versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol. vol.38 no.1 São Paulo jan./mar. 2016
http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20160015
A ocorrência de urolitíase é elevada e continua a crescer em todo o mundo. O risco vitalício de desenvolver cálculos renais sintomáticos é de aproximadamente 13% em homens e 7% em mulheres.1 Além disso, o risco de recorrência é também elevado. Uma vez diagnosticados, 50% dos pacientes adultos sofrem recidivas em 5-10 anos e 75% em 20 anos.2
A maioria dos pacientes com nefrolitíase apresentam sintomas, normalmente na forma de dor abdominal ou no flanco. Outras possíveis manifestações incluem hematúria maciça, disúria, náusea/vômitos e eliminação espontânea. Cerca de um terço dos pacientes são assintomáticos, diagnosticados principalmente durante a produção de imagens abdominais por outros motivos.3 A análise de fatores de risco para nefrolitíase pela urina de 24 horas é essencial para evitar a recorrência do cálculo renal. Hipercalciúria, a anomalia metabólica mais comum em formadores de cálculos renais, apesar de familiar e idiopática, é principalmente influenciada pela dieta.4 A hipercalciúria eleva a supersaturação da urina e promove a formação e crescimento de cristais. O citrato urinário também desempenha um importante papel na redução da formação e recorrência dos cálculos renais por se ligar ao cálcio, inibindo a nucleação espontânea e agregação de cristais de oxalato e interagindo com a proteína de Tamm-Horsfall para inibir a cristalização do oxalato de cálcio.5,6
Os tratamentos atualmente disponíveis para a prevenção do cálculo renal recorrente são relativamente antigos. Apenas um punhado de medicamentos é utilizado com maior frequência, todos com 30 anos ou mais de existência.7 Por outro lado, há várias novas opções conservadoras para o manejo inicial de pequenos cálculos ureterais além da terapia expulsiva clínica (TEC). A presente breve revisão narrativa pretende: 1) apresentar as evidências disponíveis sobre a TEC; 2) descrever algumas das evidências relativas a terapias não-farmacológicas de cálculo renal, incluindo modificações alimentares e demais tratamentos baseados em limonadas e sucos de outras frutas cítricas; e 3) discutir os efeitos dos diuréticos de tiazida no tratamento da hipercalciúria na nefrolitíase recorrente. Por conta de limitações de espaço, a presente revisão não pretende esgotar o assunto, mas sim oferecer uma análise baseada em evidências e orientada ao paciente sobre a questão. Ensaios clínicos prospectivos randomizados controlados e meta-análises serão enfatizados, enquanto estudos sem grupo de controle e retrospectivos serão mencionados.
Os dois fatores preditivos mais importantes para a passagem de cálculos ureterais são o tamanho dos cálculos e sua localização.4 Cálculos ureterais distais de 5mm ou menores tem cerca de 50-70% de probabilidade de serem eliminados espontaneamente. A chance de eliminação espontânea de cálculos de 5-10 mm é inferior a 50%.8 Os bloqueadores do canal de cálcio e os bloqueadores α-1 são os mais promissores agentes para a TEC. Os bloqueadores do canal de cálcio (tais como a nifedipina) inibem as contrações musculares e reduzem o espasmo ureteral, enquanto os bloqueadores do receptor α-1D adrenérgico (ex.: tansulosina) reduzem o tônus da musculatura lisa ureteral, a frequência e a força do peristaltismo.9
Vários ensaios randomizados não-mascarados foram realizados com pequenos grupos de pacientes. Em 2006, uma grande meta-análise publicada por Hollingsworth et al.10 estudou 693 pacientes com cálculos ureterais (tamanho médio dos cálculos: 3,9 a 7,8 mm) randomizados para receber bloqueadores do canal de cálcio, bloqueadores α-1, ou nenhum tratamento por de uma a seis semanas, com seguimento de 15 a 48 dias. Em três estudos os pacientes receberam corticosteroides e nifedipina, enquanto outros sete tanto os pacientes tratados como os do grupo de controle receberam agentes anti-inflamatórios não-esteroides. Os indivíduos tratados com alfa-bloqueadores tiveram probabilidade 65% maior de eliminar os cálculos espontaneamente e uma razão de risco combinada de 1,54 (intervalo de confiança [IC] 1,29-1,85) em comparação ao grupo de controle (p < 0,0001). O efeito colateral mais comum foi hipotensão transitória, relatado por 3,3% a 4,2% dos participantes.10 Contudo, os autores enfatizam que seus resultados foram provavelmente limitados por viés de publicação, que pode ter levado a uma superestimação do efeito do tratamento, e clamam pela realização de um ensaio clínico randomizado (Tabela 1).
Tabela 1 Tratamento clínico para facilitar a passagem de cálculos urinários
Título | Exposição | Desfechos | Conclusão |
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Tratamento clínico para facilitar a passagem de litíases urinárias: meta-análise10 | Os autores identificaram e resumiram todos os ensaios clínicos controlados randomizados em que bloqueadores do canal de cálcio ou alfa-bloqueadores foram utilizados. Apenas nove (n =693) de mais de 400 estudos satisfizeram os critérios de inclusão. | O principal desfecho foi a proporção de pacientes que passaram cálculos < = 6 ou > = 6 mm | Os achados sugerem que a TEC é uma opção para a facilitação da eliminação urinária de cálculos (RRA = 0,31, IC 95% -0,25-0,38). Estudo clínico de alta qualidade é necessário para confirmar sua eficácia. |
CRITÉRIOS PARA REVISÃO DE META-ANÁLISES | |||
Pergunta | Resposta | Pergunta | Resposta |
1. A questão clínica era sensata e podia ser respondida? | Sim | 6. Os desfechos eram clinicamente relevantes? | Sim |
2. Os estudos foram selecionados e os dados extraídos por duas ou mais pessoas? | Sim | 7. Houve uma baixa heterogeneidade estatística para o desfecho primário? | Sim, 28%; não significativo |
3. A busca por estudos foi detalhada e exaustiva? | Não, os autores não descreveram como os artigos da revisão foram selecionados | 8. O efeito do tratamento foi grande o suficiente e preciso o suficiente para ser clinicamente significativo? | Sim |
4. Os estudos primários tinham elevada qualidade metodológica? | Não, oito dos mesmos não eram cegados, e seis dos mesmos não descreviam o procedimento de randomização | 9. Havia conflito de interesses? | Não |
5. As avaliações dos estudos eram reprodutíveis? | Sim | 10. Comentários gerais | As amostras eram pequenas e as metodologias variaram |
Um ensaio clínico de grande porte, com grupo de controle, multicêntrico, randomizado, com poder estatístico adequado foi recentemente publicado.11 No estudo SUSPEND (Spontaneous Urinary Stone Passage Enabled by Drugs), realizado em hospitais do National Health Service do Reino Unido, 1.136 pacientes com um único cálculo ureteral < 10 mm (localizado em qualquer ponto do ureter) foram randomizados em um estudo de quatro semanas com tansulosina, nifedipina ou placebo. O desfecho primário foi passagem espontânea do cálculo em quatro semanas, definida como ausência de necessidade de intervenções adicionais para possibilitar a eliminação do cálculo.11 Durante o tratamento, cerca de 80% dos pacientes de cada grupo não exigiram intervenções adicionais para conseguir expelir o cálculo. Um percentual semelhante de participantes dos grupos de tansulosina, nifedipina e placebo tiveram intervenções marcadas após 12 semanas (7%, 6% e 8%). Foi observada uma tendência de significância estatística para a TEC, especificamente com tansulosina em mulheres com pedras > 5 mm e para cálculos localizados no ureter baixo. Desfechos secundários como dor e tempo para a passagem do cálculo não foram significativamente diferentes entre os grupos. O estudo teve duas limitações: um alto percentual de pacientes não aderiu aos medicamentos e foram utilizados questionários em vez de provas radiográficas ou endoscópicas para registrar a expulsão do cálculo (Tabela 2).
Tabela 2 Terapia expulsiva clínica em adultos com cólica ureteral ensaios clínicos randomizados
Título | Tratamento clínico expulsivo em adultos com cólica uretérica: ensaio clínico multicêntrico, randomizado e controlado por placebo11 | Litíases uretéricas distais eTamsulosin: ensaio clínico duplo-cego, multicêntrico, randomizado, controlado por placebo12 |
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Exposições | Tansulosina 0,4 mg, nifedipina 30 mg, ou placebo; conduta expectante para único cálculo ureteral identificado por TC em 24 hospitais do Reino Unido | 0,4 mg de tansulosina ou placebo diariamente por 28 dias identificados por TC em 5 PS na Austrália |
Desfechos | Proporção de participantes que não precisou de mais intervenções para o cálculo quatro semanas após a randomização | Expulsão do cálculo por TC com 28 dias e tempo até eliminação do cálculo |
Conclusão | Tansulosina 0,4 mg e nifedipina 30 mg não são eficazes | A taxa de passagem de cálculos (desfecho primário) foi semelhante entre tansulosina e placebo. No subgrupo com cálculos de 5-10 mm, tansulosina aumentou a eliminação. |
Randomização | Sim | Sim |
Ocultação da distribuição por grupos | Sim | Não |
Cegamento dos participantes | Sim | Sim |
Cegamento do avaliador dos desfechos | Sim | Sim |
Perdas durante seguimento | Irrelevante para os resultados | 17%; Análises de sensibilidade foram conduzidas e não alteraram os resultados de forma substancial |
Relato seletivo | Não | Não |
Intenção de tratar | Sim | Sim |
Outros vieses | Não | Não |
Recentemente, Furyk et al.12 avaliaram a eficácia e a segurança da tansulosina como TEC em comparação a placebo em pacientes com cálculos ureterais distais com diâmetro igual ou menor que 10 mm. Este ensaio multicêntrico randomizado duplo-cego controlado por placebo foi realizado em cinco unidades de pronto-socorro (PS) em um estado australiano. Em 316 pacientes com cálculos sintomáticos e seguimento de 28 dias com tomografia computadorizada, a taxa de passagem de cálculos (desfecho primário) foi semelhante entre tansulosina e placebo. Contudo, a análise de um subgrupo (apesar de pré-especificado pelos investigadores) de 103 pacientes com cálculos de 5 a 10 mm revelou maior frequência de eliminação de cálculos com tansulosina. São várias as limitações desse ensaio. Foi identificada baixa aderência ao regime terapêutico sob condições de ensaio clínico. Além disso, a possibilidade de viés de seleção não pode ser excluída, uma vez que o recrutamento foi realizado por profissionais de PS em regime de trabalho intenso sujeito a prioridades concorrentes (Tabela 2).12
A dieta típica em países industrializados - rica em sódio, proteína animal e bebidas adoçadas com açúcar e frutose - resulta em elevada excreção de cálcio, ácido úrico, oxalato e fósforo e em redução do citrato urinário e do pH, favorecendo, assim, a formação de cálculos renais.13,14
A dieta pode promover ou inibir a formação de cálculos de oxalato de cálcio. O planejamento nutricional desempenha um papel fundamental na prevenção da nefrolitíase. As recomendações giram em torno da manutenção de níveis adequados de cálcio, do aumento da ingestão de líquidos, frutas e verduras, e da redução do consumo de sódio e proteína animal.15 As recomendações nutricionais preventivas devem ser adaptadas aos resultados dos testes de composição dos cálculos ou dos fatores de risco urinários.
Uma das mais simples e importantes recomendações para a prevenção da nefrolitíase é a ingestão de líquidos em volumes suficientes para produzir um volume urinário diário superior a dois litros por dia.15 Baixo volume urinário é o maior fator de risco para nefrolitíase, mesmo na ausência de outros fatores predisponentes séricos ou urinários, para uma fatia considerável dos formadores de cálculos.16
A ingestão de no mínimo 2,5 litros de líquidos por dia - pelo menos 50% água - está associada a redução do risco relativo de desenvolver cálculo renal.17,18 O aumento do consumo de água mineral tem trazido preocupações quanto à quantidade de eletrólitos ingeridos. Há grande variação no teor de minerais das águas minerais disponíveis no mercado, fato este que deve ser levado em consideração. Contudo, o impacto clínico da dureza da água (concentração combinada de cálcio e magnésio) sobre a nefrolitíase ainda é incerto, uma vez que a maioria dos estudos relata uma correlação fraca entre o índice de dureza e a excreção urinária de cálcio, magnésio e citrato.18
Modificações alimentares que incluam líquidos ricos em citrato podem surgir como alternativa ao uso de agentes farmacológicos. Recentemente publicamos uma revisão sistemática e uma meta-análise sobre os efeitos das intervenções não-farmacológicas sobre o citrato urinário e a nefrolitíase.19 Treze estudos com 358 participantes (idade média 43 ± 11,0 anos) foram incluídos. As seguintes intervenções foram realizadas: sucos de fruta comerciais, refrigerantes, água mineral rica em cálcio/magnésio, dieta rica em fibras, dieta com baixo teor de proteína animal e extrato vegetal. Quase metade dos estudos relataram efeitos em nãoformadores de cálculo. As intervenções com sucos de fruta comerciais levaram a um aumento nos níveis de citratúria de 167,2 mg/24 h (IC 95% 65,4 a 269), porém com elevado índice de heterogeneidade (I2 88,1%, p = 0,000). Outras intervenções tiveram amostras menores e não exibiram heterogeneidade. Entretanto, as estimativas agregadas não explicitaram diferenças significativas. Nossa revisão sugere a necessidade de melhorias metodológicas nessa área. As evidências disponíveis indicam que ensaios clínicos de larga escala são necessários para concluir se as intervenções não-farmacológicas podem elevar os níveis urinários de citrato e atuar na prevenção do cálculo renal.19
O aumento do uso de sacarose e frutose refinada visto nas últimas décadas, especialmente em refrigerantes e outros alimentos, relaciona-se à litogênese através da indução da obesidade e dos efeitos renais da frutose, produzindo resistência a insulina, redução do pH urinário e elevação da excreção urinária de cálcio, oxalato e ácido úrico.20 O teor de frutose nas frutas varia, mas em tal contexto a frutose está ligada a fibras e outras substâncias que reduzem sua absorção pelo organismo (diferentemente do que ocorre na frutose presente em produtos industrializados).
Foi demonstrado que os tiazídicos reduzem a hipercalciúria através da depleção do sódio (ainda que modesta), evento associado a queda na excreção urinária de cálcio; este efeito pode ser evitado com a administração de cloreto de sódio.21 Além disso, pode haver um componente de aprimoramento direto da absorção de cálcio no néfron distal, devido à regulação para cima do canal de cálcio do túbulo distal (TRPV5) e ao aumento da expressão de calbindina.22
Vários estudos demonstram os efeitos benéficos dos tiazídicos na prevenção da nefrolitíase recorrente. Há pelo menos dez ensaios clínicos randomizados sobre o assunto, sete dos quais com relatos de redução na taxa de recorrência nos pacientes tratados.23 Apesar da maioria dos pacientes nesses ensaios ter produzido cálculos de oxalato de cálcio, vários indivíduos formaram pedras de fosfato de cálcio. Desses ensaios, apenas quatro estudos (295 pacientes adultos) relataram dados de formadores de cálculo com hipercalciúria documentada.24-27 Escribano et al.,28 em uma revisão Cochrane sobre intervenções farmacológicas na hipercalciúria idiopática, identificou uma redução significativa no número de novas recorrências de cálculo em indivíduos tratados com tiazídicos (RR 1,61, IC 95% 1,33 a 1,96). A taxa de formação de cálculos também apresentou uma redução estatisticamente significativa (RM - 0.18, IC 95% -0,30 a -0,06). O período de seguimento dos estudos em questão variou de cinco meses a três anos. A Tabela 3 resume as principais características dos estudos incluídos. Diretrizes recentes recomendam monoterapia farmacológica com diurético tiazídico para prevenir a nefrolitíase recorrente em pacientes com doença ativa em quem a elevação da ingestão de líquidos não conseguiu reduzir a formação de cálculos (grau: recomendação fraca, evidência de qualidade moderada).29,30
Tabela 3 Ensaios clínicos randomizados do tratamento com tiazídicos de formadores hipercalciúricos de cálculos
Título resumido | Farelo de trigo não-processado e tiazida em uso intermitente na prevenção de recidiva de urolitíase16 | Tiazida para urolitíase por cálcio em pacientes com hipercalciúria17 | Estudo prospectivo randomizado sobre a indapamida na prevenção de recidiva de urolitíase por cálcio18 | O papel das tiazidas na profilaxia da urolitíase recorrente por cálcio19 |
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Ano | 1987 | 1992 | 1993 | 2006 |
Exposições | Grupo A: n: 18; farelo (40 g/d). | Grupo A: n: 93 sem tratamento específico | Grupo A: n:25; dieta e líquidos. | Grupo A: n: 17; sem tratamento específico |
Grupo B n: 14; farelo (40 g/d) + tiazida (50 mg duas vezes ao dia) | Grupo B: 82 triclormetiazida (4 mg/d) | Grupo B: n:25; dieta e líquido + indapamida (2,5 mg/d). | Grupo B: n: 21; hidroclorotiazida (50 mg/d) | |
Grupo C: n:25; dieta e líquidos + indapamida (2,5 mg/d) + alopurinol (300 mg/d) | Grupo C: n: 14; Hidroclorotiazida (50 mg/d) + citrato de potássio (20 mL Eq/d) | |||
Desfechos | Cálculos/ano por paciente; pacientes sem cálculos (%) excreção urinária média de fatores litogênicos | Taxa de formação de cálculos (cálculos/paciente/a) Pacientes sem cálculos (%) Redução na formação de cálculos Taxa de remissão Número total de cálculos recém-formados | Taxa de formação de cálculos (cálculos/pacientes/a); pacientes sem cálculos (%); redução de calciúria e oxalúria | Pacientes sem cálculos (%) |
Conclusão | Tiazídicos + farelo superior 3/11 (27%) em comparação ao grupo de farelo 11/17 (65%). | Cálculos/paciente/ ano mais baixo no grupo tiazida (0,13 x 0,31), com diferença estatisticamente significativa. | Cálcio urinário reduziu para 50% em relação aos níveis pré-tratamento; melhora na taxa de cálculos nos dois grupos de tratamento medicamentoso | Recorrência de 19% (4 casos) e 7% (1 caso) nos grupos B-C, respectivamente, comparado a 59% (10 casos) do grupo A, p = 0,003 |
Randomização | Sim; porém, o método não foi descrito | Sim; porém, o método não foi descrito | Sim; porém, o método não foi descrito | Sim; porém, o método não foi descrito |
Ocultação da distribuição por grupos | Indefinido | Indefinido | Indefinido | Indefinido |
Cegamento dos participantes | Não | Não | Não | Não |
Cegamento do avaliador dos desfechos | Não | Não | Não | Não |
Perdas durante seguimento | Não relatado | Sim, 35/175 | Sim, 11/75 | Não |
Relato seletivo | Indefinido | Indefinido | Indefinido | Não |
Intenção de tratar | Sim | Não | Não | Não |
Outros vieses | Não | Não | Não | Não |
A análise crítica desses estudos revela a existência de questões não abordadas. Como mostra a Tabela 3, grande parte das recomendações atuais para o manejo da hipercalciúria com tiazídicos são fundamentadas em trabalhos das décadas de 1980 e 1990. Talvez por esse motivo a sua maioria não relate medições de vitamina D e seus metabólitos. Isso é relevante, uma vez que estudos epidemiológicos relatam associações entre excreção urinária de cálcio e níveis séricos de 25-hidroxivitamina D e 1,25-dihidroxivitamina D.31 Além disso, nesses estudos o seguimento ou diagnóstico dos cálculos não foi feito por métodos radiológicos atuais, mais sensíveis e específicos, como a tomografia computadorizada (TC) sem contraste. Quando disponível, a TC é hoje considerada o exame de escolha para a detecção e localização dos cálculos renais.32
Os pesquisadores desses estudos empregaram vários agentes tiazídicos em diferentes dosagens. Contudo, talvez por conta do padrão prático de se utilizar doses mais baixas de hidroclorotiazida para o tratamento da hipertensão e/ou pela falta de conhecimento dos ensaios clínicos sobre os diuréticos tiazídicos e seu efeito sobre a recorrência da nefrolitíase, Vigen et al. Identificaram que apenas 35% dos pacientes tratados com hidroclorotiazida receberam 50 mg/dia, dose anteriormente associada a redução da recorrência dos cálculos.33 Hiperglicemia, hiperlipidemia, hiperuricemia, hipocalemia e hipomagnesemia são todos efeitos colaterais metabólicos, dose-dependentes, induzidos pelos diuréticos tiazídicos. Portanto, limitar a dose administrada para reduzir a calciúria parece ser uma medida razoável. Contudo, um pequeno estudo com seis indivíduos não-formadores de cálculos não foi capaz de demonstrar uma redução estatisticamente significativa no cálcio urinário com 12,5 mg/dia de hidroclorotiazida; com 25 mg/dia o estudo relatou resposta parcial; e com 50 mg/dia foi demonstrada a redução mais significativa no cálcio urinário.34 Além disso, o tratamento com tiazídicos pode induzir hipocitratúria devido a hipocalemia, resultando em acidose intracelular.2 Portanto, o tratamento concomitante com citrato de potássio deve ser considerado em pacientes normocitratúricos formadores de cálculos em terapia com tiazídicos para hipercalciúria.
Como dito acima, todos os estudos apresentados na Tabela 3 tiveram seguimento curto. Na população média dos indivíduos com urolitíase recorrente, a frequência anual de formação de cálculos é inferior a 0,15-0,20. Por esse motivo, é difícil tirar conclusões sobre tratamentos com períodos inferiores a 5-7 anos.35 É também preocupante que alguns (pequenos) estudos tenham relatado eficácia de longo prazo limitada dos tiazídicos. Na chamada hipercalciúria absortiva tipo 1, a hidroclorotiazida foi eficaz na redução da excreção urinária de cálcio apenas durante os primeiros dois anos de tratamento.36 Assim, a duração ideal do tratamento da hipercalciúria para pacientes com nefrolitíase ainda é desconhecida.
Há uma associação linear entre ingestão de sal e excreção de cálcio. Um aumento de 6 g/dia na ingestão de cálcio pode resultar numa elevação de 80 mg/dia no cálcio urinário de formadores de cálculo, em comparação a 40 mg/dia em não-formadores.37 A restrição de sódio é também essencial para os pacientes que tomam tiazídicos para o tratamento da hipercalciúria. Caso a ingestão de sódio seja elevada (> 100mEq/dia), o efeito hipocalciúrico dos tiazídicos pode ser atenuado.37 Atualmente, a ingestão elevada de sal é muito mais prevalente do que há duas décadas, o que potencialmente inibe a ação plena dos tiazídicos. Com efeito, em nossa experiência 45,2% dos formadores de cálculo tem níveis de ingestão de sal acima dos limites recomendados. Ainda assim, a ingestão de sódio pode ter sido subestimada, já que o sal adicionado pelos pacientes não foi considerado em nosso estudo.38
Em comparação à realidade de alguns anos atrás, um grande percentual dos atuais pacientes com nefrolitíase tem IMC (sobrepeso ou obesidade), circunferência abdominal e percentual de gordura corporal elevados.39 A obesidade já foi associada a distúrbios metabólicos que podem favorecer a formação de cálculos, tais como o diabetes mellitus. Além disso, o excesso de peso pode elevar a excreção urinária de ácido úrico e oxalato, conhecidos fatores de risco para o surgimento de pedras de oxalato de cálcio.39 Vários estudos enfatizam a capacidade dos tiazídicos de exacerbar as características de síndromes metabólicas e/ou elevar o risco de desenvolvimento de diabetes. Hiperuricemia e hipocalemia induzidas pela tiazida podem responder por alguns desses efeitos negativos.40 Por esses motivos, é imperativo que os efeitos colaterais de longo prazo dos tiazídicos sobre os formadores de cálculos sejam prospectivamente avaliados.9
Após uma dolorosa cólica renal ou uma intervenção cirúrgica para a remoção de um cálculo, o paciente tem fortes motivos para não querer passar por um novo e desagradável episódio.30 Assim, a prevenção da recorrência do cálculo renal é uma estratégia atraente. Idealmente, as recomendações terapêuticas devem ser fundamentadas nas pesquisas disponíveis mais confiáveis. Ao analisarmos pesquisas antes de recomendar o tratamento, devemos nos ancorar na medicina baseada em evidências.
Entretanto, a medicina baseada em evidências deve tomar o paciente como ponto de partida e chegada. Sem o compartilhamento de decisões, na melhor das hipóteses as evidências serão precariamente traduzidas em prática e melhores resultados.41 Podemos dizer aos nossos pacientes que os conhecimentos mais recentes indicam que a eficácia da TEC para pedras ureterais é limitada, quando muito. Apenas uma análise de subgrupo de um ensaio clínico randomizado demonstrou que a tansulosina pode melhorar a eliminação de cálculos ureterais distais de 5-10 mm de diâmetro.12 Uma revisão sistemática e uma meta-análise identificaram que mais ensaios clínicos de grande porte devem ser realizados para analisar se as intervenções não-farmacológicas são capazes de elevar os níveis de citrato urinário e atuar sobre a prevenção dos cálculos renais.19 E, por fim, podemos discutir com os pacientes que evidências de qualidade moderada indicam que os tiazídicos reduzem a recorrência da nefrolitíase. Não obstante, nos ensaios das décadas de 1980 e 1990, a aderência era fraca e o seguimento curto demais.
A prevalência da nefrolitíase está em crescimento. Esse achado tem impacto significativo não apenas sobre a morbidade dos pacientes, mas também sobre o custo da atenção à saúde.1 Pouquíssimos novos tratamentos potenciais foram lançados. A realização de estudos para identificar o manejo ótimo dos pacientes com formação recorrente de cálculos renais é oportuna e necessária.42