versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756
J. bras. pneumol. vol.41 no.4 São Paulo jul./ago. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132015000400001
Em 1958, Laipply e Sherrick descreveram um caso de derrame quiloso e hiperplasia angiomiomatosa intratorácica, que seria posteriormente reconhecido como a primeira publicação a respeito da linfangioleiomiomatose (LAM).1 Nesses 57 anos, muito foi somado ao conhecimento da LAM, que é uma doença crônica, multissistêmica, rara, de acometimento preferencial em mulheres, caracterizada pela formação de cistos (destruição pulmonar), derrame quiloso e lesões extrapulmonares como angiomiolipomas, tumores linfáticos e linfangioleiomiomas.2 A LAM pode ser classificada como uma doença autossômica dominante, causada pela mutação do TSC1 ou TSC2, e apresentação clínica com déficit cognitivo, autismo, convulsões e lesões de hamartomas no cérebro, coração, pele, rim, olhos, pulmões ou fígado2; ou pode ser esporádica, em decorrência de mutação somática (sem transmissão para descendentes) no gene TSC2.2 Na sua patogenia, as células de LAM (células neoplásicas) possuem características de melanócitos e de células encontradas no músculo liso.2 A LAM é considerada uma neoplasia de baixo grau, destrutiva e com lesões metastáticas.3 O diagnóstico de LAM consegue ser estabelecido, em muitos casos, pelas seguintes características: cistos pulmonares com paredes finas na TCAR de tórax, história de esclerose tuberosa, LAM familiar ou pneumotórax; dosagem elevada de VEGF no sangue (≥ 800 pg/ml); presença de linfangioleiomiomas e angiomiolipomas na TC ou ressonância magnética de abdômen; derrame quiloso; ou presença de células de LAM e detecção de HMB-45 no material de biópsia pulmonar.4 O diagnóstico da LAM foi aprimorado nessas últimas décadas, e a proposta terapêutica foi modificada a partir de 2000, com a descrição da mutação do gene TSC2. A presença dessa mutação caracteriza-se com o aumento da síntese proteica e crescimento celular pela via de estimulação de mammalian target of rapamycin (mTOR).5Medicamentos como o sirolimo ou everolimo foram avaliados para o uso na LAM, pois eles possuem ação inibitória no mTOR, especificamente no complexo 1.4 Ou seja, eles poderiam reduzir ou controlar o excesso de estimulação desencadeado pelas mutações. Em 2008, publicou-se um estudo aberto no tratamento de LAM que evidenciava a redução de angiomiolipomas renais com o uso de sirolimo, assim como o retorno do crescimento tumoral após a sua suspensão.5 Atualmente, os inibidores de mTOR são considerados efetivos para as manifestações torácicas (quilotórax) e extratorácicas (angiomiolipoma) e auxiliares na estabilização da função pulmonar na LAM.3 Freitas et al.,6 na edição de maio-junho de 2015 do JBP, apresentam uma série de casos com manifestações extrapulmonares e a opção do uso de sirolimo para o controle da LAM. Os resultados são animadores, como demonstrado pelas imagens de redução do volume de angiomiolipomas renais, das massas abdominais e retroperitoneais e da resolução do quilotórax. Houve também a estabilização da função pulmonar. Essa primeira publicação brasileira demonstrou que o sirolimo é uma real opção terapêutica no controle da LAM. Outros aspectos questionados pelos autores e ainda sem resposta na literatura versam sobre a dosagem laboratorial de sirolimo, o tempo de uso e a segurança no longo prazo do tratamento.6 Temos então um período promissor de avanços na LAM. De fato, as doenças intersticiais, como a LAM, apresentam novidades terapêuticas. A fibrose pulmonar idiopática obteve um avanço terapêutico relevante recentemente com as primeiras drogas específicas para seu tratamento, aprovadas nos EUA: pirfenidona e nintedanibe. 7 8 Na sarcoidose e na esclerose sistêmica, há novos medicamentos que estão sendo avaliados nos casos de refratariedade terapêutica.(9,10) Além disso, o transplante de pulmão consolida-se como uma opção nas doenças intersticiais, como foi demonstrado no estudo de Rubin et al.,11 publicado no presente número do JBP, cuja recuperação do volume pulmonar após o transplante pulmonar unilateral em pacientes com fibrose pulmonar idiopática foi, em média, de 620 ml no primeiro ano de seguimento, mas a mortalidade antes de um ano de seguimento foi de 30%.
Estamos num processo de novos rumos terapêuticos. Assim, com os novos tratamentos das doenças intersticiais pulmonares, me referencio com o Canto VI de Os Lusíadas:
Outras palavras tais lhe respondia
O Capitão, e logo, as velas dando,
Para as terras da Aurora se partia,
Que tanto tempo há já que vai buscando.
No piloto que leva não havia
Falsidade, mas antes vai mostrando
A navegação certa; e assim caminha
Já mais seguro do que dantes vinha.
- Luís Vaz de Camões (1524 - 1579)