versão impressa ISSN 1808-8694
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.79 no.5 São Paulo sept./out. 2013
http://dx.doi.org/10.5935/1808-8694.20130114
A papilomatose respiratória recorrente (PRR) ou papilomatose laríngea recorrente é uma doença da laringe que se caracteriza pela proliferação de lesões epiteliais de aspecto verrucoso, denominadas de papilomas. Estes são, frequentemente, múltiplos e reincidentes1 , 2. A doença constitui o tumor benigno mais frequente da laringe. Apresenta grande morbidade em função destas lesões serem de caráter confluente e promoverem quadros de disfonia (alteração da voz) e dispneia (alteração do padrão respiratório)2 , 3.
A PRR é causada pela infecção do papiloma vírus humano (HPV). Os subtipos virais mais frequentemente detectados são o HPV 6 e 11 em, aproximadamente, 90% dos casos1 , 2. Os subtipos 16 e 18, por sua vez, são mais raramente encontrados em crianças com PRR3. Porém, quando presentes, associam-se a maior potencial de malignização.
O modo de transmissão do HPV ainda não está totalmente esclarecido. Embora a transmissão sexual esteja estabelecida, os modos possíveis de transmissão não sexual incluem a transmissão vertical, horizontal e a autoinoculação. Recente meta-análise demonstrou que em aproximadamente 20% dos casos a transmissão do HPV se dá por meio de transmissão vertical. No entanto, a possibilidade de transmissão horizontal através da saliva ou outros contatos existe2 , 4. A exposição das vias aéreas superiores ao HPV (subtipos 6 e 11) acontece com certa frequência durante a vida. É provável que esta exposição seja tão comum como a exposição a outros vírus, uma vez que estudos mostraram que o DNA do HPV pode ser detectado nas vias aéreas superiores de até 25% de crianças e adultos não afetados5.
Segundo Derkay6, cerca de 1.500 a 2.500 casos novos de PRR ocorrem a cada ano nos EUA. Tasca et al.(7) relatam incidência de 6,9 casos por 1000 nascimentos em mães com história de lesões genitais, contra 0 casos por 1000 nascimentos em mães sem história de lesões genitais; relatam, ainda, um risco 231,4 vezes maior de PRR em nascidos de mães com lesões durante a gravidez em relação àquelas sem história de lesão genital. A incidência estimada na população pediátrica é de 4,3 por 100.000 crianças e de 1,8 por 100.000 adultos6.
A doença é usualmente caracterizada segundo a gravidade do quadro, sendo dividida em forma agressiva ou forma não agressiva. A forma agressiva caracteriza-se pela necessidade de dez ou mais procedimentos cirúrgicos, sendo três ou mais no período de um ano, ou extensão da doença em direção distal à subglote. Em contraste, a forma não agressiva é caracterizada pela necessidade de menos de dez procedimentos, sendo menos de três procedimentos no período de um ano, ou ausência de acometimento distal à subglote8.
O diagnóstico é realizado por meio da videonasofibroscopia (endoscópio flexível) e videolaringoscopia (endoscópio rígido), sendo confirmado por meio do anatomopatológico. Os papilomas laríngeos, no que concerne ao aspecto macroscópico, são caracterizados por tumorações nodulares pedunculadas, irregulares e de tamanhos variáveis. Quanto à histologia, são constituídos de projeções digitiformes de tecido conjuntivo coberto por epitélio escamoso estratificado, extremamente vascularizado e, em geral, queratinizado9.
O tratamento tem como objetivos a manutenção de uma via aérea patente, melhoria da qualidade da voz, além da prevenção das complicações. Assim, a terapia de escolha para a PRR é a cirurgia, visando preservar os tecidos não acometidos, prevenir cicatrizes e remover totalmente os papilomas, por meio de microcirurgia a frio, laser ou microdebridador1 , 10. Entretanto, não previne quanto às recidivas; o que abre precedentes para as terapias adjuvantes.
A terapia adjuvante é, até o momento, a protagonista nas discussões que envolvem o tema. A literatura propõe várias opções, porém, sem nenhuma evidência à cura; atuando apenas como modalidade paliativa. Há relatos do uso de interferon alfa, indol-3-carbinol, terapêutica fotodinâmica, ácido cistiretinoico, cidofovir, aciclovir, ribavirina, bevacizumab e vacina tetravalente contra o HPV6 - 19.
Não há um consenso sobre a melhor terapêutica adjuvante e, por isso, este tema continua sendo bastante abordado e discutido. Assim, o objetivo no presente estudo foi realizar uma revisão de literatura a respeito da PRR, com ênfase nas técnicas cirúrgicas e terapias adjuvantes mais utilizadas atualmente.
A metodologia utilizada no presente trabalho foi uma revisão bibliográfica, tendo como base da investigação a seguinte pergunta: "Quais os tratamentos cirúrgicos atuais e terapias adjuvantes da papilomatose laríngea recorrente?". Para a busca de artigos, foram utilizadas as bases de dados eletrônicas Cochrane, Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), National Library of Medicine (MedLine), PubMed e SciELO. Estas foram consultadas retrospectivamente, a partir do mês de janeiro do ano de 1992 até o mês de novembro do ano de 2012, utilizando-se as seguintes palavras chaves: papiloma, infecções por papillomavirus, laringe, terapêutica, vacinas contra papillomavirus. A busca se limitou a artigos escritos em português, espanhol e inglês.
Artigos identificados pela estratégia de busca inicial foram avaliados independentemente por dois autores. No intuito de não correr o risco de excluir estudos importantes para a revisão, após reunião de consenso, os dois revisores selecionaram todos os títulos identificados, acompanhados ou não do resumo, potencialmente relevantes ao objeto de estudo. Após a seleção dos títulos relevantes, realizou-se a recuperação dos artigos na íntegra e avaliação de cada artigo mediante protocolo contendo os tópicos: tipo de estudo, amostra, intervenção adotada, resultados encontrados. Foram incluídos todos os estudos clínicos transversais, longitudinais prospectivos e retrospectivos, artigos de revisão, meta-análise, relatos de casos, e capítulos de livros nacionais que atendiam a estas exigências. Os artigos com conteúdos muito semelhantes foram excluídos, dando-se prioridade para citação dos autores que primeiramente publicaram sobre o tema nacional ou internacionalmente, e/ou aqueles com amostras maiores e mais recentes. Os estudos incluídos foram escolhidos norteados no sentido de responderem à pergunta que norteia esta revisão bibliográfica. O capítulo de livro, também selecionado nesta revisão, foi escolhido por ter publicação recente, de 2011, em detrimento aos demais.
Diante dos 357 artigos levantados, 49 foram usados como base para esta revisão, demonstrando que a maioria dos trabalhos científicos aponta para redução de recidiva com associação da cirurgia e das terapias adjuvantes; no entanto, encontramos metodologias diferentes com amostras também muito diferentes, não nos permitindo comparar os tipos de tratamento e de terapias adjuvantes entre si.
É consenso na literatura que a cirurgia para remoção dos papilomas é o tratamento de escolha para a papilomatose, embora existam diferentes opções cirúrgicas. Esta microcirurgia de laringe pode ser realizada com instrumento a frio, a laser e, mais recentemente, com o uso do microdebridador. Em nossa revisão, as sequelas laríngeas variaram de 6% a 61%, independentemente da escolha cirúrgica. E estudos mais recentes apontam para uma tendência na utilização do microdebridador em detrimento dos demais instrumentos cirúrgicos.
Terapias como o interferon, muito descritas no passado, não têm sido referidas como terapia adjuvante nos estudos mais recentes, sugerindo uma tendência ao desuso deste tipo de terapêutica na literatura.
Apesar da maior parte dos artigos mais recentes ainda demonstrarem uma preferência mundial ao uso do cidofovir como terapia adjuvante para PRR, alguns estudos já sugerem que não ocorre uma melhora significativa com o uso dessa medicação. Nos primeiros estudos, o cidofovir era apenas indicado em aplicações locais ou intralesionais. Na nossa revisão da literatura, observamos, sob a forma de relatos de casos, o seu uso também inalatório (Tabela 1).
Tabela 1 Resultados dos estudos com uso de cidofovir como terapia adjuvante.
Autores | Ano | Forma de administração | Resultados |
Snoeck et al. | 1998 | Injeção local | + |
Pransk et al. | 1999 | Injeção local | + |
Pransk et al. | 2000 | + | |
Bielomowicz et al. | 2002 | Injeção local | + |
Pransky et al. | 2003 | Injeção local | + |
Lee et al. | 2004 | Injeção local | + |
Shirley et al. | 2004 | Injeção local | - |
Avelino et al. | 2004 | Injeção local | + |
Kimberlin | 2004 | Injeção local | + |
Pontes et al. | 2006 | Injeção local | + |
Naiman et al. | 2006 | Injeção local | + |
Naiman et al. | 2006 | Injeção local | + |
Dikkers | 2006 | Injeção local | + |
*Giles et al. | 2006 | Inalatório | + |
Pudszhn et al. | 2007 | Injeção local | + |
Broekema et al. | 2008 | Injeção local | + |
**McMurray et al. | 2008 | Injeção local | - |
Pontes et al. | 2009 | Injeção local | + |
*Ksiazik et al. | 2011 | Inalatório | + |
Carneiro et al. | 2012 | Injeção local | + |
*Artigo de relato de caso;
**Estudo randomizado, duplo cego, placebo.
Os artigos de Zeitels et al., a partir de 2009, têm mostrado o uso do bevacizumab como uma nova opção de terapia adjuvante, associada ao uso do laser de KTP; com resultados bem positivos14 , 15. Porém, a escassez de estudos sobre o Avastin, e também a amostragem e metodologias dos mesmos, ainda não nos permite ter conclusões sobre a eficácia deste como terapia adjuvante na PRR.
A vacina contra o HPV, embora seja indicada como prevenção para os quatro subtipos de HPV (6, 11, 16 e 18), tem sido utilizada também como terapia adjuvante em pacientes portadores de PRR. Em 2008, Förster et al. 20 sugerem benefício da vacina em pacientes com PRR, e fazem referência da necessidade de estudos multicêntrico. Em 2009, Pawlita & Gissmann21 sugeriram o uso da vacina tetravalente contra HPV como tratamento adjuvante para papilomatose. Em 2011, Mudry et al.17 publicaram o caso de criança com 5 anos com recidivas frequentes das lesões e necessidade de várias cirurgias; sendo que após vacinação contra HPV apresentou remissão da doença em follow-up de 17 meses. No entanto, esta terapêutica é ainda descrita na literatura apenas sob a forma de relatos de casos isolados.
A PRR pode apresentar um curso variável. Enquanto certos casos de papilomatose laríngea regridem espontaneamente, outros necessitam de múltiplas cirurgias, por várias décadas; com recidivas que podem ocorrer em menos de duas semanas. As crianças normalmente apresentam recidivas mais agressivas, evoluindo com piores prognósticos1 , 2. Logo, o tratamento da PRR continua sendo um grande desafio para o otorrinolaringologista. Embora a cirurgia seja o tratamento de escolha para doença, esta não irá evitar a recidiva das lesões.
A cirurgia visa preservar os tecidos não acometidos, remover totalmente os papilomas e evitar cicatrizes; podendo esta ser realizada, como observado em nossa revisão, com o uso de instrumentos a frio, laser CO2 ou microdebridadores1 , 2 , 10. Ao longo do tempo, novas técnicas cirúrgicas vêm surgindo, sendo a mais antiga delas o da microcirurgia de laringe com o uso do instrumento a frio. Neste sentido, no início da década de 70, o advento do laser iniciou uma nova modalidade cirúrgica, com novas perspectivas, que se mostrava com as seguintes vantagens: melhor controle de sangramento, melhor precisão e um maior tempo de controle entre as recidivas, como acreditavam. Assim, esta modalidade passou a ser defendida como primeira linha de escolha no tratamento da PRR22 - 24.
Entretanto, a indicação e utilização do laser de CO2 vêm sendo questionadas há alguns anos por vários autores. Alguns estudos demonstraram que há maior risco de queimaduras do trato respiratório em potencial, maior predisposição a estenoses e cicatrizes laríngeas graves, lesões distais com fístulas traqueoesofágicas e maior custo, quando comparado com o microdebridador2 , 25 , 26. Outros autores, como Morgan e Crockett, mostraram altas incidências de complicações com uso do laser, 61% e 36%, respectivamente1 , 2. Um estudo retrospectivo sobre as complicações com o uso do laser CO2, realizado com 17 pacientes, observou que 10 deles evoluíram com cicatrizes laríngeas27. Já Preuss et al.12, em 2007, demonstraram apenas 6% de complicações nas suas cirurgias a laser contra 20% de complicações com a técnica convencional.
Neste contexto, o microdebridador ganhou espaço na prática médica e vem substituindo o laser como primeira escolha na terapia cirúrgica. Alguns autores enfatizam suas vantagens como menor tempo cirúrgico, menor custo, menores riscos de complicações e melhor qualidade vocal, quando comparado ao uso de laser de CO2 2 , 12 , 23. Acredita-se que o risco de sequelas pode variar, dependendo do tipo de procedimento cirúrgico empregado, assim, enquanto alguns autores julgam ser o laser responsável pelas maiores cicatrizes laríngeas, outros já defendem o seu uso. No entanto, independentemente da técnica/instrumento utilizados, o vírus permanece latente mesmo após ressecção completa, o que conduz à recorrência1. O controle destas recidivas muitas vezes exige manipulações excessivas da laringe, o que pode levar a sequelas permanentes como estenoses, formação de membranas anteriores e posteriores, lesões das pregas vocais, formação de tecido de granulação, entre outras2. Em estudo retrospectivo de 50 crianças com PRR, observou-se que as sequelas laríngeas são complicações muito frequentes, principalmente as sinéquias de comissura anterior e as estenoses glóticas1.
No intuito de minimizar as recidivas, suas complicações, o impacto negativo na vida dos indivíduos portadores e ainda reduzir ou eliminar a necessidade de futuras cirurgias, as terapias adjuvantes ganharam espaço na prática médica. Os critérios mais aceitos para o início da terapia adjuvante são: necessidade de mais de quatro procedimentos cirúrgicos por ano, extensão subglótica das lesões e intervalos de recorrência curtos, ocasionando comprometimento da via aérea28. Entre 12,6% e 47,6% das crianças com PRR recebem terapias adjuvantes7 , 10 , 18 , 29, recomendadas nos casos de doença agressiva, quando as recidivas são frequentes ou existe comprometimento de via aérea distal10 , 30.
O interferon alfa foi a primeira modalidade de terapia adjuvante para pacientes com PRR, porém, mesmo que alguns centros ainda o utilizem como uma opção terapêutica, seu espaço na atualidade diminuiu. Inicialmente, o interferon parecia demonstrar bons resultados, sobretudo no início do uso (primeiros meses), mas os pacientes apresentavam também uma série de efeitos colaterais. Diante disso, outras terapias foram também estudadas e utilizadas ao longo do tempo, como indol-3-carbinol, terapêutica fotodinâmica, ácido cistiretinoico, porém, nenhuma delas se concretizou como modalidade terapêutica na PRR3 , 10.
Nos últimos anos, destacou-se o uso do antiviral cidofovir [(S)-1-hydroxy-2-phosphonyimethoxypropyl cytosine HPMC, vistide], que surgiu como potente inibidor da replicação dos seguintes vírus: HPV, adenovírus, citomegalovírus e herpesvírus2 , 10 , 31 - 41.
O cidofovir é utilizado como terapia adjuvante desde 1998 e os primeiros estudos publicados com uso de injeção de cidofovir para controle da PRR foram de Snoeck et al. em 1998 na população adulta, e de Pransky et al. em 1999 e 2000 na população pediátrica31 - 33. A droga é um análogo do nucleotídeo citosina e um potente inibidor da replicação de vírus. Dentre os efeitos colaterais relatados com o uso da droga, destaca-se a nefrotoxicidade, tanto pela frequência de aparecimento quanto pela significância. Outros efeitos adversos são neutropenia, fraqueza, náuseas e diarreia10. Entretanto, em estudo referindo tratamento de pacientes pediátricos com PRR utilizando-se aplicação local do cidofovir apontou-se ausência de alterações nos exames laboratoriais ou efeitos adversos à medicação, reafirmando sua aparente segurança quanto ao uso local3 , 7 , 32 - 39. Na literatura, há uma grande diversidade de trabalhos acerca do uso do cidofovir. No entanto, nem todos mostram resultados semelhantes, visto que alguns trouxeram resultados favoráveis (remissão ou diminuição na gravidade da doença na maioria dos pacientes)33 - 39, enquanto outros não observaram melhora significativa em relação às recidivas40 , 41.
O uso do cidofovir foi relatado como a terapia adjuvante mais utilizada em pesquisa realizada entre membros da Sociedade Americana de Otorrinolaringologia Pediátrica, sendo o uso do interferon o segundo mais relatado. Nos doentes acompanhados pelos serviços dos profissionais envolvidos na pesquisa, 61% melhoraram ou ficaram livres da doença, em contraste com apenas 4% que experimentaram suposta piora. Porém, este estudo pode ter erros de viés e amostragem, além de ter sido utilizado uma avaliação subjetiva referente à resposta do paciente ao tratamento; o que pode ter prejudicado os resultados18.
Em 2006, estudo realizado por membros da Sociedade Britânica de Otorrinolaringologia demonstrou que o cidofovir era o método mais utilizado pelos médicos daquela realidade; no entanto, o mesmo não conseguiu estabelecer o papel do cidofovir neste processo, nem quantificar a diminuição das recorrências7. Passou-se também a questionar um possível potencial de malignização do uso intralesional do cidofovir. O Food and Drug Administration (FDA) o considera possivelmente carcinogênico em humanos, uma vez que há propensão em causar adenocarcinoma de mama em ratos42. Houve também alguns relatos de displasia em humanos após o uso do cidofovir intralesional43 - 45. Embora Broekema & Dikkers relatem degeneração maligna em um grupo de pacientes submetidos a aplicações de cidofovir de 2,7%, eles destacam que a degeneração maligna espontânea em pacientes com PRR é em torno de 2%-3%, não havendo, assim, maior potencial de malignização; pois o próprio HPV já tem potencial de malignização, independentemente do uso de cidofovir43.
Lindsay et al.13, em 2008, analisaram histologicamente espécimes de papiloma antes e após aplicação de cidofovir, não sendo observado nenhum grau de displasia nos pacientes. Os autores também relatam que o cidofovir teria o potencial de causar cicatrizes das cordas vocais e por isso deveria ser usado com cautela nas pregas vocais13.
O uso do cidofovir inalatório também pode ser observado na literatura, mas apenas sob a forma de relatos de casos. Em 2006, um relato de caso é publicado descrevendo a utilização do cidofovir inalatório a fim de chegar às lesões pulmonares43 , 46. Neste caso, em uma menina com 11 meses de idade com insuficiência respiratória e estridor (devido à PRR) foi realizada uma traqueostomia. Com a finalidade de atingir os papilomas do pulmão, usou-se cidofovir via nebulização através do seu tubo de traqueostomia. Sua única complicação foi hemoptise, sendo resolvida com a diminuição da dose utilizada. Suas lesões das vias aéreas inferiores responderam e diminuíram de tamanho; evoluindo para o desaparecimento macroscópico e ausência de complicações46.
Em 2011, relatou-se caso de um paciente de 4 meses de idade, previamente hígido, que apresentou choro enfraquecido progressivamente, rouquidão e aumento do trabalho respiratório. Em nasofibrolaringoscopia flexível, foram detectadas papilomas em glote, que foram removidos por microdebridador. Apesar do uso do microdebridador de série quinzenal, cidofovirintralesional e interferon-a sistêmico, a saúde do paciente diminuiu substancialmente, uma vez que complicações de sua doença persistiram. Cidofovir inalatório foi então iniciado após a falha de todos os tratamentos convencionais. Em 6 semanas de tratamento, houve melhora substancial de seu quadro. Entretanto, é necessária investigação quanto à eficácia a longo prazo e perfil de segurança do cidofovir inalatório47.
De acordo com a nossa revisão de literatura, observamos que, embora o cidofovir ainda seja a terapia adjuvante mais utilizada, esta não foi capaz de gerar aceitação universal, culminando na necessidade de buscar novas alternativas para o cenário da terapia adjuvante no tratamento da PRR. Neste contexto, recentemente surgiram novas modalidades de tratamento como o bevacizumab e a vacina tetravalente contra o HPV.
Em relação ao uso do bevacizumab (Avastin), esta revisão observou que se acredita que a vascularização seja o fator determinante na rapidez do reaparecimento do papiloma. Neste sentido, o bevacizumab atuaria como inibidor da angiogênese; o que dificultaria/impediria o crescimento da lesão e suas consequências15 , 16. Os autores advogam que a associação de injeção local do bevacizumab com a cirurgia a laser KTP traria benefício ao paciente portador, uma vez que os mesmos possuem mecanismos de ação complementares e parecem ser relativamente seguros. Devido ao grande sucesso clínico do bevacizumab e do laser KTP, ao longo dos últimos dois anos e do fato de que não houve complicações associadas com mais de 200 injeções de bevacizumab na laringe, este tratamento tem sido preconizado para PRR15 , 16. No entanto, estudos maiores e mais significantes precisam ser realizados a fim de comprovar os benefícios do uso desta opção terapêutica. E muitas dúvidas são bem pertinentes a este novo tipo de terapia adjuvante, pois em nossa revisão observamos que o uso bevacizumab esteve em associação ao uso do laser KTP. Então, seria necessária a ativação do laser para o benefício adequado do bevacimuzab? Este poderia ser utilizado isolado sem o uso laser KTP?
A vacina tetravalente contra HPV, por sua vez, protege contra os subtipos 6, 11, 16 e 18; atua em um mecanismo de imunidade adquirida caracterizado por especificidade e memória, sendo mediada por linfócitos B, linfócitos T, além de anticorpos e citocinas48 , 49. Quando um determinado antígeno entra em contato com tais células, produz uma resposta específica. Com isso, o antígeno gera uma forte resposta qualitativa e quantitativa, com altos níveis de anticorpos, o que configura memória imunológica e proteção de longa duração. A imunogenicidade, que é a capacidade de induzir uma resposta imune específica, é usualmente mensurada pela quantificação de anticorpos48. Esta vacina é inativada, uma vez que não inclui antígenos com capacidade de replicar-se no indivíduo que a recebeu, sendo produzida por técnicas de biologia molecular. A vacina tetravalente contra o HPV contém partículas semelhantes a vírus, que são produzidas in vitro a partir de proteínas virais, que culminam em uma organização espontânea de estruturas que se assemelham ao vírus inteiro48 , 49. É importante ressaltar que a mesma não possui potencial infeccioso, nem oncogênico, sendo, então, muito segura. Em ensaios clínicos de desenvolvimento, não foram identificados eventos adversos significativos, tendo-se como reações adversas atribuídas à vacina apenas a dor, vermelhidão, edema no local de injeção, febre baixa, cefaleia e síncope48.
Embora até o momento se tenha a vacinação apenas como prevenção para pacientes ainda não infectados pelo HPV, a mesma tem sido motivo de estudos também em pacientes já com a PRR. Förster, em 2008, relatou caso de criança de 2 anos com papilomatose laríngea agressiva, que após 3 doses da vacina tetravalente contra HPV, evoluiu com estabilização da doença sem necessidade de cirurgias por período de 10 meses de acompanhamento2 , 20.
Em 2009, Pawlita & Gissmann sugeriram o uso da vacina tetravalente contra HPV como tratamento adjuvante para papilomatose, reforçando a possibilidade da sua ação imunoterapêutica em pacientes já infectados diante dos riscos muito baixos inerentes à sua utilização2 , 21.
Em 2011, Mudry et al. publicaram o caso de criança com 5 anos com recidivas frequentes das lesões e necessidade de várias cirurgias, sendo que após vacinação contra HPV apresentou remissão da doença em follow-up de 17 meses, configurando até o momento um dos maiores períodos livre de doença relatado na literatura2 , 17.
Vários casos descritos na literatura mostraram uma alteração do curso natural da doença com estabilização ou redução significativa da recidiva de papilomas após a vacinação, mas tratam-se apenas de relatos de casos isolados, havendo, assim, necessidade de estudos multicêntricos abrangentes que permitam avaliar o verdadeiro benefício da vacina no tratamento da PRR16 , 17 , 20 , 21.
Diante da nossa revisão de literatura, observamos que a utilização da técnica cirúrgica e da terapia adjuvante ainda depende da realidade de cada serviço, da experiência do médico envolvido, dos possíveis efeitos adversos e, principalmente, da aceitação dos pacientes acometidos e não apenas da eficácia da mesma.
Nesta revisão de literatura observou-se que ainda existem divergências quanto ao tratamento cirúrgico preconizado, porém, há uma nova tendência em relação ao uso do microdebridador. E quanto às terapias adjuvantes, embora o cidofovir seja o método mais utilizado, ainda não existe um consenso sobre a sua eficácia, necessitando de estudos maiores e multicêntricos.