versão impressa ISSN 0102-311Xversão On-line ISSN 1678-4464
Cad. Saúde Pública vol.36 no.2 Rio de Janeiro 2020 Epub 31-Jan-2020
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00154319
A pesar de que se reconozca que la depresión y ansiedad provoquen incapacidades, así como perjuicios laborales y problemas para los sistemas de salud, las investigaciones de base poblacional son escasas en Brasil. Este estudio evaluó la prevalencia de trastornos mentales en adolescentes, jóvenes y adultos, y su relación con características sociodemográficas en cinco cohortes de nacimiento (RPS), en Ribeirão Preto (São Paulo), Pelotas (Rio Grande do Sul) y São Luís (Maranhão), Brasil. Episodio depresivo, riesgo de suicidio, fobia social y trastorno de ansiedad generalizada se evaluaron usando el Mini International Neuropsychiatric Interview. Se estimaron los intervalos de confianza bootstrap y las prevalencias fueron estratificadas por sexo y nivel socioeconómico en el programa R. Se incluyeron a 12.350 participantes de las cohortes. Un episodio actual depresivo mayor fue más prevalente en adolescentes de São Luís (15,8%; IC95%: 14,8-16,8) y en adultos de Ribeirão Preto (12,9%; IC95%: 12,0-13,9). Las mayores prevalencias para el riesgo de suicidio se produjeron en los adultos de Ribeirão Preto (13,7%; IC95%:12,7-14,7), fobia social y ansiedad generalizada en los jóvenes de Pelotas con 7% (IC95%: 6,3-7,7) y 16,5% (IC95%: 15,4-17,5), respectivamente. Las menores prevalencias de riesgo de suicidio se produjeron en los jóvenes de Pelotas (8,8%; IC95%: 8,0-9,6), fobia social en los jóvenes de Ribeirão Preto (1,8%; IC95%: 1,5-2,2) y ansiedad generalizada en los adolescentes de São Luís (3,5%; IC95%: 3,0-4,0). En general, los trastornos mentales fueron más prevalentes en las mujeres y en aquellos con menor nivel socioeconómico, independientemente del centro y edad, reforzando la necesidad de una mayor inversión en salud mental en Brasil, sin desconsiderar determinantes de género y socioeconómicos.
Palabras-clave: Trastornos Mentales; Estudios de Cohortes; Factores Socioeconómicos; Género y Salud; Estadios del Ciclo de Vida
A promoção da saúde mental é considerada uma prioridade global e está incluída na agenda dos objetivos de desenvolvimento sustentável 1. Estimativas indicam que uma em cada dez pessoas possa ter algum transtorno mental e que uma em cada quatro o desenvolverá ao longo da vida 2,3. Em 2016, os transtornos mentais e comportamentais por uso de substâncias afetaram mais de um bilhão de pessoas no mundo, sendo responsáveis por 7% da carga global de doenças e por 19% dos anos vividos com incapacidade 4,5. Na América Latina e no Caribe, os transtornos mentais e comportamentais, inclusive por uso de substâncias, são responsáveis por 10,5% da carga global de doenças, sendo que na América do Sul a prevalência de transtornos mentais nos últimos 12 meses foi de 17% 6.
No Brasil, estudos com representatividade regional e nacional sobre saúde mental são limitados 7, mas estimativas do final da década de 1990 apontavam que as doenças neuropsiquiátricas eram responsáveis por 34% de toda a morbidade no país e, entre as doenças não transmissíveis, foi a principal causa de anos de vida perdidos por morte prematura ou incapacidade (disability-adjusted life year - DALY) 8. Estimativas recentes mostram que transtornos mentais como depressão e ansiedade estão entre as 10 principais causas de anos de vida vividos com incapacidade no Brasil 9. Em diversas regiões do planeta, o avanço das iniquidades sociais tem agravado a ocorrência de transtornos mentais 10,11. Em países de baixa e média renda, fatores ambientais como a violência urbana 12,13 parecem ampliar as iniquidades em saúde mental, especialmente nos grupos em maior risco a estes eventos traumáticos, como mulheres e indivíduos de menor nível socioeconômico.
Estudos que utilizem instrumentos padronizados para avaliar a prevalência de transtornos mentais no nível populacional são úteis para conhecer a extensão dos mesmos, avaliar tendências, comparar padrões e para avaliar fatores associados à sua ocorrência 14,15,16. O objetivo deste trabalho foi descrever as prevalências de depressão, risco de suicídio, fobia social e transtorno de ansiedade generalizada em adolescentes, jovens e adultos, de acordo com variáveis sociodemográficas (sexo, renda familiar e escolaridade materna ao nascimento), em cinco coortes de nascimento brasileiras que têm sido acompanhadas em diferentes regiões do Brasil.
Este trabalho é baseado em dados coletados ao nascimento, no âmbito do Consórcio de Coortes de Ribeirão Preto (São Paulo), Pelotas (Rio Grande do Sul) e São Luís (Maranhão) [RPS], três cidades brasileiras geográfica e socioeconomicamente distintas. De acordo com o Índice de Gini, que reflete o grau de concentração de renda, em 2010, Ribeirão Preto, situada na Região Sudeste apresentou o menor escore de desigualdade social entre as três cidades, de 0,546. Pelotas, situada na Região Sul, apresentou um Índice de Gini de 0,560 e, São Luís, localizada na Região Nordeste, registrou o maior escore de desigualdade social, de 0,627 (Departamento de Informática do SUS. Índice Gini da renda domiciliar per capita segundo Município. http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/ibge/censo/cnv/ginibr.def, acessado em 03/Jul/2019).
Para Ribeirão Preto foram utilizados dados dos acompanhamentos com 37/39 anos e 21/23 anos, das coortes de 1978/1979 e 1994, respectivamente. Em Pelotas, incluímos os dados da visita aos 30 anos na coorte de 1982 e dos 18 e 22 anos na coorte de 1993. Já em São Luís, analisamos dados da visita aos 18/19 anos de idade da coorte de 1997/1998. Os termos adolescentes, jovens e adultos serão empregados para descrever os resultados referentes aos indivíduos que foram acompanhados antes dos 19 anos, entre 21 e 23, bem como depois dos 29 anos de idade, respectivamente.
Em Pelotas, em 1982 e 1993, todas as maternidades da cidade foram visitadas diariamente e os recém-nascidos cujas famílias residiam na área urbana foram examinados e suas mães entrevistadas 17,18. Em Ribeirão Preto, os participantes da coorte de 1978/1979 também foram recrutados ao nascer nas oito maternidades da cidade, e suas mães entrevistadas no período de 1º de junho de 1978 a 31 de maio de 1979.
Em 1994, entre os meses de maio e agosto, foram recrutados os nascimentos nas maternidades de Ribeirão Preto 19,20,21. Já em São Luís, os participantes da coorte de 1997/1998 foram recrutados em 10 maternidades da cidade, entre 1º de março de 1997 e 28 de fevereiro de 1998, mediante amostragem sistemática com probabilidade de seleção proporcional ao número de partos em cada um dos hospitais, sendo que um de cada sete nascidos vivos de mães residentes em São Luís foi selecionado para o estudo 20,22,23.
Em todas as coortes de nascimento foram efetuados acompanhamentos em diferentes momentos do ciclo vital. Maiores detalhes sobre a metodologia dos estudos foram previamente publicados 17,18,19,20,22.
No que diz respeito à população estudada em Pelotas, nos acompanhamentos incluídos, tentou-se avaliar todos os participantes das coortes de 1982 e de 1993 17,18. Em Ribeirão Preto também tentou-se avaliar todos os participantes das coortes de 1978/1979 e de 1994 24. Em São Luís os participantes da coorte de 1997/1998 foram acompanhados aos 18/19 anos, sendo que parte da amostra (613) era proveniente da coorte original e o restante (1.886) foi constituído por uma coorte aberta composta por indivíduos igualmente nascidos no mesmo local, em 1997 25.
Os transtornos mentais foram avaliados por profissionais previamente treinados em todos os sítios do Consórcio de Coortes RPS, usando-se módulos diagnósticos do Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI), que se baseia em critérios da quarta versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV) e da Classificação Internacional de Doenças, 10ª revisão (CID-10). Em São Luís e em Pelotas, apenas alguns módulos do MINI foram aplicados, já em Ribeirão Preto todos os módulos foram utilizados. Neste estudo, foram avaliados episódio depressivo maior (EDM) atual e passado, risco de suicídio, fobia social e transtorno de ansiedade generalizada (TAG) por serem os transtornos com dados disponíveis em todos os acompanhamentos e sua presença foi determinada por algoritmos preestabelecidos no MINI 26.
Devido à baixa prevalência de alguns desfechos, os intervalos de confiança foram estimados com base nos percentis bootstrap, com cinco mil replicações 27. Dessa forma, foram evitados valores negativos e perda na precisão das estimativas intervalares. Com isso, a avaliação das diferentes prevalências entre os centros foi efetuada mediante a inspeção dos limites inferiores e superiores das estimativas intervalares. Complementarmente, o teste de qui-quadrado foi empregado para avaliar a igualdade de proporções dentro de cada um dos centros incluídos. As prevalências foram estratificadas de acordo com a renda familiar (tercis de renda), escolaridade materna ao nascer (0-4 anos; 5-8; 9-11 anos; 12 e mais) e sexo (masculino e feminino). O programa R, versão 3.6.0 (http://www.r-project.org), foi empregado nas análises estatísticas e o nível de confiança considerado nas análises foi de 5%.
Todos os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo que para os menores de 18 anos foi solicitada a assinatura do responsável no Termo, e a coleta de dados em todos os centros foi precedida da aprovação pelos Comitês de Ética em Pesquisa.
Foram avaliadas cinco coortes de nascimento, em diferentes estágios do ciclo vital, duas em Ribeirão Preto, duas em Pelotas e uma em São Luís e, ao todo, 12.350 indivíduos foram incluídos nas análises, sendo 4.055 da coorte de 1993 de Pelotas, 3.576 da coorte de 1982 de Pelotas, 2.499 da coorte de 1997/1998 de São Luís, 1.624 da coorte de 1978/1979 de Ribeirão Preto e mais 596 indivíduos da coorte de 1994 de Ribeirão Preto.
A Tabela 1 mostra que as prevalências de EDM atual foram menores nas coortes de Pelotas, independentemente da idade. A prevalência de EDM atual foi maior nos adultos da coorte de 1982 do que nos jovens e adolescentes da coorte de 1993. Em Ribeirão Preto, a prevalência em adultos também foi maior do que nos jovens. Ademais, independentemente do local e da idade, a prevalência de EDM atual foi maior nas mulheres e nos indivíduos com menor nível socioeconômico.
Tabela 1 Prevalência de episódio depressivo maior atual (EDM-atual), de acordo com características sociodemográficas, nas coortes de nascimento de Ribeirão Preto (São Paulo), Pelotas (Rio Grande do Sul) e São Luís (Maranhão), coortes RPS, Brasil.
EDM-atual | Coorte de 1978/1979 (Ribeirão Preto, 37/39 anos) | Coorte de 1982 (Pelotas, 30 anos) | Coorte de 1994 (Ribeirão Preto, 21/23 anos | Coorte de 1993 (Pelotas, 22 anos) | Coorte de 1993 (Pelotas, 18 anos) | Coorte de 1997/1998 (São Luís, 18/19 anos) | ||||||
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% | IC95% | % | IC95% | % | IC95% | % | IC95% | % | IC95% | % | IC95% | |
Sexo | p < 0,05 | p < 0,05 | p < 0,05 | p < 0,05 | p < 0,05 | p < 0,05 | ||||||
Feminino | 17,3 | 16,2-18,4 | 12,8 | 11,8-13,7 | 12,6 | 11,6-13,5 | 10,7 | 9,8-11,5 | 10,0 | 9,2-10,9 | 22,1 | 20,9-23,3 |
Masculino | 8,2 | 7,4-9,0 | 4,5 | 3,9-5,1 | 6,9 | 6,2-7,6 | 4,4 | 3,8-5,0 | 3,5 | 3,0-4,0 | 8,8 | 8,1-9,6 |
Escolaridade da mãe ao nascer (anos) | p < 0,05 | p < 0,05 | p > 0,05 | p < 0,05 | p < 0,05 | p > 0,05 | ||||||
0-4 | 15,3 | 14,3-16,4 | 11,3 | 10,4-12,2 | 13,6 | 12,7-14,6 | 10,3 | 9,5-11,2 | 8,9 | 8,1-9,7 | 18,6 | 17,5-19,7 |
5-8 | 13,2 | 12,2-14,2 | 8,7 | 7,9-9,5 | 12,0 | 11,1-12,9 | 8,0 | 7,2-8,8 | 7,4 | 6,7-8,1 | 15,3 | 14,3-16,3 |
9-11 | 7,8 | 7,0-8,6 | 7,8 | 7,1-8,6 | 7,2 | 6,5-7,9 | 4,6 | 4,0-5,2 | 4,3 | 3,7-4,9 | 15,0 | 14,0-16,0 |
12 e mais | 6,1 | 5,4-6,8 | 4,1 | 3,5-4,6 | 5,0 | 4,4-5,6 | 5,2 | 4,6-5,8 | 1,6 | 1,3-2,0 | 13,2 | 12,2-14,1 |
Tercis de renda ao nascer | p < 0,05 | p < 0,05 | p < 0,05 | p < 0,05 | p < 0,05 | |||||||
Primeiro | 17,7 | 16,7-18,8 | 11,0 | 10,1-11,9 | 15,5 | 14,5-16,4 | 10,7 | 9,8-11,6 | 8,9 | 8,1-9,7 | - | - |
Segundo | 12,9 | 12,0-13,9 | 9,1 | 8,3-9,9 | 8,0 | 7,2-8,7 | 7,0 | 6,3-7,8 | 6,9 | 6,2-7,6 | - | - |
Terceiro | 7,8 | 7,1-8,6 | 6,4 | 5,7-7,1 | 2,0 | 1,6-2,4 | 5,5 | 4,9-6,2 | 4,3 | 3,8-4,9 | - | - |
Total | 12,9 | 12,0-13,9 | 8,8 | 8,0-9,6 | 10,2 | 9,4-11,1 | 7,7 | 7,0-8,5 | 6,8 | 6,1-7,5 | 15,8 | 14,8-16,8 |
IC95%: intervalo de 95% de confiança.
A Tabela 2 mostra que EDM passado foi menor nos jovens de Pelotas (2,4%; IC95%: 1,9-2,8) e maior nos adultos de Ribeirão Preto (7,7%; IC95%: 7,0-8,4). As prevalências foram maiores nas mulheres, independentemente da idade e centro de avaliação. Para escolaridade materna e tercis de renda ao nascer, as diferenças nas prevalências de EDM passado entre as diferentes categorias não foram claras.
Tabela 2 Prevalência de episódio depressivo maior passado (EDM-passado), de acordo com características sociodemográficas, nas coortes de nascimento de Ribeirão Preto (São Paulo), Pelotas (Rio Grande do Sul) e São Luís (Maranhão), coortes RPS, Brasil.
EDM-passado | Coorte de 1978/1979 (Ribeirão Preto, 37/39 anos) | Coorte de 1982 (Pelotas, 30 anos) | Coorte de 1994 (Ribeirão Preto, 21/23 anos | Coorte de 1993 (Pelotas, 22 anos) | Coorte de 1993 (Pelotas, 18 anos) | Coorte de 1997/1998 (São Luís, 18/19 anos) | ||||||
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% | IC95% | % | IC95% | % | IC95% | % | IC95% | % | IC95% | % | IC95% | |
Sexo | p < 0,05 | p < 0,05 | p > 0,05 | p < 0,05 | p < 0,05 | p < 0,05 | ||||||
Feminino | 10,2 | 9,3-11,0 | 5,2 | 4,6-5,8 | 7,7 | 7,0-8,5 | 3,2 | 2,7-3,7 | 4,1 | 3,5-4,7 | 11,4 | 10,4-12,3 |
Masculino | 5,0 | 4,4-5,6 | 2,0 | 1,6-2,4 | 4,5 | 3,9-5,1 | 1,4 | 1,1-1,8 | 1,7 | 1,3-2,0 | 3,5 | (2,9-4,0) |
Escolaridade da mãe ao nascer (anos) | p < 0,05 | p > 0,05 | p > 0,05 | p > 0,05 | p < 0,05 | p > 0,05 | ||||||
0-4 | 9,7 | 8,9-10,5 | 4,6 | 4,0-5,2 | 9,1 | 8,3-9,9 | 3,2 | 2,7-3,7 | 3,6 | 3,1-4,1 | 7,0 | 6,2-7,7 |
5-8 | 7,3 | 6,6-8,0 | 3,5 | 3,0-4,0 | 7,8 | 7,1-8,6 | 2,1 | 1,7-2,5 | 3,3 | 2,8-3,8 | 7,3 | 6,5-8,0 |
9-11 | 4,1 | 3,5-4,7 | 3,3 | 2,8-3,8 | 5,2 | 4,6-5,9 | 1,9 | 1,5-2,2 | 1,7 | 1,3-2,0 | 7,6 | 6,8-8,4 |
12 e mais | 4,1 | 3,5-4,6 | 2,4 | 2,0-2,9 | 2,5 | 2,1-2,9 | 2,3 | 1,8-2,7 | 1,0 | 0,7-1,3 | 7,9 | 7,1-8,7 |
Tercis de renda ao nascer | p < 0,05 | p > 0,05 | - | p > 0,05 | p > 0,05 | |||||||
Primeiro | 11,0 | 10,2-11,9 | 4,5 | 3,9-5,1 | 4,8 | 4,2-5,4 | 3,2 | 2,7-3,6 | 3,0 | 2,5-3,4 | - | - |
Segundo | 7,4 | 6,7-8,1 | 3,8 | 3,3-4,3 | - | - | 1,8 | 1,5-2,2 | 3,1 | 2,6-3,6 | - | - |
Terceiro | 4,7 | 4,1-5,3 | 2,8 | 2,4-3,3 | - | - | 2,0 | 1,6-2,4 | 2,5 | 2,0-2,9 | - | - |
Total | 7,7 | 7,0-8,4 | 3,7 | 3,2-4,2 | 6,4 | 5,7-7,1 | 2,4 | 1,9-2,8 | 2,9 | 2,4-3,4 | 7,6 | 6,9-8,4 |
IC95%: intervalo de 95% de confiança.
A Tabela 3 mostra que o risco de suicídio foi semelhante entre os adolescentes de São Luís (13,5%; IC95%: 12,5-14,5) e Pelotas (12,9%; IC95%: 12,0-13,9), e também maior nos jovens (13,4%; IC95%: 12,5-14,4) e adultos (13,7%; IC95%: 12,7-14,7) de Ribeirão Preto, em relação aos jovens (8,8%; IC95%: 8,0-9,6) e adultos (11%; IC95%: 10,1-11,9) de Pelotas. A prevalência de risco de suicídio foi maior no sexo feminino e, em geral, naquelas com menor nível socioeconômico, independentemente da idade e centro de avaliação. Excepcionalmente, entre os adolescentes de São Luís a prevalência de risco de suicídio foi maior quando as mães tinham 12 anos ou mais de estudos.
Tabela 3 Prevalência de risco de suicídio, de acordo com características sociodemográficas, nas coortes de nascimento de Ribeirão Preto (São Paulo), Pelotas (Rio Grande do Sul) e São Luís (Maranhão), coortes RPS, Brasil.
Risco de suicídio | Coorte de 1978/1979 (Ribeirão Preto, 37/39 anos) | Coorte de 1982 (Pelotas, 30 anos) | Coorte de 1994 (Ribeirão Preto, 21/23 anos | Coorte de 1993 (Pelotas, 22 anos) | Coorte de 1993 (Pelotas, 18 anos) | Coorte de 1997/1998 (São Luís, 18/19 anos) | ||||||
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% | IC95% | % | IC95% | % | IC95% | % | IC95% | % | IC95% | % | IC95% | |
Sexo | p < 0,05 | p < 0,05 | p < 0,05 | p < 0,05 | p < 0,05 | p < 0,05 | ||||||
Feminino | 17,7 | 16,6-18,7 | 14,3 | 13,3-15,3 | 16,0 | 14,9-17,1 | 10,8 | 9,9-11,6 | 17,6 | 16,5-18,7 | 18,3 | 15,0-17,0 |
Masculino | 9,4 | 8,5-10,2 | 7,6 | 6,8-8,3 | 9,8 | 8,9-10,6 | 5,8 | 5,2-6,5 | 8,1 | 7,3-8,9 | 8,2 | 8,9-10,6 |
Escolaridade da mãe ao nascer (anos) | p < 0,05 | p < 0,05 | p < 0,05 | p < 0,05 | p < 0,05 | p > 0,05 | ||||||
0-4 | 17,0 | 16,0-18,1 | 14,7 | 13,7-15,7 | 17,3 | 16,2-18,4 | 11,4 | 10,5-12,3 | 16,6 | 15,5-17,6 | 15,9 | 14,9-16,9 |
5-8 | 12,1 | 11,1-13,0 | 10,3 | 9,4-11,2 | 17,5 | 16,4-18,6 | 8,7 | 7,9-9,5 | 12,8 | 11,8-13,7 | 13,1 | 12,1-14,0 |
9-11 | 8,3 | 7,5-9,0 | 10,4 | 9,5-11,2 | 7,2 | 6,5-7,9 | 6,0 | 5,4-6,7 | 10,7 | 9,8-11,5 | 11,8 | 10,9-12,7 |
12 e mais | 6,8 | 6,1-7,5 | 5,3 | 4,7-5,9 | 7,5 | 6,8-8,2 | 3,2 | 2,7-3,7 | 6,5 | 5,8-7,2 | 17,5 | 16,5-18,6 |
Tercis de renda ao nascer | p < 0,05 | p < 0,05 | p < 0,05 | p < 0,05 | p < 0,05 | |||||||
Primeiro | 17,7 | 16,7-18,8 | 15,3 | 14,3-16,3 | 24,5 | 23,3-25,7 | 11,8 | 14,2-16,3 | 15,2 | 14,2-16,3 | - | - |
Segundo | 13,7 | 12,7-14,7 | 10,1 | 9,3-11,0 | 9,0 | 8,2-9,8 | 7,8 | 7,0-8,5 | 12,8 | 11,9-13,8 | - | - |
Terceiro | 9,7 | 8,8-10,5 | 8,0 | 7,3-8,8 | 7,0 | 6,3-7,7 | 5,9 | 5,2-6,5 | 9,9 | 9,1-10,8 | - | - |
Total | 13,7 | 12,7-14,7 | 11,0 | 10,1-11,9 | 13,4 | 12,5-14,4 | 8,8 | 8,0-9,6 | 12,9 | 12,0-13,9 | 13,5 | 12,5-14,5 |
IC95%: intervalo de 95% de confiança.
De acordo com a Tabela 4, fobia social foi menos prevalente nos jovens (1,8%; IC95%: 1,5-2,2) e adultos (2,3%; 1,9-2,7) de Ribeirão Preto, e as maiores taxas foram observadas nos jovens (7%; IC95%: 6,3-7,7) e adolescentes (6,9%; IC95%: 6,2-7,6) da coorte de 1993 de Pelotas. Fobia social foi maior nos adolescentes do que nos adultos, sendo que entre os adolescentes de São Luís e Pelotas as prevalências não diferem. Exceto para os jovens de Ribeirão Preto, a prevalência de fobia social foi maior nas mulheres. Essa ainda foi maior nos indivíduos cujas mães apresentaram baixa escolaridade ao nascer, exceto entre os jovens de Ribeirão Preto e Pelotas. Para a renda familiar, a prevalência foi maior entre os com menor nível socioeconômico, exceto entre os adultos de Ribeirão Preto.
Tabela 4 Prevalência de fobia social, de acordo com características sociodemográficas, nas coortes de nascimento de Ribeirão Preto (São Paulo), Pelotas (Rio Grande do Sul) e São Luís (Maranhão), coortes RPS, Brasil.
Fobia social | Coorte de 1978/1979 (Ribeirão Preto, 37/39 anos) | Coorte de 1982 (Pelotas, 30 anos) | Coorte de 1994 (Ribeirão Preto, 21/23 anos | Coorte de 1993 (Pelotas, 22 anos) | Coorte de 1993 (Pelotas, 18 anos) | Coorte de 1997/1998 (São Luís, 18/19 anos) | ||||||
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% | IC95% | % | IC95% | % | IC95% | % | IC95% | % | IC95% | % | IC95% | |
Sexo | p > 0,05 | p < 0,05 | p > 0,05 | p < 0,05 | p < 0,05 | p < 0,05 | ||||||
Feminino | 2,7 | 2,3-3,2 | 5,1 | 4,4-5,7 | 1,7 | 1,3-2,1 | 8,3 | 7,5-9,0 | 10,0 | 9,1-10,8 | 7,2 | 6,5-8,0 |
Masculino | 1,8 | 1,4-2,2 | 2,0 | 1,6-2,4 | 2,0 | 1,6-2,4 | 5,4 | 4,8-6,1 | 3,7 | 3,2-4,2 | 5,0 | 4,4-5,6 |
Escolaridade da mãe ao nascer (anos) | p > 0,05 | p < 0,05 | p > 0,05 | p > 0,05 | p < 0,05 | p < 0,05 | ||||||
0-4 | 2,5 | 2,0-2,9 | 5,1 | 4,5-5,8 | 2,7 | 2,3-3,2 | 7,9 | 6,1-7,5 | 9,5 | 8,7-10,3 | 8,1 | 7,4-8,9 |
5-8 | 2,7 | 2,3-3,2 | 3,1 | 2,6-3,5 | 1,8 | 1,5-2,2 | 6,8 | 6,1-7,5 | 6,6 | 5,9-7,3 | 7,0 | 6,3-7,7 |
9-11 | 1,8 | 1,5-2,2 | 3,3 | 2,8-3,8 | 2,0 | 1,6-2,4 | 5,7 | 5,1-6,4 | 4,7 | 4,1-5,3 | 4,8 | 4,2-5,4 |
12 e mais | 1,4 | 1,0-1,7 | 2,0 | 1,6-2,4 | - | - | 7,5 | 6,7-8,2 | 4,9 | 4,3-5,5 | 3,5 | 3,0-4,0 |
Tercis de renda ao nascer | p > 0,05 | p < 0,05 | p > 0,05 | p > 0,05 | p > 0,05 | |||||||
Primeiro | 2,6 | 2,2-3,1 | 4,9 | 4,3-5,5 | 4,5 | 4,0-5,1 | 8,2 | 7,4-9,0 | 7,9 | 7,2-8,7 | - | - |
Segundo | 1,8 | 1,5-2,2 | 3,8 | 3,2-4,3 | 1,5 | 1,1-1,8 | 6,6 | 5,9-7,3 | 7,1 | 6,3-7,8 | - | - |
Terceiro | 2,8 | 2,3-3,3 | 2,2 | 1,8-2,6 | 1,0 | 0,7-1,3 | 5,9 | 5,2-6,5 | 5,5 | 4,8-6,1 | - | - |
Total | 2,3 | 1,9-2,7 | 3,6 | 3,1-4,1 | 1,8 | 1,5-2,2 | 7,0 | 6,3-7,7 | 6,9 | 6,2-7,6 | 6,2 | 5,5-6,9 |
IC95%: intervalo de 95% de confiança.
A Tabela 5 mostra que a prevalência de TAG foi maior nos jovens de Pelotas (16,5%; IC95%: 15,4-17,5) e menor nos adolescentes de São Luís (3,5%; IC95%: 3,0-4,0). Entre os adultos de Ribeirão Preto (9,3%; IC95%: 8,5-10,1) e Pelotas (10,4%; IC95%: 9,5-11,2) as prevalências foram semelhantes. A prevalência desse transtorno foi pelo menos duas vezes maior entre as mulheres e, em geral, semelhante entre os estratos socioeconômicos. Ao contrário de Pelotas e Ribeirão Preto, a prevalência de TAG foi maior em adolescentes de São Luís que tinham mães com 12 anos ou mais de estudos.
Tabela 5 Prevalência de transtorno de ansiedade generalizada (TAG), de acordo com características sociodemográficas, nas coortes de nascimento de Ribeirão Preto (São Paulo), Pelotas (Rio Grande do Sul) e São Luís (Maranhão), coortes RPS, Brasil.
TAG | Coorte de 1978/1979 (Ribeirão Preto, 37/39 anos) | Coorte de 1982 (Pelotas, 30 anos) | Coorte de 1994 (Ribeirão Preto, 21/23 anos | Coorte de 1993 (Pelotas, 22 anos) | Coorte de 1993 (Pelotas, 18 anos) | Coorte de 1997/1998 (São Luís, 18/19 anos) | ||||||
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% | IC95% | % | IC95% | % | IC95% | % | IC95% | % | IC95% | % | IC95% | |
Sexo | p < 0,05 | p < 0,05 | p < 0,05 | p < 0,05 | p < 0,05 | p < 0,05 | ||||||
Feminino | 13,7 | 12,8-14,7 | 14,7 | 13,7-15,8 | 12,3 | 11,4-13,2 | 21,6 | 20,4-22,7 | 14,5 | 13,5-15,5 | 4,6 | 4,1-5,2 |
Masculino | 4,5 | 3,9-5,1 | 5,4 | 4,8-6,1 | 5,7 | 5,0-6,3 | 9,9 | 9,1-10,8 | 5,8 | 5,1-6,4 | 2,2 | 1,8-2,6 |
Escolaridade da mãe ao nascer (anos) | p > 0,05 | p < 0,05 | p > 0,05 | p > 0,05 | p > 0,05 | p < 0,05 | ||||||
0-4 | 9,3 | 8,5-10,1 | 13,4 | 12,4-14,4 | 10,9 | 10,0-11,8 | 17,5 | 16,5-18,6 | 10,8 | 9,9-11,7 | 3,1 | 2,6-3,6 |
5-8 | 10,9 | 10,1-11,8 | 9,7 | 8,9-10,6 | 10,1 | 9,3-11,0 | 16,8 | 15,8-17,9 | 10,6 | 9,7-11,5 | 2,2 | 1,8-2,6 |
9-11 | 8,3 | 7,5-9,1 | 9,1 | 8,3-9,9 | 7,8 | 7,1-8,6 | 13,9 | 12,9-14,9 | 9,3 | 8,5-10,1 | 3,9 | 3,4-4,5 |
12 e mais | 6,1 | 5,5-6,8 | 5,5 | 4,8-6,1 | 10,0 | 9,2-10,8 | 13,0 | 12,0-13,9 | 7,2 | 6,5-7,9 | 7,0 | 6,3-7,7 |
Tercis de renda ao nascer | p > 0,05 | p < 0,05 | p > 0,05 | p > 0,05 | p < 0,05 | |||||||
Primeiro | 10,5 | 9,6-11,3 | 13,9 | 12,9-14,9 | 9,1 | 8,3-9,9 | 17,4 | 16,3-18,5 | 12,4 | 11,5-13,3 | - | - |
Segundo | 9,2 | 8,4-10,1 | 8,9 | 8,1-9,7 | 9,5 | 8,6-10,3 | 16,3 | 15,3-17,4 | 9,7 | 8,9-10,6 | - | - |
Terceiro | 9,1 | 8,3-9,9 | 8,3 | 7,5-9,1 | 7,0 | 6,3-7,7 | 14,5 | 13,5-15,5 | 8,8 | 8,0-9,6 | - | - |
Total | 9,3 | 8,5-10,1 | 10,4 | 9,5-11,2 | 9,6 | 8,7-10,4 | 16,5 | 15,4-17,5 | 10,2 | 9,3-11,1 | 3,5 | 3,0-4,0 |
IC95%: intervalo de 95% de confiança
Este é o primeiro estudo sobre transtornos mentais que reúne dados de diferentes coortes brasileiras de nascimento, realizado com metodologia semelhante e em diferentes regiões e idades. Nossos dados reforçam não só a elevada frequência da depressão maior, do risco de suicídio, da fobia social e da ansiedade generalizada como problema de saúde pública, bem como corroboram que a variação destes transtornos pode depender do sexo do indivíduo, da localidade de ocorrência e da condição socioeconômica.
De modo geral, as prevalências de EDM atual e passado foram inferiores em Pelotas quando comparadas a Ribeirão Preto, e o risco de suicídio variou pouco entre os centros e de acordo com a idade de avaliação. Já a fobia social foi maior em Pelotas quando comparada aos demais centros, independentemente da idade. O TAG também diferiu entre os centros avaliados, sendo maior em Pelotas, especialmente entre os mais jovens, e bem maior nos adolescentes de São Luís. Sexo feminino e menor nível socioeconômico estiveram relacionados a maiores prevalências de EDM atual e risco de suicídio, independentemente da idade e do centro de avaliação.
O EDM atual foi expressivamente mais elevado nos adolescentes de São Luís do que em Pelotas aos 18 anos. Embora não tenhamos dados sobre a ocorrência de depressão para idades subsequentes em São Luís, uma hipótese para essa divergência seria que em São Luís o pico desse transtorno ocorreria após os 16 anos, assemelhando-se a um padrão observado em outros estudos longitudinais conduzidos com adolescentes 28,29,30.
Por outro lado, em Pelotas e Ribeirão Preto a prevalência do EDM atual parece ligeiramente maior na terceira década de vida, em relação aos jovens. A coorte de nascimento de Dunedin, Nova Zelândia, evidenciou trajetória semelhante para esse transtorno, provavelmente como consequência das incertezas e dificuldades inerentes à transição do início da vida adulta para a terceira década de vida 31, quando estes índices tendem a diminuir 30,32. Ao que parece não há só uma importante heterogeneidade, considerando a gravidade e estabilidade do transtorno, no que diz respeito à trajetória dos sintomas depressivos no nível individual 33, como também em relação a diferentes padrões de ocorrência entre populações, a depender da região e contexto.
Independentemente da idade de acompanhamento, a prevalência de EDM atual e passado foi menor em Pelotas do que nos demais centros. Esse resultado pode estar relacionado não só a diferenças etiológicas em nível individual, como as contextuais intrínsecas a cada um dos locais avaliados, assim como observado em outros locais 10,34. A maior prevalência de depressão atual nos adolescentes de São Luís pode ser reflexo de determinantes socioeconômicos da região, já que a capital do Estado do Maranhão está situada na região mais pobre do Brasil, apresenta o menor Índice de Desenvolvimento Humano 35 e a maior desigualdade entre os centros avaliados (Departamento de Informática do SUS. Índice Gini da renda domiciliar per capita segundo Município. http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/ibge/censo/cnv/ginibr.def, acessado em 03/Jul/2019).
Ademais, os resultados para EDM atual dos acompanhamentos dos 18 e 22 anos da coorte de 1993 de Pelotas são semelhantes aos reportados em estudo de base populacional realizado na mesma cidade, utilizando o mesmo instrumento diagnóstico 36. Munhoz et al. 7, embora baseados em dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), que estimou a depressão com outro teste, observaram que a prevalência foi maior na Região Sul do Brasil.
Devido às consequências negativas associadas ao risco de suicídio, as elevadas prevalências relatadas neste estudo, independentemente do estágio do ciclo vital e do centro de avaliação, são preocupantes. A mais extrema das consequências do suicídio, sem dúvida, é a morte, importante causa de óbito violento na América Latina e no Brasil, especialmente entre os 10 e 30 anos 37,38,39. Além disso, o suicídio é frequentemente associado a prejuízos às pessoas próximas das vítimas, incluindo ideação, planejamento, tentativa de suicídio, morbidades psiquiátricas como depressão e/ou problemas de saúde física, sobrecarregando ainda mais os serviços de saúde, em especial os de atenção à saúde mental 40. Portanto, o elevado percentual de indivíduos em risco de suicídio detectados nesses estudos parece ter uma conotação prática evidente, a necessidade da ampliação e qualificação das estratégias de prevenção, especialmente entre os jovens, mulheres e pessoas em desvantagem socioeconômica 41.
Chamou a atenção que o nível socioeconômico pareceu não apresentar associação clara com a prevalência de fobia social. Sua prevalência foi maior na adolescência e relativamente menor entre os adultos, sugerindo que o pico desse evento seja na adolescência. Em Pelotas, a prevalência observada aos 18 e 22 anos na coorte de 1993, cuja coleta ocorreu fora do domicílio dos entrevistados, foi ligeiramente superior à observada em estudo de base populacional realizado na mesma cidade, que encontrou uma prevalência de 4% em jovens de 18 a 24 anos de idade durante entrevista domiciliar 36. Entre outras possibilidades, a divergência entre os resultados de ambos os estudos poderia decorrer de divergências metodológicas na coleta de dados.
Embora a fobia social possa implicar significativo e longo comprometimento psicossocial e esteja entre os mais prevalentes transtornos mentais na população em geral, sua distribuição, curso ao longo da vida e fatores de risco ainda são pouco conhecidos 42,43. São raros os trabalhos que avaliam a sua magnitude e fatores associados no Brasil e, em geral, estão restritos a grupos vulneráveis específicos, como o de estudantes universitários, em que sua prevalência parece ser ainda maior e os prejuízos mais evidentes entre as mulheres 44.
A baixa prevalência de TAG entre os adolescentes de São Luís (3,5%) surpreendeu, especialmente quando a comparamos à dos adolescentes de Pelotas, quase três vezes maior. Entre as possibilidades que poderiam explicar essa divergência estão os aspectos decorrentes de diferenças culturais/regionais, na compreensão dos termos empregados para a caracterização dos sintomas descritos no MINI, além de eventual viés de informação. Embora baixas prevalências não sejam tão raras em adolescentes 45,46, na população em geral a prevalência de transtornos de ansiedade nos últimos 12 meses parece ser próxima aos 10% 47, similar ao encontrado nos demais centros incluídos neste estudo, exceto aos 22 anos em Pelotas, onde esta prevalência foi de 16,5%. Cabe salientar que o TAG estimado pelo MINI remete aos últimos seis meses e não aos últimos 12 meses antes da entrevista ou mesmo a estimativas de toda a vida, recortes temporais usualmente empregados em estudos sobre o tema.
Para além das desigualdades na ocorrência do TAG é oportuno destacar que a sua coocorrência com outros transtornos mentais não é incomum, especialmente com a depressão 48,49,50. A coocorrência do TAG e depressão costuma estar associada à maior gravidade desses quadros, bem como em menor resposta ou abandono do tratamento e risco adicional de suicídio 50,51.
Em geral, os transtornos mentais avaliados neste estudo apresentaram prevalência notadamente superior nas mulheres, independentemente do local e da idade. Similar ao observado em outros estudos, que evidenciam diferenças entre os sexos na ocorrência desses transtornos mentais (maior nas mulheres) 34,52. A maior susceptibilidade das mulheres a transtornos depressivos e ansiosos permanece pouco compreendida, embora frequentemente seja relacionada a determinantes culturais e sociais, bem como a fatores neuroendócrinos, em especial a influência de hormônios sexuais e suas flutuações 53,54. Ademais, é possível que parte do excesso de transtornos mentais em mulheres no Brasil seja explicada por questões relacionadas à violência de gênero, seja ela praticada por parceiro íntimo ou não. Recentes estudos realizados nos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul têm chamado atenção para o elevado risco de violência contra a mulher, em especial o feminicídio 55,56. Além disso, a Organização Mundial da Saúde não apenas reconhece a violência contra a mulher como um problema de saúde pública de proporções epidêmicas, como também aponta para suas consequências sobre transtornos mentais como depressão e ansiedade, por exemplo 57.
Em relação aos determinantes socioeconômicos, nossos resultados mostram concordância com outros estudos longitudinais que também apontam os níveis educacionais e a renda como importantes determinantes da saúde mental do adulto 58,59,60,61,62, especialmente em países de renda média e baixa 63. Esses achados apontam para a necessidade de melhorar esses dois componentes do nível socioeconômico, os quais estão associados principalmente ao risco de suicídio. Aliado a isso, é preciso reduzir as iniquidades no acesso aos serviços de saúde mental 64, tal qual observado em outros países.
Este trabalho tem como ponto forte o tamanho de sua amostra, composta por mais de 12 mil indivíduos, bem como a abrangente descrição das prevalências de transtornos mentais em coortes de nascimento de diferentes regiões do país e em diferentes estágios do ciclo vital. Além disso, os cinco transtornos mentais foram estimados com instrumento semelhante, permitindo análises prospectivas subsequentes. Entretanto, a interpretação dos resultados deste estudo deve levar em conta algumas limitações como a não padronização dos entrevistadores à coleta de dados sobre transtornos mentais nos centros avaliados, o que pode ter acarretado viés de aferição. As prevalências dos transtornos mentais entre os adultos de Pelotas e Ribeirão Preto podem não ser direta ou facilmente comparáveis, devido ao lapso temporal de aproximadamente oito anos entre as idades de avaliação dos estudos. Também não é possível descartar eventuais diferenças culturais/regionais na descrição (relato subjetivo do paciente) e interpretação (por parte do avaliador) dos sintomas, o que poderia explicar parte das diferenças observadas nas estimativas dos transtornos mentais entre os centros avaliados, por exemplo.
Finalmente, a elevada prevalência dos transtornos mentais reforça a necessidade de mais investimentos para o enfrentamento do problema no Brasil, especialmente na atenção primária à saúde 65,66, oferecendo acesso aos usuários nos mais diferentes estágios do ciclo vital e com suporte especializado para grupos prioritários como o de mulheres com depressão pós-parto ou vítimas de violência de gênero, bem como a programas que visem à prevenção do suicídio entre jovens e adolescentes, por exemplo 67. A expansão e a qualificação dos serviços de saúde mental 68, além de reduzirem o fardo dos transtornos mentais sobre os indivíduos, sua família e a comunidade, também podem contribuir para a redução dos gastos evitáveis no setor saúde e prevenir a fragilização da força de trabalho 68,69,70,71.