versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756
J. bras. pneumol. vol.45 no.2 São Paulo 2019 Epub 25-Abr-2019
http://dx.doi.org/10.1590/1806-3713/e20180324
A tuberculose, também conhecida como “peste branca”, ainda é uma prioridade de saúde pública. Em seu mais recente Relatório Global de Tuberculose,1 a Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou que houve 1,6 milhões de mortes decorrentes da tuberculose em 2017. Além disso, foram relatados meio milhão de casos de tuberculose multirresistente (isto é, infecção por cepa de Mycobacterium tuberculosis resistente a isoniazida e rifampicina, no mínimo) em todo o mundo. Destes, 8,5% foram casos de tuberculose extensivamente resistente (isto é, infecção por cepa multirresistente de M. tuberculosis também resistente a fluoroquinolonas e pelo menos um medicamento injetável de segunda linha).
Embora estudos recentes tenham demonstrado que é possível alcançar taxas mais altas de sucesso do tratamento da tuberculose,2 a taxa global de sucesso do tratamento em pacientes com tuberculose multirresistente em todo o mundo é atualmente < 55%; as taxas de sucesso do tratamento são < 20% em casos difíceis de tratar com cepas extensivamente resistentes ou cujo perfil de resistência é ainda maior.1,3 O abuso de drogas, o tabagismo e a dependência de álcool podem agravar os desfechos.4-9 O tratamento da tuberculose multirresistente/extensivamente resistente é um desafio em virtude dos frequentes eventos adversos, da longa duração de dispendiosos esquemas terapêuticos de segunda linha e do fato de que o tratamento dos pacientes é frequentemente oneroso,4-9 sem contar o impacto financeiro e social da doença nos indivíduos acometidos e em suas famílias. Esforços de pesquisa (estudos e ensaios) estão em andamento e têm diversos objetivos1,4,10-12: aumentar as taxas de sucesso do tratamento; compreender o potencial de medicamentos novos e reaproveitados; encurtar o tratamento e reduzir a taxa de eventos adversos.
O objetivo deste artigo é apresentar uma visão geral do tratamento da tuberculose no contexto da terapia intensiva; do papel da cirurgia complementar e da reabilitação de pacientes com tuberculose. O manuscrito pode ser lido inteiro - como um caminho, da admissão até a terapia intensiva, intervenção cirúrgica (quando necessária), reabilitação e recuperação - ou em partes independentes. Um objetivo adicional é lembrar ao leitor que os pacientes raramente retornam ao que eram após completar o tratamento farmacológico prescrito, pois a este geralmente se sucede uma longa fase de reabilitação/convalescença. Portanto, deve-se explorar a importância de intervenções não farmacológicas (reabilitação pulmonar com exercícios supervisionados, exercícios torácicos/respiratórios, técnicas de expectoração, vacinação e cessação do tabagismo, por exemplo) em pacientes sobreviventes para melhorar a capacidade residual funcional, diminuir os danos aos órgãos terminais e minimizar as sequelas crônicas da tuberculose.
No Google, Google Acadêmico, PubMed e ClinicalTrials.gov, foram realizadas buscas de artigos em inglês, espanhol ou português publicados entre 1º de novembro de 2014 e 1º de junho de 2018. Foram usados os seguintes termos de busca: “tuberculosis”; “MDR-TB”; “XDR-TB”; “severe tuberculosis”; “intensive care and tuberculosis” e “tuberculosis and surgery”. Foram também realizadas buscas específicas de artigos sobre reabilitação pulmonar, cessação do tabagismo e qualidade de vida. As definições da OMS foram usadas ao longo do manuscrito.13,14
Não obstante o sucesso do tratamento curativo, uma proporção significativa de pacientes com tuberculose é hospitalizada todos os anos; 1-3% necessitam de internação na UTI para que sejam monitorados de perto ou para que recebam suporte orgânico.15 As indicações de internação na UTI são as seguintes: complicações da tuberculose (que incluem insuficiência respiratória e problemas que necessitem de intervenções cirúrgicas, tais como hemorragia, pneumotórax e derrame pleural); formas graves de tuberculose (meningite tuberculosa com comprometimento do nível de consciência e necessidade de intubação, por exemplo) ou manifestações clínicas graves de comorbidades (doença hepática, doença renal e diabetes não controlado, por exemplo); eventos potencialmente fatais resultantes de reações adversas a tuberculostáticos (falência de órgãos, convulsões graves e anafilaxia, por exemplo).
Os motivos mais comuns de internação na UTI são insuficiência respiratória aguda (em > 90%), choque séptico (em 20-34%) e falência de múltiplos órgãos (em 34-44%).15-17 Outros motivos comuns são insuficiência renal (em 10%), distúrbios neurológicos (em 20%) e tuberculose meníngea (em 20%).15,17 Além disso, pacientes com tuberculose podem ser admitidos na UTI em virtude de manifestações extrapulmonares da doença, tais como doença espinhal, pericárdica, medular, hematológica e geniturinária,17 e de coinfecções bacterianas, toxicidade dos tuberculostáticos, complicações tromboembólicas e hemorragia pulmonar.16-19 Pacientes com tuberculose também podem ficar em estado crítico em virtude de fatores indiretamente relacionados com a tuberculose, tais como cetoacidose diabética, abstinência alcoólica e desequilíbrio eletrolítico.17,18 A internação na UTI em virtude de coinfecção por HIV ocorre em 68,7% dos pacientes com tuberculose em países nos quais a incidência da doença é alta e em 40% daqueles em países nos quais a incidência da doença é baixa.15
A maioria dos pacientes com tuberculose que são admitidos na UTI tem diagnóstico confirmado de tuberculose, embora alguns não apresentem os sinais clínicos ou radiológicos típicos da doença. Nesses casos, é necessário um alto grau de suspeição para fazer o diagnóstico. Deve-se suspeitar da doença em contatos de pacientes com tuberculose e em pacientes com fatores de risco.20 A possibilidade de reativação de tuberculose latente em virtude de estresse ou imunossupressão também deve ser considerada.21
O tratamento da tuberculose na UTI é difícil em virtude da complexidade e dos desfechos ruins da doença. Para casos de infecção por cepas sensíveis de M. tuberculosis, as diretrizes da OMS recomendam a terapia-padrão quádrupla com rifampicina, isoniazida, etambutol e pirazinamida.22 É também necessário consultar clínicos com experiência no tratamento de tuberculose multirresistente, tuberculose extensivamente resistente e coinfecção por outros patógenos.23,24
O modo de administração dos tuberculostáticos na UTI depende principalmente da absorção intestinal, que pode estar retardada ou alterada em virtude de gastroparesia, paralisia intestinal, nutrição enteral, edema causado por hipoalbuminemia e alterações da microbiota intestinal causadas pela doença crítica.25 Além disso, a farmacocinética dos tuberculostáticos pode ser alterada durante a doença crítica.26 Em uma série observacional de casos de pacientes com tuberculose que estavam em estado crítico e receberam terapia quádrupla por meio de sonda nasogástrica, apenas 30% alcançaram níveis sanguíneos terapêuticos.27 Embora a rifampicina esteja disponível em formulação intravenosa em alguns países, embora não no Brasil, outros tuberculostáticos de modo geral não estão. Na maioria dos casos, os tuberculostáticos são administrados por via parenteral.20,25 Além disso, embora alguns medicamentos possam aderir à sonda nasogástrica (a rifampicina, por exemplo), eles podem ser administrados por via intravenosa para atingir e manter níveis sanguíneos terapêuticos, o que os torna mais eficazes.25 O fato de que os medicamentos de primeira linha raramente estão disponíveis em formulação intravenosa resulta no uso generalizado de medicamentos de segunda linha como fluoroquinolonas e aminoglicosídeos.
Na UTI, corticosteroides são frequentemente administrados com tuberculostáticos. Há evidências de que o tratamento adjuvante com corticosteroides reduz a mortalidade em pacientes não infectados pelo HIV com meningite tuberculosa ou pericardite.28 Em uma meta-análise recente, relatou-se que os corticosteroides reduzem a mortalidade em todas as formas de tuberculose, com um efeito mais pronunciado em pacientes com doença grave (tuberculose miliar, por exemplo).29,30
Em virtude da farmacocinética e farmacodinâmica variável dos tuberculostáticos, é essencial observar atentamente a toxicidade e as interações medicamentosas por meio de monitoramento ativo da segurança dos medicamentos, especialmente no caso da rifampicina, que apresenta interação medicamentosa com muitos dos medicamentos usados na UTI (em virtude de seu efeito indutor do citocromo P450).21,25
Entre os pacientes com tuberculose que necessitam de internação na UTI, a mortalidade é > 50%, variando de 20% a 70%.15,17,31,32 A mortalidade é ainda maior em pacientes que estejam recebendo ventilação mecânica; um estudo relatou uma taxa de mortalidade de 80% em pacientes com tuberculose e síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) que necessitaram de ventilação mecânica.15 Os fatores de risco de mortalidade incluem SDRA, falência de múltiplos órgãos, sepse, ventilação mecânica, terapia renal substitutiva, pontuação alta no Acute Physiology And Chronic Health Evaluation II e pontuação alta no Sequential Organ Failure Assessment.17,24,31,32 Parece-nos interessante que nem o diabetes nem o HIV tenham sido relacionados com aumento da mortalidade, possivelmente porque são ofuscados pelos fatores de risco supracitados.17,24,25,31,32
Os pacientes com tuberculose que são admitidos na UTI são uma população heterogênea, e as complexidades da tuberculose exacerbam essa heterogeneidade. A mortalidade ainda é alta, e a doença está relacionada com considerável morbidade. A maioria dos estudos sobre o tema consiste em relatos de casos e análises retrospectivas. São, portanto, necessários estudos prospectivos nessa área, especialmente sobre métodos diagnósticos rápidos, novos tratamentos (incluindo o uso de agentes imunomoduladores e terapias voltadas ao hospedeiro) e a intensificação do tratamento da tuberculose.
Historicamente (antes do surgimento dos tuberculostáticos), a cirurgia era o único tratamento disponível para a tuberculose. Os procedimentos cirúrgicos podem ser divididos em procedimentos que artificialmente colapsam o pulmão e procedimentos nos quais o tecido afetado é ressecado. Os procedimentos do primeiro grupo incluem colapso pulmonar por indução artificial de pneumotórax e toracoplastia com remoção de uma ou mais costelas (para colapsar a cavidade pulmonar).33 Os do segundo grupo são mais amplamente aceitos pela comunidade médica e incluem os seguintes procedimentos33: resseção em cunha, descrita pela primeira vez por Tuffler em 1891; pneumonectomia, descrita pela primeira vez por Lilienthal em 1933; lobectomia, descrita pela primeira vez por Freedlander em 1935. O advento da associação medicamentosa para tuberculose, em 1952, permitiu que a infecção fosse erradicada por meios não invasivos e, posteriormente, reduziu o número de cirurgias realizadas nos pacientes acometidos.33-35
Nas últimas décadas, o surgimento de cepas resistentes de M. tuberculosis reduziu as taxas de sucesso do tratamento farmacológico e aumentou o número de pacientes com tuberculose que necessitam de cirurgia. Cicatrizes e tecido fibroso podem proteger as bactérias da resposta imune do hospedeiro e permitir que continuem a se replicar, evitando assim a erradicação da infecção e levando ao surgimento de mutações resistentes. A remoção cirúrgica do tecido afetado permite que a terapia antimicrobiana penetre mais eficazmente no pulmão remanescente e erradique os focos de crescimento bacilar.36 A maior série de casos até hoje foi publicada em 2018 por Giller et al.,37 que documentaram 5.599 procedimentos cirúrgicos torácicos em pacientes com tuberculose tratados na Rússia ao longo de 17 anos. Os autores relataram uma taxa global de mortalidade de 0,1%, bem como taxas de sucesso do tratamento de 93,0% e 92,1% em pacientes com tuberculose multirresistente e extensivamente resistente, respectivamente.
A maioria dos procedimentos cirúrgicos em pacientes com tuberculose tem sido realizada de modo individualizado, e as evidências atuais provêm, portanto, de estudos observacionais com escassez de dados confiáveis sobre as indicações, desfechos de procedimentos individuais e taxas de cura da cirurgia acompanhada de tratamento com tuberculostáticos. Consequentemente, a OMS emitiu uma declaração de consenso em 2014,34 seguida de uma atualização das diretrizes de tratamento de tuberculose multirresistente em 2016,38 com uma seção cujo foco era o papel da cirurgia no tratamento da tuberculose. O consenso da OMS fez referência a uma revisão sistemática realizada em 2013 por Marrone et al.,39 que relataram taxas globais de sucesso de 88-92% da resseção pulmonar com tratamento farmacológico antituberculose, com redução da mortalidade global por qualquer causa, em contextos apropriados e em pacientes cuidadosamente selecionados. Evidências provenientes de um estudo realizado no Peru sugeriram que a cirurgia complementar pode reduzir o custo total do tratamento da tuberculose multirresistente, pois permite encurtar o tratamento farmacológico.40
As indicações da cirurgia em pacientes com tuberculose, segundo Dara et al.,35 dividem-se em três seções principais: emergência - hemorragia pulmonar profusa e pneumotórax hipertensivo espontâneo; urgência - progressão irreversível da doença não obstante o tratamento da tuberculose e hemoptise recorrente ou persistente; dispensável - cavidades localizadas com persistência de esfregaço/cultura com resultado positivo para M. tuberculosis após 4-6 meses de tratamento antituberculose diretamente observado, tuberculose multirresistente/extensivamente resistente cujo tratamento não logrou êxito e complicações com necessidade de intervenção cirúrgica, incluindo pneumotórax (que pode ser espontâneo), piopneumotórax, enfisema pleural (com ou sem fístula broncopleural) e aspergiloma. A declaração de consenso de 2014 da OMS estipula que os pacientes devem receber pelo menos 4-6 meses de tratamento farmacológico adequado antes da cirurgia e que sua aptidão para a cirurgia deve ser avaliada de modo a garantir que a capacidade residual funcional pós-operatória seja adequada.34 O procedimento deve ser realizado em um centro com instalações adequadas e por um cirurgião altamente qualificado com experiência em tuberculose. Como a taxa de mortalidade da lobectomia (2-3%) é menor que a da pneumonectomia (7-8%), a lobectomia é preferível. No pós-operatório, os pacientes devem continuar a receber tratamento antituberculose durante pelo menos 4 meses, dependendo das características da doença de base.
As diretrizes mais recentes de tuberculose multirresistente da OMS, atualizadas em 2016,38 também recomendam resseção pulmonar parcial eletiva (lobectomia ou resseção em cunha) com esquema terapêutico adequado. Essa recomendação baseia-se em três meta-análises que coletivamente demonstraram que os desfechos do tratamento são significativamente melhores em pacientes submetidos a cirurgia e tratamento farmacológico do que naqueles submetidos apenas a tratamento farmacológico (81,9% vs. 59,7%; OR = 2,62, IC95%: 1,94-3,54).41-43 No entanto, as diretrizes enfatizaram também que a resseção pulmonar parcial é superior à pneumonectomia no que tange à cura, além de melhorar os desfechos gerais.
Acreditamos que a cirurgia pode desempenhar um papel no tratamento de infecção tuberculosa complicada, especialmente no tratamento de infecção por cepas resistentes, com o potencial de encurtar o tratamento e melhorar os desfechos. É preciso melhorar a vigilância retrospectiva dos dados para informar os clínicos das indicações da cirurgia, procedimentos cirúrgicos ideais e seus possíveis desfechos.
As sequelas da tuberculose pulmonar (TBP) podem causar comprometimento e morbidade pulmonar significativos, particularmente em adultos jovens. Portanto, o término do tratamento da tuberculose pode marcar o início de uma doença respiratória crônica. Infelizmente, apenas alguns estudos abordaram essa questão, e a maioria deles avaliou a função respiratória apenas por meio de espirometria simples.
Uma história de TBP está indubitavelmente relacionada com comprometimento da função pulmonar e prova de função pulmonar alterada.44,45 Pode ocorrer dano pulmonar na via aérea brônquica e/ou no parênquima pulmonar. Vários estudos populacionais nos quais foram usados espirometria e prova broncodilatadora demonstraram que indivíduos com TBP apresentam obstrução do fluxo aéreo que não responde à administração de broncodilatadores.46,47 Portanto, a TBP é um fator de risco bem reconhecido de DPOC em adultos jovens sem história de tabagismo.48 A TBP também já foi descrita como sendo causa frequente de bronquiectasias e estenose traqueobrônquica. No parênquima, a gravidade varia muito: podem ser observadas cavidades simples ou múltiplas, com ou sem áreas de cicatrização, ou pode haver áreas de destruição pulmonar completa. Quando há destruição pulmonar, o prognóstico é ruim, especialmente se a destruição for extensa.49 O dano também pode envolver a pleura e causar fibrose pleural difusa, resultando em distúrbio ventilatório restritivo. Além das diversas alterações pulmonares causadas por sequelas da TBP, as áreas remanescentes de pulmão danificado aumentam o risco de complicações adicionais como aspergiloma e infecção por micobactéria não tuberculosa.
Ainda é necessário realizar mais estudos para compreender a fisiopatologia das sequelas da TBP, avaliando minuciosamente seu impacto na função pulmonar e na qualidade de vida dos pacientes. No entanto, é evidente que esses sequelas causam comprometimento pulmonar e contribuem significativamente para a carga das doenças respiratórias crônicas em todo o mundo.44,50 Portanto, é necessário realizar uma avaliação pulmonar completa (com exames de imagem e testes de função pulmonar) no fim do tratamento em pacientes com TBP, como é feito em pacientes com outras doenças respiratórias crônicas, a fim de melhorar sua qualidade de vida.
Em decorrência da destruição pulmonar causada pela TBP, os pacientes acometidos frequentemente apresentam sintomas respiratórios persistentes, que limitam suas atividades cotidianas e reduzem sua qualidade de vida.51,52 Portanto, a reabilitação pulmonar no fim do tratamento é uma medida adequada. Já se comprovou que a reabilitação pulmonar melhora a percepção de dispneia, tolerância ao exercício e qualidade de vida relacionada à saúde em pacientes com DPOC ou outras doenças respiratórias crônicas.53,54 Embora existam poucos dados sobre reabilitação pulmonar em pacientes com sequelas de TBP, alguns estudos sugerem que seu uso seja benéfico para esses pacientes.55-59 Pode até ser possível adaptar o programa de reabilitação a circunstâncias específicas, de modo a torná-lo acessível a indivíduos em contextos com poucos recursos.56 Além de seu papel no tratamento de sequelas de TBP, a reabilitação pulmonar pode ser uma ferramenta útil no tratamento multidisciplinar de candidatos a cirurgia, bem como em pacientes com tuberculose grave que necessitem de internação na UTI e hospitalização prolongada, a fim de diminuir o risco de complicações respiratórias adicionais e prevenir ou reverter a atrofia muscular.60,61 Dentre as indicações da reabilitação pulmonar estão evidências de dano pulmonar (resultando em distúrbio ventilatório obstrutivo ou restritivo), dessaturação de oxigênio induzida por exercício e qualidade de vida prejudicada.
Uma revisão recente da literatura disponível sobre sequelas crônicas após o término do tratamento antituberculose44 concentrou-se especificamente em sequelas e sua avaliação funcional, bem como na destruição pulmonar e nas intervenções pulmonares disponíveis (oxigenoterapia de longa duração, ventilação, e fisioterapia respiratória, por exemplo). Os autores recomendaram que estudos futuros não apenas avaliassem os desfechos do tratamento farmacológico da tuberculose, mas também incluíssem uma descrição completa do estado fisiopatológico dos pacientes, incluindo aspectos radiológicos (Figura 1), achados espirométricos e resposta ao broncodilatador (Figura 2), avaliação dos volumes pulmonares por meio de pletismografia (Figura 3), DLCO (Figura 4), gasometria arterial, distância percorrida no teste de caminhada de seis minutos e qualidade de vida (avaliada por meio de ferramentas validadas, tais como o Saint George’s Respiratory Questionnaire). Caso sejam implantados programas de reabilitação, é essencial colher informações sobre os desfechos pré e pós-reabilitação, bem como sobre os custos da intervenção.
Figura 1 Radiografias pré e pós-tratamento de um paciente com tuberculose multirresistente, mostrando sequelas no lado esquerdo.
Figura 2 Achados espirométricos em um paciente com tuberculose multirresistente grave, no fim do tratamento antituberculose.
Figura 3 Pletismografia mostrando aprisionamento aéreo em um paciente com tuberculose multirresistente, após o término do tratamento antituberculose.
O tabagismo é um fator de risco indiscutível de infecção pulmonar, inclusive tuberculose. Vários estudos populacionais mostram que o tabagismo aumenta o risco de tuberculose latente ou ativa.62 Além disso, o tabagismo está relacionado com desfechos adversos (tratamento malsucedido ou morte), recidiva e aumento do risco de tuberculose resistente,63 bem como com piora do padrão inicial de resistência aos tuberculostáticos. Uma abordagem coerente da cessação do tabagismo, incluindo uma ampla gama de intervenções (psicossociais e farmacológicas, por exemplo), comprovadamente aumenta as taxas de sucesso do tratamento em pacientes com tuberculose e diminui o risco de complicações pulmonares adicionais.64-66 Portanto, a OMS recomenda que medidas precoces e eficazes de cessação do tabagismo sejam integradas aos planos de controle da tuberculose já na atenção primária.67 Em virtude do risco semelhante decorrente do abuso de álcool, intervenções comparáveis também têm sido recomendadas para indivíduos com dependência de álcool.68,69
Não obstante a existência de um tratamento eficaz, é comum encontrar pacientes com tuberculose na UTI, e a doença é um desafio evidente com desfechos ruins. O surgimento de cepas resistentes de M. tuberculosis recentemente restaurou a cirurgia torácica como uma das principais intervenções destinadas a combater a tuberculose. Casos de tuberculose multirresistente/extensivamente resistente têm tido desfechos favoráveis com o uso de cirurgia e tratamento farmacológico eficaz. Existem evidências recentes de que sequelas pós-infecciosas crônicas da tuberculose são comuns mesmo após o tratamento eficaz, mais ainda após a cirurgia.44 Isso sugere que a maioria dos casos de tuberculose avançará em direção a comprometimento da função pulmonar (obstrução principalmente, mas às vezes restrição), prejuízo da qualidade de vida e diminuição do desempenho (medido por testes de caminhada ou outros). Portanto, outras intervenções - reabilitação pulmonar (incluindo exercícios supervisionados, exercícios torácicos/respiratórios e expectoração), terapia para cessação do tabagismo e prevenção (de infecções bacterianas secundárias e exacerbações), complementadas por apoio psicológico e nutricional - são necessárias para proteger ou restaurar a capacidade residual funcional, melhorando assim a qualidade de vida e retardando o avanço em direção à fragilidade.