versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.31 no.5 São Paulo 2019 Epub 31-Out-2019
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20192018112
A produção da voz depende de vários fatores, entre eles, o equilíbrio entre as forças aerodinâmicas e mioelásticas da laringe, e também do aparelho ressonador(1). Uma voz saudável deve, em geral, ser emitida de maneira eficaz e sem esforço, ser interessante e clara, a fim de garantir a atenção do ouvinte(2). Quando a harmonia muscular é mantida, obtemos um som dito de boa qualidade para os ouvintes e produzido sem dificuldade ou desconforto para o falante(1).
Alguns aspectos podem trazer influência na produção vocal e acarretar maior esforço vocal, tais como: competição sonora, a necessidade de o indivíduo projetar a voz a uma grande distância, ou pela presença de alguma alteração vocal ou alteração na laringe ou por uso excessivo da voz(3). Quando esse esforço vocal torna-se crônico e excessivo, pode ocorrer desconforto ao falante e prejudicar o desempenho da sua comunicação, motivando-o à busca de um tratamento profissional(4).
A sensação de esforço vocal é individual, podendo ser percebida de forma diferente de um paciente para outro; note-se que tais sensações individuais são impossíveis de se medir e de se comparar(5). Os mecanismos que contribuem para que o esforço vocal ocorra são variados e complexos, podendo ter influências cognitivo-comportamentais e influências fisiológicas(6). Portanto, para mensurar esse esforço vocal, é necessário contemplar dados da avaliação física do indivíduo e da sua autopercepção.
Na prática clínica atual, não existe um instrumento de avaliação para o autorrelato do esforço vocal(7), mas na literatura é possível encontrar uma escala, elaborada por Gunnar Borg, que reitera a importância do uso de instrumentos padronizados para avaliação de sintomas subjetivos e psicofísicos, a escala psicofísica Borg CR10(5). Embora não diretamente relacionada ao esforço vocal, ela associa respostas psicológicas e fisiológicas do corpo humano ao estresse físico. Na medida em que o esforço vocal é um fenômeno subjetivo, perceptivo e individual, o instrumento Borg CR10 é uma escala psicométrica útil para auxiliar na avaliação de tal fenômeno(7).
Outros pesquisadores têm proposto a Borg CR10 como uma ferramenta potente para medir o esforço vocal e alguns têm sugerido a escala de classificação de Borg para futuras direções(4,8), elucidando muitas pesquisas na área de voz e acrescentando um novo instrumento de autoavaliação na clínica fonoaudiológica. A Borg CR10 tem sido usada com sucesso na pesquisa clínica para a classificação de esforço vocal(6,8,9).
Os protocolos de autoavaliação vocal são de grande valor no trabalho clínico, auxiliando o paciente a compreender e perceber o impacto da disfonia em sua vida, colaborando também na adesão ao tratamento. Os protocolos medem sintomas vocais, porém o esforço para a fonação, uma queixa comum, não tem sido especificamente pesquisado; portanto, verifica-se a grande importância de um instrumento robusto que contribua para esta percepção. O protocolo de autoavaliação do esforço vocal traz muitos benefícios, permitindo que o próprio paciente identifique tal fenômeno e os fatores que o desencadeiam, buscando, juntamente com o fonoaudiólogo, tanto na pesquisa quanto na prática clínica, dispositivos e técnicas para evitar maiores prejuízos à produção fonatória, contribuindo assim para uma comunicação mais efetiva.
Pensando na necessidade de um instrumento brasileiro que colabore na autoavaliação do esforço vocal, o objetivo deste estudo foi realizar a equivalência cultural da Adapted Borg CR10 for Vocal Effort Ratings(7) para o português brasileiro por meio da tradução e adaptação cultural e linguística do instrumento.
A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNITAU – Universidade de Taubaté (CAAE: 80142517.5.0000.5501 e parecer n.º 2488373, de 06/02/2018). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A versão original da Adapted Borg CR10 for Vocal Effort Ratings foi traduzida para o português brasileiro por duas fonoaudiólogas bilíngues (Tradutor 1 - T1 e Tradutor 2 - T2). Essas traduções foram sobrepostas considerando-se as equivalências culturais e revisadas pelos pesquisadores, e por um comitê composto por três fonoaudiólogos especialistas em voz, chegando-se a uma tradução final do instrumento (Versão em Português - VP). A versão final traduzida do protocolo foi retrotraduzida por uma terceira fonoaudióloga brasileira bilíngue, que não participou das etapas anteriores. A versão retrotraduzida foi comparada à versão original do protocolo, chegando-se então à versão em português brasileiro intitulada Escala Borg CR10-BR adaptada para esforço vocal.
Como o protocolo original, a Escala Borg CR10-BR adaptada para esforço vocal permaneceu com uma escala de variação de 0 a 10, sendo 0 nenhum esforço vocal e 10 o máximo esforço vocal. Pelo fato de o esforço vocal interligar respostas fisiológicas e psicológicas do organismo após uma atividade, antes da aplicação do protocolo existe a necessidade da realização de uma tarefa pré-estabelecida.
Para a equivalência cultural da Escala Borg CR10-BR adaptada para esforço vocal, participaram do estudo 15 indivíduos disfônicos, com diagnóstico médico-otorrinolaringológico. Por consenso dos pesquisadores, a tarefa estabelecida foi a leitura das frases do CAPE-V – Consensus Auditory-Perceptual Evaluation of Voice(10) – (Protocolo desenvolvido por fonoaudiólogos e especialistas em percepção humana que fazem parte do SID3 - ASHA 2003); logo em seguida, os participantes responderam à Escala Borg CR10-BR adaptada para esforço vocal.
Para cada um dos itens da Escala Borg CR10-BR adaptada para esforço vocal, foi acrescida a opção “não aplicável” na chave de respostas. Tal acréscimo foi proposto objetivando-se identificar as sentenças não compreendidas ou inapropriadas para a população, para, caso se mostrasse necessário, posterior modificação ou eliminação da questão.
O critério de inclusão para o estudo foi presença de disfonia, com diagnóstico médico-otorrinolaringológico, independentemente do grau ou tipo. Indivíduos adultos, de ambos os gêneros, sem a presença de distúrbios neurológicos, cognitivos e/ou psiquiátricos e/ou analfabetismo, para que não se inviabilizasse a aplicação do instrumento.
No processo de tradução e adaptação cultural, nenhum participante da pesquisa escolheu a opção “não aplicável” em algum item da Escala Borg CR10-BR adaptada para esforço vocal, portanto não houve modificação e/ou eliminação de qualquer item. A composição final da tradução da Escala Borg CR10-BR adaptada para esforço vocal (Apêndice A), após adaptação cultural e linguística, é semelhante ao instrumento original, com uma escala com variação de 0 a 10, na qual 0 corresponde a nenhum esforço vocal e 10 corresponde a máximo esforço vocal, sendo os itens da escala 5 e 6 correspondentes à mesma intensidade (Esforço vocal intenso), assim como 7 e 8 (Esforço vocal muito intenso). O processo de tradução e adaptação cultural e linguística da escala encontra-se no Quadro 1.
Quadro 1 Processo de tradução e adaptação cultural e linguística do protocolo Adapted Borg – CR 10 for Vocal Effort Ratings(7) para o português brasileiro
Itens da versão original em inglês(7) | Tradução para o português brasileiro | Retrotradução da VP para o inglês | Comitê de fonoaudiólogos: equivalência cultural e linguística | Versão final traduzida e culturalmente adaptada |
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SEVERITY | INTENSIDADE | SEVERITY | INTENSIDADE | INTENSIDADE |
No vocal effort at all | T1 - Nenhum esforço vocal T2 - Nenhum esforço vocal VP - Nenhum esforço vocal |
No vocal effort | Nenhum esforço vocal | Nenhum esforço vocal |
Very very slight vocal effort (just noticeable) | T1 - Mínima sensação de esforço vocal (apenas percepção de esforço) T2 - Mínimo esforço vocal (quase imperceptível) VP - Mínima sensação de esforço vocal (apenas percepção de esforço) |
Minimum vocal effort sensation (only sensation of vocal effort) | Mínima sensação de esforço vocal (apenas percepção de esforço) | Mínima sensação de esforço vocal (apenas percepção de esforço) |
Very slight vocal effort | T1 - Esforço vocal muito leve T2 - Pouquíssimo esforço vocal VP - Pouquíssimo esforço vocal |
Very low vocal effort | Pouquíssimo esforço vocal | Pouquíssimo esforço vocal |
Slight vocal effort | T1 - Esforço vocal leve T2 - Pouco esforço vocal VP - Esforço vocal leve |
Low vocal effort | Esforço vocal leve | Esforço vocal leve |
Moderate vocal effort | T1 - Esforço vocal moderado T2 - Moderado esforço vocal VP - Esforço vocal moderado |
Moderate Vocal effort | Esforço vocal moderado | Esforço vocal moderado |
Somewhat severe vocal effort | T1 - Esforço vocal quase intenso T2 - Grande esforço vocal VP - Grande esforço vocal |
High vocal effort | Grande esforço vocal | Grande esforço vocal |
Severe vocal effort | T1 - Esforço vocal intenso T2 - Intenso esforço vocal VP - Esforço vocal intenso |
Intense vocal effort | Esforço vocal intenso | Esforço vocal intenso |
Very severe vocal effort | T1 - Esforço vocal muito intenso T2 - Esforço vocal muito intenso VP - Esforço vocal muito intenso |
Very intense vocal effort | Esforço vocal muito intenso | Esforço vocal muito intenso |
Very very severe vocal effort (almost maximum) | T1 - Esforço vocal extremamente intenso (quase máximo esforço) T2 - Esforço vocal extremamente intenso (quase máximo) VP - Esforço vocal extremamente intenso (quase máximo esforço) |
Extremely intense vocal effort (almost maximum of effort) | Esforço vocal extremamente intenso (quase máximo esforço) | Esforço vocal extremamente intenso (quase máximo esforço) |
Maximum vocal effort | T1 - Máximo esforço vocal T2 - Máximo esforço vocal VP - Máximo esforço vocal |
Maximum of vocal effort | Máximo esforço vocal | Máximo esforço vocal |
Legenda: T1 = tradutor inglês-português número 1; T2 = tradutor inglês-português número 2; VP = versão em português da compilação das traduções do T1 + T2
Os protocolos de autoavaliação vocal são de grande valor no trabalho clínico, auxiliando o paciente a compreender e perceber o impacto da disfonia em sua vida, colaborando também na adesão ao tratamento.
A obtenção da equivalência cultural é uma etapa importante e essencial para que um instrumento desenvolvido originalmente em outro idioma seja utilizado em uma diferente língua e cultura(11), para que assim não existam barreiras entre o instrumento e sua população-alvo(12). Tal metodologia de adaptação cultural tem sido utilizada para a tradução e validação de outros instrumentos de áreas da Fonoaudiologia para o português brasileiro(12-14).
Muitos dos protocolos medem sintomas vocais(13,14), porém esforço à fonação, uma queixa comum, não tem sido especificamente pesquisado, portanto a Escala Borg CR10-BR adaptada para esforço vocal é um instrumento específico para a autoavaliação do esforço vocal após uma tarefa específica, podendo contribuir tanto para pesquisa quanto para a prática clínica.
O processo de adaptação cultural do Escala Borg CR10-BR adaptada para esforço vocal não gerou mudanças no protocolo, o que mostrou que o instrumento possui equivalência linguística e cultural para o português brasileiro.
A versão traduzida para o português brasileiro do instrumento, chamada Escala Borg CR10-BR adaptada para esforço vocal, apresenta equivalência cultural e linguística em relação ao original Adapted Borg CR10 for Vocal Effort Ratings.