versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.20 no.8 Rio de Janeiro ago. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015208.15842014
The Food Choice Questionnaire (FCQ) assesses the importance that subjects attribute to nine factors related to food choices: health, mood, convenience, sensory appeal, natural content, price, weight control, familiarity and ethical concern. This study sought to assess the applicability of the FCQ in Brazil; it describes the translation and cultural adaptation from English into Portuguese of the FCQ via the following steps: independent translations, consensus, back-translation, evaluation by a committee of experts, semantic validation and pre-test. The pre-test was run with a randomly sampled group of 86 male and female college students from different courses with a median age of 19. Slight differences between the versions were observed and adjustments were made. After minor changes in the translation process, the committee of experts considered that the Brazilian Portuguese version was semantically and conceptually equivalent to the English original. Semantic validation showed that the questionnaire is easily understood. The instrument presented a high degree of internal consistency. The study is the first stage in the process of validating an instrument, which consists of face and content validity. Further stages, already underway, are needed before other researchers can use it.
Key words Translating; Cross-Cultural comparison; Food preferences; Validation Studies
Os motivos que norteiam as escolhas alimentares das pessoas baseiam-se em vários aspectos. Primeiramente, poder-se-ia pensar na condição onívora do ser humano. Todavia, somente isto não determina o comportamento alimentar de um indivíduo, tendo em vista que há uma série de fatores, tais como os socioculturais, econômicos, psicológicos, além dos biológicos, que irão determinar as preferências alimentares1.
A preocupação com as escolhas alimentares e a sua possível relação com efeitos adversos sobre a saúde está incorporada tanto em documentos nacionais2–4, como nos internacionais5 e direcionam nossas políticas públicas na área de alimentação e nutrição. Recomendações para restringir o consumo de sal, gordura e produtos açucarados e ter uma ingestão regular de frutas, legumes e verduras, a fim de diminuir o risco de ocorrência de doenças crônicas não transmissíveis, são princípios centrais desses documentos2–5. Entretanto, o consumo dos alimentos ultra processados, de alta densidade energética, permanece elevado no Brasil6–8 e esse padrão alimentar se correlaciona com as taxas de excesso de peso, obesidade e distúrbios metabólicos6,7. Tal paradoxo reforça a questão de que orientações na área da alimentação e nutrição pautadas somente pelo prisma da saúde parecem ser limitadas9.
Ressalta-se que já existem iniciativas de aproximação e diálogo entre outras áreas, que não seja apenas a nutrição, como por exemplo, com as ciências sociais, demonstrando que estudos acerca da alimentação necessitam de uma abordagem multidimensional, que articulem além das dimensões biológicas, as socioeconômicas, culturais e ideológicas que as pessoas vivenciam no seu cotidiano10.
Assim, a busca pela compreensão de alguns importantes aspectos que possam nortear as escolhas alimentares é relevante para que ações de educação alimentar e nutricional possam ser desenvolvidas com maior efetividade3, ainda que esses aspectos sejam complexos, interajam entre si e se modifiquem com o tempo.
Para tanto, é importante discutir sobre a necessidade de abordagens metodológicas pluridisciplinares e de instrumentos que sejam úteis para melhorar a compreensão dos motivos que levam as escolhas alimentares9,11.
Pesquisas pautadas em abordagens metodológicas qualitativas costumam investigar com primor os determinantes das escolhas alimentares de indivíduos. No entanto, tais estudos abrangem um número restrito de pessoas e, pelas características de suas amostras, que não se baseiam em cálculos numéricos, mas sim na saturação de suas respostas12, não podem ter seus resultados extrapolados como comumente é feito em pesquisas com amostras probabilísticas. Sendo assim, estudos epidemiológicos voltados para investigação dos determinantes das escolhas alimentares necessitariam de instrumentos sistematizados, como por exemplo, questionários autoaplicáveis, com respostas fechadas.
No que tange a instrumentos validados para uso no Brasil, que visam compreender o amplo espectro que norteia as escolhas alimentares das pessoas, esses não foram encontrados após ampla revisão da literatura realizada pelos autores, apesar da existência de inúmeros instrumentos que se propõem a quantificar ou captar o consumo usual dos indivíduos, como por exemplo, os questionários de frequência de consumo alimentar. Contudo, esses questionários, vastamente utilizados em estudos epidemiológicos, não se propõem a compreender os motivos das escolhas alimentares.
Todavia, Steptoe et al. 9, em Londres, desenvolveram o Food Choice Questionnaire para população adulta, um questionário cujo objetivo é avaliar a importância atribuída pelos indivíduos a uma série de aspectos relacionados às escolhas alimentares, tais como: saúde, humor, conveniência, aspectos sensoriais do alimento, preço, familiaridade, preocupação com o peso corporal, entre outros. Este questionário já foi utilizado em vários estudos na Europa13–16 e somente em uma pesquisa Latino Americana, realizada no Uruguai17. No entanto, ainda não foi traduzido e adaptado à língua portuguesa no Brasil.
Uma vez que o questionário supracitado poderá ser útil na investigação dos determinantes das escolhas alimentares em estudos epidemiológicos brasileiros, torna-se pertinente a tradução e a adaptação cultural do mesmo para a língua portuguesa. Além disso, sua utilização permitirá a comparação entre pesquisas realizadas no Brasil e os achados internacionais13–17.
Sendo assim, o objetivo do presente estudo foi descrever o processo de adaptação cultural do Food Choice Questionnaire(Questionário sobre Motivo das Escolhas Alimentares) para a língua portuguesa e sua aplicabilidade.
O FCQ9 é um instrumento autoaplicável, desenvolvido originalmente na língua inglesa, composto por 36 itens que são distribuídos em nove fatores, ou dimensões, que avaliam aspectos relacionados às escolhas alimentares, conforme explicitado no Quadro 1.
Quadro 1 Síntese da versão traduzida e avaliação das equivalências semântica, idiomática, cultural e conceitual pelo comitê de especialistas para os itens do Food Choice Questionnaire (FCQ).
Documento Original | Síntese da versão traduzida | Versão final após avaliação por comitê de especialistas |
---|---|---|
Food Choice Questionnaire It is important to me that the food I eat on a typical day: |
Motivo para escolhas alimentares Para mim é importante que o alimento que eu coma no dia-a-dia: |
Motivo para escolhas alimentares Para mim é importante que o alimento que eu coma no dia-a-dia: |
Factor 1 - Health | Fator 1 - Saúde | Fator 1 - Saúde |
1. Contains a lot of vitamins and minerals | Contenha uma grande quantidade de vitaminas e minerais | Contenha uma grande quantidade de vitaminas e minerais |
2. Keeps me healthy | Me mantenha saudável | Me mantenha saudável |
3. Is nutritious | Seja nutritivo | Seja nutritivo |
4. Is high in protein | Tenha muita proteína | Tenha muita proteína |
5. Is good for my skin/teeth/hair/nails etc | Seja bom para a minha pele/dentes/cabelos / unhas, etc. | Seja bom para a minha pele/dentes/cabelos / unhas, etc. |
6. Is high in fibre and roughage | Seja rico em fibra e me dê saciedade. | Seja rico em fibra e me dê saciedade. |
Factor 2 - Mood | Fator 2 - Humor | Fator 2 - Humor |
7. Helps me cope with stress | Me ajude a lidar com o estresse | Me ajude a lidar com o estresse |
8. Helps me to cope with life | Me ajude a lidar com a vida | Me ajude a lidar com a vida |
9. Helps me relax | Me ajude a relaxar | Me ajude a relaxar |
10. Keeps me awake/alert | Me mantenha acordado (a) / alerta | Me mantenha acordado (a) / alerta |
11. Cheers me up | Me deixe alegre/animado | Me deixe alegre/animado |
12. Makes me feel good | Faça com que eu me sinta bem | Faça com que eu me sinta bem |
Factor 3 - Convenience | Fator 3 - Conveniência | Fator 3 - Conveniência |
13. Is easy to prepare | Seja fácil de preparar | Seja fácil de preparar |
14. Can be cooked very simply | Possa ser cozinhado de forma muito simples | Possa ser cozinhado de forma muito simples |
15. Takes no time to prepare | Não leve muito tempo para ser preparado | Não leve muito tempo para ser preparado |
16. Can be bought in shops close to where I live or work | Possa ser comprado em locais perto de onde moro ou trabalho | Possa ser comprado em locais perto de onde moro ou trabalho |
17. Is easily available in shops and supermarkets | Seja fácil de achar em mercearias e supermercados | Seja fácil de achar em mercearias e supermercados |
Factor 4 - Sensory Appeal | Fator 4 - Apelo Sensorial | Fator 4 - Apelo Sensorial |
18. Smells Nice | Tenha um bom cheiro | Tenha um bom cheiro |
19. Looks Nice | Tenha uma boa aparência | Tenha uma boa aparência |
20. Has a pleasant texture | Tenha uma textura agradável | Tenha uma textura agradável |
21. Tastes good | Seja gostoso | Seja gostoso |
Factor 5 - Natural Content | Fator 5 - Conteúdo Natural | Fator 5 - Conteúdo Natural |
22. Contains no additives | Não contenha aditivos / agrotóxicos* | Não contenha aditivos |
23. Contains natural ingredients | Contenha ingredientes naturais | Contenha ingredientes naturais |
24. Contains no artificial ingredients | Não contenha ingredientes artificiais | Não contenha ingredientes artificiais |
Factor 6 - Price | Fator 6 - Preço | Fator 6 - Preço |
25. Is not expensive | Não seja caro | Não seja caro |
26. Is cheap | Seja barato | Seja barato |
27. Is good value for money | Tenha o preço justo | Tenha o preço justo |
Factor 7 - Weight Control | Fator 7 - Controle de peso | Fator 7 - Controle de peso |
28. Is low in calories | Tenha poucas calorias | Tenha poucas calorias |
29. Helps me control my weight | Me ajude a controlar o meu peso | Me ajude a controlar o meu peso |
30. Is low in fat | Tenha pouca gordura | Tenha pouca gordura |
Factor 8 - Familiarity | Fator 8 - Familiaridade | Fator 8 - Familiaridade |
31. Is what I usually eat | Seja o que eu costumo comer | Seja o que eu costumo comer |
32. Is familiar | Seja familiar | Seja familiar |
33. Is like the food I ate when I was a child | Seja parecido com a comida que eu comia quando era criança | Seja parecido com a comida que eu comia quando era criança |
Factor 9 - Ethical Concern | Fator 9 - Preocupação ética | Fator 9 - Preocupação ética |
34. Comes from countries I approve of politically | Venha de países que eu aprove a forma como os alimentos são produzidos | Venha de países que eu aprove a forma como os alimentos são produzidos |
35. Has the country of origin clearly marked | Mostre com clareza, a identificação do país de origem | Mostre com clareza, a identificação do país de origem |
36. Is packaged in an environmentally friendly way | Seja embalado ecologicamente correto* | Seja embalado de forma que não prejudique o meio ambiente. |
*itens modificados pelos juízes no comitê de especialistas.
O participante é convidado a refletir sobre a declaração o Para mim é importante que o alimento que eu coma no dia-a-dia seja…, para posteriormente indicar, dentro de cada fator os itens que refletem o que ele considera ser mais importante para determinar sua escolha alimentar. As opções de resposta são apresentadas em uma escala do tipo likert18 e variam de 1 a 4 pontos: 1 (nada importante); 2 (um pouco importante); 3 (moderadamente importante) e 4 (muito importante), gerando desta forma um escore. Assim, calcula-se uma média não ponderada para cada fator do questionário. Com isso, pontuações mais elevadas indicam que o participante atribuiu maior importância a determinado fator.
Para iniciar o processo de tradução, primeiramente, obteve-se a permissão para utilização do FCQ, por meio de correio eletrônico junto ao primeiro autor do instrumento. Em seguida, utilizaram-se as etapas metodológicas propostas por Guillemin et al.19 e Beaton et al.20,21, para realização da adaptação cultural do FCQ para a língua portuguesa, conforme descrito a seguir.
Duas nutricionistas professoras doutoras com fluência no idioma inglês e experiência na temática abordada e uma terceira tradutora bilíngue sem experiência na área da saúde e sem manterem contato entre si realizaram traduções independentes. As três versões em português foram comparadas e discutidas por duas pesquisadoras nutricionistas envolvidas no projeto, uniformizando o uso de expressões divergentes, elaborando-se assim, a primeira versão consensual do instrumento em português (VP1).
Na sequência, dois tradutores nativos na língua inglesa, residentes há anos no Brasil, que não tinham conhecimento dos objetivos do estudo e nem da versão original do instrumento, fizeram a tradução reversa da VP1. Cada um deles elaborou uma versão independente em inglês. As duas pesquisadoras nutricionistas envolvidas no projeto discutiram com os tradutores nativos, apresentaram os objetivos do estudo e sua aplicabilidade, e após ajustes, houve concordância entre as duas versões, definindo a versão final em inglês (VIF). Neste momento a VIF foi comparada com a VP1, ajustes foram feitos na versão em português, obtendo-se assim o segundo consenso da versão em português do instrumento (VP2). Após estas etapas, a VIF foi encaminhada ao primeiro autor do instrumento9, para aprovação ou sugestões caso necessário. Este respondeu que as pequenas diferenças de redação não causariam problemas, aceitando a retrotradução do instrumento em sua totalidade.
Um grupo composto por sete pessoas foi formado, sendo um especialista em instrumentos de medida, uma professora doutora do curso de Nutrição de uma Universidade Federal, uma nutricionista com experiência na área, uma psicóloga professora doutora do curso de Psicologia de uma Universidade Federal, uma pessoa convidada representando um potencial indivíduo que será investigado e duas pesquisadoras com experiência em docência, todos com domínio da língua inglesa. O grupo foi informado que o objetivo desse comitê era avaliar as equivalências semântica, idiomática, cultural e conceitual dos itens da versão traduzida – VP2, assim como analisar a pergunta norteadora do instrumento e rever a escala de respostas, mantendo a equivalência de medidas. Dessa maneira, cada membro do comitê recebeu a versão original do questionário, juntamente com a VP2, e responderam individualmente um formulário de análise proposto pelos pesquisadores do grupo DISABKIDS22, que comparava cada item com o do questionário original, discutindo-se, então, cada um dos 36 itens, verificando-se desta forma a pertinência ou não da tradução. As questões avaliadas pelos especialistas22 foram: Isso é relevante para você? Você tem dificuldade para entender essa questão? As opções de resposta estão claras e de fácil entendimento? Como você falaria/expressaria isso, caso tenha dúvidas?
Alterações na redação foram feitas quando não houve concordância com a tradução. Já a aprovação ocorreu quando cinco participantes (mais que 80%) ou mais concordavam com a mudança. Com a conclusão dessa etapa, obteve-se o terceiro consenso da versão em português do instrumento (VP3).
Esta etapa visou identificar problemas de compreensibilidade dos itens existentes em um instrumento pela população à qual ele se destinava. Ressalta-se que Pasquali23sugere que esse procedimento seja realizado em grupos com poucas pessoas (de três a quatro), visando garantir a fidedignidade das respostas.
Assim, a VP3 foi aplicada em uma amostra por conveniência de 26 estudantes universitários do sexto período de Enfermagem da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), sendo 96,2% mulheres, com média de idade 21,7 ± 2,7 anos, Índice de Massa Corporal (IMC) 22,25 kg/m2± 4,62, após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Todos os participantes autorresponderam todos os itens. Todavia, grupos pequenos responderam também ao mesmo instrumento utilizado na etapa do comitê de especialistas22, que avaliava a compreensibilidade do texto, as pertinências e as sugestões. Sendo assim, cinco estudantes avaliaram os itens de um a seis (fator saúde); quatro, os itens de sete a 12 (fator humor); quatro, de 13 a 17 (fator conveniência); quatro, de 18 a 24 (fator apelo sensorial e fator conteúdo natural); cinco, de 25 a 30 (fator preço e fator controle de peso) e quatro participantes, de 31 a 36 (fator familiaridade e fator preocupação ética).
Os universitários não solicitaram auxílio dos pesquisadores para esclarecimento das questões, relataram que todos os itens eram de fácil entendimento e não fizeram nenhuma sugestão. Assim, a VP3 foi mantida, já que não houve modificações, sendo intitulada versão final em português do instrumento (VPF).
Esta etapa se destinou a obtenção de dados preliminares sobre as propriedades psicométricas e operacionais da escala, entre elas: verificar a consistência interna dos itens da versão adaptada, as medidas de distribuição e o tempo de duração da entrevista.
A VPF foi apresentada a uma amostra aleatória de 86 estudantes de ambos os sexos do segundo período dos cursos de Psicologia, Terapia Ocupacional e Engenharia. Os cursos foram selecionados por meio de sorteio entre os Institutos de Ciências Humanas, Ciências da Saúde e Ciências Exatas da UFTM. Para coleta dos dados de identificação e socioeconômicos, aplicou-se instrumento construído pelos próprios pesquisadores e foram inseridas questões referentes a medidas antropométricas (autorrelato de peso e altura) para o cálculo do IMC (Kg/m2). Dois estudantes não informaram o peso e foram excluídos do cálculo do IMC. A classificação do peso por meio do IMC utilizou pontos de corte propostos pela WHO24. Todos concordaram em participar de forma voluntária e assinaram o TCLE.
Para as análises estatísticas, utilizou-se o programa SPSS versão 20.0. Foram desenvolvidas análise descritiva (média, desvios-padrão) e a consistência interna dos itens de cada fator foi verificada segundo o coeficiente alfa de Cronbach, aceitando-se resultados superiores a 0,7025.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFTM, e o estudo está em conformidade com a resolução n°466/12 do Conselho Nacional de Saúde26.
Na etapa referente à tradução, alguns termos não foram traduzidos literalmente, justamente pelo cuidado de contextualizar os vocábulos utilizados na versão original com seu significado, de acordo com a realidade cultural brasileira. Ressalta-se que nesta fase atentou-se para a escolha de palavras de fácil compreensão e de abrangência nacional. O item 17, por exemplo, – is easily available in shops and supermarkets –, foi traduzido por “seja fácil de achar em mercearias e supermercados”, por parecer mais adequado para a fluência da leitura. A expressão do item 27 – is good value for money – apresentou diferença entre as três tradutoras, duas delas optaram por “tenha um preço que eu considere justo” e a terceira “tenha bom custo-benefício”. Assim, no consenso realizado pelas duas pesquisadoras nutricionistas, optou-se por “tenha o preço justo”, com o intuito de garantir sua maior compreensão. A frase do item 34 – comes from countries I approve of politically – foi traduzida por “venha de países que eu aprove a forma como os alimentos são produzidos”, e os itens 35 – has the country of origin clearly marked, e 36 – is packaged in an environmentally friendly way – foram traduzidos respectivamente por “mostre com clareza, a identificação do país de origem” e “seja embalado ecologicamente correto”, por se adequar aos padrões brasileiros de comunicação.
Na etapa que contou com o comitê de especialistas, abriu-se uma discussão somente sobre a tradução dos itens 22 e 36 e com aprovação de todos os juízes eles foram modificados. As etapas de tradução e avaliação pelo comitê de especialistas podem ser observadas no Quadro 1.
No que tange ao pré-teste, participaram desta etapa 86 estudantes universitários, sendo 38 alunos da engenharia, 28 da psicologia e 20 da terapia ocupacional, com idades entre 18 a 71 anos, com média de 20 ± 6,0 anos e mediana de 19 anos.
Os estudantes necessitaram aproximadamente de 15 minutos para responder o instrumento. A amostra do pré-teste foi predominantemente composta por mulheres (65,1%), eram solteiros (96,5%), a maioria morava em república de estudantes (45,3%), eram da raça branca (79,1%) e relataram renda mensal familiar entre três e cinco salários mínimos (45,3%), sendo que 68,6% não recebiam mesada fixa. Com relação à classificação de peso por meio do IMC, 11,9% dos estudantes apresentavam baixo peso (n = 10); 61,9% tinham peso adequado (n = 52); 17,9% estavam com sobrepeso (n = 15) e 8,3% apresentavam obesidade (n = 7).
No que concerne à pontuação do FCQ na etapa do pré-teste, maiores escores foram observados nos itens individuais “seja gostoso”, seguido de “tenha um bom cheiro” e “tenha uma boa aparência” em que respectivamente 79,1%, 54,7% e 50% dos estudantes consideraram muito importante. Todos estes três itens fazem parte do fator apelo sensorial. Ressalta-se que 50% deles também responderam muito importante para o item “possa ser comprado em locais perto de onde moro ou trabalho”. Por outro lado, os universitários relataram nada importante (59,3% e 52,3%) respectivamente às escolhas alimentares determinadas pelos itens “mostre com clareza a identificação do país de origem” e “venha de países que eu aprove a forma como os alimentos são produzidos”, itens que compõe o fator preocupação ética.
No que se refere à consistência interna dos fatores do FCQ, verificou-se valores de alfa de Cronbach variando entre 0,75 (Preocupação Ética) a 0,89 (Conveniência e Controle de Peso), sendo o escore total do instrumento α = 0,80. Os valores de alfa de Cronbach de cada fator estão apresentados na Tabela 1.
Tabela 1 Consistência interna dos domínios do FCQ e do escore total para a amostra de universitários (N=86). Uberaba, MG, 2014.
Domínios do FCQ | N° de itens | Alfa de Cronbach | Média | Desvio-padrão |
---|---|---|---|---|
Fator 1 - Saúde | 06 | 0,82 | 17,2 | (4,0) |
Fator 2 - Humor | 06 | 0,86 | 15,3 | (4,9) |
Fator 3 - Conveniência | 05 | 0,89 | 15,4 | (4,2) |
Fator 4 - Apelo sensorial | 04 | 0,86 | 13,4 | (2,7) |
Fator 5 - Conteúdo natural | 03 | 0,83 | 6,8 | (2,5) |
Fator 6 - Preço | 03 | 0,77 | 9,0 | (2,3) |
Fator 7 - Controle de peso | 03 | 0,89 | 7,2 | (2,8) |
Fator 8 - Familiaridade | 03 | 0,80 | 7,6 | (2,4) |
Fator 9 - Preocupação ética | 03 | 0,75 | 5,4 | (2,1) |
Escore total | 36 | 0,80 | 97,9 | (12,4) |
O presente estudo descreve os procedimentos iniciais da adaptação do FCQ à língua portuguesa brasileira, uma vez que tais procedimentos que primam pela qualidade do instrumento são relevantes para garantir a veracidade e a qualidade das informações que serão investigadas em futuras pesquisas19,20,27, no contexto da nossa cultura.
Durante o processo de tradução, algumas expressões foram alteradas, porém o significado foi mantido, fato esse verificado no processo de retrotradução com o aceite do autor do instrumento original na sua totalidade.
Na avaliação pelo comitê de especialistas, a equivalência conceitual mostrou que poucas expressões necessitaram de ajustes e, na equivalência semântica, a versão traduzida mostrou que, dos 36 itens traduzidos, apenas dois (5,5%) foram pouco modificados por todos os membros do comitê. A alteração no item 22 se deu porque a palavra “agrotóxicos” foi inserida na tradução sem fazer parte do instrumento original; e a modificação no item 36 devido ao pouco uso desta expressão (seja embalado ecologicamente correto) no cotidiano da população brasileira. A versão final do questionário manteve o formato e a sequência das questões igualmente a versão original do instrumento.
Na validação semântica, que identifica problemas de compreensibilidade dos itens do instrumento, os participantes não sugeriram nenhuma alteração. Assim, os autores julgam que o instrumento é relevante para a temática.
Com relação à aplicabilidade, todos os fatores e o escore total apresentaram boa consistência interna, com os valores de alfa de Cronbach superiores a 0,7025. Houve uma variação entre 0,75 a 0,89 para os fatores, corroborando o instrumento original inglês que obteve uma variação de 0,70 a 0,879.
Apesar de não ser plausível comparar resultados do pré-teste desta pesquisa, pelo fato da amostra ser reduzida, com estudos utilizando o FCQ cujas amostras foram probabilísticas, resguardando as devidas diferenças metodológicas, a análise preliminar da presente pesquisa apontou que o menor escore se relacionou à preocupação ética,assim como no estudo britânico9 e na investigação europeia15. Entretanto, o fator mais importante diferiu, já que o fator saúde predominou entre os consumidores londrinos9, enquanto o apelo sensorial prevaleceu entre os demais europeus15, assim como no atual estudo.
Diferenças são esperadas em virtude das diversidades interculturais19. Assim, estudar questões relacionadas à alimentação e nutrição em diferentes culturas pode ajudar a compreender os fatores influenciadores do comportamento alimentar28, sobretudo quando se leva em conta os fundamentos epistemológicos da alimentação, que se interagem entre a sociologia, antropologia, filosofia, psicologia, economia, política, além dos biológicos e nutricionais29.
O FCQ pode apresentar conotações distintas nas populações, mas mesmo assim, desde que adaptado ao idioma do lugar, pode ser um bom instrumento de medida para investigar sobre os motivos que norteiam as escolhas alimentares14.
Desta forma, com este estudo foi possível cumprir-se uma importante etapa para o processo de validação do FCQ, sendo que a versão traduzida está de acordo com o rigor das diretrizes de tradução e adaptação de outras medidas19–21, e a validade de face e de conteúdo foram realizadas. Faz-se ainda necessário aprimorar a validade de face em outra validação semântica composta de uma amostra heterogênea pelo menos quanto à escolaridade23.
Ressalta-se que é igualmente importante avaliar sua reprodutibilidade, validade externa, equivalência operacional e de mensuração, a fim de comprovar suas propriedades psicométricas. Ambos os processos encontram-se em andamento numa amostra representativa da população brasileira, diversificada do ponto de vista etário, de gênero, socioeconômico, educacional entre outros, para que desta forma sua utilização seja indicada por outros pesquisadores em estudos epidemiológicos.
Por fim, apesar de o FCQ ser um instrumento que compreende vários importantes aspectos relacionados às escolhas alimentares, uma possível limitação é o fato dele não contemplar diretamente a influência da mídia (positiva ou negativamente) neste comportamento. Sabe-se que o marketing acerca dos alimentos, especialmente o televisivo, tem um poder persuasivo, atraente e duradouro na vida das pessoas30.
No entanto, ainda que exista esta pequena limitação, o presente instrumento abarca importantes fatores que permeiam as escolhas alimentares dos indivíduos. Além do mais, a metodologia utilizada para a tradução e verificação de sua adaptação cultural nesta primeira fase de validação do instrumento, mostrou-se adequada, pois cumpriu a finalidade de mensuração do objeto proposto, sendo de fácil entendimento à realidade brasileira.