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Transtorno mental comum em mulheres adultas: identificando os segmentos mais vulneráveis

Transtorno mental comum em mulheres adultas: identificando os segmentos mais vulneráveis

Autores:

Caroline Senicato,
Renata Cruz Soares de Azevedo,
Marilisa Berti de Azevedo Barros

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.23 no.8 Rio de Janeiro ago. 2018

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018238.13652016

Introdução

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) uma em cada quatro pessoas desenvolverá algum transtorno mental durante a vida1. Caracterizados por sintomas depressivos, estado de ansiedade e um conjunto de queixas somáticas inespecíficas2, o transtorno mental comum (TMC) é mais elevado nas mulheres do que nos homens3. Os transtornos mentais são a principal fonte de anos de vida saudáveis perdidos (DALY) para as mulheres entre 15 e 24 anos4. Prevê-se que, até 2020, a depressão passe a ser a primeira causa de DALY em mulheres em idade reprodutiva de países em desenvolvimento, na frente dos problemas de saúde diretamente relacionados à gestação, parto e puerpério5. Os prejuízos dos transtornos mentais na qualidade de vida decorrem do comprometimento funcional com perda de produtividade no trabalho e isolamento social, e conduzem ao aumento da utilização de serviços de saúde6,7, que produz custos elevados para o sistema de saúde e para os indivíduos e suas famílias, e custos menos mensuráveis, como o sofrimento individual e do grupo familiar.

De acordo com uma meta-análise que avaliou 174 publicações, de 1980 a 2013, de 63 países de alta, média e baixa renda, 17,6% dos adultos apresentaram transtornos mentais comuns nos últimos 12 meses, entre as mulheres essa prevalência foi de 19,7%. Os autores destacaram que, independente da situação econômica do país, as mulheres apresentaram maior prevalência de transtornos de humor e de ansiedade do que os homens3.

A maior vulnerabilidade feminina aos transtornos mentais pode ser devido às alterações no sistema endócrino que ocorrem no período pré-menstrual, pós-parto e menopausa; às pequenas diferenças no cérebro, com algumas características mais comuns no de mulheres do que de homens8; e, às desigualdades de gênero, que têm dentre as consequências desde a sobrecarga de trabalho doméstico9 às altas taxas de violência10. Além dos fatores biológicos e sociais que podem colaborar para a diferença entre os percentuais de transtornos mentais entre homens e mulheres, alguns fatores de risco parecem ser comuns para ambos, como as condições e suporte psicossociais, situação socioeconômica, estilo de vida e a situação de saúde11.

Apesar de se compreender que a mulher apresenta maior vulnerabilidade, é preciso melhor entendimento das condições socioeconômicas, estilo de vida e comorbidades associadas aos transtornos mentais, particularmente entre elas. Poucos estudos brasileiros investigaram o transtorno mental comum especificamente na população feminina, de acordo com uma revisão sistemática de 1997 a 2009 sobre transtornos mentais comuns na população adulta brasileira, os autores identificaram somente três estudos específicos com mulheres, todos realizados no nordeste do Brasil, que avaliaram a prevalência de TMC segundo inserção no mercado de trabalho, com resultados superiores aos mundiais, variando entre 28,1 e 36,8% no último ano12.

Embora existam domínios específicos dos transtornos mentais, como depressão e transtorno de ansiedade, este artigo centra-se nos TMC rastreados pelo instrumento Self-Reporting Questionnare (SRQ-20), amplamente utilizado em inquéritos de saúde de base populacional. Objetivou-se avaliar a prevalência de TMC entre as mulheres do município de Campinas e identificar a associação desse transtorno com variáveis socioeconômicas e demográficas, comportamentos relacionados à saúde, estado de saúde e morbidades. Conhecer os segmentos de mulheres mais vulneráveis ao transtorno mental comum permite o planejamento de ações voltadas à saúde da mulher que minimizem o prejuízo para a qualidade de vida em todo o ciclo de vida feminino, bem como os gastos do sistema público de saúde.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal de base populacional, que utilizou dados do Inquérito de Saúde do Município de Campinas (ISACamp), realizado entre 2008 e 2009.

O processo de amostragem do ISACamp 2008/2009 foi em dois estágios. No primeiro estágio, foram sorteados 50 setores censitários da área urbana do município de Campinas com probabilidade proporcional ao número de domicílios. Foi feito um sorteio sistemático, no qual os setores foram ordenados pelo percentual de chefes de família com nível universitário. No segundo estágio da amostra, após elaboração de listagem atualizada dos endereços dos domicílios dos setores censitários selecionados, foram sorteados os domicílios.

O tamanho da amostra foi definido considerando a estimativa de uma proporção de 0,50, com um erro máximo de 4 a 5 pontos percentuais, com intervalo de confiança de 95% e efeito de delineamento de 2, resultando em 1.000 indivíduos para cada domínio de idade: adolescente (10 a 19 anos), adulto (20 a 59 anos) e idoso (60 anos ou mais). Esperando 80% de taxa de resposta, o tamanho da amostra foi corrigido para 2.150, 700 e 3.900 domicílios, respectivamente para entrevistas com adolescentes, adultos e idosos. Foram entrevistados todos os residentes do domicílio, que fossem do domínio de idade sorteado para aquele domicílio (maiores detalhes do plano amostral encontram-se em: http://www.fcm.unicamp.br/fcm/sites/default/files/plano_de_amostragem.pdf). No presente estudo foram utilizados somente os dados de adultos do sexo feminino na faixa de 18 a 64 anos de idade, totalizando 848 mulheres na amostra.

Informações demográficas, socioeconômicas, de comportamentos relacionados à saúde, de condições de saúde e de uso de serviços de saúde foram obtidas por meio de um questionário estruturado, previamente testado, aplicado por entrevistadores treinados e supervisionados. A entrevista foi feita diretamente com a mulher selecionada.

As variáveis analisadas neste estudo foram:

  • Transtorno mental comum: a presença de TMC foi avaliada utilizando-se o instrumento Self Reporting Questionnaire 20 (SRQ-20) desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde para o rastreamento dos casos suspeitos de TMC em países em desenvolvimento. As questões foram referentes aos últimos trinta dias. O instrumento SRQ-20 é composto por 20 questões. As respostas são dicotômicas e para cada resposta afirmativa é atribuído um ponto, totalizando-se 20 pontos no caso de todas as respostas serem positivas. Foram considerados possíveis casos de TMC as mulheres que pontuaram seis ou mais pontos13.

  • Variáveis demográficas e socioeconômicas: faixa etária (18 a 29; 30 a 49 e 50 a 64), cor da pele/raça autorreferida (branca, preta e parda. Foram excluídas as de cor da pele/raça amarela devido ao pequeno número de mulheres, n = 4), religião (católica, evangélica, sem religião e outras), escolaridade (em anos de estudo e categorizada em: 0 a 8, 9 a 12 e 13 ou mais anos), ocupação (trabalhadoras remuneradas, desempregadas, aposentadas, donas de casa e estudantes. Foram classificadas como trabalhadoras remuneradas as mulheres que declararam estar exercendo uma atividade remunerada, mesmo que no momento da pesquisa estivessem temporariamente afastadas por motivo de doença ou aposentadas, mas que continuavam trabalhando de forma remunerada; como desempregadas, as mulheres que não estavam trabalhando, mas declararam estar procurando emprego; aposentadas, as mulheres que não trabalhavam mais de forma remunerada e estavam recebendo o salário de aposentadoria da previdência social ou da previdência privada; donas de casa, as mulheres que não exerciam nenhuma atividade remunerada e declararam ser donas de casa; e, estudantes, aquelas que não exerciam nenhuma atividade remunerada e só se dedicavam aos estudos), renda familiar per capita (calculada em número de salários mínimos (SM) e categorizada em: ≥ 2 SM e < 2 SM), estado conjugal (casada, vive junto/amasiada, desquitada/separada/divorciada/viúva e solteira), número de filhos (nenhum, 1 a 2 e 3 ou mais), número de moradores do domicílio (1 a 2, 3 a 4 e 5 ou mais), presença de empregada doméstica (sim e não) e número de equipamentos no domicílio (11 ou mais, 6 a 10 e 5 a 0).

  • Comportamentos relacionados à saúde: consumo de risco de álcool avaliado pelo Alcohol Use Disorder Identification Test (AUDIT), composto por dez itens, considerado positivo com 8 pontos ou mais14; frequência de consumo de bebida alcoólica (não bebe, ≤ 1 vez/semana e ≥ 2 vezes/semana); hábito de fumar (nunca fumou, fumante atual e ex-fumante), considerou-se não fumantes aquelas que referiram nunca ter fumado, ex-fumantes as que fumaram mais de 100 cigarros durante a vida, mas haviam cessado o consumo e, fumantes, as que informaram o uso atual de cigarro; prática de atividade física no contexto de lazer (ativa/insuficientemente ativa e inativa), avaliada pelo International Physical Activity Questionnaire (IPAQ), traduzido e submetido a estudo de validação no Brasil15, segundo a OMS16, foram consideradas mulheres ativas as que praticavam ao menos 150 minutos de atividade física moderada ou 75 minutos de atividade física vigorosa por semana, em sessões de pelo menos 10 minutos de duração, insuficientemente ativas: as que realizavam atividade física abaixo desse nível, e, inativas, as que não praticavam atividade física de lazer; consumo de frutas, verduras ou legumes (diário e não diário), segundo Ministério da Saúde17; e, duração média diária do sono (≥ 7 horas e ≤ 6 horas).

  • Estado de saúde e morbidades: doenças crônicas (não e sim), referidas como tendo sido diagnosticadas por médico ou outro profissional de saúde, listadas em um checklist: hipertensão arterial, diabetes, doença do coração, reumatismo/artrite/artrose, asma/bronquite/enfisema, tendinite/lesão por esforço repetitivo (LER)/distúrbio osteomuscular relacionado ao trabalho (DORT) e problema circulatório; e, número de doenças crônicas referidas entre as relacionadas (nenhuma, 1, 2, 3 e 4 ou mais); problemas de saúde referidos (não e sim): dor de cabeça/enxaqueca, dor nas costas/problema de coluna, alergia, tontura/vertigem, insônia e problema urinário; e, número de problemas de saúde autorreferidos entre os relacionados (2 ou menos, 3, 4 e 5 ou mais); ocorrência de acidente e de violência no último ano (não e sim); índice de massa corporal (IMC), calculado com as informações autorreferidas de peso e altura (eutrófico: IMC ≥ 18,5 a < 25 kg/m2; baixo peso: IMC < 18,5 kg/m2; sobrepeso: IMC ≥ 25 a < 30Kg/m2; e obeso: IMC ≥ 30kg/m2); e, autoavaliação da saúde (excelente, muito boa, boa e ruim/muito ruim).

Neste estudo, a variável dependente foi transtorno mental comum, avaliado pelo SRQ-20. As variáveis independentes foram os indicadores demográficos e socioeconômicos, os comportamentos e as condições de saúde e morbidades; a idade (contínua) foi usada para controle de confundimento nas análises bivariadas e mantida no modelo final.

As associações entre as variáveis foram determinadas por meio do teste qui-quadrado, com nível de significância de 5%. Modelos de regressão múltipla de Poisson com variância robusta foram usados para estimar as razões de prevalências ajustadas e seus intervalos de confiança de 95%. Foi realizado um modelo hierárquico de regressão de Poisson em três etapas. Na primeira etapa do modelo foram introduzidas as variáveis socioeconômicas e demográficas com p < 0,20 na análise bivariada; aquelas que apresentaram p < 0,05 na associação com o TMC permaneceram no modelo. Na segunda etapa, além das variáveis que permaneceram na etapa anterior, acrescentaram-se os comportamentos relacionados à saúde com p < 0,20 e mantiveram-se aqueles com p < 0,05. Na terceira etapa foram incluídos o número de doenças crônicas, o número de problemas de saúde referidos, IMC, e acidente e violência sofridos no último ano mantendo-se no modelo as variáveis que apresentaram um nível de significância menor de 5% (p < 0,05). As análises estatísticas, realizadas com o programa Stata versão 11.0 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos), módulo svy, consideraram os pesos amostrais e o efeito do delineamento do estudo. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado por todas as participantes da pesquisa.

Resultados

A amostra deste estudo foi composta por 848 mulheres com idades entre 18 e 64 anos. A prevalência de TMC entre as mulheres adultas no município de Campinas, avaliada pelo SRQ-20, foi de 18,7% (IC95%: 14,2-23,2).

Na Tabela 1, após ajuste por idade, as razões de prevalências de TMC foram significativamente maiores em mulheres com trinta anos ou mais, que referiram raça/cor preta, com até doze anos de escolaridade, que eram donas de casa, com renda familiar per capita menor que dois salários mínimos, desquitadas/separadas/divorciadas/viúvas, e que tinham três ou mais filhos, comparadas às respectivas categorias de referência.

Tabela 1 Prevalência e razão de prevalência (RP) de transtorno mental comum (SRQ-20) segundo variáveis socioeconômicas e demográficas de mulheres com 18 a 64 anos de Campinas, São Paulo. ISACamp 2008/2009. 

Variáveis n* Prevalência (%) RP ajustadaa (IC 95%)
Faixa etária (anos) 0,0055**
18 a 29 234 11,8 1
30 a 49 257 20,0 1,69 (1,04-2,74)
50 a 64 357 25,4 2,15 (1,40-3,31)
Total 848 18,7
Cor da pele/raça 0,1444**
Branca 617 17,0 1
Preta 66 25,9 1,54 (1,01-2,34)
Parda 159 22,7 1,40 (0,89-2,21)
Religião 0,3936**
Católica 453 16,1 1
Evangélica 278 21,5 1,40 (0,96-2,03)
Sem religião 64 23,6 1,61 (0,84-3,08)
Outras 50 18,1 1,17 (0,54-2,50)
Escolaridade (anos) <0,0001**
13 ou mais 200 7,7 1
9 a 12 220 19,6 2,68 (1,70-4,23)
0 a 8 427 25,5 2,99 (1,77-5,04)
Ocupação 0,0024**
Trabalhadoras remuneradas 423 14,3 1
Desempregadas 38 17,6 1,34 (0,55-3,26)
Aposentadas 101 32,7 1,82 (0,96-3,44)
Donas de casa 245 27,2 1,79 (1,16-2,75)
Estudantes 34 11,2 0,98 (0,37-2,61)
Renda familiar per capita (SM) 0,0178**
>= 2 259 13,0 1
< 2 589 21,4 1,68 (1,11-2,53)
Estado conjugal 0,0067**
Casada 377 17,4 1
Vive junto/amasiada 103 18,4 1,20 (0,74-1,94)
Desquitada/separada/divorciada/viúva 146 33,0 1,75 (1,12-2,74)
Solteira 222 13,8 0,96 (0,52-1,76)
Número de filhos <0,0001**
Nenhum 224 10,2 1
1 a 2 366 18,2 1,68 (1,00-2,81)
3 ou mais 258 28,9 2,51 (1,38-4,56)
Nº de moradores no domicílio (pessoas) 0,7123**
1 a 2 263 19,8 1,05 (0,68-1,64)
3 a 4 368 17,3 1
5 ou mais 217 20,2 1,22 (0,84-1,77)
Presença de empregada doméstica 0,1040**
Sim 80 10,9 1
Não 768 19,5 1,93 (0,91-4,09)
Número de equipamentos no domicílio 0,4345**
11 ou mais 145 17,0 1
6 a 10 457 20,9 1,32 (0,84-2,06)
5 a 0 245 16,1 1,06 (0,58-1,94)

*Número de indivíduos na amostra não ponderada; ** Teste qui-quadrado: valor de p. aModelo de regressão múltipla de Poisson. Variável de ajuste: idade. Salário mínimo vigente: janeiro a abril/2008: R$ 415,00; maio/2008 a abril/2009: R$ 450,00.

Dentre os comportamentos relacionados à saúde, as mulheres que eram fumantes, inativas fisicamente no lazer, que não consumiam frutas, verduras ou legumes diariamente e que dormiam seis horas ou menos por noite apresentaram razões de prevalências de TMC significativamente maior, após o ajuste por idade (Tabela 2).

Tabela 2 Prevalência e razão de prevalência (RP) de transtorno mental comum (SRQ-20) segundo comportamentos relacionados à saúde de mulheres com 18 a 64 anos de Campinas, São Paulo. ISACamp 2008/2009. 

Variáveis n* Prevalência (%) RP ajustadaa (IC 95%)
Consumo de risco de álcool (AUDIT) 0,2503**
Não 822 18,3 1
Sim 24 30,5 1,79 (0,78-4,11)
Frequência de consumo de álcool 0,7064**
Não bebe 688 19,4 1
1 vez/sem ou menos 123 16,3 0,87 (0,54-1,42)
2 ou mais vezes/sem 35 16,2 0,81 (0,34-1,93)
Hábito de fumar 0,0147**
Nunca fumou 633 15,6 1
Fumante 129 27,9 1,70 (1,17-2,47)
Ex-fumante 85 25,0 1,51 (0,88-2,57)
Atividade física de lazer (IPAQ) 0,0424**
Ativa/Insuficientemente ativa 244 12,1 1
Inativa 604 21,0 1,86 (1,08-3,21)
Consumo de fruta/verdura/legumes 0,0262**
Diário 226 11,3 1
Não diário 622 21,1 2,18 (1,24-3,85)
Duração diária do sono (horas) < 0,0001**
≥ 7 678 14,7 1
≤ 6 165 34,2 2,20 (1,51-3,21)

*Número de indivíduos na amostra não ponderada; **Teste qui-quadrado: valor de p. aModelo de regressão múltipla de Poisson. Variável de ajuste: idade.

A Tabela 3 apresenta a prevalência de TMC segundo doenças crônicas, problemas de saúde referidos, acidentes e violência, índice de massa corporal e autoavaliação da saúde. Após o ajuste por idade, as mulheres com diagnóstico médico de hipertensão, doença do coração, reumatismo/artrite/artrose, asma/bronquite/enfisema, tendinite/LER/DORT e problema circulatório, e que relataram dor de cabeça, dor nas costas, tontura/vertigem, insônia e problema urinário apresentaram maior prevalência de TMC. Dentre as morbidades crônicas, as maiores prevalências de transtornos mentais foram verificadas em mulheres com problema circulatório (RP = 2,58), tendinite/LER/DORT (RP = 2,52) e reumatismo/artrite/artrose (RP = 2,48). Já em relação aos problemas de saúde referidos, as mulheres com insônia se destacaram por apresentarem 4,07 vezes mais prevalência de TMC comparada àquelas que não referiram esse problema, seguidas pelas mulheres com problema urinário (RP = 2,79) e por aquelas que relataram tontura/vertigem (RP = 2,69). Observou-se aumento importante da prevalência de TMC com o aumento do número de doenças crônicas e do número de problemas de saúde. Possuir quatro doenças crônicas ou mais aumentou 7,69 vezes a ocorrência de TMC e referir cinco ou mais problemas de saúde representou 2,86 vezes mais transtorno mental. As mulheres que sofreram violência no ano anterior à pesquisa apresentaram prevalência significativamente maior de TMC (RP = 2,82), em relação à ausência dessa situação. As mulheres obesas apresentaram 1,67 vezes mais TMC do que as mulheres eutróficas. Já àquelas que avaliaram a própria saúde como boa ou ruim/muito ruim apresentaram respectivamente, 2,80 vezes e 10,16 vezes mais prevalência de transtorno mental comum, em comparação ao segmento de mulheres adultas que consideravam sua saúde excelente.

Tabela 3 Prevalência e razão de prevalência (RP) de transtorno mental comum (SRQ-20)segundo morbidades e estado de saúde de mulheres com 18 a 64 anos de Campinas, São Paulo. ISACamp 2008/2009. 

Variáveis n* Prevalência de TMC (%) p** RP ajustadaa (IC 95%)
Hipertensão arterial 213 30,7 0,0016 1,62 (1,07-2,47)
Diabetes 69 32,9 0,0090 1,48 (0,98-2,25)
Doença do coração 52 38,4 0,0019 1,85 (1,20-2,86)
Reumatismo/artrite/artrose 94 48,8 < 0,0001 2,48 (1,59-3,88)
Asma/bronquite/enfisema 37 41,6 0,0328 2,16 (1,05-4,41)
Tendinite/LER/DORT 62 45,3 < 0,0001 2,52 (1,70-3,72)
Problema circulatório 138 43,1 < 0,0001 2,58 (1,76-3,78)
Número de doenças crônicas < 0,0001
Nenhuma 405 9,5 1
1 214 23,7 2,58 (1,66-3,99)
2 110 31,1 3,52 (1,90-6,49)
3 66 36,6 4,19 (2,56-6,88)
4 ou mais 53 65,5 7,69 (4,53-13,06)
Dor de cabeça/enxaqueca 279 29,4 < 0,0001 2,29 (1,77-2,97)
Dor nas costas/problema de coluna 308 27,2 < 0,0001 1,76 (1,29-2,41)
Alergia 259 23,0 0,0844 1,40 (0,98-2,00)
Tontura/vertigem 126 43,7 < 0,0001 2,69 (1,74-4,16)
Insônia 175 48,5 < 0,0001 4,07 (2,88-5,77)
Problema urinário 47 51,0 < 0,0001 2,79 (1,89-4,14)
Número de problemas de saúde < 0,0001
2 ou menos 294 11,7 1
3 268 13,1 1,08 (0,56-2,08)
4 170 27,2 2,22 (1,46-3,38)
5 ou mais 116 36,9 2,86 (1,63-5,01)
Acidentes (último ano) 56 23,7 0,2902 1,25 (0,78-1,99)
Violência (último ano) 41 47,2 0,0002 2,82 (1,87-4,26)
IMC 0,0165
Eutrófico 403 15,0 1
Baixo peso 47 10,4 0,70 (0,28-1,78)
Sobrepeso 245 21,1 1,29 (0,84-1,98)
Obesidade 153 28,0 1,67 (1,02-2,70)
Autoavaliação da saúde < 0,0001
Excelente 129 6,7 1
Muito boa 176 6,8 0,98 (0,35-2,72)
Boa 476 19,7 2,80 (1,26-6,20)
Ruim/muito ruim 67 74,6 10,16 (4,43-23,28)

*Número de indivíduos na amostra não ponderada; **Teste qui-quadrado: valor de p; aModelo de regressão múltipla de Poisson. Variável de ajuste: idade. IMC: índice de massa corporal.

No modelo hierárquico de regressão múltipla de Poisson verificou-se maior prevalência de TMC nas mulheres de 30 a 49 anos, com até doze anos de escolaridade, que eram donas de casa, separadas/divorciadas/viúvas, que não consumiram frutas, verduras ou legumes diariamente, que dormiam seis horas ou menos por noite, que apresentaram uma ou mais doença crônica, quatro ou mais problemas de saúde referidos, e sofreram algum tipo de violência física ou psicológica no último ano que antecedeu a entrevista (Tabela 4).

Tabela 4 Modelo hierárquico de regressão de Poisson de mulheres com 18 a 64 anos de Campinas, São Paulo. ISACamp 2008/2009. 

Variáveis Primeira Etapa Segunda Etapa Terceira Etapa
RP (IC 95%) Valor de p RP (IC 95%) Valor de p RP (IC 95%) Valor de p
Faixa etária (anos)
18 a 29 1 1 1
30 a 49 1,76 (1,07-2,91) 0,028 1,62 (1,02-2,57) 0,042 1,40 (0,84-2,34) 0,194
50 a 64 1,66 (0,97-2,82) 0,061 1,45 (0,85-2,47) 0,169 1,05 (0,53-2,08) 0,884
Escolaridade (anos)
13 ou mais 1 1 1
9 a 12 2,55 (1,54-4,20) < 0,001 2,72 (1,66-4,47) < 0,001 2,50 (1,60-3,92) < 0,001
0 a 8 2,67 (1,50-4,74) 0,001 2,95 (1,66-5,23) < 0,001 2,15 (1,32-3,52) 0,003
Ocupação
Trabalhadoras remuneradas 1 1 1
Desempregadas 1,35 (0,60-3,02) 0,462 1,59 (0,72-3,48) 0,241 1,90 (0,84-4,31) 0,120
Aposentadas 1,77 (0,95-3,28) 0,071 2,06 (1,01-4,20) 0,048 1,75 (0,83-3,68) 0,135
Donas de casa 1,67 (1,09-2,56) 0,018 1,61 (1,05-2,47) 0,029 1,83 (1,24-2,71) 0,003
Estudantes 1,86 (0,56-6,22) 0,306 2,29 (0,76-6,85) 0,137 2,56 (0,87-7,53) 0,087
Estado conjugal
Casada 1 1 1
Vive junto/amasiada 1,16 (0,72-1,88) 0,535 1,10 (0,70-1,73) 0,658 1,09 (0,70-1,71) 0,686
Separada/divorciada/viúva 1,67 (1,07-2,60) 0,025 1,61 (1,05-2,48) 0,029 1,23 (0,84-1,84) 0,280
Solteira 1,29 (0,75-2,20) 0,349 1,11 (0,68-1,83) 0,658 1,11 (0,72-1,72) 0,615
Consumo fruta/verdura/legumes
Diário 1 1
Não diário 1,95 (1,12-3,37) 0,019 1,81 (1,07-3,06) 0,028
Duração diária do sono (horas)
≥ 7 1 1
≤ 6 2,66 (1,87-3,78) < 0,001 2,05 (1,51-2,80) < 0,001
Número de doenças crônicas
Nenhuma 1
1 2,22 (1,47-3,35) 0,001
2 2,35 (1,36-4,07) 0,003
3 2,48 (1,61-3,84) < 0,001
4 ou mais 3,86 (2,28-6,52) < 0,001
Número de problemas de saúde
2 ou menos 1
3 0,90 (0,49-1,69) 0,760
4 1,59 (1,04-2,44) 0,032
5 ou mais 1,94 (1,21-3,12) 0,007
Violência (último ano)
Não 1
Sim 2,28 (1,52-3,43) < 0,001

Discussão

A prevalência de transtorno mental comum nas mulheres adultas no município de Campinas esteve dentro da faixa encontrada por uma revisão sistemática sobre a prevalência dos transtornos mentais na população feminina brasileira, que foi de 19% a 34%12, e muito próxima ao valor encontrado por uma meta-análise, que avaliou pessoas de 16 a 65 anos em todo o mundo e concluiu que 19,7% das mulheres apresentaram algum transtorno mental comum no último ano3.

Como a literatura aponta, são muitos os fatores sociais envolvidos na saúde mental e no bem-estar das mulheres ao longo da vida18,19. Contudo, este estudo concluiu que, no conjunto dos determinantes sociais da saúde, alguns apresentam maior relevância do que outros para a saúde mental feminina. Analisando os indicadores socioeconômicos e demográficos relacionados aos TMC, observou-se que idade, cor da pele/raça, nível de escolaridade, ocupação, renda familiar per capita, estado conjugal e número de filhos estavam estatisticamente associados a esses transtornos. Entretanto, somente escolaridade e ocupação permaneceram significativas ao ajustar por todas as variáveis. As mulheres com até 8 anos de estudos apresentaram prevalência de TMC 2,67 vezes mais elevada do que aquelas com 13 anos ou mais. Mas, o que faz com que a educação se destaque na associação com a saúde mental diante dos outros indicadores socioeconômicos? Segundo estudos, o acesso à educação gera habilidades cognitivas, assertividade e capacitação para tomar decisões, que contribuem com a independência, o controle da fertilidade, a qualidade da alimentação e o bem-estar econômico, fatores que influenciam na saúde física e mental20,21. Para alguns autores, a hipótese mais plausível é de que os recursos financeiros individuais proporcionados pelo trabalho remunerado sejam fundamentais na associação entre educação e saúde21. Ainda que o efeito independente de cada determinante social seja controverso, este estudo não encontrou associação entre TMC e renda após o ajuste pelas demais variáveis socioeconômicas e demográficas. Uma justificativa para esse resultado seria que a variável utilizada foi a renda familiar per capita, uma vez que parte significativa das mulheres não possui renda, por não trabalhar fora de casa.

Congruente às argumentações apresentadas, é o fato de que juntamente com a educação, a ocupação foi o outro determinante social de grande importância na saúde mental das mulheres após os ajustes9,22,23. As donas de casa apresentaram 67% mais TMC do que as trabalhadoras remuneradas. Juntos, o aumento da escolaridade feminina e a participação da mulher no mercado de trabalho fizeram com que as mulheres passassem a ser menos dependentes financeiramente de seus cônjuges. Mas, além do aspecto financeiro proporcionado pelo trabalho remunerado, a ocupação, como a escolaridade, também pode possibilitar às mulheres maior autonomia e poder de decisão, que coopera com a autoestima e confiança, e consequentemente melhora a satisfação com a vida24. A ocupação se destaca de forma particular por proporcionar uma rede social de apoio no ambiente de trabalho que facilita o autocontrole em situações de tensão e estresse25. Os resultados deste estudo revelam que as donas de casa apresentam mais prejuízos na saúde mental do que as trabalhadoras remuneradas, o que leva a crer que algumas características atreladas ao trabalho doméstico, bem como os estereótipos, podem ser prejudiciais aos aspectos mentais e emocionais. Autores consideram que a rotina, a monotonia do dia a dia de uma dona de casa, e a desvalorização do trabalho doméstico são fatores singulares e impactantes no prejuízo da saúde mental24-27.

A associação entre estado conjugal e saúde mental é amplamente pesquisada28,29. Mulheres separadas, divorciadas ou viúvas apresentaram prevalência de transtornos mentais 67% mais elevada do que mulheres casadas, resultado apoiado por pesquisa longitudinal, realizado no Canadá. Segundo esse estudo, tanto homens quanto mulheres que se separaram ou ficaram viúvos apresentaram níveis significativamente mais elevados de estresse do que aqueles que continuaram casados no período de dois anos30. Segundo uma meta-análise, com 126 artigos publicados nos últimos 50 anos, é a qualidade da relação conjugal que está relacionada aos indicadores de saúde. O relato de satisfação com o casamento foi associado a melhores marcadores biológicos como menor pressão arterial, risco de doenças cardiovascular e até mesmo mortalidade entre adultos28. Para os autores, a satisfação com o casamento é consequência do apoio social. O apoio social pode atenuar os efeitos estressantes do dia a dia. No casamento, indivíduos compartilham uma ampla variedade de atividades, que incluem refeições, tarefas domésticas, cuidado com os filhos, lazer, descanso, e recursos financeiros, muitas vezes, em maior grau do que aqueles que vivem juntos, mas não são casados. A ausência de apoio por parte do cônjuge pode ser motivo de conflito, insatisfação com o casamento, angústia psicológica e comprometimento da saúde física.

Em relação aos comportamentos relacionados à saúde, o papel da nutrição nos transtornos mentais tem tido um reconhecimento crescente por parte da literatura científica31,32. Este estudo constatou prevalência 93% mais elevada de TMC nas mulheres que não consumiam frutas, verduras ou legumes diariamente comparados às mulheres que faziam consumo diário desses alimentos. Resultado respaldado por outros estudos transversais internacionais, que verificaram associação entre a baixa ingestão ou deficiência de zinco, magnésio e ácido fólico (encontrados em níveis elevados nas frutas, legumes e verduras) e depressão e distimia em mulheres, após o ajuste por variáveis socioeconômicas e comportamentos33,34. Contudo, não podemos deixar de argumentar que uma dieta desequilibrada também pode refletir o comprometimento do autocuidado, atitude mais prevalente nas mulheres com transtornos mentais. Mas, segundo uma revisão sistemática sobre suplementação de ferro e zinco e sintomas depressivos de mulheres pré-menopausicas, de dez ensaios clínicos randomizados, sete estudos mostraram melhora no humor, memória e cognição das mulheres após a suplementação de ferro e de zinco35, indicando que a ausência desses minerais pode prejudicar a saúde mental.

Outro comportamento associado ao TMC entre as mulheres foi a duração do sono. É sabido que problemas relacionados com o sono estão entre os sinais que podem caracterizar algum transtorno mental a priori36. Como esperado, as mulheres que referiram dormir seis ou menos horas diárias apresentaram prevalência de TMC 2,66 vezes mais elevada do que aquelas que referiram dormir sete ou mais horas. Estudo realizado com idosos, também com os dados do ISACamp 2008/2009, apontou resultado similar, Lima et al.37 verificaram que as mulheres que dormiam cinco horas ou menos por dia apresentaram pior saúde mental, com os aspectos emocionais e a vitalidade prejudicados em relação às mulheres que dormiam de 7 a 8 horas. Há vários relatos na literatura de que o padrão de sono curto está associado aos prejuízos na saúde mental, como depressão, ansiedade, alteração de humor, tensão e fadiga38,39. De acordo com Faubel et al.40, as mulheres que tinham um padrão de sono curto apresentaram pior qualidade de vida relacionada à saúde, sobretudo quanto aos aspectos emocionais, demonstrando a associação do estado de saúde e a funcionalidade do organismo, o bem estar físico e mental e o desempenho de atividades sociais.

É comum os transtornos mentais estarem acompanhados pelas doenças somáticas11,19,31, inclusive, a gravidade dos transtornos mentais pode estar relacionada com as comorbidades associadas. Mulheres que referiam quatro ou mais doenças crônicas apresentaram 3,75 vezes mais prevalência de TMC do que aquelas que referiram não ter doença. Com exceção ao diabetes e à alergia, este estudo identificou associação entre TMC e todas as morbidades e problemas de saúde pesquisados. Resultados do World Mental Health, pesquisa mundial com adultos de dezessete países, realizado pela OMS, revelam associação entre transtornos mentais e diabetes, asma, hipertensão, artrite, úlcera, doença do coração, problemas nas costas, dor de cabeça crônica, obesidade e múltiplas dores41. Dentre as doenças crônicas pesquisas, os problemas circulatórios foram os que apresentaram maior relevância na prevalência de TMC, as mulheres acometidas tiveram 2,58 vezes mais transtornos mentais. Em um estudo com mulheres, antecedentes de doenças cardiovasculares prévias, os sintomas depressivos aumentaram significativamente os riscos de desenvolver alguma doença cardiovascular e de mortalidade42. Ao analisar dados de estudos apresentados em uma conferência multidisciplinar sobre o tema, pesquisadores apontaram que o estresse crônico, a depressão e a ansiedade podem aumentar as taxas, as complicações e a mortalidade por doenças cardiovasculares à medida que podem afetar negativamente o autocuidado e causar alterações persistentes nas atividades hormonais e a desregulação do eixo hipotálamo-supra-renal43. Todavia, apesar da evidência da causalidade entre transtornos mentais e morbidades, como vem sendo apontado por alguns estudos, há necessidade de investigações mais aprofundadas. Há estudo que revela que doenças crônicas podem provocar aumento dos transtornos mentais à medida que afetam a qualidade de vida, pois interferem nas relações sociais, hábitos e rotinas44.

Por fim, outro fator associado ao TMC foi a violência contra a mulher, que ganha destaque por ser um dos fatores de maior impacto10,45. Mulheres que sofreram algum tipo de violência no último ano que antecedeu a entrevista apresentaram 2,28 mais transtornos mentais comuns comparadas àquelas que não relataram ter sofrido. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a violência é a principal causa associada à depressão em mulheres46. Estudo realizado com 468 mulheres vítimas de violência sexual na Região Metropolitana de Campinas apontou sintomas depressivos, ansiosos e alterações no sono em mais de metade das mulheres avaliadas47. Em pesquisa multicêntrica, em 10 países, incluindo o Brasil, os autores verificaram associação positiva entre violência e TMC, avaliado pelo SRQ-20, além da associação entre violência e pensamentos suicidas e tentativas de suicídios48. Segundo Kumar et al.10, a violência contra a mulher é um fenômeno extremamente complexo, que representa uma ameaça grave à saúde mental das mulheres, e está profundamente enraizado nas relações de gênero baseadas no poder, que envolvem questões de sexualidade, autoidentidade e também instituições sociais.

Algumas das limitações do estudo decorrem do corte transversal da pesquisa que não permite fazer inferências causais, e também do número total de entrevistadas que, apesar de adequado para estimar a maior parte das prevalências, mostra-se insuficiente para algumas categorias menos frequentes de algumas variáveis. Quanto ao instrumento utilizado, o SRQ-20, foi submetido a estudo de validação na população urbana brasileira49 e se destaca por ser amplamente utilizado em inquéritos de base populacional devido a sua simples aplicação, que pode ser por meio do autopreenchimento ou de entrevista realizada por entrevistadores leigos e treinados, como foi o caso desta pesquisa. Entretanto, ressalta-se que o SRQ-20 não estabelece categorias diagnósticas como na Classificação Internacional de Doenças – 10 (CID-10) e no Diagnostic and Statistical Manual – V (DSM-V), sendo, portanto, um instrumento de rastreamento de casos suspeitos de transtornos mentais comuns.

Este estudo destaca que mulheres mais velhas, com baixa escolaridade, donas de casa, separadas ou viúvas, com dieta alimentar inadequada, que dormem pouco, doentes e que sofrem violência fazem parte dos segmentos mais vulneráveis ao transtorno mental comum e, portanto, devem ser tratadas com prioridade pelos serviços de saúde. É necessária uma sensibilização na avaliação realizada pelo profissional de saúde, com atenção às condições socioeconômicas da mulher, e compreensão dos fatores de risco específicos aos problemas mentais na história de vida de cada uma, como o estilo de vida, a presença prévia de morbidades e a história de violência. Dada a associação entre TMC e doenças crônicas, problemas de saúde e violência, e as consequências clínicas das comorbidades, que agravam ainda mais os transtornos mentais, esses fatores de risco devem ser objetos de pesquisas, e trabalhados na prevenção de TMC e no auxílio para o diagnóstico na clínica médica. Diagnosticar precocemente mulheres com TMC, bem como acompanhá-las e tratá-las, pode reduzir os impactos dos transtornos mentais na qualidade de vida, minimizando o sofrimento e os resultados adversos na saúde delas e de suas famílias, e os custos aos serviços de saúde.

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