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Transtornos mentais na gravidez e condições do recém-nascido: estudo longitudinal com gestantes assistidas na atenção básica

Transtornos mentais na gravidez e condições do recém-nascido: estudo longitudinal com gestantes assistidas na atenção básica

Autores:

Daisy Oliveira Costa,
Fabíola Isabel Suano de Souza,
Glaura César Pedroso,
Maria Wany Louzada Strufaldi

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.23 no.3 Rio de Janeiro mar. 2018

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018233.27772015

Introdução

Os Transtornos Mentais (TM) constituem um problema de saúde pública. Segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 450 milhões de pessoas sofrem de algum TM, responsável por 8,8% da mortalidade e 16,6% de incapacidade dentre as doenças em países de baixa e média renda1. Nesse contexto, publicações prévias demonstraram que as mulheres apresentam maiores prevalências em relação aos homens, principalmente quanto aos transtornos depressivos, de ansiedade e somatoformes2,3.

A gestação e o puerpério são reconhecidos como fatores de risco para o desenvolvimento e exacerbação de problemas na saúde mental, com prevalências semelhantes de TM tanto na gravidez quanto no pós-parto4. Entretanto, acredita-se que o diagnóstico neste período é negligenciado e há poucas pesquisas que procuram identificar alterações psicológicas durante gravidez e os desfechos obstétricos5.

Estudos epidemiológicos são quase consensuais em pontuar que TM, tais como ansiedade e depressão, podem resultar em risco aumentado para desfechos negativos ao feto6-8. Pesquisas identificaram prevalência de depressão no período gestacional de aproximadamente 7% a 15% e ansiedade em torno de 20%7,8; esses quadros não tratados durante a gravidez aumentam também o risco de exposição ao tabaco, álcool e outras drogas, além do risco de desnutrição e a dificuldade de seguir orientações médicas no pré-natal, diminuindo inclusive a frequência às consultas, o que tem sido associado ao risco de mortalidade neonatal9.

A investigação de TM na atenção básica ainda é um desafio para os profissionais de saúde, com dificuldades inclusive na elaboração do diagnóstico10. Dentre os estudos realizados com gestantes durante o pré-natal, a maioria utilizou instrumentos que detectam apenas sintomas de depressão e ansiedade7,8, já que os diagnósticos dependem de avaliação clínica.

Considerando a magnitude da prevalência dos TM durante o período gestacional e os riscos a eles associados, este estudo teve como objetivo verificar a presença e associação entre diagnósticos prováveis de TM em gestantes usuárias da atenção básica e condições do RN.

Métodos

O estudo “Relação entre Transtornos Mentais durante a gestação, Baixo Peso ao Nascer e Prematuridade: Estudo com gestantes assistidas na Atenção Básica” é produto de uma pesquisa de dissertação de mestrado aprovada pelo comitê de ética da Universidade Federal de São Paulo.

Estudo longitudinal realizado com 340 gestantes entre o segundo e o terceiro trimestre de gestação, atendidas em cinco Unidades Básicas de Saúde (UBS), na Região Metropolitana de São Paulo, Brasil. As UBS foram escolhidas pela facilidade de acesso e por apresentar horários e número de consultas semanais que permitiam a realização das entrevistas no período do estudo.

População: Foram incluídas no estudo gestantes primíparas e multíparas, com idade entre 18 e 39 anos, que estavam entre o segundo e terceiro trimestre de gestação e possuíam acompanhamento no programa pré-natal de baixo risco em alguma das cinco UBS selecionadas para a pesquisa. As cinco UBS foram visitadas durante seis meses (fevereiro a agosto/2014) para o primeiro contato e entrevista com as gestantes.

Critérios de exclusão utilizados: gestação múltipla, mulheres com idade menor que 18 e maior que 40 anos. Gestantes no primeiro trimestre não foram entrevistadas por apresentarem maior chance de interrupção da gravidez e demandar tempo prolongado para novo contato, isto é, após o nascimento da criança.

A primeira entrevista com as gestantes foi realizada na ocasião da consulta pré-natal e após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TLCE). Para que houvesse uma padronização na coleta de dados e na quantidade de visitas das UBS, realizou-se um cronograma semanal seguindo a agenda de atendimento das unidades.

Para a coleta de dados utilizou-se um instrumento próprio constituído por questionários validados nacionalmente, descritos a seguir:

  1. Questionário sociodemográfico: idade, escolaridade, atividade remunerada, renda familiar, situação conjugal, número de habitantes na residência, paridade, classificação socioeconômica segundo a ABEP11, informações do companheiro (escolaridade, trabalho remunerado, consumo de álcool, tabaco e drogas ilícitas).

  2. Saúde da gestante: planejamento da atual gestação, presença de doença crônica (diabetes mellitus, hipertensão arterial), consumo de álcool e tabaco.

  3. Sintomas psiquiátricos: instrumento para Avaliação de Transtornos Mentais para Atenção Primária (The Primary Carrê Evaluation ou Mental Disorders; PRIME-MD)12,13. Neste estudo, considerou-se o PRIME-MD um instrumento de rastreamento para diagnósticos prováveis, semelhante ao estudo de Almeida et al.14, sendo aplicado pelo mesmo entrevistador. A partir dos dados coletados, foi possível identificar cinco categorias diagnósticas prováveis: transtorno depressivo maior, distimia, transtorno do pânico, transtorno de ansiedade generalizada e bulimia nervosa, utilizando critérios diagnósticos do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais- DSM III.

O instrumento é dividido em duas partes: o Questionário do Paciente e o Guia de Avaliação Clínica. O Questionário do Paciente contém 12 questões, sendo 10 sins/não, uma questão medindo a intensidade do sintoma e outra que avalia a saúde global. No caso de resposta afirmativa para alguma das primeiras dez questões (seção inicial), o módulo correspondente no Guia de Avaliação Clínica (seção final) é usado para obter informações adicionais para cada diagnóstico provável.

A segunda entrevista aconteceu após o parto, por telefone e pela mesma pesquisadora. Houve dificuldades para localizar algumas mães; por esse motivo, os dados dos recém-nascidos (RN) das mães não localizadas por telefone foram coletados nos prontuários das UBS. Foram levantadas as seguintes informações:

  1. Informações do parto: tipo de parto, intercorrências e idade gestacional no parto.

  2. Informações do RN: sexo, peso ao nascer, prematuridade, malformação e internação ao nascimento.

  3. Apoio materno: orientações de cuidados ao RN no momento da alta, auxílio em casa para cuidar da criança.

  4. Percepção das mães sobre o comportamento dos RN: choro, cólica, amamentação e sono.

Os dados foram tabulados e consolidados em planilha do Excel (Office Microsoft ® 2010). Realizou-se a análise estatística com o programa SPSS 20.0 (IBM®). As variáveis contínuas foram avaliadas quanto a sua distribuição por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov e apresentadas na forma de mediana, valor mínimo e máximo. As variáveis qualitativas foram apresentadas em tabelas de contingência em valor absoluto e percentual. Para compará-las utilizou-se o teste do Qui-quadrado ou Exato de Fisher. Nível de significância adotado: 5%.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo e pela Secretaria Municipal de Saúde.

Resultados

Foram convidadas para a entrevista 340 gestantes com características compatíveis com os critérios de inclusão. Destas, 300 aceitaram participar do estudo. Na Tabela 1 estão apresentadas as características sociodemográficas das gestantes. Nota-se que a mediana de idade foi de 25,5 anos (18,1; 38,6); a maioria apresenta escolaridade superior a oito anos (82,3%), mora com o companheiro (80,7%) e tem trabalho remunerado (50,7%).

Tabela 1 Características sociodemográficas das gestantes incluídas no estudo. 

Variável N = 300 %
Idade da mãe (anos) 25,5 (18,1; 38,6)
Idade do companheiro (anos) 28,0 (17,0; 55,0)
Etnia Branca 132 44,0
Não branca 168 56,0
Escolaridade materna < 4 anos 4 1,3
4 ¬ 8 anos 49 16,4
> 8 anos 247 82,3
Escolaridade companheiro* < 4 anos 7 2,7
4 ¬ 8 anos 81 31,3
> 8 anos 171 66,0
Situação conjugal Mora com companheiro 242 80,7
Não mora companheiro 58 19,3
Sustento família Mulher 43 14,3
Pai 219 73,0
Avôs/Avós 35 11,7
Outros 3 1,0
Renda per capita Reais 500,00 (66,60;3330,00)
Renda per capita < 1 199 66,3
(Salário Mínimo) 1 ¬ 2 86 28,7
> 2 15 5,0
Classificação SE A 1 0,3
B 55 18,3
C 211 70,4
D 30 10,0
E 0 0,0
Opinião renda mensal Muita dificuldade 17 5,7
Dificuldade 39 13,0
Alguma dificuldade 143 47,7
Alguma facilidade 44 14,6
Facilidade 57 19,0
Ocupação atual Trabalho remunerado 152 50,7
Sem trabalho remunerado 148 49,3
Sem trabalho remunerado 12 4,6
Número de filhos 0 139 46,3
1 98 32,7
2 45 15,0
≥ 3 18 6,0
Idade da primeira gestação Anos 19,0 (13,0; 36,0)
Religião Católica 147 49,0
Protestante/Evangélica 107 35,7
Nenhuma 43 14,3
Outras 3 1,0
Consumo álcool companheiro* Não consome 125 48,3
Consome moderadamente 131 50,6
Consome frequentemente 3 1,1
Tabagismo companheiro* Fumante 55 18,3
Nunca fumou 174 67,1
Ex-fumante 30 11,6
Drogas ilícitas companheiro* Usuário 3 1,1
Nunca usou 239 92,3
Ex-usuário 17 5,6

N (%). * Número total 259

Fonte: Dissertação de mestrado. Universidade Federal de São Paulo. São Paulo, 2015.

As variáveis relacionadas às intercorrências durante a gestação, condições de parto e recém-nascido das gestantes que completaram todas as etapas do questionário são apresentadas na tabela 2. Observou-se peso inferior a 2500 g (baixo peso ao nascer-BPN) e superior a 4000 g em 14 (4,9%) e 22 (7,7%) dos recém-nascidos, respectivamente. Prematuridade foi encontrada em 19 (6,7%) das crianças. Dentre os RN com BPN sete (50%) foram classificados como prematuros.

Tabela 2 Descrição da evolução, intercorrências, peso ao nascer, prematuridade e condições de alta dos recém-nascidos das gestantes que completaram todas as etapas do questionário. 

Variável N = 284 %
Gestação planejada Sim 134 47,2
Não 150 52,8
Idade gestacional entrevista Semanas 29,0 (16,0; 40,0)
Companheiro ficou Satisfeito 217 77,0
Não satisfeito 12 4,2
Indiferente 19 6,8
Sem companheiro 34 12,0
Tentativa de interrupção Sim 8 2,8
Não 276 97,2
Fumou durante a gestação Sim 31 10,9
Não 253 89,1
Drogas na gestação Sim 1 0,3
Não 283 99,7
Diabetes gestacional Sim 6 2,1
DHEG Sim 18 6,3
Tipo de parto Vaginal 162 57,5
Cesárea 120 42,5
Prematuridade Sim 19 6,7
Não 265 93,3
Sexo Masculino 143 50,3
Feminino 141 49,7
Peso ao nascer < 2500 g 14 4,9
2500g ¬ 4000 g 248 87,3
> 4000 g 22 7,8
Peso ao nascer Gramas 3327 (1425; 4615)
Intercorrências ao nascer * Sim 27 11,3
Não 213 88,7
Tipo de Intercorrência Infecciosa 2 7,4
Icterícia 7 25,9
Metabólica 3 11,1
Respiratória 8 29,6
Tocotrauma 3 11,1
Lactente ficou no hospital após alta materna * Sim 17 7,1
Não 223 92,9
Orientação na alta ** Sim 164 69,8
Não 71 30,2
Qual profissional orientou Enfermeiro 110 67,1
Médico 54 32,9
Sem orientação 88 37,4
Quem ajuda em casa Avós 88 59,9
Irmã 12 8,2
Companheiro 24 16,3
Outro 23 15,6
Percepção materna sobre o comportamento do RN ** Com queixa 43 18,3
Sem queixa 192 81,7
Qual queixa Chora muito 4 9,3
Cólica 22 51,1
Mama muito (voraz) 12 27,9
Dorme pouco 5 11,7

N (%). * Número total 240. ** Número total 235.

Fonte: Dissertação de mestrado. Universidade Federal de São Paulo. São Paulo, 2015.

A maioria dos RN recebeu alta hospitalar com a mãe, receberam orientação para os cuidados com o lactente por enfermeiro ou médico e a mãe referiu que em casa tinha apoio de um familiar (41,7%). Das 284 mães entrevistadas, em 49 não há relatos sobre a percepção do comportamento do RN, pois os dados do nascimento da criança foram coletados no prontuário. As queixas informadas pelas mães quanto às alterações do comportamento do RN estão descritas na Tabela 2.

Nenhuma variável da saúde materna, hábitos, nível socioeconômico, escolaridade (materna e paterna) e intercorrências durante a gestação associou-se com o diagnóstico provável de transtornos mentais, analisados de forma agrupada ou separadamente (Tabela 3). Em relação à associação das variáveis maternas e BPN e prematuridade, apenas Doença Hipertensiva Específica da Gestação (DHEG) associou-se com prematuridade (p = 0,016).

Tabela 3 Presença de diagnóstico provável de transtorno mental segundo variáveis relacionadas à saúde materna, hábitos, nível socioeconômico, escolaridade e paridade (n = 284). 

Variável Sim (n = 76) Não (n = 208) Valor de p*
Escolaridade materna < 8 anos 13 36 0,562
Situação conjugal Companheiro 60 172 0,490
Ocupação atual Trabalha 36 110 0,424
Renda per capita < 360,00 23 65 0,498
Companheiro Trabalha 61 175 0,625
Escolaridade companheiro < 8 anos 20 63 0,759
Filhos anteriores Sim 60 173 0,485
Gestação planejada Sim 32 86 0,507
Fumo gestação Sim 11 20 0,283
DHEG Sim 14 21 0,068
Diabetes Sim 4 3 0,085
Tipo de parto Vaginal 40 122 0,497

* Nível de significância do teste do Qui-quadrado.

Fonte: Dissertação de mestrado. Universidade Federal de São Paulo. São Paulo, 2015.

Detectaram-se entre as gestantes avaliadas, 76 (26,6%) casos de alterações compatíveis com prováveis transtornos mentais, sendo encontrados sintomas de depressão/distimia (n = 46; 16,2%) e de ansiedade/pânico (n = 58; 20,4%). O relato de consumo de álcool na seção inicial do questionário relacionou-se com a prematuridade (p = 0,037), no entanto, nenhuma grávida preencheu os critérios finais que caracterizassem dependência de álcool.

A análise das alterações compatíveis com prováveis TM mostrou que não houve associação estatisticamente significante com o BPN e nem com a prematuridade, entretanto, associou-se com a percepção materna de alterações no comportamento do RN, de forma agrupada (p = 0,001) ou isolada para depressão/distimia e ansiedade/pânico (p < 0,001) (Tabela 4).

Tabela 4 Percepção materna sobre o comportamento do recém-nascido segundo diagnóstico provável de transtorno mental (TM) na gestação (n = 235). 

Variável Com queixa (n = 43) % Sem queixa (n = 192) % Valor de p*
Provável TM materno Sim 20 46,5 40 20,8 0,001
Não 23 53,5 152 79,2
Depressão/Distimia Sim 12 27,9 22 11,5 < 0,001
Não 31 72,1 170 88,5
Ansiedade/Pânico Sim 18 41,9 29 15,1 < 0,001
Não 25 58,1 163 84,9

* Nível de significância do teste do Qui-quadrado.

Fonte: Dissertação de mestrado. Universidade Federal de São Paulo. São Paulo, 2015.

Entre as gestantes entrevistadas ocorreram dois casos de óbito neonatal, com nascimento a termo, e um caso de natimortalidade. Não foi possível obter o diagnóstico etiológico nas entrevistas por telefone. Dentre as condições de saúde dessas mães, uma delas tinha histórico de DHEG e duas tiveram sintomas compatíveis com diagnóstico provável de ansiedade.

Discussão

No presente estudo, observou-se que 26,6% das gestantes apresentaram critérios para um provável transtorno mental. A elevada frequência de TM durante a gravidez encontra respaldo na literatura em estudos nacionais com populações de baixo nível socioeconômico2,5 e assistidas pela atenção básica14. Em pesquisas internacionais a prevalência de sintomas psiquiátricos, particularmente ansiedade e depressão, variam de 11,8 % a 34,9%15-19, dependendo não só dos aspectos socioeconômicos, do período de tempo investigado, mas também do instrumento utilizado na detecção.

Nossos achados demonstraram que as gestantes entrevistadas possuíam bom nível de escolaridade, a maioria vivia com o companheiro que era o responsável pelo sustento da família. Em relação à gestação, a maior parte planejou a gravidez, relatou a satisfação do companheiro com a criança e após o parto teve auxílio, principalmente das avós do recém-nascido, o que demostra que havia uma rede de apoio familiar importante nesse momento. Essas características podem estar relacionadas à faixa etária estudada, que pode apresentar maior maturidade emocional, psicossocial e estabilidade financeira; por outro lado, também sugere que o nível socioeconômico e condições de vida não muito favoráveis não determinam necessariamente risco de transtornos e desagregação. O suporte da família é considerado como a principal fonte de apoio materno, que é fundamental para os cuidados pré e pós-natais recebidos pela mãe e que possibilitam inclusive a diminuição de ocorrências de eventos estressantes20.

A frequência de BPN foi baixa (4,9%) neste estudo, menor do que a observada para a população no Estado de São Paulo (9,1%, em 2013)21. A literatura registra maior risco de BPN para mães adolescentes (menores de 18 anos), e também para mulheres acima dos 40 anos22,23, o que pode ter influenciado os resultados devido a seleção da faixa etária para o estudo.

Em relação à prematuridade, foi observada em 19 (6,7%) crianças, e esteve associada à presença de DHEG. Cabe destacar que a DHEG teve uma frequência de 6,3% das gestantes, mesmo não tendo sido incluídas gestantes em seguimento de pré-natal de alto risco.

A presença de sintomas sugerindo diagnóstico de provável transtorno depressivo foi verificada em 14,4% das gestantes avaliadas; embora esse achado seja inferior a pesquisas de outros países, que variaram de 22,0% a 34.9 %,17,19, nossos resultados são semelhantes aos estudos nacionais realizados com gestantes de baixo nível socioeconômico, no segundo e terceiro trimestres da gravidez6,24.

A associação entre a depressão e os resultados obstétricos ainda é pouco conhecida, porém, alguns estudos vêm apontando este transtorno como possível fator de risco para o baixo peso ao nascer e prematuridade6,17,25.

No presente estudo não foi encontrada associação entre diagnóstico provável de transtorno depressivo com o BPN e prematuridade. Estudos em países desenvolvidos verificaram que a depressão não é um fator de risco independente para o BPN25,26; já em países em desenvolvimento foi encontrada associação positiva, influenciada por baixa renda e consumo de álcool durante a gravidez. No entanto, as pesquisas que encontraram essa associação, identificaram depressão pré-natal como um preditor significativo de BPN, sem controlar a idade gestacional6,27.

Em relação ao diagnóstico provável de transtorno de ansiedade generalizada, a frequência foi elevada (19,3%), como já descrito em outros estudos com mulheres no período gestacional15,18, o que também foi observado em pesquisa realizada no Sul do país com gestantes atendidas em 18 UBS, que encontrou frequência muito semelhante (19,8%) ao presente estudo, utilizando o mesmo instrumento de rastreamento14.

A frequência dos demais TM avaliados (bulimia nervosa, transtorno do pânico e dependência de álcool) foram menores que as encontradas para depressão e ansiedade generalizada, não se associaram a nenhuma variável da saúde materna, hábitos, nível socioeconômico, escolaridade (materna e paterna), intercorrências durante a gestação e condições do RN. Tal fato deve-se a homogeneidade da amostra quanto aos aspectos supracitados, o que não permitiu diferença significativa entre os grupos com e sem sintomas de TM.

No presente estudo foi verificada associação entre diagnóstico provável de TM nas mães e a percepção de alterações no comportamento do RN. Isso sugere que os sintomas psiquiátricos maternos podem influenciar a relação mãe-RN no puerpério. Assim, o profissional da atenção básica deve estar atento para identificar possíveis alterações psicológicas durante a gravidez e no pós-parto, a fim de realizar o acolhimento adequado para cada gestante/mãe. Ao considerar essa possibilidade, o profissional poderá avançar na compreensão da dinâmica entre mãe e filho, na abordagem das queixas quanto aos sintomas e comportamentos da criança, e atuar de forma mais segura para orientar a família.

A atenção à saúde mental na atenção básica é importante para antecipar a detecção de casos e interromper precocemente o processo de adoecimento; para isso, a capacitação em saúde mental dos profissionais torna-se necessária. Entretanto, apesar da alta prevalência de sofrimento mental nos pacientes atendidos na rede básica de saúde, ainda não há detecção adequada. Tal fato deve-se à dificuldade apresentada pelos profissionais em diagnosticar corretamente e, por consequência, realizar o devido atendimento10.

As pesquisas realizadas sobre os sintomas psiquiátricos utilizam várias escalas para o rastreamento; entre as mais utilizadas estão: escala de autoavaliação (IDATE)28, mais comumente utilizada nas pesquisas epidemiológicas, para identificar a presença de ansiedade; a escala HADS, (Hospital Anxiety and Depression Scale), desenvolvida para investigação em pacientes de serviços não psiquiátricos de hospital geral, a fim de identificar os sintomas de ansiedade e depressão29. No presente estudo, foi utilizado o instrumento PRIME-MD, para rastreamento de sintomas sugestivos de diagnósticos prováveis, seguindo os critérios diagnósticos do DSM-III, apesar da classificação atualmente recomendada ser baseada no DSM-V. Trata-se de um questionário de fácil e de rápida aplicação, que pode ser incorporado na atenção básica.

Os resultados aqui descritos não podem ser generalizados para a população. Vale notar, porém, que pessoas com TM podem apresentar redução do autocuidado, ocasionando aumento do consumo de álcool, tabaco e outras drogas; redução da quantidade e piora da qualidade alimentar; além da não adesão ao pré-natal9. Tais comportamentos durante a gestação podem levar a maiores taxas de morbimortalidade neonatal, prematuridade, BPN, restrição do crescimento intrauterino e mortalidade materna30. Nossos resultados serão apresentados aos gestores locais, no sentido de contribuir com a qualidade da assistência à gestante e à criança.

Apesar dos aspectos importantes demonstrados neste estudo, algumas limitações devem ser lembradas. O tamanho da amostra pode ter influenciado na falta de associações na análise com os desfechos (BPN e prematuridade); além disso, não foi possível a aferição das condições antropométricas das gestantes, do ganho ponderal durante a gestação, do número de consultas e qualidade do pré-natal. Também devemos lembrar que as informações sobre DHEG e diabetes gestacional foram auto referidas. Dessa forma, a realização de estudos com maiores amostras, com recrutamento de grávidas com características similares pode contribuir para a produção de novas evidências acerca da associação entre TM e as condições do recém-nascido e também outras características maternas que podem influenciar nessa relação.

Considerações Finais

Em conclusão, observou-se que gestantes em acompanhamento de pré-natal de baixo risco, na faixa etária de 18 a 39 anos, no segundo e terceiro trimestres gestacionais, apresentam frequência relevante (26,6%) de sintomas sugerindo diagnósticos prováveis de TM. Embora não tenha sido observada associação com o BPN e a prematuridade, vale destacar a associação desses possíveis TM com a percepção materna de alterações no comportamento do RN.

A avaliação clínica e acompanhamento na atenção básica são fundamentais, pois, o cuidado pré-natal pode ser o único contato que uma mulher em idade reprodutiva tenha com os serviços de saúde, tornando-se crucial para intervenções direcionadas à promoção da saúde da mulher. A identificação de possíveis TM na gestação pode também colaborar para uma melhor compreensão da dinâmica do binômio mãe-filho e contribuir com a qualidade na assistência às famílias.

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