versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.9 no.3 São Paulo jul./set. 2011
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082011gs1984
A úlcera venosa (UV) é uma das manifestações mais graves da insuficiência venosa crônica (IVC) dos membros inferiores, doença de grande importância para a saúde pública, por sua elevada incidência e prevalência e pelo alto impacto socioeconômico que provoca ao ser de difícil tratamento e exigir absenteísmo laboral prolongado. Essa morbidade frequentemente se apresenta associada à presença de varizes e de lesões tróficas dos membros inferiores.
A IVC pode ser classificada como uma síndrome que inclui desde telangiectasias até úlceras ativas, tendo como origem a hipertensão venosa crônica, causada por obstrução ou refluxo venoso, com ou sem insuficiência de bomba muscular(1).
Em países ocidentais, a IVC acomete 15 a 50% da população adulta(2–4), dos quais, 15 a 20% apresentam úlceras de estase venosa(2,3). A incidência de IVC e UV nos Estados Unidos foi de 7,61/10.000 pessoas-ano e de 1,8/10.000 pessoas-ano respectivamente, no período entre 1966 e 1990, com tendência de estabilização(4), totalizando respectivamente 7 milhões e 1 milhão de pessoas nos Estados Unidos(3). Estudos europeus demonstraram que por volta de 1 a 2% da população é afetada(5–7), enquanto no Brasil estima-se que 3,6% da população apresenta UV ativa ou cicatrizada (2,3% em homens e 4% em mulheres)(8).
As ulcerações venosas de membros inferiores representam importante parcela dos gastos públicos com a saúde, comprometendo 1% de todos os gastos com saúde pública em países desenvolvidos(9). Estima-se que o custo absoluto dos cuidados de um paciente portador de UV seja de US$ 40.000, totalizando gastos anuais da ordem de US$ 3 bilhões nos Estados Unidos(2) e de £ 400 a £ 600 milhões no Reino Unido(10–12), sendo £ 100 milhões apenas em curativos(13), o que expõe o fato de que os curativos e os serviços de enfermagem são os principais componentes desses valores(14). Esses números são ainda maiores quando nos referimos a úlceras de longa duração (> 6 meses), de tamanhos maiores (> 10 cm²) e com complicações, como infecções profundas na pele, osteomielite e amputações(15).
No Brasil a prevalência de IVC é estimada em 47,6%(8), sendo a 14ª causa de afastamento do trabalho(16), e causa frequente de internação – no ano 2009 foram 84.000 internações em hospitais públicos e conveniados, que geraram gastos da ordem de R$ 48 milhões ao Sistema Único de Saúde (SUS)(17), sem contar os atendimentos ambulatoriais e curativos. No ano 2000, 13.000 internações foram devidas a úlceras abertas(17).
Apesar de ser mais comum em pessoas idosas, com pico de prevalência em indivíduos com idades entre 60 e 80 anos(18,19), 22% dos acometidos têm por volta de 40 anos de idade, enquanto 13% desenvolvem UV antes dos 30 anos de idade(10,20), evidenciando o prejuízo que essa doença causa na produção laboral.
De todas as úlceras de membros inferiores, aproximadamente 70 a 80% são causadas por IVC(21–23). O primeiro episódio de úlcera de estase venosa ocorre em média após 5 anos do diagnóstico de IVC(3) e, nos pacientes com UV, 47% já tiveram 2 ou mais episódios de ulceração enquanto que 21% deles já tiveram 6 ou mais episódios(23). A taxa de recorrência anual varia de 33 a 42%(24,25).
Em geral, 60% das úlceras permanecem por um período de 6 meses ou mais(26), e mais de 40% persistem por mais de 1 ano(27,28). A duração média é de 6 a 9 meses, variando de 4 semanas a 72 anos(29).
Existem múltiplas formas propostas para o tratamento das UV, desde a simples elevação do membro acometido até a cirurgia, passando por enxertos e vários tipos de curativos. A elevação do membro é simples e acelera o fechamento da úlcera, mas não pode ser realizada isoladamente e nem continuamente em pacientes não acamados. Enxertos de pele têm indicações restritas e só podem ser feitos em centros especializados, enquanto a cirurgia do sistema superficial é menos dispendiosa e de simples realização, com boa taxa de cura e diminuição da recorrência(21), porém só é indicada em pacientes com predomínio de insuficiência do sistema venoso superficial. Os curativos compressivos têm bons resultados e baixos custos, mas não interferem na recorrência, considerando que o fator causal não foi removido.
Países desenvolvidos têm investido enormes quantias em pesquisas para desenvolver novos tipos de curativos(14), como os impregnados em prata, os impregnados em mel e os com terapia larval. Esses apresentam custos elevados e não demonstraram resultados melhores que os tradicionais curativos compressivos, como a bota de Unna(14,30,31). Esta é feita de gaze impregnada com glicerina, gelatina e óxido zinco, não sendo justificado, portanto, o uso de produtos dispendiosos que não promovem taxas de cura melhores do que os curativos usuais(14), mais baratos e igualmente eficazes.
Assim, constata-se que a elevada morbidade da UV ratifica plenamente a busca por um modo de tratamento que tenha maior/melhor custo-efetividade, visando diminuir não só o sofrimento dos pacientes e o número de dias de afastamento das atividades habituais como também os onerosos custos aos cofres públicos. O tratamento de UV feito por meio da associação de técnicas de cirurgia radical superficial e de curativos compressivos inelásticos (utilizados em larga escala no manejo das UV no SUS) e já consagrada na literatura(32–34) poderá, assim, ser visto como uma importante alternativa econômica à saúde pública brasileira, com potencial de reprodutibilidade em outros países emergentes.
Apresentar uma análise de custo do tratamento da úlcera varicosa mediante a associação de duas técnicas – cirurgia de varizes radical superficial e curativos compressivos inelásticos – e sua comparação com os custos do manejo da úlcera apenas com curativos simples.
No período entre Julho de 2009 e Dezembro de 2009 foram selecionados 15 pacientes no ambulatório de Cirurgia Vascular do Hospital Geral de Carapicuíba, todos apresentando IVC superficial avançada em membros inferiores, com alterações de pele e úlcera(s) ativa(s), ou seja, dentro dos critérios clínicos (C) da Classificação Clínica, Etiológica, Anatômica e Fisiopatológica (CEAP)(35) foram considerados como classe C6 de doença venosa crônica.
Todos tiveram a etiologia da IVC e das úlceras investigadas por meio de ultrassonografia de membros inferiores com ecodoppler colorido e história clínica. Os pacientes também foram questionados quanto à duração das úlceras, forma de manejo e cuidados com as mesmas, presença ou não e frequência das recorrências.
Optou-se pela não criação de um grupo controle acompanhado com curativos simples, uma vez que sabe-se que esses não podem ser considerados tratamento para as úlceras venosas, e essa alternativa poderia ser classificada como antiética. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa do Hospital Geral de Carapicuíba, houve consentimento esclarecido e não houve conflito de interesses.
Foram excluídos pacientes com insuficiência arterial em membros inferiores ou do sistema venoso profundo, pacientes submetidos a tratamento cirúrgico prévio nos membros inferiores e pacientes com úlcera infectada.
Os integrantes do grupo em estudo haviam recebido tratamento clínico prévio mediante uso de meia elástica e troca de curativos simples diários sem resolução definitiva do quadro ulceroso, por períodos que variaram de 6 meses a 17 anos.
Todos os participantes apresentavam insuficiência de safena magna e foram submetidos à cirurgia radical do sistema venoso superficial nos membros que apresentavam úlcera ativa, ou seja, safenectomia magna com auxílio de fleboextrator com ligadura da crossa, de seus ramos colaterais e tributários. Procedeu-se à exérese de veias colaterais varicosas, além da ligadura de veias perfurantes incompetentes previamente demarcadas seguindo orientação do exame ultrassonográfico e mediante palpação efetuada no momento do mapeamento pré-operatório.
Antes da alta hospitalar foi realizado, sob supervisão médica, curativo compressivo. Foi orientado repouso domiciliar com os membros inferiores elevados até o primeiro retorno ambulatorial 7 dias após. Neste, após a retirada dos pontos, foi aplicada uma bota de Unna de 9,14 × 10,2 cm pela enfermagem, sob orientação médica, e procedeu-se à troca da mesma semanalmente em retornos agendados até o fechamento da UV.
Foi adotada a seguinte técnica para a realização do procedimento:
–. posicionamento do paciente em Trendelemburg;
–. retirada do curativo anterior e exposição da lesão;
–. higienização da úlcera com soro fisiológico;
–. mensuração da lesão;
–. aplicação da bota de Unna;
–. colocação da atadura de crepe e fixação com fita crepe;
–. retirada do paciente da maca.
As úlceras foram fotografadas e medidas antes do ato cirúrgico (Figura 1) e nos retornos semanais para troca da bota de Unna. Nos retornos, foi observada a quantidade de botas que cada paciente usou, o tempo decorrido após a cirurgia até a remissão total da úlcera (Figura 2), a presença de recorrência, queixas com relação ao uso do curativo, uso adequado ou não do mesmo.
Após o fechamento das úlceras, os pacientes foram orientados a fazer uso diário de meia elástica de alta compressão por 6 semanas, o tempo necessário para reabilitar o sistema linfático traumatizado. Nos casos de lesões tróficas importantes, como fibrose, hipodermite e pigmentação grave, foi indicado o uso das meias por 6 meses para melhorar o trofismo da pele, sendo desnecessário seu uso após esses período. Foram realizadas reavaliações em retornos mensais, quando também foi questionado o uso correto ou não da meia elástica.
A quantidade padrão de materiais necessários para realização de curativos simples e botas de Unna foi discriminada (Tabelas 1 e 2) e seus valores diários, semanais e anuais foram calculados para serem comparados ao tratamento da úlcera varicosa mediante cirurgia radical do sistema venoso superficial e bota de Unna de maneira combinada, incluindo-se os valores relativos à internação hospitalar, visitas médicas, procedimento cirúrgico e anestesia, retornos ambulatoriais e meias elásticas.
Tabela 1 Componentes e custos à aplicação do curativo simples
Material | Quantidade (unidade) | Preço unitário (R$) | Preço ajustado para a quantidade (R$) |
---|---|---|---|
Gazes estéreis 7,5 × 7,5 cm | 2 (dezenas) | 0,23 (1 dezena) | 0,46 |
Rayon 7,5 × 20 cm | 1 (unidade) | 1,85 (1 unidade) | 1,85 |
Atadura 15×180 cm | 1 (unidade) | 0,39 (1 unidade) | 0,39 |
Luva de procedimento | 1 (par) | 0,3 (1 par) | 0,30 |
Luva estéril | 1 (par) | 1,32 (1 par) | 1,32 |
Soro fisiológico | 250 (mL) | 0,7 (1 unidade) | 0,70 |
Papel lençol 0,8 × 100 m | 2 (m) | 14 (100 m) | 0,28 |
Dersani 20 mL | 10 (mL) | 3,8 (1 tubo) | 1,90 |
Fita crepe 16 × 50 m | 60 (cm) | 2,25 (1 rolo) | 0,03 |
Honorários de enfermagem | 5 (minutos) | 0,176 (1 minuto) | 0,88 |
Preço total (R$) | 8,11 |
Tabela 2 Componentes e custos referente à aplicação da bota de Unna
Material | Quantidade (unidade) | Preço unitário (R$) | Preço ajustado para quantidade (R$) |
---|---|---|---|
Bota de Unna | 1 (unidade) | 25,00 (1 unidade) | 25,00 |
Atadura 15 × 180 cm | 1 (unidade) | 0,39 (1 unidade) | 0,39 |
Luva de procedimento | 1 (par) | 0,3 (1 par) | 0,30 |
Luva estéril | 1 (par) | 1,32 (1 par) | 1,32 |
Soro fisiológico | 250 (mL) | 0,7 (1 unidade) | 0,70 |
Papel lençol 0,8 × 100m | 2 (m) | 14 (100 m) | 0,28 |
Fita crepe 16 × 50 m | 60 (cm) | 2,25 (1 rolo) | 0,03 |
Honorários de enfermagem | 15 (minutos) | 0,176 (1 minuto) | 2,64 |
Preço total (R$) | 30,66 |
Todos os valores foram coletados no Serviço de Faturamento do Hospital Geral de Carapicuíba em Novembro de 2009.
Para a comparação dos custos da terapia proposta com os custos dos curativos simples diários, foi usada a estimativa de tempo em que a UV permaneceu aberta, uma vez que é sabido que a atividade das úlceras é frequentemente dinâmica no paciente com IVC.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Geral de Carapicuíba e houve consentimento esclarecido.
Analisando os dados colhidos antes e depois da cirurgia, chegamos à média de idade dos pacientes de 49,93 anos (29 a 64 anos), faixa etária dentro do esperado para a população brasileira, sendo 4 mulheres e 11 homens. O tempo médio de duração total da úlcera foi de 9,53 anos (6 meses a 17 anos), representando o predomínio de úlceras de longa duração.
O tempo estimado de úlcera ativa médio foi de 5,08 anos (0,4 a 9 anos). Quando consideradas as porcentagens estimadas de tempo de úlcera aberta, o valor foi de 55,22% (40 a 80%). Excluídas as úlceras com menos de 1 ano de duração, a média foi de 52,98% (40 a 69,23%). A média de tamanho das úlceras, considerando-se o maior diâmetro, foi de 5,2 cm (1,8 a 12,1 cm) (Tabela 3).
Tabela 3 Características dos pacientes do estudo
Paciente | Sexo | Idade (na cirurgia) | Tempo de úlcera na perna Tempo estimado de úlcera em atividade segundo o paciente (em anos) | Porcentagem de tempo com úlcera aberta (segundo estimado pelo próprio paciente) (%) | Tamanho (maior diâmetro) da(s) úlcera(s) na internação para cirurgia (cm) | |
---|---|---|---|---|---|---|
1 | M | 54 | 11 | 6 | 54,54 | 6,9 |
2 | M | 54 | 10 | 6 | 60,00 | 4,1 |
3 | M | 40 | 05 | 2 | 57,14 | 6,5 |
4 | F | 29 | 11 | 7 | 63,64 | 4,2 |
5 | M | 46 | 17 | 8 | 47,06 | 12,1 |
6 | M | 46 | 15 | 7 | 46,67 | 4,4 |
7 | M | 52 | 1,5 | 0 8 | 53,33 | 4,1 |
8 | M | 64 | 8 | 4 | 50,00 | 4,6 |
9 | M | 48 | 2,5 | 1 | 40,00 | 1,8 |
10 | F | 45 | 9 | 5 | 55,56 | 4,7 |
11 | M | 50 | 13 | 9 | 69,23 | 4,5 |
12 | M | 50 | 14 | 6 | 42,86 | 3,1 |
13 | F | 64 | 12 | 5 | 41,67 | 4,8 |
14 | M | 40 | 15 | 9 | 60,00 | 8,3 |
15 | F | 46 | 0 5 | 0 4 | 80,00 | 3,9 |
Média | 49,93 | 9,53 | 5,08 | 55,22 | 5,2 |
M: masculino; F: feminino.
Todos os pacientes analisados foram submetidos a safenectomia magna unilateral e retirada de colaterais varicosas, além da ligadura de veias perfurantes incompetentes, sem complicações locais ou sistêmicas. Receberam alta hospitalar no 1º dia pós-operatório, com curativo compressivo e retorno marcado para 1 semana depois, quando era colocada a primeira bota de Unna. Em média, foram utilizadas 4,13 botas de Unna (2 a 7 botas) até o fechamento das úlceras. Todas as 15 úlceras cicatrizaram, e a média de tempo decorrido até o fechamento da úlcera foi de 5,07 semanas (3 a 9 semanas). Não houve recorrências no período de acompanhamento, que na média foi de 7,67 meses (4 a 11 meses).
Os pacientes foram observados quanto ao uso correto da bota de Unna (uso permanente da bota durante toda a semana), e notou-se que 13 pacientes aderiram completamente ao tratamento (86,67%). Quanto ao uso correto da meia elástica (uso diário, desde o despertar, retirando-a ao deitar-se para dormir, por 5 dias ou mais na semana), apenas 3 pacientes (20%) aderiram de forma incompleta (fizeram uso da meia, porém não durante o dia todo ou por menos de 5 dias na semana), e nenhum paciente não aderiu ao tratamento. Apenas um dos que aderiu parcialmente à bota o fez com a meia, o mesmo ocorrendo com um dos pacientes que aderiram de forma incompleta à meia elástica, mas completa à bota de Unna. Não houve registro de reação alérgica que impedisse o uso da bota de Unna (Tabela 4).
Tabela 4 Dados referentes ao acompanhamento dos pacientes do estudo
Paciente | Sexo | Quantidade de botas de Unna utilizadas | Tempo de fechamento da(s) úlcera(s) em semanas após a cirurgia | Uso correto da bota (trocas semanais agendadas) | Meia elástica após remissão da úlcera | Tempo de acompanhamento (meses) | Ocorrência de recidiva após tratamento combinado |
---|---|---|---|---|---|---|---|
1 | M | 3 | 4 | Sim | Sim | 9 | Não |
2 | M | 3 | 4 | Sim | Sim | 9 | Não |
3 | M | 6 | 7 | Sim | Sim | 9 | Não |
4 | F | 7 | 9 | Parcial | Parcial | 10 | Não |
5 | M | 5 | 6 | Sim | Sim | 10 | Não |
6 | M | 5 | 6 | Sim | Sim | 10 | Não |
7 | M | 6 | 7 | Não | Parcial | 8 | Não |
8 | M | 6 | 7 | Sim | Sim | 10 | Não |
9 | M | 2 | 3 | Parcial | Sim | 5 | Não |
10 | F | 3 | 4 | Sim | Sim | 11 | Não |
11 | M | 3 | 4 | Sim | Sim | 6 | Não |
12 | M | 3 | 4 | Sim | Sim | 4 | Não |
13 | F | 3 | 4 | Sim | Parcial | 5 | Não |
14 | M | 4 | 5 | Sim | Sim | 5 | Não |
15 | F | 3 | 4 | Sim | Sim | 4 | Não |
Média | 4,13 | 5,07 | 7,666 |
M: masculino; F: feminino.
Após soma dos valores dos componentes de um curativo simples e de um com bota de Unna, notou-se uma elevada diferença, já com os números padronizados pelos períodos de 1 dia, 1 semana e 1 ano. Enquanto o uso de curativo simples em uma úlcera aberta durante 1 ano custa aos cofres públicos R$ 56,75/semana, ou R$ 8,11/curativo diário (ou, aproximadamente, US$ 35.75 e US$ 5.11 respectivamente), o uso de bota de Unna teve um custo de R$ 30,66/semana (ou, aproximadamente, US$ 19.31), representando uma economia de 45,98% (Tabela 5).
Tabela 5 Comparações entre os procedimentos
Curativo/procedimento | Preço ajustado por dia (R$) | Preço ajustado por semana (R$) | Preço ajustado por ano (R$) |
---|---|---|---|
Curativo diário | 8,11 | 56,75 | 2.959,05 |
Bota de Unna | 4,38 | 30,66 | 1.598,54 |
Diferença (R$) | 3,73 | 26,09 | 1.360,51 |
Diferença (%) | -45,98 |
Para comparar o custo das formas de acompanhamento, utilizamos os valores médios de visitas hospitalares, retornos ambulatoriais, número de botas de Unna utilizadas para chegar ao total despendido na terapia combinada com cirurgia e bota de Unna (TCCB) (Tabela 6). O valor da realização de curativo simples diário no período de 1 ano é 3,58 vezes maior que o custo total da terapia com cirurgia e bota de Unna (R$ 2.959,05 versusR$ 826,53 ou, aproximadamente, US$ 1864.55 versusUS$ 520.82), já adicionados ao custo da última os valores dos retornos ambulatoriais em 1, 3 e 6 meses após o fechamento da úlcera, e de um par de meias elásticas de alta compressão – que não são fornecidas rotineiramente pelo SUS. Os valores dos curativos e acompanhamentos são discriminados na Tabela 7.
Tabela 6 Custo total da terapia combinada: safenectomia magna + bota de Unna + acompanhamento
Consulta | Procedimento | Quantidade (média) | Preço unitário (R$) | Preço ajustado para a quantidade (R$) |
---|---|---|---|---|
Ambulatorial – SUS | 8,07 | 10,00 (1 unidade) | 80,70 | |
Visita na enfermaria (evolução) – SUS | 2 | 40,38 (1 unidade) | 80,76 | |
Bota de Unna (todo o curativo) – SUS | 4,13 | 30,66 (1 unidade) | 126,70 | |
Tratamento cirúrgico de varizes (unilateral) – SUS | 1 | 483,37 (1 unidade) | 483,37 | |
Meia elástica de alta compressão – não fornecidas rotineiramente pelo SUS | 1 | 55,00 (1 par) | 55,00 | |
826,53 |
SUS: Sistema Único de Saúde.
Tabela 7 Comparação do custo diário, semanal e anual para realizar um curativo simples diariamente, bota de Unna semanalmente e o custo da terapia combinada, usando cirurgia, bota de Unna e meia elástica
Curativo/procedimento | Preço ajustado por dia (R$) | Preço ajustado por semana (R$) | Preço ajustado por ano (R$) |
---|---|---|---|
Curativo diário | 8,11 | 56,75 | 2.959,05 |
Bota de Unna | 4,38 | 30,66 | 1.598,53 |
Cirurgia + bota + retornos + meia | 2,27 | 15,89 | 826,53 |
Cirurgia + bota + retornos | 2,11 | 14,80 | 771,53 |
Sabe-se que as úlceras varicosas não permanecem ativas continuamente durante sua história, no entanto, não existem estudos que estimem a quantidade de tempo que a úlcera permanece aberta. Sendo assim, utilizamos a porcentagem média dos pacientes do presente estudo de 55,22% da duração total da úlcera com a mesma aberta e ativa para chegar aos valores para comparação, que seriam os mesmos R$ 826,53 em 1 ano para terapia combinada e R$ 1.634,29/ano (ou, aproximadamente, US$ 1,029.79) para o curativo simples diário.
Dessa forma, o custo anual dos curativos simples é 1,98 vezes maior, o que representa que, quando usada a terapia combinada, há uma economia de quase 50% (49,43%), mesmo não incluindo no custo total dos curativos simples os gastos com internações e retornos, que certamente ocorrerão com maior frequência, além de meias elásticas (Tabela 8).
Tabela 8 Comparação de custos considerando a úlcera aberta durante 55,223% do tempo de sua história
Curativo/procedimento | Preço ajustado por dia (R$) | Preço ajustado por semana (R$) | Preço ajustado por ano (R$) |
---|---|---|---|
Curativo diário | 4,48 | 31,34 | 1.634,08 |
Cirurgia + bota + retornos + meia | 2,27 | 15,89 | 826,53 |
Diferença (R$) | 2,21 | 15,44 | 807,54 |
Diferença (%) | -49,27 |
Entre nossos pacientes, foi estimado o custo médio anual dos curativos simples realizados ao longo da existência da úlcera varicosa, considerando apenas o tempo estimado de úlcera aberta individual, e não o tempo total de história, nem a média de tempo estimado de úlcera aberta. A média dos custos foi de R$ 1.620,95 ou, aproximadamente, US$ 1,021.39 (R$ 1.183,62 a 2.367,24 ou, aproximadamente, US$ 745,82 a 1,491,64), número 57,29% maior que o valor médio da terapia combinada com cirurgia e bota de Unna, de R$ 717,85 ou, aproximadamente, US$ 452,33 (R$ 630,44 a 843,73 ou, aproximadamente, US$ 397,25 a 531.65). Mesmo o menor valor dos curativos simples por ano (R$ 1.183,62 ou, aproximadamente, US$ 745,82) foi maior que o maior valor da terapia combinada por ano (R$ 843,73 ou, aproximadamente, U$ 531.65) (Tabela 9).
Tabela 9 Dados acerca de tempo de úlcera (total e ativa) e valores gastos com curativos simples por ano, comparado ao valor gasto com a terapia combinada com cirurgia e bota de Unna
Paciente | Tempo de úlcera na perna | Tempo estimado de úlcera em atividade segundo o paciente (em anos) | Custo total estimado de curativos considerando 55,223% do tempo com úlcera ativa (R$) | Custo anual de acordo com a porcentagem individual de tempo de úlcera ativa (R$) | Custo absoluto da terapia combinada com cirurgia e bota de Unna (R$) |
---|---|---|---|---|---|
1 | 11,0 | 6,0 | 17.974,87 | 1.614,02 | 671,10 |
2 | 10,0 | 6,0 | 16.340,79 | 1.775,43 | 671,10 |
3 | 3,5 | 2,0 | 5.719,27 | 1.690,89 | 793,07 |
4 | 11,0 | 7,0 | 17.974,87 | 1.883,03 | 843,73 |
5 | 17,0 | 8,0 | 27.779,34 | 1.392,47 | 752,41 |
6 | 15,0 | 7,0 | 24.511,18 | 1.380,89 | 752,41 |
7 | 1,5 | 0,8 | 2.451,12 | 1.578,15 | 793,07 |
8 | 8,0 | 4,0 | 13.072,63 | 1.479,53 | 793,07 |
9 | 2,5 | 1,0 | 4.085,20 | 1.183,62 | 630,44 |
10 | 9,0 | 5,0 | 14.706,71 | 1.643,92 | 671,10 |
11 | 13,0 | 9,0 | 21.243,03 | 2.048,58 | 671,10 |
12 | 14,0 | 6,0 | 22.877,10 | 1.268,17 | 671,10 |
13 | 12,0 | 5,0 | 19.608,95 | 1.232,94 | 671,10 |
14 | 15,0 | 9,0 | 24.511,18 | 1.775,43 | 711,76 |
15 | 0,5 | 0,4 | 817,04 | 2.367,24 | 671,10 |
Média | 9,53 | 5,080 | 15.578,22 | 1.620,95 | 717,84 |
O custo total médio despendido no cuidado das úlceras com curativos simples diários ao longo de toda história das mesmas teve média estimada de R$ 28.209,66 ou, aproximadamente, US$ 17,775.46 (R$ 1.479,53 a 50.303,93 ou, aproximadamente, US$ 932.28 a 31,697.49), mas quando considerado o tempo médio de úlcera aberta como 55,22% do total, o valor médio foi de R$ 15.578,22 ou, aproximadamente, US$ 9816,14 (R$ 817,04 a 27.779,34 ou, aproximadamente, US$ 514,83 a 17,504.31). Quando levado em conta o custo total de acordo com a porcentagem individual de tempo de úlcera ativa, a média foi de R$ 15.031,96 ou, aproximadamente, US$ 9471.93 (R$ 1.183,62 a 26.631,49 ou, aproximadamente, US$ 745.82 a 1,6781.02) (Tabela 10).
Tabela 10 Custo estimado para manejo da úlcera varicosa continuamente ao longo de sua história, custo estimado considerando a média de tempo de úlcera aberta entre o grupo estudado e considerando a porcentagem individual de tempo de úlcera aberta
Paciente | Porcentagem de tempo com úlcera aberta (segundo estimado pelo próprio paciente) (%) | Custo total absoluto se considerarmos úlcera permanentemente aberta (R$) | Custo considerando 55,223% do tempo com úlcera ativa (R$) | Custo total de acordo com a porcentagem individual de tempo de úlcera ativa (R$) |
---|---|---|---|---|
1 | 54,54 | 32.549,60 | 17.974,87 | 17.754,18 |
2 | 60,00 | 29.590,55 | 16.340,79 | 17.754,33 |
3 | 57,14 | 10.356,69 | 5.719,28 | 5.918,11 |
4 | 63,64 | 32.549,60 | 17.974,87 | 20.713,38 |
5 | 47,06 | 50.303,93 | 27.779,34 | 23.672,03 |
6 | 46,67 | 44.385,82 | 24.511,18 | 20.713,38 |
7 | 53,33 | 4.438,58 | 2.451,12 | 2.367,23 |
8 | 50,00 | 23.672,44 | 13.072,63 | 11.836,22 |
9 | 40,00 | 7.397,64 | 4.085,20 | 2.959,05 |
10 | 55,56 | 26.631,49 | 14.706,71 | 14.795,27 |
11 | 69,23 | 38.467,71 | 21.243,03 | 26.631,49 |
12 | 42,86 | 41.426,77 | 22.877,10 | 17.754,33 |
13 | 41,67 | 35.508,66 | 19.608,95 | 14.795,27 |
14 | 60,00 | 44.385,82 | 24.511,18 | 26.631,49 |
15 | 80,00 | 1.479,53 | 817,04 | 1.183,62 |
Média | 55,22 | 28.209,66 | 15.578,22 | 15.031,96 |
A análise de custo-efetividade no manejo das UV não é novidade na literatura médica, visto que já há publicações comparando diferentes tipos de curativos e comparando a cirurgia aos curativos compressivos(36–39), com resultados que sugerem que os melhores tratamentos são mesmo a cirurgia do sistema venoso superficial (quando bem indicada) e os curativos compressivos, com vantagem para a primeira por diminuir a taxa de recorrência(33,37), uma vez que trata definitivamente o fator causador, apesar de apresentar risco cirúrgico. Entretanto, não encontramos, na literatura, nenhum estudo que propusesse uma associação entre a cirurgia e o uso de curativo compressivo, e comparasse seus custos aos do curativo simples diário, largamente utilizado pelos serviços do SUS no acompanhamento da UV. Isso se deve possivelmente ao fato que nos países onde se concentram os estudos realizados, os curativos simples não são feitos, por não serem terapêuticos. No Brasil, por serem mais simples, estes provocam a falsa impressão de que também são menos dispendiosos, sendo utilizados em todo país.
É fato notório que a cirurgia e a compressão geram resultados melhores que os curativos simples, mas faltam análises comparativas entre seus custos. Por esse motivo, propusemos neste estudo a análise dos custos da associação do uso da bota de Unna e cirurgia e, posteriormente, a comparação aos custos do uso de curativos simples, visando exemplificar, por meio dos números, que a busca ativa por casos de UV e a pronta iniciativa em resolvê-los deve ser mais econômica para a saúde pública que o acompanhamento com trocas diárias de curativos simples. É importante ressaltar que esses não podem ser considerados terapêuticos e, portanto, não devem ser comparados quanto à eficácia a qualquer modo de tratamento.
Sendo assim, supondo que a prevalência de UV ativa no Brasil seja semelhante à da Europa, ou seja, de 1%, estaremos provavelmente subestimando os números e, mesmo assim, teremos quase 2 milhões de brasileiros portadores dessa doença, considerando a população brasileira atual, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Sabendo que aproximadamente 53%(36) das UV são causadas exclusivamente por insuficiência do sistema venoso superficial, chegamos a um número aproximado de 1,06 milhão de UV que seriam beneficiadas pela cirurgia desse sistema venoso no país. Dessas, sabemos que 40% permanecem abertas por 1 ano ou mais(27,28), o equivalente a 424.000 úlceras exclusivamente causadas pelo sistema venoso superficial que permanecem abertas por período maior que 1 ano.
Se esses 424.000 pacientes forem acompanhados com curativos diários, serão gastos R$ 692.849.49/ano ou, aproximadamente, US$ 436,578.12, já considerando que essas UV permanecem realmente abertas e necessitando de curativos durante 55,22% do tempo, conforme constatado em nosso levantamento.
Com o uso da terapia combinada mediante cirurgia do sistema venoso superficial e curativo bota de Unna, encontrou-se uma saída prática e econômica no manejo do portador de UV. Enquanto um paciente assistido clinicamente, que tenha curativos simples trocados diariamente apresenta um gasto anual de aproximadamente R$ 1.650,00/ano ou, aproximadamente, US$ 1039.69, um paciente que tenha feito uso da terapia combinada proposta tem custo anual de menos de R$ 900,00 ou, aproximadamente, US$ 567.10.
Outros benefícios incluem a necessidade de retorno seriado ao serviço de saúde, permitindo visualização precoce de recorrência e complicações, a proteção da ferida contra possíveis contaminações, a possibilidade de ser usado apenas um curativo mesmo no caso de UV múltiplas ou de grandes proporções, o que é impossível no caso de curativos simples. Além disso, apresenta fatores positivos já consagrados pela literatura, como uma menor taxa de recidiva(33), diminuição do tempo de cicatrização(37), maior rapidez no retorno ao trabalho, possibilidade de utilização da compressão mesmo com a úlcera aberta.
É notório que com um diagnóstico e tratamento precoce dos pacientes participantes do estudo poderíamos economizar grandes valores, visto que alguns apresentam UV de longa data com gastos absolutos individuais somente em curativos estimados em até R$ 28.000,00 ou, aproximadamente, US$ 17,643.35. Dessa maneira, é importante a tentativa de estender esses valores ao sistema de saúde brasileiro.
Comparativamente, se os mesmo pacientes forem tratados com a terapia combinada, composta por cirurgia radical de varizes e bota de Unna, os gastos atingem o valor de R$ 350.450.840,00/ano ou, aproximadamente, US$ 220,852,98.00, gerando uma surpreendente e importante economia de R$ 342.398.656,00/ano ou, aproximadamente, US$ 215,752,140.00 ao SUS apenas no primeiro ano. Nos anos seguintes, a economia deve ser ampliada, já que não seriam necessários novos gastos com cirurgia, e as recidivas, uma vez corrigida essa afecção, são muito menos frequentes.
Os valores de ambas as terapias foram calculados para casos em que apenas um membro foi afetado, portanto, a economia deve ser ainda maior quando inclusas as UV bilaterais. Deve ser lembrado ainda o fato de que, no cálculo dos gastos com UV acompanhada clinicamente com curativos simples, não foram inclusos os custos de possíveis internações, consultas ambulatoriais e meia elástica, diferente do cálculo dos gastos da terapia combinada, no qual os mesmos foram incluídos. Sem incluirmos as meias elásticas no valor da terapia combinada, já que as mesmas ainda não são rotineiramente fornecidas pelo SUS, a economia salta para R$ 365.718.656,00/ano ou, aproximadamente, US$ 230,446,660.00/ano, apenas no primeiro ano.
A aplicação rotineira de bota de Unna associada à cirurgia radical de varizes promoveu importante economia para o sistema de saúde brasileiro (SUS) no grupo avaliado e ainda diminuiu o tempo de cicatrização das úlceras, como esperado.
Essa escolha pode ser considerada uma alternativa real para obtenção dos mesmos resultados no restante do país e em outros países emergentes, sendo necessários estudos em maior escala.