versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.9 no.2 São Paulo abr./jun. 2011
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082011ao1847
O linfoma de Hodgkin (LH) é considerado uma doença curável em aproximadamente 75% dos casos. Todavia, 10 a 15% dos pacientes com LH localizado e 25 a 30% com LH clássico disseminado não respondem ou apresentam recidiva após tratamento primário convencional com quimioterapia apenas ou em combinação com radioterapia(1,2).
Os pacientes com LH que apresentaram progressão da doença após quimioterapia baseada em doxorrubicina (LH primária refratária) e aqueles cuja doença recidiva após uma resposta completa têm uma segunda chance de cura com transplante autólogo de célula-tronco (TACT). A terapia com altas doses seguida de TACT tem sido usada com frequência para tratar esse grupo de pacientes, com sobrevida livre de progressão (SLP) ou recidiva de 40 a 60% em 5 anos(3–6).
Atualmente, o TACT é considerado o padrão de tratamento para a maioria dos pacientes com LH refratário e recidivante. Dois estudos randomizados que analisam quimioterapia com múltiplos agentes comparada à intensificação com altas doses de carmustina, etoposide, citarabina e melfalan (BEAM) mostraram sobrevida livre de eventos maiores para pacientes que recebiam a quimioterapia intensiva sustentada por transplante autólogo de célulastronco (53 versus 10%)(7,8).
Para poder determinar os fatores prognósticos de um desfecho favorável, os dados foram coletados e analisados nos primeiros pacientes submetidos a TACT para tratamento de LH no Hospital Araújo Jorge (HAJ), em Goiânia (GO).
Tratou-se de uma análise retrospectiva com coorte. De novembro de 2000 a dezembro de 2008, 31 pacientes consecutivos foram submetidos a TACT para LH no HAJ. Os pacientes foram estadiados segundo o sistema de Ann Arbor.
Quimioterapia híbrida MOPP/ABV (mecloretamina, vincristina, procarbazina, prednisona, doxorrubicina, bleomicina e vinblastina) foi o tratamento de primeira escolha até 2002. Depois desse ano, os pacientes foram tratados com quimioterapia ABVD (adriamicina, bleomicina, vinblastina e dacarbazina). Os dados relacionados à radioterapia incluíram irradiação de campo (manto, para-aórtica e baço) e local. A dose de radiação foi baseada na ocorrência de doença bulky e na classificação de Ann Arbor, com doses totais entre 20 e 36 Gy.
Todos pacientes foram submetidos a uma avaliação de resposta (tanto clínica como radiológica) na metade e ao final do tratamento inicial planejado. Na recidiva, o tratamento variou dependendo da quimioterapia usada anteriormente. Os pacientes receberam regimes de tratamento bem descritos antes do TACT: ICE (ifosfamida, carboplatina e etoposide); DHAP (ARA-c, cisplatina e dexametasona); e GDP (gencitabina, dexametasona e cisplatina).
A situação na ocasião do TACT era classificada da seguinte forma: em remissão quimiossensível completa estavam pacientes sem evidências clínicas ou radiológicas de doença; em remissão quimiossensível parcial estavam pacientes com redução de maior que 50% no tamanho do tumor medido em um mapeamento por tomografia computadorizada. Os pacientes que não se encaixavam em quaisquer desses critérios eram classificados como tendo doença resistente.
No 5° dia após o início do 3° ciclo de quimioterapia de resgate, os pacientes eram estimulados com o fator de estímulo de colônias de granulócitos (G-CSF) a fim de coletar, por aférese, células progenitoras no sangue periférico (SP). Os pacientes que não atingissem um alvo mínimo de 2 × 106 céulas CD34/kg eram selecionados para receber 4 g/m2 de ciclofosfamida e 10 μg/kg de G-CSF, no 5° dia do início da mobilização. Se os pacientes apresentassem nova falha, era realizada coleta de medula óssea (MO) contanto que esta fosse de celularidade adequada e livre de doença, com um alvo mínimo de 2 × 108/kg de células totalmente nucleadas.
Antes da quimioterapia de altas doses e transplante, todos pacientes tinham de apresentar funções hematológica, renal, hepática, pulmonar e cardíaca adequadas.
De Novembro de 2000 até Julho de 2002, três pacientes receberam um regime preparatório baseado em TBI. O regime incluía 60 mg/kg de ciclofosfamida nos dias − 5, − 4 (dose total: 120 mg/kg), e TBI fracionada de 1.200 cGy a 200 cGy por fração, com blocos pulmonares do dia −3 ao dia −1. Após Julho de 2002, todos pacientes receberam um regime quimioterápico de condicionamento BEAM (carmustina 300 mg/m2 IV no dia −6; etoposide 200 mg/m2 IV, diariamente, por 4 dias, nos dias −5, −4, −3, e −2; Ara-C 200 mg/m2 IV a cada 12 horas, 2 vezes ao dia, diariamente por quatro dias, nos dias −5, −4, −3, e −2; e melfalan 140 mg/m2 IV, no dia −1). A reinfusão de células-tronco foi realizada no dia 0 e o uso de G-CSF 300 mg SC, duas vezes ao dia, foi iniciado a partir do dia 1 até a pega do enxerto em ambos os regimes de condicionamento.
A sobrevida global (SG) foi medida a partir da data do TACT até a data de morte por qualquer causa. A SLP foi medida a partir da data de TACT até o tempo de progressão ou morte por qualquer causa ou o último contato de seguimento. A mortalidade sem recidiva foi definida como morte por qualquer outra causa diferente de LH. A análise de sobrevida foi feita segundo o método de Kaplan-Meier. Empregou-se a análise multivariada com o modelo de riscos proporcionais forward stepwise de Cox. As análises estatísticas foram computadas por meio do programa estatístico Statistical Package for the Social Science (SPSS).
Os fatores prognósticos analisados para SLP e para SG foram o número de esquemas terapêuticos antes de TACT (≤2 versus > 2), nível sérico de albumina (< 4 g/dL versus ≥4 g/dL), fonte das células-tronco (células-tronco da MO versus do SP), estágio da doença na ocasião do TACT (quimiossensível -RC + RP versus resistente), e doença bulky ≥5 cm (sim versus ausente/< 5 cm). Para poder predizer melhor o desfecho desse grupo de pacientes, incluímos o Índice Prognóstico Internacional (índice de Hasenclever)(9) na análise, no momento do TACT. Esse índice incorpora sete fatores prognósticos: nível de albumina sérica < 4 g/dL, hemoglobina < 10,5 g/dL, sexo masculino, idade ≥45 anos, estágio IV, leucocitose (≥15 × 109/L), e linfocitopenia (< 0,6 × 109/L, < 8% de leucócitos, ou ambos). Os pacientes foram divididos em grupos com zero a dois, ou três ou mais fatores.
Todos pacientes e/ou seus pais forneceram consentimento livre e informado para quimioterapia de resgate, procedimentos relacionados e TACT. O protocolo de transplante autólogo de células-tronco foi aprovado pelo Comitê de Ética do HAJ.
As características dos pacientes e da doença dos 31 indivíduos quando do diagnóstico inicial de LH e na progressão estão resumidas na tabela 1. A idade mediana ao diagnóstico inicial foi de 27 anos (variação de 8 a 51 anos), e 54,8% dos pacientes eram do sexo masculino. LH subtipo esclerose nodular foi a histologia mais comum (65%). Os regimes quimioterápicos de primeira escolha incluíram adriamicina, bleomicina, vinblastina e dacarbazina (ABVD) em 27 pacientes (87%). Sete pacientes haviam sido submetidos à radioterapia anterior, três com campo do manto, um com irradiação de campo estendido (campos manto e para-aórtico juntos), e três pacientes com irradiação localizada.
Tabela 1 Características dos pacientes
Número de pacientes | 31 | |
Histologia primária | ||
Esclerose modular | 20 (65%) | |
Celularidade mista | 9 (29%) | |
Depleção de linfócitos | 1 (3%) | |
Linfócitos predominantes | 1 (3%) | |
Quimioterapia de primeira escolha | ||
ABVD | 27 (87%) | |
MOPP/ABV | 4 (13%) | |
Radioterapia prévia | 7 (22%) | |
Em progressão | ||
Mediana de idade (variação) | 27 (8-15) | |
Gênero | ||
Masculino | 17 (54,8%) | |
Feminino | 14 (45,2%) | |
Estadiamento | ||
I | 1 (3%) | |
II | 9 (29%) | |
III | 16 (51,6%) | |
IV | 5 (16,4%) | |
Sintomas B | 24 (77%) | |
Sensibilidade à quimioterapia de resgate convencional | ||
Quimiossensível-RC | 7 (22,5%) | |
Quimiosensível-RP | 14 (45,3%) | |
Resistente | 10 (32,2%) | |
Quimioterapia de altas doses | ||
BEAM | 28 (90,3%) | |
Outras | 3 (9,7%) | |
Fonte de células | ||
Medula óssea | 14 (45,1%) | |
Sangue periférico | 17 (54,9%) | |
Mediana de células infundidas (variação) | ||
TNC/kg × 10 8 | 3,9 (1,8-8,7) | |
CD34/kg x10 6 | 5,4 (2,8-17) |
ABVD: adriamicina, bleomicina, vinblastina e dacarbazina; MOPP/ABV: mecloretamina, vincristina, procarbazina, prednisona, doxorrubicina, bleomicina e vinblastina; RC: remissão completa; PR: remissão parcial; BEAM: carmustina, etoposide, citarabina e melfalan
As fontes de células-tronco incluíram MO em 14 pacientes (45,1%) e SP em 17 pacientes (54,9%). O número mediano de células nucleadas e CD34+ infundidas foi de 3,9 × 108/kg (variação de 1,8 a 8,7), e 5,4 × 106/kg (variação de 2,8 a 17), respectivamente. Todos os pacientes atingiram completa recuperação hematopoiética. O número mediano de dias até atingir a pega sustentada do enxerto foi 12 dias (variação de 7 a 20).
Após quimioterapia de primeira escolha, os pacientes com recidiva ou progressão foram intensamente pré-tratados com um número mediano de três (duas a sete) linhas de tratamento. No total, 26 pacientes estavam vivos no seguimento mediano de 18 meses (Figura 1A). SG mediana para o grupo inteiro foi de 18 meses (IC95%: 1-88 meses). A sobrevida global mediana em 18 meses foi de 84% ±7,8 (IC95%), e a SLP aos 18 meses foi de 80% ±8 (IC95%) para o grupo todo.
A SG aos 18 meses para pacientes quimiossensíveis à ocasião do TACT foi de 95% versus 60% quimiorresistentes (Figura 2A). A SLP aos 18 meses para pacientes quimiossensíveis à ocasião do TACT foi 90%, contra 45% para aqueles com doença resistente à ocasião do TACT (p= 0,003). A SG aos 18 meses para pacientes que receberam SP como fonte de célulastronco foi 95%, em comparação a 68% para aqueles que receberam MO (p= 0,09). A SLP aos 18 meses para pacientes que receberam SP foi 100% versus 52% com MO (p=0,03).
Figura 2 (A e B) Efeito da doença quimiossensível no momento do transplante autólogo de células-tronco na sobrevida geral e sobrevida livre de progressão
A morte atribuível à mortalidade relacionada à toxicidade (MRT) incluiu um óbito antes do dia +100 com doença hepática veno-oclusiva. Um paciente morreu devido a doença maligna secundária (adenocarcinoma de pulmão), 45 meses após o TACT, em completa remissão do LH.
A SG aos 18 meses para pacientes com índice de Hasenclever de 0 a 2 foi 86,3 versus 55,5% para aqueles com três ou mais fatores prognósticos (p= 0,09). A SLP aos 18 meses para pacientes com índice de Hasenclever de 0 a 2 foi 81,8% em comparação a 55% para aqueles com três ou mais fatores prognósticos (p=0,08). As variáveis que afetam de forma significativa a SG e a SLP em análises univariada e multivariada estão listadas na tabela 2. Na análise multivariada, os únicos fatores independentes preditivos de SG favorável (p= 0,02; RR: 0,072; variação: 0,01 – 0,85) e SLP (p= 0,01; RR: 0,040; variação: 0,007 – 0,78) foram ausência de doença ou doença bulky menor que 5 cm.
Tabela 2 Análise das variáveis que afetam de forma significativa a sobrevida global e a sobrevida livre de progressão
Meta | Fator | Univariada | Multivariada | ||
---|---|---|---|---|---|
Valor p | RR | IC | Valor p | ||
SG | |||||
Pelo menos 2 tratamentos prévios de QT | 0,12 | - | - | - | |
Albumina < 4 g/dL versus ≥ 4 g/dL | 0,04 | - | - | 0,14 | |
CTSP versus MO | 0,09 | - | - | 0,20 | |
Doença bulky ausente ou < 5 cm no TCT | < 0,001 | 0,072 | 0,01-0,85 | 0,02 | |
Quimiossensível versus quimiorresistente | 0,001 | - | - | 0,55 | |
Índice de Hasenclever 0-2 versus ≥ 3 fatores | 0,09 | - | - | 0,12 | |
SLP | |||||
Pelo menos 2 tratamentos prévios de QT | 0,07 | - | - | 0,46 | |
Albumina < 4 g/dL versus ≥4 g/dL | 0,01 | - | - | 0,08 | |
CTSP versus MO | 0,03 | - | - | 0,35 | |
Doença bulky ausente ou < 5 cm no TCT | < 0,001 | 0,040 | 0,007-0,78 | 0,01 | |
Quimiossensível versus quimiorresistente | 0,003 | - | - | 0,52 | |
Índice de Hasenclever 0-2 versus ≥ 3 fatores | 0,08 | - | - | 0,14 |
RR: risco relativo; IC: intervalo de confiança; SG: sobrevida global; QT: quimioterapia; CTSP: células-tronco de sangue periférico; MO: medula óssea; TCT: transplante de células-tronco; SLP: sobrevida livre de progressão
Este trabalho mostra o seguimento de 18 meses da coorte de uma única instituição com pacientes com LH primária refratária ou recidivante, submetidos a TACT. Os resultados mostraram que quimioterapia de altas doses ou quimioterapia/radioterapia, seguida de TACT, podem induzir o controle da doença e melhorar o prognóstico de pacientes com LH avançado refratário ou com recidiva. A população de pacientes deste estudo foi heterogênea e intensamente prétratada, com um número mediano de três regimes de quimioterapia antes do transplante. A despeito disso, 84% dos pacientes estavam vivos e livres da doença no seguimento mediano de 18 meses. Os resultados deste estudo também mostram que é possível tratar pacientes com múltiplas recidivas e atingir o controle da doença.
Algumas séries anteriores identificaram numerosos fatores prognósticos com valor preditivo neste contexto(10–15). À ocasião do TACT, volume da doença, situação de desempenho, envolvimento da MO, presença de sintomas B, albumina, níveis elevados de desidrogenase láctica no soro, doença extranodal e recidiva dentro de um campo previamente irradiado apresentaram valor preditivo para SLP, sobrevida livre de eventos, e/ou SG. Foi confirmado, neste pequeno grupo, que uma baixa carga tumoral (doença bulky < 5 cm) ao transplante é um fator prognóstico independente favorável para SG e SLP. Outros fatores, como albumina ≥4,0 g/dL e quimiossensibilidade foram observados na análise univariada, mas não foram confirmados na análise multivariada
O índice de Hasenclever foi testado com sucesso no contexto de diagnóstico de LH(9). Recentemente, Sirogi et al.(16) mostraram que um valor de índice Hasenclever < 3 influencia favoravelmente o desfecho, e que a obtenção de remissão completa por ocasião de TACT leva a um resultado melhor. Neste grupo de pacientes, a sobrevida global e a SLP foram maiores no grupo de pacientes com menos de três fatores, embora isso não fosse estatisticamente significativo. Esse resultado pode ser explicado pelo pequeno número de pacientes e o seguimento de curto prazo.
Os pacientes com LH resistente não atingiram SLP prolongada; portanto novas abordagens eficazes são essenciais para essa população, já que a maioria ainda terá recidivas e morrerá em função de sua doença. Dados recentes sugerem que regimes baseados em gencitabina podem induzir remissões em pacientes que não responderam a terapias de resgate mais tradicionais(17,18). Tais respostas secundárias antes do transplante poderiam melhorar os desfechos por meio de citorredução do tumor, além de identificar melhor a doença que poderá responder a terapias de altas doses. Os indivíduos com doença resistente poderiam ser considerados para o uso de estratégias experimentais usando agentes novos, como anticorpos monoclonais anti-CD30 ou transplantes por aloenxertos com condicionamento de intensidade reduzida ou TACT tandem (19–21).
O TACT constitui uma opção terapêutica para pacientes com LH após a primeira recidiva. Resultados promissores são observados em pacientes com um baixo volume tumoral (doença bulky < 5 cm) à ocasião do transplante. Em geral, os pacientes com LH avançado quimiorresistente necessitam de uma abordagem terapêutica mais agressiva, e o TACT em sua forma atual é uma opção de tratamento inadequada para esses pacientes. Devem ser buscadas abordagens inovadoras para pacientes com fatores de risco para recidiva.
O transplante autólogo de células-tronco constitui uma opção terapêutica para pacientes com linfoma de Hodgkin após uma primeira recaída. Resultados promissores foram observados em pacientes com baixa carga tumoral ao transplante. Abordagens inovadoras devem ser buscadas para pacientes com fatores de risco para recidiva.