Compartilhar

Tratamento adjuvante com nebulização de salina hipertônica em uma criança com bronquite plástica após a operação de Glenn

Tratamento adjuvante com nebulização de salina hipertônica em uma criança com bronquite plástica após a operação de Glenn

Autores:

Grzegorz Lis,
Ewa Cichocka-Jarosz,
Urszula Jedynak-Wasowicz,
Edyta Glowacka

ARTIGO ORIGINAL

Jornal Brasileiro de Pneumologia

versão impressa ISSN 1806-3713

J. bras. pneumol. vol.40 no.1 São Paulo jan./fev. 2014

http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132014000100013

Introdução

Embora a bronquite plástica (BP) seja uma causa rara de obstrução das vias aéreas, a taxa de mortalidade da BP é alta (de até 50%). Portanto, os médicos devem manter um alto grau de suspeita clínica de BP, que é mais frequentemente vista em crianças com cardiopatia congênita (CC) submetidas à operação de Fontan. No entanto, a BP também pode afetar adultos. ( 1 ) Além disso, a BP pode ocorrer em virtude de anomalias linfáticas pulmonares, alergias respiratórias, doenças infecciosas e síndrome torácica aguda na doença falciforme.( 2 ) Há relatos anedóticos de BP em pacientes com fibrose cística e no pós-operatório de pacientes submetidos a transplante cardíaco.( 3 , 4 )

Na fisiopatologia da BP em virtude de CC, a circulação de Fontan predispõe a disfunção de membranas, levando ao vazamento de material proteico para dentro das vias aéreas. Isso pode causar obstrução significativa pela formação de moldes gelatinosos ramificados na árvore traqueobrônquica. Os moldes podem ser expectorados espontaneamente ou pode ser necessário realizar broncoscopia para removê-los, um procedimento que salva vidas. Não é incomum que ocorra morte em virtude de obstrução das vias aéreas por um molde.( 2 ) Os sintomas clínicos e achados radiológicos não são específicos e podem simular aspiração de corpo estranho ou exacerbação grave de asma. Há dois tipos conhecidos de moldes, que diferem histologicamente e na composição( 5 ): tipo 1 - inflamatórios, associados a doença pulmonar inflamatória subjacente e compostos por fibrina com infiltração de eosinófilos, neutrófilos e linfócitos; e tipo 2 - acelulares, associados a hipertensão pulmonar e insuficiência cardíaca em virtude de CC e compostos por mucina, sem infiltração. Como a BP é rara, não há recomendações específicas para o tratamento, e as opções terapêuticas baseiam-se principalmente na experiência individual.

Relato de caso

Apresentamos o caso de uma paciente de 18 meses de idade com BP após pneumonia. Aos 2 meses de idade, a paciente foi hospitalizada por causa de pneumonia. Aos 6 meses de idade, foi submetida à operação de Glenn bidirecional (do tipo Fontan) paliativa por causa de CC (dupla via de entrada e dupla via de saída do ventrículo com canal atrioventricular comum). Não houve complicações durante o período perioperatório. A ecocardiografia realizada aos 12 meses e aos 18 meses de idade mostrou função cardíaca adequada (fração de ejeção: 67%). Aos 18 meses de idade, a paciente foi novamente hospitalizada por causa de pneumonia sem solução após três ciclos de antibióticos em ambiente doméstico. Houve suspeita clínica de infiltração e atelectasia do lobo superior esquerdo (por causa de macicez e murmúrio vesicular diminuído na região), confirmada por uma radiografia do tórax. A pressão arterial estava normal. No entanto, a SpO2 era de aproximadamente 50% (previamente, havia sido de 70-80%). Além disso, foi detectada hipogamaglobulinemia. No diagnóstico diferencial, excluímos atopia, fibrose cística, imunodeficiências, infecções virais (por citomegalovírus, vírus Epstein-Barr e vírus pneumotrópicos) e infecções fúngicas (por Aspergillus sp. e Candida sp.). Dentro de alguns dias, a tosse se tornou mais produtiva e houve expectoração de pequenos moldes mucoides. Não obstante a antibioticoterapia, a terapia de reposição de gamaglobulina, a oxigenoterapia, a fisioterapia respiratória intensiva e o uso de broncodilatadores e mucolíticos nebulizados, não houve melhora clínica. No 17º dia de internação, a fibrobroncoscopia (FB) revelou obliteração completa do brônquio esquerdo. A aplicação de sucção permitiu a remoção de moldes brônquicos; em seguida, realizou-se a lavagem brônquica da região (Figura 1). Culturas do lavado brônquico foram negativas para fungos e bactérias. A análise microscópica do material coletado revelou moldes brônquicos do tipo 1. Após a broncoscopia, houve resolução da inflamação dos lobos esquerdos. Iniciou-se o tratamento com azitromicina, esteroides sistêmicos e inalados e maleato de enalapril,( 6 ) além de nebulização de solução de NaCl a 3% associada a um broncodilatador. Uma semana após o início do tratamento, uma FB de controle revelou apenas pequenos fragmentos de moldes, que foram removidos fácil e completamente. No 33º dia de internação, a paciente recebeu alta.

Figura 1  Molde ramificado extraído do brônquio esquerdo. 

Discussão

A BP não é comum em crianças. Em um estudo, Madsen et al. revisaram 56 casos bem documentados de BP após cirurgia cardíaca antes de 2005.( 2 ) Depois disso, dois grupos de autores descreveram os casos de 32 adultos e 22 crianças, respectivamente, na China.( 7 , 8 ) Além disso, dois estudos sobre BP foram realizados na Polônia.( 9 , 10 ) Até onde sabemos, este é o primeiro relato de caso de BP em uma criança com CC na Polônia. Nossa paciente tinha 18 meses de idade quando foi internada, com sintomas moderadamente graves de BP, diferentemente dos dois casos fatais de BP após a operação de Glenn, citados por Madsen et al.( 2 ) Pacientes com BP em virtude de CC tendem a ser mais jovens e ter um prognóstico pior do que aqueles com BP em virtude de outras comorbidades. Em nossa paciente, a BP ocorreu 9 meses após a operação de Glenn e foi desencadeada por uma infecção respiratória, o que está de acordo com outros relatos.( 2 ) O presente caso ressalta o fato de que se deve considerar a BP em crianças cianóticas com assimetria no exame do tórax, história de cirurgia cardíaca e sintomas respiratórios infecciosos moderadamente graves. Moldes brônquicos expectorados espontaneamente, como os observados no caso aqui relatado, geralmente comprovam o diagnóstico. Hipoteticamente, a incidência de BP em crianças é provavelmente subdiagnosticada por causa da dificuldade de expectoração produtiva nessa idade. A broncoscopia pode ser uma opção para o diagnóstico e tratamento da BP.( 2 ) Em nossa paciente, conseguimos remover os moldes brônquicos durante a FB. No entanto, pode ser necessário realizar broncoscopia rígida para remover moldes muito grandes. O exame histológico é importante, embora nem sempre clinicamente relevante. Em casos de coinfecção após cirurgia cardíaca, moldes inflamatórios podem estar presentes, como mostra o caso aqui relatado. Isso também está de acordo com outros relatos, pois a infecção do trato respiratório em crianças pode ser coincidência ou causal.( 10 ) No presente caso, os resultados do exame microscópico do molde brônquico justificaram a modificação do tratamento para as opções bem conhecidas de azitromicina e corticosteroides sistêmicos. Nossa paciente se beneficiou da nebulização de solução salina hipertônica (NaCl a 3%), que, até onde sabemos, se trata de um tratamento empírico relatado pela primeira vez em um paciente com BP. Houve melhora na expectoração e um desfecho positivo, sem recidiva do molde. Há relatos anedóticos de outras tentativas, incluindo o uso de aerossol de uroquinase, ativador do plasminogênio tecidual, DNase humana recombinante e oxigenação por membrana extracorpórea.( 8 ) Nós não introduzimos o citrato de sildenafila, usado com sucesso em conjunto com epoprostenol.( 11 )

Em suma, os médicos precisam estar constantemente atentos à BP em crianças com coração funcionalmente univentricular após a operação de Fontan; nesses casos, a BP pode ser desencadeada por uma infecção do trato respiratório. Em alguns casos, a FB pode ser apropriada para a remoção de moldes. Em virtude do amplo espectro de comorbidades subjacentes, a terapia deve ser individual, e a nebulização de solução salina hipertônica pode ser benéfica.

REFERÊNCIAS

1. Ugurlucan M, Basaran M, Alpagut U, Tireli E. Bidirectional inferior vena cava-pulmonary artery shunt: can it be alternative for older patients presenting single ventricle heart disease in the third world countries? Arch Med Sci. 2008;4:1-6.
2. Madsen P, Shah SA, Rubin BK. Plastic bronchitis: new insight and classification scheme. Paediatric Respir Rev. 2005;6(4):292-300.
3. ElMallah MK, Prabhakaran S, Chesrown SE. Plastic bronchitis: resolution after heart transplantation. Pediatr Pulmonol. 2011;46(8):824-5.
4. Mateos-Corral D, Cutz E, Solomon M, Ratjen F. Plastic bronchitis as an unusual cause of mucus plugging in cystic fibrosis. Pediatr Pulmonol. 2009;44(9):939-40.
5. Seear M, Hui H, Magee F, Bohn D, Cutz E. Bronchial casts in children: a proposed classification based on nine cases and a review of literature. Am J Respir Crit Care Med. 1997;155(1):364-70.
6. Do P, Randhawa I, Chin T, Parsapour K, Nussbaum E. Successful management of plastic bronchitis in a child post Fontan: case report and literature review. Lung. 2012;190(4):463-8.
7. Dabo L, Qiyi Z, Jianwen Z, Zhenyun H, Lifeng Z. Perioperative management of plastic bronchitis in children. Int J Pediatr Otorhinolaryng. 2010;74(1):15-21.
8. Wang G, Wang Y, Luo F, Wang L, Jiang L, Wang L, et al. Effective use of corticosteroids in treatment of plastic bronchitis with hemoptysis in Chinese adults. Acta Pharmacol Sin. 2006;27(9):1206-12.
9. Sledziewska J, Załeska J, Wiatr E, Płodziszewska M, Załeska M, Pirozynski M, et al. Plastic bronchitis and mucoid impaction--uncommon disease syndromes with expectoration mucus plugs [Article in Polish]. Pneumonol Alergol Pol. 2001;69(1-2):50-61.
10. Krenke K, Krenke R, Krauze A, Lange J, Kulus M. Plastic bronchitis: an unusual cause of atelectasis. Respiration. 2010;80(2):146-7.
11. Haseyama K, Satomi G, Yasukochi S, Matsui H, Harada Y, Uchita S. Pulmonary vasodilation therapy with sildenafil citrate in a patient with plastic bronchitis after the Fontan procedure for hypoplastic left heart syndrome. J Thoracic Cardiovasc Surg. 2006;132(5):1232-3.