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Tradução e adaptação cultural e linguística da Adapted Borg CR10 for Vocal Effort Ratings para o português brasileiro

Tradução e adaptação cultural e linguística da Adapted Borg CR10 for Vocal Effort Ratings para o português brasileiro

Autores:

Mônica Regina Macedo Campolim Camargo,
Fabiana Zambon,
Felipe Moreti,
Mara Behlau

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.31 no.5 São Paulo 2019 Epub 31-Out-2019

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20192018112

INTRODUÇÃO

A produção da voz depende de vários fatores, entre eles, o equilíbrio entre as forças aerodinâmicas e mioelásticas da laringe, e também do aparelho ressonador(1). Uma voz saudável deve, em geral, ser emitida de maneira eficaz e sem esforço, ser interessante e clara, a fim de garantir a atenção do ouvinte(2). Quando a harmonia muscular é mantida, obtemos um som dito de boa qualidade para os ouvintes e produzido sem dificuldade ou desconforto para o falante(1).

Alguns aspectos podem trazer influência na produção vocal e acarretar maior esforço vocal, tais como: competição sonora, a necessidade de o indivíduo projetar a voz a uma grande distância, ou pela presença de alguma alteração vocal ou alteração na laringe ou por uso excessivo da voz(3). Quando esse esforço vocal torna-se crônico e excessivo, pode ocorrer desconforto ao falante e prejudicar o desempenho da sua comunicação, motivando-o à busca de um tratamento profissional(4).

A sensação de esforço vocal é individual, podendo ser percebida de forma diferente de um paciente para outro; note-se que tais sensações individuais são impossíveis de se medir e de se comparar(5). Os mecanismos que contribuem para que o esforço vocal ocorra são variados e complexos, podendo ter influências cognitivo-comportamentais e influências fisiológicas(6). Portanto, para mensurar esse esforço vocal, é necessário contemplar dados da avaliação física do indivíduo e da sua autopercepção.

Na prática clínica atual, não existe um instrumento de avaliação para o autorrelato do esforço vocal(7), mas na literatura é possível encontrar uma escala, elaborada por Gunnar Borg, que reitera a importância do uso de instrumentos padronizados para avaliação de sintomas subjetivos e psicofísicos, a escala psicofísica Borg CR10(5). Embora não diretamente relacionada ao esforço vocal, ela associa respostas psicológicas e fisiológicas do corpo humano ao estresse físico. Na medida em que o esforço vocal é um fenômeno subjetivo, perceptivo e individual, o instrumento Borg CR10 é uma escala psicométrica útil para auxiliar na avaliação de tal fenômeno(7).

Outros pesquisadores têm proposto a Borg CR10 como uma ferramenta potente para medir o esforço vocal e alguns têm sugerido a escala de classificação de Borg para futuras direções(4,8), elucidando muitas pesquisas na área de voz e acrescentando um novo instrumento de autoavaliação na clínica fonoaudiológica. A Borg CR10 tem sido usada com sucesso na pesquisa clínica para a classificação de esforço vocal(6,8,9).

Os protocolos de autoavaliação vocal são de grande valor no trabalho clínico, auxiliando o paciente a compreender e perceber o impacto da disfonia em sua vida, colaborando também na adesão ao tratamento. Os protocolos medem sintomas vocais, porém o esforço para a fonação, uma queixa comum, não tem sido especificamente pesquisado; portanto, verifica-se a grande importância de um instrumento robusto que contribua para esta percepção. O protocolo de autoavaliação do esforço vocal traz muitos benefícios, permitindo que o próprio paciente identifique tal fenômeno e os fatores que o desencadeiam, buscando, juntamente com o fonoaudiólogo, tanto na pesquisa quanto na prática clínica, dispositivos e técnicas para evitar maiores prejuízos à produção fonatória, contribuindo assim para uma comunicação mais efetiva.

Pensando na necessidade de um instrumento brasileiro que colabore na autoavaliação do esforço vocal, o objetivo deste estudo foi realizar a equivalência cultural da Adapted Borg CR10 for Vocal Effort Ratings(7) para o português brasileiro por meio da tradução e adaptação cultural e linguística do instrumento.

MÉTODO

A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNITAU – Universidade de Taubaté (CAAE: 80142517.5.0000.5501 e parecer n.º 2488373, de 06/02/2018). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A versão original da Adapted Borg CR10 for Vocal Effort Ratings foi traduzida para o português brasileiro por duas fonoaudiólogas bilíngues (Tradutor 1 - T1 e Tradutor 2 - T2). Essas traduções foram sobrepostas considerando-se as equivalências culturais e revisadas pelos pesquisadores, e por um comitê composto por três fonoaudiólogos especialistas em voz, chegando-se a uma tradução final do instrumento (Versão em Português - VP). A versão final traduzida do protocolo foi retrotraduzida por uma terceira fonoaudióloga brasileira bilíngue, que não participou das etapas anteriores. A versão retrotraduzida foi comparada à versão original do protocolo, chegando-se então à versão em português brasileiro intitulada Escala Borg CR10-BR adaptada para esforço vocal.

Como o protocolo original, a Escala Borg CR10-BR adaptada para esforço vocal permaneceu com uma escala de variação de 0 a 10, sendo 0 nenhum esforço vocal e 10 o máximo esforço vocal. Pelo fato de o esforço vocal interligar respostas fisiológicas e psicológicas do organismo após uma atividade, antes da aplicação do protocolo existe a necessidade da realização de uma tarefa pré-estabelecida.

Para a equivalência cultural da Escala Borg CR10-BR adaptada para esforço vocal, participaram do estudo 15 indivíduos disfônicos, com diagnóstico médico-otorrinolaringológico. Por consenso dos pesquisadores, a tarefa estabelecida foi a leitura das frases do CAPE-V – Consensus Auditory-Perceptual Evaluation of Voice(10) – (Protocolo desenvolvido por fonoaudiólogos e especialistas em percepção humana que fazem parte do SID3 - ASHA 2003); logo em seguida, os participantes responderam à Escala Borg CR10-BR adaptada para esforço vocal.

Para cada um dos itens da Escala Borg CR10-BR adaptada para esforço vocal, foi acrescida a opção “não aplicável” na chave de respostas. Tal acréscimo foi proposto objetivando-se identificar as sentenças não compreendidas ou inapropriadas para a população, para, caso se mostrasse necessário, posterior modificação ou eliminação da questão.

O critério de inclusão para o estudo foi presença de disfonia, com diagnóstico médico-otorrinolaringológico, independentemente do grau ou tipo. Indivíduos adultos, de ambos os gêneros, sem a presença de distúrbios neurológicos, cognitivos e/ou psiquiátricos e/ou analfabetismo, para que não se inviabilizasse a aplicação do instrumento.

RESULTADOS

No processo de tradução e adaptação cultural, nenhum participante da pesquisa escolheu a opção “não aplicável” em algum item da Escala Borg CR10-BR adaptada para esforço vocal, portanto não houve modificação e/ou eliminação de qualquer item. A composição final da tradução da Escala Borg CR10-BR adaptada para esforço vocal (Apêndice A), após adaptação cultural e linguística, é semelhante ao instrumento original, com uma escala com variação de 0 a 10, na qual 0 corresponde a nenhum esforço vocal e 10 corresponde a máximo esforço vocal, sendo os itens da escala 5 e 6 correspondentes à mesma intensidade (Esforço vocal intenso), assim como 7 e 8 (Esforço vocal muito intenso). O processo de tradução e adaptação cultural e linguística da escala encontra-se no Quadro 1.

Quadro 1 Processo de tradução e adaptação cultural e linguística do protocolo Adapted Borg – CR 10 for Vocal Effort Ratings(7) para o português brasileiro 

Itens da versão original em inglês(7) Tradução para o português brasileiro Retrotradução da VP para o inglês Comitê de fonoaudiólogos: equivalência cultural e linguística Versão final traduzida e culturalmente adaptada
SEVERITY INTENSIDADE SEVERITY INTENSIDADE INTENSIDADE
No vocal effort at all T1 - Nenhum esforço vocal
T2 - Nenhum esforço vocal
VP - Nenhum esforço vocal
No vocal effort Nenhum esforço vocal Nenhum esforço vocal
Very very slight vocal effort (just noticeable) T1 - Mínima sensação de esforço vocal (apenas percepção de esforço)
T2 - Mínimo esforço vocal (quase imperceptível)
VP - Mínima sensação de esforço vocal (apenas percepção de esforço)
Minimum vocal effort sensation (only sensation of vocal effort) Mínima sensação de esforço vocal (apenas percepção de esforço) Mínima sensação de esforço vocal (apenas percepção de esforço)
Very slight vocal effort T1 - Esforço vocal muito leve
T2 - Pouquíssimo esforço vocal
VP - Pouquíssimo esforço vocal
Very low vocal effort Pouquíssimo esforço vocal Pouquíssimo esforço vocal
Slight vocal effort T1 - Esforço vocal leve
T2 - Pouco esforço vocal
VP - Esforço vocal leve
Low vocal effort Esforço vocal leve Esforço vocal leve
Moderate vocal effort T1 - Esforço vocal moderado
T2 - Moderado esforço vocal
VP - Esforço vocal moderado
Moderate Vocal effort Esforço vocal moderado Esforço vocal moderado
Somewhat severe vocal effort T1 - Esforço vocal quase intenso
T2 - Grande esforço vocal
VP - Grande esforço vocal
High vocal effort Grande esforço vocal Grande esforço vocal
Severe vocal effort T1 - Esforço vocal intenso
T2 - Intenso esforço vocal
VP - Esforço vocal intenso
Intense vocal effort Esforço vocal intenso Esforço vocal intenso
Very severe vocal effort T1 - Esforço vocal muito intenso
T2 - Esforço vocal muito intenso VP - Esforço vocal muito intenso
Very intense vocal effort Esforço vocal muito intenso Esforço vocal muito intenso
Very very severe vocal effort (almost maximum) T1 - Esforço vocal extremamente intenso (quase máximo esforço)
T2 - Esforço vocal extremamente intenso (quase máximo)
VP - Esforço vocal extremamente intenso (quase máximo esforço)
Extremely intense vocal effort (almost maximum of effort) Esforço vocal extremamente intenso (quase máximo esforço) Esforço vocal extremamente intenso (quase máximo esforço)
Maximum vocal effort T1 - Máximo esforço vocal
T2 - Máximo esforço vocal
VP - Máximo esforço vocal
Maximum of vocal effort Máximo esforço vocal Máximo esforço vocal

Legenda: T1 = tradutor inglês-português número 1; T2 = tradutor inglês-português número 2; VP = versão em português da compilação das traduções do T1 + T2

DISCUSSÃO

Os protocolos de autoavaliação vocal são de grande valor no trabalho clínico, auxiliando o paciente a compreender e perceber o impacto da disfonia em sua vida, colaborando também na adesão ao tratamento.

A obtenção da equivalência cultural é uma etapa importante e essencial para que um instrumento desenvolvido originalmente em outro idioma seja utilizado em uma diferente língua e cultura(11), para que assim não existam barreiras entre o instrumento e sua população-alvo(12). Tal metodologia de adaptação cultural tem sido utilizada para a tradução e validação de outros instrumentos de áreas da Fonoaudiologia para o português brasileiro(12-14).

Muitos dos protocolos medem sintomas vocais(13,14), porém esforço à fonação, uma queixa comum, não tem sido especificamente pesquisado, portanto a Escala Borg CR10-BR adaptada para esforço vocal é um instrumento específico para a autoavaliação do esforço vocal após uma tarefa específica, podendo contribuir tanto para pesquisa quanto para a prática clínica.

O processo de adaptação cultural do Escala Borg CR10-BR adaptada para esforço vocal não gerou mudanças no protocolo, o que mostrou que o instrumento possui equivalência linguística e cultural para o português brasileiro.

CONCLUSÃO

A versão traduzida para o português brasileiro do instrumento, chamada Escala Borg CR10-BR adaptada para esforço vocal, apresenta equivalência cultural e linguística em relação ao original Adapted Borg CR10 for Vocal Effort Ratings.

REFERÊNCIAS

1 Behlau M, Madazio G, Feijó D, Pontes P. Anatomia da laringe e fisiologia da produção vocal. In: Behlau M, editor. Voz: o livro do especialista. Rio de Janeiro: Revinter; 2004. p. 1-51. vol. 1.
2 Vieira AC, Behlau M. Análise de voz e comunicação oral de professores de curso pré-vestibular. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(3):346-51. .
3 Stepp CE, Sawin DE, Eadie TL. The relationship between perception of vocal effort and relative fundamental frequency during voicing offset and onset. J Speech Lang Hear Res. 2012;55(6):1887-96. . PMid:22615477.
4 Chang A, Karnell MP. Perceived phonatory effort and phonation threshold pressure across a prolonged voice loading task: a study of vocal fatigue. J Voice. 2004;18(4):454-66. . PMid:15567047.
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8 Van Mersbergen M, Patrick C, Glaze L. Functional dysphonia during mental imagery: testing the train theory of voice disorders. J Speech Lang Hear Res. 2008;51(6):1405-23. . PMid:18664709.
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11 Aaronson N, Alonso J, Burnam A, Lohr KN, Patrick DL, Perrin E, et al. Assessing health status and quality-of-life instruments: attributes and review criteria. Qual Life Res. 2002;11(3):193-205. . PMid:12074258.
12 Rocha BR, Moreti F, Amin E, Madazio G, Behlau M. Cross-cultural adaptation of the Brazilian version of the protocol Evaluation of the Ability to Sing Easily. CoDAS. 2014;26(6):535-9. . PMid:25590918.
13 Moreti F, Zambon F, Oliveira G, Behlau M. Cross-cultural adaptation of the Brazilian version of the Voice Symptom Scale: VoiSS. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(4):398-400. . PMid:22231064.
14 Moreti F, Zambon F, Oliveira G, Behlau M. Cross-cultural adaptation, validation, and cutoff values of the Brazilian version of the Voice Symptom Scale-VoiSS. J Voice. 2014;28(4):458-68. . PMid:24560004.