versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.22 no.6 Rio de Janeiro jun. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017226.01532017
No Brasil, no final do século XX, o processo de consolidação e implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) foi marcado pelo reconhecimento do direito universal à saúde garantido na Constituição Federal de 1988. Dentre as estratégias adotadas nesse processo destaca-se a necessidade de reordenação do modelo de atenção à saúde, tendo a atenção primária como eixo norteador e modelo prioritário para a organização do Sistema de Saúde do país. Nesse sentido, a implantação do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e do Programa Saúde da Família (PSF) que passou, a partir de 1997, a ser denominado de Estratégia Saúde da Família, se constituíram em políticas de abrangência nacional, que impulsionaram mudanças importantes no país1,2.
O Programa de Agentes Comunitários de Saúde configurou-se como a primeira estratégia nacional com o intuito de fortalecer as ações de promoção e prevenção à saúde, desenvolvidas tanto no âmbito domiciliar quanto no nível local3. Sua origem, em 1987, deu-se a partir de experiências exitosas com mulheres agentes de saúde do Estado do Ceará3, no entanto, somente em 1991, foi instituído e implementado pelo Ministério da Saúde com o propósito de intervir sobre as altas taxas de mortalidade infantil e materna verificadas na Região Nordeste e, logo, foi ampliado para os estados da Região Norte, em situação de emergência sanitária devido à epidemia de cólera. Inicialmente, encontravam-se presentes no PACS ações de intervenção que posteriormente foram incorporadas e continuam a ser desenvolvidas pelo Programa Saúde da Família, tais como: a definição de responsabilidade sobre um território e a adscrição de clientela; o enfoque das práticas de saúde na família, e não nos indivíduos; a priorização das ações preventivas diante dos problemas; a integração dos serviços de saúde com a comunidade; o trabalho em equipe multiprofissional e, sobretudo, a presença de um elemento central, peça-chave para o desenvolvimento das ações de saúde: o agente comunitário de saúde (ACS)4,5.
Esse novo ator social surge no cenário da saúde no Brasil como integrante da equipe multiprofissional da Estratégia Saúde da Família, dispondo de suas atribuições definidas pela Portaria nº 1.886/1997, que aprova as normas e diretrizes do PACS/PSF. Contudo, somente com a publicação do decreto nº 3.189/1999, as diretrizes para o exercício da atividade do ACS no Brasil são consolidadas. O reconhecimento como profissão se dá em 2002 com regulamentação através da promulgação da Lei nº. 10.507/2002.
Nesse contexto, o ACS destaca-se como um trabalhador sui generis, uma vez que trata de um trabalhador com identidade comunitária, sendo o principal mediador entre a comunidade e os profissionais da equipe de saúde6.
Segundo dados do Ministério da Saúde, em março de 2016, a Região Nordeste contava com 102.655 mil ACS presentes tanto em comunidades rurais e periferias urbanas quanto em municípios altamente urbanizados e industrializados, cobrindo uma população de aproximadamente 86,7%. Considera-se que essas evidências revelam a importância deste profissional tanto para o aumento do acesso aos serviços básicos de saúde7, quanto para a ampliação da cobertura da estratégia saúde da família em grande parte dos municípios das regiões do país3.
De fato, diversos estudos já realizados apontam o ACS como elemento nuclear para o desenvolvimento das ações de saúde8,9, problematizando suas atribuições10; práticas/processo de trabalho11-13condições de trabalho14; formação profissional15,16 condições de saúde17, perfil profissional18,19, gestão do trabalho20,21.
Apesar de serem considerados profissionais importantes para a mudança do modelo de atenção, esses indivíduos ainda estão submetidos a formas diversas de inserção no trabalho, expressas tanto nas novas modalidades flexíveis de contratação, vínculos, remuneração e inserção quanto nos processos de formação para exercício da profissão de agente comunitário de saúde22.
A insuficiência de estudos sobre aspectos relacionados à gestão do trabalho dos ACS no Brasil dificulta a formulação e a implementação de políticas voltadas à valorização destes trabalhadores, assim como o fortalecimento da atenção primária à saúde. Nesse sentido, o presente estudo tem como objetivo caracterizar o perfil e os aspectos relacionados ao trabalho dos agentes comunitários de saúde na Região Nordeste do Brasil, a partir das evidências produzidas na pesquisa sobre a avaliação do perfil dos agentes comunitários de saúde.
Para compreender as características do trabalho dos agentes comunitários de saúde, o presente estudo pauta-se nos conceitos do trabalho, da gestão do trabalho e das condições de trabalho, como elementos essenciais para a reflexão sobre a valorização dos trabalhadores da saúde.
O trabalho pode ser compreendido como um processo inerente ao homem, portanto, não pode ser reduzido apenas a uma atividade assalariada ou emprego, mas sim a um conjunto de elementos que abarcam tanto as ideologias quanto as necessidades de vida (ex: sociais, culturais, econômicas)22. Desse modo, a capacidade de recriar-se pelo trabalho move o indivíduo a buscar meios ou modos de vida que sejam capazes de responder às suas necessidades, apontando o trabalho como uma das características centrais da sociedade moderna23,24.
Nesse sentido, é importante destacar a problemática ligada ao mundo do trabalho, e as políticas públicas capazes de responder as necessidades dos trabalhadores. Na área de saúde ressalta-se a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos para o Sistema Único de Saúde (NOB/RH-SUS)25que considera a Gestão do Trabalho no SUS como “a gestão e gerência de toda e qualquer relação de trabalho necessária ao funcionamento do Sistema, desde a prestação dos cuidados diretos à saúde dos seus usuários até as atividades-meio necessárias ao seu desenvolvimento”. Deve ordenar as relações de trabalho, favorecendo condições para a produção de atividades com qualidade, e promovendo melhoria e humanização do atendimento ao usuário do SUS, reconhecimento da força de trabalho do SUS para seu melhor dimensionamento, aproveitamento, distribuição e qualificação.
De fato, a responsabilidade do Estado frente à complexidade do trabalho em saúde envolve um conjunto de aspectos. De um lado a formação de trabalhadores para assumir com competência e habilidade as tarefas de cuidado à saúde das populações, dando-lhes segurança para exercer seu trabalho com motivação, além de estimular a capacidade de agir politicamente, no sentido de garantir que os princípios do SUS sejam fortalecidos26. Por outro lado, as condições de trabalho, cujos efeitos, articulados a outros fatores, determinam tanto a saúde dos sujeitos que operam os sistemas quanto os meios que eles dispõem para o exercício pleno de suas capacidades27, em que o corpo do trabalhador torna-se o alvo principal para a ocorrência de doenças associadas ao desgaste físico e mental28, impulsionadas pelo modo de produção capitalista, em que a força de trabalho em saúde tem sido cada vez mais submetida à incorporação de tecnologias que tem provocado a segmentação na formação profissional e o surgimento de novas categorias laborais24.
Nesse contexto, evidenciam-se as novas modalidades de contratação e vínculos na administração pública como a flexibilização, a terceirização e a precarização que se caracterizam na desproteção social, nas formas de contrato por tempo determinado, ocasionando a instabilidade e a vulnerabilidade da condição de emprego aos trabalhadores, emergindo o precariado que é considerado uma nova classe social em formação, que vive uma flexibilidade laboral, desprovida de garantias de mercado de trabalho, vínculo empregatício, segurança no emprego, de reprodução de habilidade, segurança de renda e garantia de representação29,30.
Sobre esse aspecto, Cordeiro31 aponta, como consequências da flexibilização das relações de trabalho no SUS, a insatisfação e a diminuição do compromisso público do servidor de saúde, baixa autoestima, fragmentação do trabalho e descontinuidade na prestação de ações de saúde corroborando o cenário da precarização do trabalho. Esta situação repercute de forma complexa no SUS, considerando que grande parte das situações de contratação de trabalhadores segue em ilicitude ampliando o desafio para a gestão do trabalho22.
O presente estudo analisa parte dos resultados da pesquisa nacional sobre o perfil e as práticas dos agentes comunitários de saúde no processo de consolidação da atenção primária à saúde no Brasil executada pelo Instituto de Saúde Coletiva/Universidade Federal da Bahia com financiamento do Ministério da Saúde.
Trata-se de um estudo transversal, cuja unidade de análise contemplou 535 ACS distribuídos em 107 unidades básicas de saúde da Região Nordeste. O processo de amostragem foi realizado por estágios, sucessivamente com sorteio dos municípios nas regiões, seguido de sorteio das unidades de saúde nos municípios e das equipes.
A Região Nordeste teve as nove capitais autorrepresentadas e vinte e sete municípios sorteados. Todos os ACS das equipes de saúde da família sorteadas que estavam presentes nas unidades básicas de saúde foram entrevistados, exceto os que estavam em desvio de função, férias, afastamento por doença, licença maternidade ou ausentes nas unidades. Inicialmente, foi definido que seriam entrevistados seis ACS, selecionados por meio de sorteio simples. Entretanto, como em algumas unidades o número de ACS era inferior ao esperado, a meta foi ampliada para até oito ACS por unidade, de forma a compensar a quantidade de entrevistas referentes àquelas em que o número de ACS era inferior ao previsto. Nos casos em que a quantidade desses profissionais era inferior a oito, realizou-se a entrevista com todos os presentes nas unidades básicas de saúde.
A coleta de dados foi realizada por meio de um questionário, aplicado através de entrevista face a face, contendo cinco módulos: Modulo I- Percepção dos usuários; Módulo II- Percepção dos ACS; Módulo III- Percepção do gestor/coordenador da atenção básica; Módulo IV-Percepção do instrutor, supervisor do ACS; Módulo V-Percepção dos outros profissionais. Para o presente estudo foram eleitos oito blocos do módulo II, quais sejam: perfil do ACS (dados sociodemográficos, econômico e político); gestão do trabalho (mecanismos de contratação e remuneração, valorização do trabalhador, condições de trabalho e processos de formação) do ACS.
Utilizou-se também a análise documental, uma vez que foram incluídos no estudo portarias, leis, decretos além de 14 editais de processo seletivo para a contratação de ACS em municípios das Regiões do Brasil, com o objetivo de obter informações acerca dos critérios exigidos para seleção e contratação dos agentes.
Para o processamento e analise dos dados, utilizou-se Utilizou-se para o processamento e análise dos dados o programa Stata versão 12.0 e o software Excel 2013. De acordo com as normas emanadas da Resolução nº 466/2012 destinadas à pesquisa envolvendo seres humanos, o presente estudo foi submetido e aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa do ISC-UFBA.
Dos 535 agentes comunitários de saúde entrevistados, distribuídos em 107 unidades básicas de saúde da Região Nordeste do Brasil, 76,5% são do sexo feminino; 85,2% têm filhos, 67,6% possuem o ensino médio completo. Observa-se que a predominância de mulheres na profissão de ACS segue a tendência de outras ocupações da área da saúde, de modo que os resultados deste estudo corroboram com os de outros autores32,33. O nível de escolaridade predominante entre os ACS é superior ao estabelecido na Lei nº 11.350/2006, que prevê a conclusão do ensino fundamental. Esse achado é concordante com outros estudos que abordaram o processo de escolarização do ACS, evidenciando que a maior parte da força de trabalho na APS é composta por trabalhadores com formação em nível fundamental e médio18,26,32,33.
A média de idade encontrada foi de 40,8 anos (DP = 8,7) corroborando com outro estudo34. No que se refere a raça/cor, 66,2% dos ACS se autodeclararam de cor parda (Tabela 1). Sobre a situação conjugal, 73,6% são casados (as) e/ou possuem companheiro (a) seguido dos solteiros 18,3%. Essa situação acompanha a média de filhos encontrada no censo demográfico do ano 2010 que é de 1,9 filho.
Tabela 1 Distribuição dos ACS segundo o perfil sociodemográfico, econômico e político, Região Nordeste, Brasil, 2014.
Variável | Brasil | Região Nordeste | ||
---|---|---|---|---|
| ||||
N | % | N | % | |
Sexo | ||||
Feminino | 1270 | 83,2 | 409 | 76,5% |
Masculino | 256 | 16,8 | 126 | 23,6% |
Raça/Cor | ||||
Branca | 507 | 33,2 | 109 | 20,1 |
Preta | 182 | 11,9 | 63 | 11,8 |
Parda | 805 | 52,7 | 354 | 66,2 |
Escolaridade | ||||
Fundamental incompleto | 16 | 1,1 | 9 | 1,7 |
Fundamental completo | 140 | 9,2 | 57 | 10,6 |
Ensino médio completo | 1083 | 71,0 | 362 | 67,7 |
Superior em curso | 93 | 6,1 | 25 | 4,7 |
Superior completo | 194 | 12,7 | 82 | 15,3 |
Chefe da família/ principal responsável pela casa | ||||
O ACS | 487 | 31,9 | 198 | 37,0 |
Seu cônjuge ou companheiro (a) | 253 | 16,6 | 82 | 15,3 |
O ACS e seu cônjuge ou companheiro (a), igualmente | 581 | 38,1 | 197 | 36,8 |
Seu pai ou sua mãe | 165 | 10,8 | 46 | 8,6 |
Não tem chefe ou principal responsável | 19 | 1,2 | 5 | 0,9 |
Outra pessoa | 19 | 1,2 | 7 | 1,3 |
Renda do ACS | ||||
Até 1 (hum) SM | 241 | 15,8 | 91 | 17,0 |
Maior que 1(hum) até 1,5 SM | 1122 | 73,5 | 373 | 69,7 |
Maior que 1,5 até dois SM | 115 | 7,5 | 47 | 8,8 |
Maior que 2 SM | 43 | 2,8 | 22 | 2,1 |
Participação em alguma atividade de mobilização social ou de algum grupo comunitário | 537 | 35,2 | 249 | 46,5 |
Grupos que participa ou participou nos últimos 12 meses | ||||
Associação comunitária | 241 | 44,9 | 125 | 50,2 |
Conselho Local de Saúde | 165 | 30,7 | 60 | 24,1 |
Conselho Municipal de Saúde | 130 | 24,2 | 57 | 22,9 |
Conselho Distrital de Saúde | 22 | 4,1 | 11 | 4,4 |
Sindicato | 185 | 34,5 | 100 | 40,2 |
Associações de portadores de doenças específicas | 93 | 17,3 | 35 | 14,1 |
Movimento Nacional de Agentes de Saúde | 149 | 27,8 | 96 | 38,6 |
Federação dos Agentes Comunitários de Saúde | 84 | 15,6 | 70 | 28,1 |
Partido Político | 68 | 12,7 | 38 | 15,3 |
Confederação Nacional dos Agentes Comunitários | 64 | 11,9 | 51 | 20,5 |
Mesa de Negociação Coletiva do SUS | 45 | 8,4 | 28 | 11,2 |
Igreja ou atividade religiosa | 341 | 63,5 | 166 | 66,7 |
Outros | 119 | 22,2 | 65 | 26,1 |
Fonte: Projeto perfil do ACS no Brasil, 2014.
Em relação à religião, 65,4% se autodeclararam católicos. A crença religiosa no catolicismo aparece no depoimento da maioria dos ACS, somando evidências a outro estudo32. Segundo os autores, a questão da religiosidade e saúde traz um contexto histórico-social que permite ao ACS maior interação junto à comunidade em que atua influenciando no desempenho do seu papel valorizando a percepção do indivíduo no processo saúde-doença.
Os dados revelam que 69,7% dos ACS têm uma remuneração de 1 até 1,5 salário mínimo (Tabela 1) e para 31,4% deles a remuneração como ACS corresponde à renda familiar total. Declaram que contam com a renda do cônjuge para compartilhar as despesas da casa 37,0% dos ACS (Tabela 1).
A maioria dos ACS reside em imóvel próprio (78,9%) proporção superior ao Brasil 71,6%. A presença de bens de consumo duráveis no domicilio reflete a possibilidade de aquisição de itens importantes para o cotidiano doméstico e outros que coadunam com as transformações da sociedade, inclusive com o crescimento do uso de motocicleta para deslocamento.
No que tange ao vínculo com a comunidade, 84,5% referem morar na área de atuação, cumprindo os critérios definidos por legislação4,18,32. Jardim e Lancman35afirmam que a dupla inserção na comunidade leva o agente comunitário a assumir duplo papel: o de ser simultaneamente agente e sujeito, não existindo um distanciamento entre o trabalhar e o morar na comunidade. Por isso, é considerado o principal elo de integração entre a população e os serviços de saúde, com a responsabilidade de executar ações de promoção, prevenção, acompanhamento, vigilância da saúde assim como ações educativas36.
O deslocamento para o trabalho a pé (63,2%) é tido como uma facilidade devido a não utilização do transporte público ou particular ao local de trabalho36. Os editais de processo seletivo analisados revelam que alguns municípios ofertam o auxílio transporte a aqueles residentes a mais de mil metros do local de trabalho, que tenham a necessidade de transporte público para o deslocamento até o local de trabalho, ou que residam em municípios limítrofes, situação que pode ampliar a possibilidade do não cumprimento da exigência de morar na comunidade.
No que tange à participação política do ACS em espaços de mobilização social, observa-se expressiva participação em igrejas ou atividades religiosas (66,7%) (Tabela 1). Além dessas atividades, os ACS também fazem referência à associação comunitária (50,2%) e sindicatos (40,2%) como outros espaços de participação (Tabela 1). Os dados do presente estudo demonstram uma elevada participação dos ACS da Região Nordeste em instâncias coletivas, diferindo dos achados encontrados por outros autores na Região Sul do Brasil14.
No que se refere ao agente contratante, a proporção dos ACS contratados pela administração direta na Região Nordeste representa 63,7% (Tabela 2). Embora a lei nº 12.994/2014 estabeleça a vedação da contratação temporária ou terceirizada dos ACS, salvo em situações previstas em lei, situações previstas em lei, as contratações por fundações, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, Organizações Sociais e consórcios intermunicipais, ainda são estratégias adotadas pela gestão municipal para contratação de profissionais da saúde, realidade em algumas regiões do país21,37.
Tabela 2 Distribuição dos ACS segundo mecanismos de contratação e remuneração, Região Nordeste, Brasil, 2014.
Variável | Brasil | Região Nordeste | ||
---|---|---|---|---|
| ||||
N | % | N | % | |
Agente contratante | ||||
Administração direta | 1005 | 65,8 | 341 | 63,7 |
Consórcios intermunicipais | 62 | 4,1 | 29 | 5,4 |
Fundações públicas | 110 | 7,2 | 35 | 6,5 |
OS / OSCIP | 35 | 2,3 | 2 | 0,4 |
Outro(s) | 83 | 5,4 | 30 | 5,6 |
Vínculo | ||||
Empregado público CLT | 376 | 24,6 | 127 | 23,7 |
Servidor público Estatutário | 793 | 52,0 | 350 | 65,4 |
Outro(s) | 259 | 17,0 | 21 | 3,9 |
Forma de ingresso para trabalhar como ACS | ||||
Concurso público | 807 | 52,9 | 330 | 61,7 |
Seleção pública (Processo seletivo simplificado) | 591 | 38,7 | 177 | 33,1 |
Indicação | 73 | 4,8 | 16 | 3,0 |
Outra forma | 23 | 1,5 | 1 | 0,2 |
Tempo de atuação como ACS | ||||
Até 1 ano | 167 | 10,9 | 18 | 3,4 |
De 2 a 5 anos | 357 | 23,4 | 52 | 9,7 |
De 6 a 10 anos | 360 | 23,6 | 106 | 19,8 |
De 11 a 15 anos | 390 | 25,6 | 183 | 34,2 |
16 ou + anos | 252 | 16,5 | 176 | 32,9 |
Carga Horária | ||||
40h semanais | 1474 | 96,6 | 518 | 96,8 |
20h a 30 horas semanais | 35 | 2,3 | 9 | 1,7 |
Experiência em serviço de saúde antes de trabalhar como ACS | 309 | 20,2 | 111 | 20,7 |
Fonte: Projeto perfil do ACS no Brasil, 2014.
Enquanto categoria profissional, os ACS obtiveram reconhecimento, com acesso aos benefícios trabalhistas, pela sanção da lei n° 10.507/2002. Entretanto, segundo Theisen38, este reconhecimento pode não ter sido suficiente para assegurar tais direitos, na medida em que esses profissionais vivem múltiplas formas de contratação e heterogeneidade de vínculos de trabalho. De acordo com o Conass39, os mecanismos de contratação se apresentam de forma heterogênea entre as regiões do país e até mesmo em estados de uma mesma região devido às particularidades de cada local e do modelo de gestão adotado pelas três esferas administrativas.
No presente estudo, a forma de inserção dos ACS nos serviços de saúde se deu por concurso público (61,7%), seguido de seleção pública (33,1%) (Tabela 2), diferentemente do encontrado por Junqueira et al.40, em que 15,6% dos gestores utilizavam concurso público e 40,0% seleção pública como formas de ingresso. Além disso, 55,6% dos gestores utilizavam as entrevistas como um critério a mais para inserção de ACS nos municípios. Com a publicação da Emenda Constitucional nº 51/2006, a modalidade de admissão dos ACS se dá por meio de processo seletivo público.
Com relação aos tipos de vínculo, 65,4% dos ACS são servidores estatutários na Região Nordeste, seguido pelo vínculo regido pela CLT (Tabela 2). No entanto, o estudo realizado por Junqueira et al.40 revela um alto percentual de contratos temporários (75,6%).
Alguns autores que discutem sobre a fragilidade e a informalidade dos vínculos ofertados pelos municípios, antes e após a promulgação da Emenda Constitucional n° 51/2006 e da Lei n° 11.350/2006, cujo propósito era reverter a situação de ilegalidade dos vínculos e admissão dos ACS nos serviços públicos41,42. Essa fragilidade está inserida no contexto de precarização das relações de trabalho, que favoreceu a proliferação de contratos de trabalho desregulados, vínculos precários com o Estado assim como formas diferenciadas de remuneração43-45.
Ao observar os vínculos trabalhistas por estados da Região Nordeste, aqueles que apresentaram maiores percentuais de ACS estatutários foram o Rio Grande Norte (96,0%) e Pernambuco (90,0%) (Tabela 3).
Tabela 3 Distribuição dos ACS segundo plano de carreira e vínculo por unidades federativas da Região Nordeste do Brasil, 2014.
Outro (s) | 21 | 3,9 | 3 | 8,3 | 1 | 0,9 | 10 | 12,4 | 1 | 1,25 |
Variável | Unidades Federativas | |||||||||
| ||||||||||
Paraíba | Pernambuco | Piauí | Rio Grande do Norte | Sergipe | ||||||
| ||||||||||
N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | |
Plano de carreira | ||||||||||
Sim, com progressão por titulação e formação profissional | 1 | 3,0 | 29 | 31,9 | 7 | 14,0 | 4 | 15,4 | 8 | 25,0 |
Sim, sem progressão por titulação e formação profissional | - | - | 4 | 4,4 | 2 | 4,0 | 1 | 3,9 | - | - |
Sim, mas não sabe/recusou-se a responder se tem progressão por titulação e formação profissional | - | - | 1 | 1,1 | 1 | 2,0 | 2 | 7,7 | - | - |
Não tem plano de carreira | 24 | 72,7 | 48 | 52,8 | 34 | 68,0 | 14 | 53,9 | 22 | 68,8 |
Vínculo | ||||||||||
Empregado público CLT | 16 | 48,5 | 3 | 3,3 | 33 | 66,0 | - | - | 6 | 18,8 |
Servidor público Estatutário | 15 | 45,5 | 82 | 90,1 | 13 | 26,0 | 25 | 96,2 | 26 | 81,3 |
Outro (s) | 1 | 3,0 | 3 | 3,3 | 2 | 4,0 | - | - | - | - |
Fonte: Projeto perfil do ACS no Brasil, 2014.
No que se refere aos requisitos exigidos para a contratação do ACS, residir na área da comunidade (96,3%), ter disponibilidade integral (88,6%) e haver concluído o ensino fundamental (68,2%) apontam o cumprimento da regulamentação do exercício das atividades dos agentes. Cabe destacar que 56,5% dos ACS da Região Nordeste não referiram o curso de formação inicial como requisito mínimo para contratação. De acordo com a lei nº 10.507/2002 e a portaria nº 243/2015 o curso de qualificação básica para a formação do ACS, além de ser um requisito para o exercício da profissão, é também uma modalidade de ensino para habilitação profissional inicial ao desempenho de atividades cotidianas de prevenção de doenças e promoção da saúde, mediante ações domiciliares ou comunitárias, individuais ou coletivas.
A maior parte dos ACS entrevistados (79,3%) refere não ter experiência anterior em serviço de saúde, fato que pode estar associado aos critérios de escolaridade requeridos pela política de APS, que eram apenas as habilidades para leitura e escrita, não exigindo outras qualificações profissionais.
No que tange às modalidades de contratação, os achados do presente estudo revelam heterogeneidade tanto no tipo de inserção (concurso público, seleção pública, contrato por tempo determinado) quanto na diversidade em relação à remuneração, contratação, vínculo e carga horária.
Chama atenção, em alguns editais analisados, a informação de que o ACS atua em serviços de atenção básica com atendimento 24 horas denominadas “Upinhas”, contradizendo o que está previsto tanto na Política Nacional de Atenção Básica, quanto no arcabouço normativo sobre o ACS, em que este profissional deve compor apenas as equipes da estratégia saúde da família e programa de agentes comunitários de saúde.
Sobre a valorização do trabalhador, apenas 17,4% dos ACS da Região Nordeste referem possuir plano de carreira com progressão por titulação e formação profissional (Tabela 4). No entanto, os Estados de Alagoas (63,9%) e Pernambuco (31,9%) apresentam os melhores resultados (Tabela 3). Observa-se que a maioria dos participantes desta pesquisa (63,2%) informa que seu município possui plano de carreira para a profissão, todavia não sabe dizer quais são os critérios para a progressão (Tabela 4).
Tabela 4 Distribuição dos ACS segundo a política de valorização do trabalhador, Região Nordeste, Brasil, 2014.
Variável | Brasil | Região Nordeste | ||
---|---|---|---|---|
| ||||
N | % | N | % | |
Plano de carreira | ||||
Sim, com progressão por titulação e formação profissional | 171 | 11,2 | 93 | 17,4 |
Sim, sem progressão por titulação e formação profissional | 42 | 2,7 | 10 | 1,9 |
Sim, mas não sabe/recusou-se a responder se tem progressão por titulação e formação profissional | 1017 | 66,6 | 338 | 63,2 |
Avaliação por parte da equipe e/ou gestão municipal | 940 | 61,6 | 333 | 62,2 |
Periodicidade da avaliação | ||||
Ao menos 2 vezes/mês | 146 | 15,5 | 51 | 15,3 |
Mensal | 295 | 31,4 | 150 | 45,0 |
Ao menos 2 vezes/ano | 129 | 13,7 | 23 | 6,9 |
Anual | 148 | 15,7 | 30 | 9,0 |
Sem periodicidade definida | 179 | 19,0 | 67 | 20,1 |
Recebe algum tipo de incentivo, gratificação ou prêmio financeiro por desempenho | 350 | 22,9 | 133 | 24,9 |
Sente-se respeitado pelos outros profissionais que compõem a equipe de saúde da família | 974 | 63,8 | 322 | 60,2 |
Valorização e reconhecimento do trabalho pelos profissionais da equipe de saúde | 923 | 68,6 | 314 | 66,0 |
Fonte: Projeto perfil do ACS no Brasil, 2014.
Apesar do esforço de alguns gestores municipais e estaduais para implementar políticas que visem a valorização do ACS, ainda assim, alguns estados apresentam ausência de planos de carreira, sendo eles: Bahia (79,3%), Paraíba (72,7%) e Maranhão (71,3%) (Tabela 3), fato este que implica diretamente na ascensão profissional dos ACS na atenção primária45. De acordo com as diretrizes da NOB/RH-SUS, os Planos de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS) são considerados um instrumento de ordenação do trabalho que deve ser incorporado a cada nível de gestão do SUS46.
Observa-se que 45% dos ACS costumam ser avaliados mensalmente pela equipe ou gestão municipal e apenas 24,9% recebem incentivo, gratificação ou prêmio financeiro por desempenho. No Decreto nº 7.133/2010, que regulamenta os critérios e os procedimentos para a realização das avaliações e pagamento das gratificações de desempenho, observa-se que a as mesmas são pautadas no exercício das metas, na produtividade, no trabalho em equipe e nos conhecimentos e técnicas para desenvolver as atividades de acordo com o cargo em exercício.
Sobre o respeito e a valorização do ACS pelos outros profissionais da equipe, observa-se que 60,2% sentem-se respeitados e 66,0% têm o seu trabalho reconhecido e valorizado (Tabela 4). Para Ferreira et al.11, a relação horizontal de poder do ACS em relação aos profissionais da equipe no momento das visitas domiciliares, possibilita a composição de afetos, ampliando o compartilhamento da gestão do cuidado pela equipe.
No presente estudo, os ACS referiram estar 80,0% satisfeitos com seu local de trabalho. Essa satisfação pode estar relacionada ao reconhecimento e valorização pela equipe de saúde e pela comunidade6. Brand et al.47 identificaram que os ACS sentem-se extremamente satisfeitos e valorizados quando recebem atenção ou são ouvidos pela comunidade, sendo, nesse caso, quando conseguem provocar alguma mudança positiva, refletindo diretamente na qualidade do cuidado prestado.
Observa-se que tanto a média de famílias acompanhadas 139,1(DP = 58,8) quanto a de pessoas 509,6 (DP = 213,2) estão dentro dos valores recomendados pelo Ministério da Saúde, em que o número de ACS deve ser suficiente para cobrir 100% da população cadastrada, com um número máximo de 750 pessoas por agente48. Esses dados condizem com o estudo de Simões49 em que o número de famílias acompanhadas pelos ACS no município estudado é de 151 a 200 famílias, porém, contradiz outros em que a sobrecarga de trabalho está diretamente relacionada ao elevado número de famílias sob sua responsabilidade7,34.
O Ministério da Saúde institui como equipamentos básicos para o trabalho do ACS: o fardamento, o crachá de identificação, as fichas do sistema de informação da atenção básica, a balança, o cronômetro, o termômetro, a fita métrica e o material educativo37. Nesse sentido, observa-se que a ficha de cadastramento (94,2%), os materiais de medir e pesar (64,1%) e o mapa do território (62,2%) são os principais equipamentos disponibilizados para o trabalho do ACS no Nordeste. Outros materiais indispensáveis tais como a máscara de proteção e o filtro solar não são ofertados15. Estudo realizado por Lima et al.50 identificou que a maioria dos entrevistados ficam expostos ao sol por mais de cinco horas por dia em horários críticos entre as dez e quinze horas, representando um risco elevado para a saúde.
A inexistência de legislação que obrigue as instituições a fornecerem o filtro solar para os trabalhadores contribuem para o aumento do risco de câncer devido à contínua exposição ao ultravioleta50.
Em relação à escolha profissional, o principal motivo apontado pelos entrevistados foi a oportunidade de emprego 30,3%, concordando com outro estudo51.
Cabe destacar que 23,9% dos ACS relataram desenvolver outra atividade remunerada fora do horário de trabalho que pode influenciar de alguma forma na execução das suas atividades seja pelo acumulo de carga horária ou desgaste físico.
A temática da formação tem sido discutida por diversos autores que apontam perspectivas, questionamentos e críticas sobre a origem e o desenvolvimento do processo de escolarização dos ACS. No presente estudo, observa-se que 89,0% dos entrevistados referem ter recebido o curso de formação inicial, contradizendo o de Santos et al.18 em que o ACS não participou de capacitação introdutória.
O reconhecimento da profissão e a incorporação do agente comunitário nas equipes multiprofissionais foram elementos que impulsionaram o Ministério da Saúde a delinear os processos de formação e o perfil de atuação desse profissional. Nesse sentido, foi instituído, em 2004, o referencial curricular do curso técnico para ACS, com a finalidade de subsidiar as instituições formadoras na elaboração de seus programas de profissionalização.
Esse documento estrutura o curso técnico com uma carga horária mínima de 1.200 horas, atendendo a Resolução nº 4/1999 do Conselho de Educação, que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico52, definindo sua estrutura curricular em três etapas: a) formação inicial e perfil social do técnico agente comunitário de saúde e seu papel no âmbito da equipe multiprofissional; b) desenvolvimento de competências no âmbito da promoção da saúde e prevenção de doenças, dirigidas a indivíduos, grupos específicos e doenças prevalentes; c) desenvolvimento de competências no âmbito da promoção, prevenção e monitoramento das situações de risco ambiental e sanitário. Alguns autores apontam a dificuldade de garantir a formação técnica completa do curso em suas três etapas no âmbito nacional, pois, a partir do momento que esses trabalhadores passassem a técnicos, poderiam reivindicar aumento dos salários52.
Em busca de qualificação profissional, observa-se que 34,2% dos entrevistados afirmam possuir outro tipo de formação em saúde, com destaque para os cursos de auxiliar e técnico em enfermagem. Vale destacar que um pequeno percentual de agentes comunitários possui curso de nível superior em saúde. Estes resultados tem convergência com o estudo realizado por Marzari et al.19 em que o ACS é apontado como um trabalhador que busca alternativas de escolarização e formação profissional.
O ingresso na profissão de ACS possibilita o acesso a novos conhecimentos, através das capacitações oferecidas para o trabalho. Assim, observa-se no presente estudo elevados percentuais de participação nos cursos após a inserção dos agentes comunitários nas equipes de saúde da família. Sobre as temáticas abordadas, observa-se que as mais referidas são: programas específicos (91,7%), promoção da saúde (92,5%), saúde bucal (79,2%) e organização do território (68,3%).
Os achados revelam o investimento das secretarias de saúde em cursos de atualização voltados para suprir as necessidades de formação dos ACS na realização do trabalho cotidiano com a comunidade. No entanto, essa qualificação não pode acontecer de forma isolada e descontextualizada19. Nesse aspecto, alguns autores chamam a atenção para a elaboração e a execução dos processos formativos que se fundamentam em referenciais biomédicos, contradizendo a proposta de reorientação do modelo de atenção, em que as ações de saúde dirigidas às populações devem estar fundamentadas na promoção e proteção da saúde, prevenção de agravos, de maneira integral que impacte nos determinantes e condicionantes de saúde das coletividades48,52.
Os resultados permitiram discutir os aspectos relacionados à gestão do trabalho dos agentes comunitários de saúde da região Nordeste do Brasil. A inserção dos agentes se dá por meio de concurso e seleção públicos, produzindo situações de maior estabilidade para os trabalhadores e a garantia dos direitos trabalhistas. É importante ressaltar os investimentos feitos na desprecarização dos vínculos nos estados do Nordeste, onde a maioria dos agentes comunitários de saúde está em situação regulamentada. Os achados revelaram a existência de planos de carreira para esses profissionais, no entanto, chama atenção que muitos ACS, desconhecem os critérios e as características dos planos aos quais estão vinculados.
A busca por qualificações tanto de nível técnico como superior vem desencadeando mudanças no perfil de formação dos agentes, além de ser considerada uma estratégia de valorização e reconhecimento desses profissionais tanto pela equipe quanto pela comunidade. As temáticas dos cursos formativos ainda reforçam o paradigma biomédico apontando uma insuficiência nos processos formativos que sejam embasados no debate sobre as políticas de saúde do SUS e nas práticas de promoção da saúde.
Para finalizar, ressalta-se a importância dos movimentos políticos, com o exemplo da mobilização dos ACS frente à recente publicação da portaria nº 958/2016 do Ministério da Saúde, que indicava a possibilidade de mudança na composição das equipes de atenção básica. A ação imediata da categoria levou à anulação da referida portaria impedindo retrocessos em relação à gestão do trabalho dos ACS e, consequentemente, o enfraquecimento da atenção primária a saúde no Brasil.