas, relações desiguais de poder, mecanismos disciplinares, entre outros. Nesse sentido, o apoio social entre os trabalhadores é de extrema importância, na medida em que pode favorecer um melhor desempenho das tarefas laborais e contribuir para a construção de um ambiente de trabalho saudável35.

Alguns aspectos metodológicos do estudo merecem destaque. O delineamento transversal não permite identificar as relações temporais das variáveis estudadas, porém revela o perfil de características pessoais ou do trabalho associadas à percepção do trabalho de alta exigência entre professores do ensino básico. Destaca-se que a seleção de trabalhadores na ativa pode ter subestimado a prevalência de algumas exposições de risco à percepção do trabalho de alta exigência, visto que situações adversas extremas podem ter gerado readaptação de função na escola ou mesmo abandono da profissão. Em investigações epidemiológicas, esse fato é conhecido como “efeito do trabalhador saudável”36. Apesar da amostra ser de conveniência, as escolas selecionadas estavam distribuídas em todas as regiões do município, contribuindo para sua heterogeneidade, e seus professores representavam cerca de 75% dos atuantes no ensino básico regular. Destaca-se ainda o caráter inédito deste estudo, pois, embora algumas investigações tenham avaliado o efeito do apoio social sobre o estresse no trabalho em professores15,17,18, nenhuma delas foi realizada em contexto brasileiro ou avaliou a percepção de trabalho de alta exigência conforme o apoio social.

Os achados deste estudo revelam a importância da criação de espaços na escola que privilegiem a troca e o apoio entre os docentes. Em nível mais amplo, ressalta-se a necessidade de políticas públicas que visem melhorias das condições de trabalho docente (remuneração adequada, salas com número menor de alunos, redução de contratos temporários e ações que priorizem maior segurança nas escolas). Além disso, a inserção de questões referentes à saúde mental nas ações de vigilância à saúde do trabalhador e o estabelecimento de parcerias entre escolas e centros de referência em saúde do trabalhador permitiriam a identificação e a atuação sobre os fenômenos relacionados ao sofrimento originado nos processos de trabalho dos professores e o desenvolvimento de propostas e de ações que busquem a promoção da saúde mental desses profissionais.

REFERÊNCIAS

1. Organização Interacional do Trabalho (OIT). A prevenção das doenças profissionais. Lisboa: OIT; 2013. [cited 2015 Feb 15]. Available from:
2. Karasek RA. Job Demands, Job Decision Latitude, and Mental Strain: Implications for Job Redesign. Admin Sci Quart 1979; 24(2):285-308.
3. Karasek R, Theörell T. Healthy work: stress, productivity, and the reconstruction of working life. New York: Basic Books; 1990.
4. Johnson JV, Hall EM. Job strain, work place social support, and cardiovascular disease: a cross-sectional study of a random sample of the Swedish working population. Am J Public Health 1988; 78(10):1336-1342.
5. Thoits PA. Stress, coping, and social support processes: where are we? What next? J Health Soc Behav 1995; Spec No:53-79.
6. Theorell T, Perski A, Akerstedt T, Sigala F, Ahlberg-Hulten G, Svensson J, Eneroth P. Changes in job strain in relation to changes in physiological state. A longitudinal study. Scand J Work Environ Health 1988; 14(3):189-196.
7. Alves MGM, Chor D, Faerstein E, Lopes CS, Werneck GL. Versão resumida da “job stress scale”: adaptação para o português. Rev Saude Publica 2004; 38(2):164-171.
8. Borrelli I, Benevene P, Fiorilli C, D’Amelio F, Pozzi G. Working conditions and mental health in teachers: a preliminary study. Occup Med (Lond) 2014; 64(7):530-532.
9. Feuerhahn N, Bellingrath S, Kudielka BM. The interplay of matching and non-matching job demands and resources on emotional exhaustion among teachers. Appl Psychol Health Well Being 2013; 5(2):171-192.
10. Kidger J, Brockman R, Tiling K, Campbell R, Ford T, Araya R, King M, Gunnell D. Teachersʼ wellbeing and depressive symptoms, and associate risk factors: a large cross sectional study in English secondary schools. J Affect Disorders 2016; (192):76-82.
11. Serrano MA, Moya-Albiol L, Salvador A. Endocrine and mood responses to two working days in female teachers. Span J Psychol 2014; 17:E25.
12. Giannini SPP, Latorre MRDO, Ferreira LP. Distúrbio de voz e estresse no trabalho docente: um estudo caso-controle. Cad Saude Publica 2012; 28(11):2115-2124.
13. Codo W. Educação: carinho e trabalho. 4ª ed. Petrópolis: Vozes; 2006.
14. Benevides-Pereira AMT. Burnout: quando o trabalho ameaça o bem-estar do trabalhador. 4ª ed. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2010.
15. Kourmousi N, Alexopoulos EC. Stress sources and manifestations in a nationwide sample of pre-primary, primary, and secondary educators in Greece. Front Public Health 2016; 4(73):1-9.
16. Bogaert I, De Martelaer K, Deforche B, Clarys P, Zinzen E. Associations between different types of pshysical activity and teachers’ perceived mental, physical, and work-related health. Public Health 2014; 14(534):1-9.
17. Griffith J, Steptoe A, Cropley M. An investigation of coping strategies associated with job stress in teachers. Br J Educ Psychol 1999; 69(Pt 4):517-531.
18. Lian Y, Liu J, Zhang C, Yuan F. Preliminary study on evaluation system of mental workers strain based on primary and middle school teachers. Wei Sheng Yan Jiu 2010; 39(5):557-561. [cited 2016 Nov 27]. Abstract, available from Pubmed:
19. Paraná. Secretaria Estadual de Educação. Secretaria da Educação. [acessado 2013 Jun 15]. Disponível em:
20. Hokerberg YH, Aguiar OB, Reichenheim M, Faerstein E, Valente JG, Fonseca MJ, Passos SR. Dimensional structure of the demand control support questionnaire: a Brazilian context. Int Arch Occup Environ Health 2010; 83(4):407-416.
21. Chungkham HS, Ingre M, Karasek R, Westerlund H, Theorell T. Factor structure and longitudinal measurement invariance of the demand control support model: an evidence from the Swedish Longitudinal Occupational Survey of Health (SLOSH). PloS One 2013; 8(8):e70541.
22. Alves MGdM, Hökerberg YHM, Faerstein E. Tendências e diversidade na utilização empírica do Modelo Demanda-Controle de Karasek (estresse no trabalho): uma revisão sistemática. Rev Bras Epidemiol 2013; 16(1):125-136.
23. Porto LA, Carvalho FM, Oliveira NF, Silvany Neto AM, Araújo TM, Reis EJFB, Delcor NS. Associação entre distúrbios psíquicos e aspectos psicossociais do trabalho de professores. Rev Saude Publica 2006; 40(5):818-826.
24. Forcella L, Di Donato A, Reversi S, Fattorini E, Boscolo P. Occupational stress, job insecurity and perception of the health status in Italian teachers with stable or temporary employment. J Biol Regul Homeost Agents 2009; 23(2):85-93.
25. Alves MGdM, Braga VM, Faerstein E, Lopes CS, Junger W. The demand-control model for job strain: a commentary on different ways to operationalize the exposure variable. Cad Saude Publica 2015; 31(1):208-212.
26. Organisation for Economic Co-operation and Development (OCDE). TALIS 2013 Results: An International Perspective on Teaching and Learning. Paris: OCDE Publishing; 2014. [cited 2014 Dec 5]. Available from:
27. Verkuil B, Atasayi S, Molendijk ML. Workplace Bullying and Mental Health: A Meta-Analysis on Cross-Sectional and Longitudinal Data. PloS One 2015; 10(8):e0135225.
28. Seligmann-Silva E. Trabalho e desgaste mental: o direito de ser dono de si mesmo. São Paulo: Cortez; 2011.
29. Frankenhaeuser M, Lundberg U, Forsman L. Dissociation between sympathetic-adrenal and pituitary-adrenal responses to an achievement situation characterized by high controllability: comparison between type A and type B males and females. Biol Psychol 1980; 10(2):79-91.
30. Alves T, Pinto JMR. Remuneração e características do trabalho docente no Brasil: um aporte. Cad Pesqui 2011; 41(143):606-639.
31. Carlotto MS. Síndrome de Burnout em professores: prevalência e fatores associados. Psic: Teor e Pesq. 2011; 27(4):403-410.
32. Theme Filha MM, Costa MADS, Guilam MCR. Occupational stress and self-rated health among nurses. Rev Latino-Am Enfermagem 2013; 21(2):475-483.
33. Bond MA, Punnett L, Pyle JL, Cazeca D, Cooperman M. Gendered work conditions, health, and work outcomes. J Occup Health Psychol 2004; 9(1):28-45.
34. Snow DL, Swan SC, Raghavan C, Connell CM, Kein I. The relationship of work stressors, coping and social support to psychological symptoms among female secretarial employees. Work Stress 2003; 17(3):241-263.
35. Leão LHC, Gomez CM. The issue of mental health in occupational health surveillance. Cien Saude Colet 2014; 19(12):4649-4658.
36. McMichael AJ. Standardized Mortality. Ratios and the “Healthy Worker Effect”: Scratching Beneath the Surface. J Occup Med 1976; 18(3):165-168.