versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756
J. bras. pneumol. vol.43 no.2 São Paulo mar./abr. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/s1806-37562016000000143
A traqueobroncopatia osteocondroplástica (TO) é uma doença benigna rara, de causa desconhecida, caracterizada por numerosos nódulos submucosos sésseis, cartilaginosos e/ou ósseos, distribuídos pelas paredes anterolaterais da traqueia, projetando-se no lúmen laringotraqueobrônquico. Apresenta-se como projeções osteocartilaginosas arredondadas ou polipoides tornando a superfície mucosa traqueobrônquica corrugada e a árvore respiratória rígida e estreita.1-3 As lesões nodulares são sésseis, calcificadas e variam de diâmetro de 1-10 mm. Caracterizam-se por crescimento lento e progressivo, podendo estar localizadas ou difusas, cobertas por epitélio metaplásico ou normal, emergindo desde o pericôndrio até a luz da traqueia, seguindo o trajeto dos anéis, com inclusão hematopoiética ativa nas neoformações nodulares. Pode causar estenose do lúmen laringotraqueobrônquico, mas sem comprometimento de sua parede posterior, com possibilidade de progressão para os brônquios principais.4
O primeiro caso foi descrito por Wilks, ainda no século XIX, em um paciente de 38 anos com tuberculose. Desde então, centenas de casos são reportados mundialmente. 5 No entanto, muitos pacientes não são diagnosticados devido à falta de conhecimento da TO por parte dos médicos. A etiologia e a patogênese da TO permanecem desconhecidas; em geral, é descoberta acidentalmente durante broncoscopias ou em necropsias e não é associada a uma doença especifica. Predomina no sexo masculino, entre a quinta e a sétima década de vida1,2 e habitualmente é assintomática.6
No presente estudo relatamos um caso de TO achado incidentalmente numa TC realizada em um paciente com dispneia a esclarecer.
Paciente do sexo masculino, 59 anos de idade, com queixa de dispneia aos grandes esforços há um mês, associada a tosse progressiva e pigarros. Era portador de hepatite B e de fibrilação atrial crônica. Negava tabagismo. Apresentava exame físico normal. Radiografia de tórax sem alterações significativas. Prova de função pulmonar indicava distúrbio ventilatório obstrutivo leve com resposta de fluxo com o uso de broncodilatador. Resultados do ecocardiograma: fração de ejeção de 49% e hipocontratilidade difusa do ventrículo esquerdo em grau leve. As imagens da TC de tórax estão apresentadas na Figura 1. À broncoscopia, havia múltiplas lesões granulosas em traqueia e brônquios (Figura 2). A biópsia revelou áreas nodulares constituídas por tecido cartilaginoso ossificado em regiões subepiteliais, sendo o epitélio respiratório subjacente de padrão característico e sem atipia (Figura 3).
Figura 1 TC de tórax revelando a traqueia e brônquios principais com múltiplas calcificações parietais e protrusões nodulares intraluminais, poupando a membrana posterior.
Figura 2 Imagens de broncoscopia demonstrando que a traqueia estava com calibre preservado; mucosa de aspecto granular difuso grosseiro, de coloração esbranquiçada, porém, sem determinar estenose; a carina principal apresenta-se afilada, móvel e com lesões granulares. Os brônquios subsegmentares com óstios livres e recobertos por mucosa íntegra.
A TO é uma doença benigna rara, de causa desconhecida. Foi descrita macroscopicamente por Rokitansk em 1855 e microscopicamente por Wilks em 1857. Algumas teorias etiopatogênicas foram postuladas. Em 1947, Dalgaard postulou que o tecido elástico sofre metaplasia, com formação de cartilagem e deposição de cálcio. Em 1863, Virchow relatou que econdrose e exostoses favorecem a deposição de cálcio e ossificação nos anéis traqueais. Em 1910, Aschoff-Freiburg atribuiu a TO a alterações no tecido elástico traqueal, introduzindo o termo traqueopatia osteoplástica, e, em 1964, Secrest et al. a rotularam como traqueobroncopatia osteoplástica.7
A TO habitualmente é assintomática. Os sintomas mais frequentes são dispneia, tosse crônica, expectoração, que é muitas vezes abundante, e, ocasionalmente, hemoptise. Testes de função pulmonar normalmente não mostram limitação ao fluxo aéreo. Apenas uma pequena fração dos pacientes apresenta anomalias de ventilação, mais frequentemente obstrução brônquica. A TC e a broncoscopia continuam sendo o padrão ouro para o reconhecimento de TO.
Sua incidência clínica estimada varia de 2 a 7 por 1.000 habitantes, com surgimento entre os 25 e 85 anos de idade, sendo a quinta década de vida a mais frequente. Não há predominância de sexo. O intervalo dos primeiros sintomas até o diagnóstico é de aproximadamente 4 anos em 45% dos casos; porém, com possibilidade de ser de mais de 25 anos.7 Achados broncoscópicos incidentais ocorrem aproximadamente na proporção de 3:2.000-5.000 habitantes. Segundo Secrest et al., estima-se que apenas 51% dos casos sejam diagnosticados durante a vida.7 Não se evidenciou correlação com o tabagismo; porém, alguns estudos apontam a associação com processos inflamatórios crônicos da traqueia, argumentando ser este um possível fator de evolução da doença.8,9
Histologicamente, o leito mucoso pode apresentar-se normal, com áreas alternadas de processos inflamatórios e de necrose, formação cartilaginosa ou óssea proliferativa anormal na submucosa, podendo estar presente metaplasia escamosa do epitélio colunar, depósitos de cálcio, fragmentos de adipócitos e tecido ósseo medular hematopoiético ativo.9,10 Temos a presença de tecido ósseo e frequentemente cartilaginoso, adjacente aos anéis cartilaginosos. Microscopicamente, o tecido ósseo benigno e cartilaginoso cresce e substitui a submucosa do brônquio e comprime as glândulas mucosas. Medula óssea pode estar presente. O epitélio que recobre esses nódulos usualmente é intacto, metaplásico, algumas vezes displásico ou ulcerado. Na biópsia transbrônquica realizada no presente caso, nota-se em região de submucosa a presença de tecido cartilaginoso com focos de ossificação metaplásica. Epitélio metaplásico pavimentoso, intacto e sem atipias, recobre o nódulo osteocartilaginoso.
Entre os diagnósticos diferenciais encontram-se, principalmente, papilomatoses, sarcoidose, condrossarcoma, hamartomas, amiloidoses, calcificações tubercoides, dermatomiosite, esclerodermia, granulomatose de Wegener e linfonodos paratraqueais calcificados.11,12
Até o momento não existe terapia definitiva para erradicar a TO. O tratamento não é específico; antibióticos são utilizados para tratar infecções do trato respiratório, assim como antitussígenos e corticoide inalatório para a tosse. O tratamento cirúrgico é indicado quando os sintomas não respondem ao tratamento clínico, podendo ser realizada a ressecção do segmento traqueal, laringofissura anterior, laringectomia parcial, remoção broncoscópica das lesões.8 A fotocoagulação com o laser neodymium:yttrium-aluminum-garnet (Nd:YAG), como também a colocação de molde de silicone, pode ser uma opção terapêutica.13-16
O prognóstico dos pacientes com TO geralmente é favorável. Muitos casos na literatura mostraram pequena evolução ao longo dos anos. No entanto, já foi demonstrado que alguns pacientes morreram de infecções respiratórias graves.17