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Transposição de veia cefálica para salvamento de fístula arteriovenosa de hemodiálise e tratamento de obstrução venosa central sintomática

Transposição de veia cefálica para salvamento de fístula arteriovenosa de hemodiálise e tratamento de obstrução venosa central sintomática

Autores:

Felipe Jose Skupien,
Ricardo Zanetti Gomes,
Emerson Hideyoshi Shimada,
Rafael Inacio Brandao,
Suellen Vienscoski Skupien

ARTIGO ORIGINAL

Jornal Vascular Brasileiro

versão impressa ISSN 1677-5449versão On-line ISSN 1677-7301

J. vasc. bras. vol.13 no.1 Porto Alegre jan./mar. 2014

http://dx.doi.org/10.1590/jvb.2014.013

OBJETIVO

Descrever um caso atípico de preservação de acesso vascular para hemodiálise e tratamento de obstrução venosa central.

MÉTODO

Paciente com escassas alternativas de acesso vascular apresentava fístula braquiobasílica funcionante no membro superior direito (MSD), associada à severa hipertensão venosa, e oclusão da veia jugular interna e do tronco venoso braquiocefálico direito.

Optamos pela transposição da veia cefálica do MSD, formando colar venoso na região cervical anterior, resultando em bypass sobre o sítio venoso ocluído.

Dissecamos a veia cefálica no braço direito até a sua junção com a veia axilar, devalvulamos e anastomosamos a veia cefálica na veia jugular externa contralateral, permitindo a drenagem venosa do MSD, aliviando os sintomas da hipertensão venosa e mantendo a fístula braquiobasílica funcionante.

RESULTADO

Alívio do edema, da dor e da congestão venosa do MSD, além da preservação da fístula arteriovenosa (FAV) funcionante e já maturada deste membro.

DISCUSSÃO

A estenose ou a obstrução venosa central ocorre em 20 a 50% dos pacientes que são submetidos à colocação de cateter na veia subclávia ou jugular interna.1 , 2 Muitos destes passam longos períodos sem sintomas, em razão da rica rede de veias colaterais que mantém a drenagem venosa do membro superior. Em pacientes com fístula arteriovenosa funcionante, isto pode resultar em hipertensão venosa, edema do membro e falência do acesso vascular.3

Angioplastia percutânea, com ou sem implante de stent e outros dispositivos endovasculares (por exemplo, HeRO),4 , 5 tem sido desenvolvida e se tornado cada vez mais comum, fazendo parte do arsenal de opções para o tratamento desses pacientes.

Algumas opções simples de tratamento são repouso, elevação e elastocompressão do membro, ou desativação da FAV (esta, com o prejuízo da perda do acesso e a necessidade de nova cateterização central até a maturação da próxima FAV).

Entre as opções cirúrgicas, encontramos relatados entre séries e casos isolados:

  • Bypass sobre a subclávia ocluída (com prótese) para jugular interna ipsilateral, jugular interna contralateral, axilo-axilar;1 , 6

  • Bypass axilo-axilar, braquial-jugular interna, axilar-jugular interna ipsilateral ou contralateral, bypassda fístula para veia jugular, da fístula para subclávia contralateral;1 , 7 - 10

  • Bypass para veias dos membros inferiores (axilo-ilíaco, axilo-poplíteo, axilo-femoral, axilo-safena);9 , 11

  • Bypass com interposição de veia jugular interna contralateral12 , 13 ou transposição da veia jugular ipsilateral ao segmento ocluído;10 , 14

  • Bypass para apêndice do átrio direito15 , 16 e para veia inominada;17

  • Bandagem do acesso para controle de fluxo da fístula;18

  • Loop arteriovenoso axilo-axilar;19

  • Bypass da veia jugular anterior para veia jugular interna.20

Outros estudos consideram que várias estenoses ou oclusões tornam-se sintomáticas em pacientes dialisados em razão de compressão extrínseca e, nestes casos, a Síndrome do Desfiladeiro Torácico dever ser considerada na avaliação.21 Em algumas séries de casos, a abordagem cirúrgica com ressecção da primeira costela ou da clavícula, e com a liberação de aderências externas da veia subclávia permitiu o salvamento do acesso e o alívio dos sintomas em até 80% dos pacientes.22

O paciente apresentava uma FAV braquiobasílica funcionante no MSD havia aproximadamente seis meses; em função da evolução com edema e dor, foi solicitada nova avaliação vascular.

Os acessos nativos estavam esgotados no membro superior esquerdo (MSE) e, no antebraço direito, havia safenectomia prévia do membro inferior esquerdo para revascularização miocárdica, além de insuficiência venosa de ambos MMII (CEAP C 4). Além disso, história de claudicação isquêmica de MMII, diabetes, hipertensão, ex-tabagismo e infarto do miocárdio.

Na investigação, realizamos ecodoppler venoso, angiotomografia de tórax e flebografia, que confirmaram a oclusão de veia jugular interna e tronco venoso braquiocefálico direito (Figura 1 e Figura 2).

Figura 1 Oclusão do tronco braquiocefálico direito. 

Figura 2 Oclusão da veia jugular interna e do tronco braquiocefálico direito, e rica rede venosa de colaterais. 

No ecodoppler venoso do MSD, encontramos a FAV braquiobasílica maturada e a veia cefálica com perviedade preservada no braço, até sua junção com a veia axilar, apresentando fluxo pulsátil e invertido - por transmissão retrógrada, a partir da veia axilar (Figura 3).

Figura 3 Ecodoppler evidenciando veia cefálica direita com fluxo invertido e pulsátil. 

O tratamento conservador consistiu em elevação do membro, uso de ataduras e braçadeira elástica, mas não houve melhora significativa dos sintomas.

Indicamos a intervenção endovascular; porém, havia necessidade de transferência do paciente a outra cidade, que foi recusada pelo paciente e pelos familiares.

Optamos por uma alternativa, visando a manter o funcionamento da FAV e diminuir a hipertensão venosa do MSD. Para isso, sob anestesia regional (bloqueio do plexo braquial), dissecamos a veia cefálica (pérvia no terço distal do braço) até a sua junção com a veia axilar. Utilizando o valvulótomo de Mills, obtivemos fluxo pulsátil em toda veia cefálica.

Através de complementação anestésica local na região cervical anterior, dissecamos a veia jugular externa esquerda, tunelizamos a veia cefálica direita devalvulada e anastomosamos término-lateralmente com a veia jugular externa esquerda.

Ao final da cirurgia, observamos a presença de frêmito no colar da veia cefálica transposta, da mesma forma que na FAV braquiobasílica.

O procedimento evoluiu sem intercorrências e, após a cirurgia, o paciente seguiu seu programa de hemodiálise normalmente, pelos mesmos acessos usados previamente (basílica do braço direito) e, lentamente, regrediu o edema do membro (Figura 4).

Figura 4 Membro superior direito após doze meses da cirurgia. 

Transcorridos mais de treze meses da cirurgia, a fístula permaneceu funcionante, com sessões de hemodiálise três vezes por semana, sem novas queixas relacionadas à hipertensão venosa do membro superior direito pelo paciente.

CONCLUSÃO

Nosso caso corrobora a expectativa dos dados relatados na literatura, que evidenciam índices de patência primária em torno de 85% após doze meses,3 tempo médio de funcionamento do acesso por nove meses e melhora dos sintomas em 88% dos casos.23

Apesar de raro, o tratamento relatado, assim como os enxertos exóticos apresentados na literatura, são opções eficientes para preservar o acesso vascular dialítico em pacientes com oclusão venosa central.

REFERÊNCIAS

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