versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.83 no.5 São Paulo set./out. 2017
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2016.06.011
Um dos problemas mais importantes de pacientes que se submetem à laringectomia total é a perda da fala. A prótese vocal pode resolver o problema na maioria dos pacientes; no entanto, podem ocorrer inúmeras complicações, inclusive uma fístula periestomal.1-4 Essa complicação frequente pode resultar em morbidade grave, inclusive pneumonia por aspiração e desnutrição, ou mortalidade.5-7
Tais problemas podem ser resolvidos através da redução do tamanho da fístula ou substituição da prótese; no entanto, mesmo com técnicas conservadoras, a fístula em torno do estoma pode continuar. Diversas técnicas têm sido desenvolvidas para superar esse problema, inclusive injeções ao redor do estoma;8-11 fechamento da fístula com retalhos locais,12 retalhos miofasciais,1,13,14 ou retalhos livres; e1,5 fechamento da fístula com um botão septal de silicone.6,13
Os problemas causados por pequenas fístulas (5-10 mm) são mais fáceis de superar em comparação com aqueles causados por grandes fístulas; de fato, pode não ser possível resolver os problemas causados por grandes fístulas e complicações como perda da fala e morbidade podem resultar da intervenção.
Relatamos o uso de anel de silicone para expansão da prótese vocal em pacientes com fístulas periprotéticas grandes e persistentes
A prótese vocal foi usada em 42 pacientes após a laringectomia total entre janeiro de 2005 e dezembro de 2011. A aprovação foi obtida do comitê de ética sob o número 32/2015. A fístula ao redor da prótese foi detectada em 18 dos 42 pacientes. Quatro melhoraram com métodos conservadores, oito tiveram melhoria inicial com métodos conservadores, mas posteriormente apresentaram falha, não responderam à terapia, e seis não responderam à terapia conservadora, nem mesmo inicialmente.
Oito de 14 pacientes que não conseguiram sucesso no tratamento com métodos conservadores foram tratados com sutura primária e quatro foram tratados com retalhos locais. Um anel de silicone foi usado inicialmente em dois pacientes com grandes fístulas. Um anel de silicone também foi usado em dois pacientes que tiveram recorrência após a sutura e em dois pacientes que tiveram recorrência após o uso de retalho local. Anéis de silicone foram usados em seis pacientes.
Cinco dos pacientes que receberam Provox 2 expandida com anéis de silicone eram do sexo masculino e um do feminino. A média foi de 57 ± 11 anos. Quatro pacientes haviam sido submetidos a esvaziamento cervical funcional bilateral, um a esvaziamento cervical funcional bilateral e excisão da glândula submandibular direita e outro a esvaziamento cervical radical esquerdo, esvaziamento direito funcional e reconstrução com retalho miocutâneo do músculo peitoral maior. Três pacientes receberam radioterapia, um recebeu radioterapia e quimioterapia e dois nenhum dos dois tratamentos. Uma fístula traqueoesofágica secundária ocorreu em todos os pacientes. Os pacientes foram tratados inicialmente com Provox 1 e posteriormente com Provox 2. No momento da detecção da fístula, seis pacientes tinham Provox 2 (diâmetro externo, 22,5 F; Atos Medical, Hörby, Suécia). Os diâmetros mínimos e máximos das fístulas foram de 1,5 × 1,5 cm e 2 × 2,5 cm, respectivamente.
Dois anéis feitos das asas de botões septais de silicone ou placas simples de silicone foram preparados de acordo com a largura da fístula e o diâmetro interno da prótese vocal. Esses anéis foram conformados aos flanges da traqueia e do esôfago da prótese vocal (fig. 1a). Os anéis de silicone foram fixados à prótese vocal com suturas não absorvíveis 3.0-2 no flange posterior e 2 no flange anterior (fig. 1b). Precauções foram tomadas para que os anéis preparados não tivessem partes afiadas no lado externo. O anel de silicone feito a partir da asa de um botão septal de silicone foram adaptados e conformados ao esôfago envolvido pela fístula. A prótese de voz combinada com os anéis de silicone foi aplicada à fístula traqueoesofágica. Por último, o lado superior do flange traqueal da prótese vocal foi suturado à pele no traqueostoma com suturas não absorvíveis 3.0 (fig. 2a-b).
Figura 1 (a) Esquema da prótese de voz expandida com anéis de silicone. (b) Anéis de silicone e prótese vocal expandida preparada.
As fístulas foram tratadas com sucesso em seis pacientes. Após o tratamento, a eficácia da fala foi mantida. Não houve problema de adaptação. Um anel de silicone combinado à prótese vocal foi usado 26 vezes em pacientes na época da troca de prótese e não houve recorrência de complicações da fístula durante 29 ± 6 meses de seguimento. O tempo de troca da prótese foi de 183,5 ± 58,7 dias (min-máx: 21-424) para 42 pacientes e de 171,6 ± 74,8 dias (min-máx: 32-384) para o anel de silicone para expansão da prótese aplicado aos pacientes. O tempo de troca da prótese não foi estatisticamente diferente entre os dois grupos (com o teste não paramétrico de Mann-Whitney e p = 0,163).
O tamanho da fístula e o fato de o paciente ter recebido radioterapia ou não são parâmetros essenciais para o fechamento de fístulas traqueoesofágicas. A taxa de sucesso de fechamento da fístula é baixa em pacientes que receberam radioterapia, especialmente quando técnicas cirúrgicas são usadas.1,14 No entanto, o botão septal de silicone6,13,15 e a prótese Provox expandida com anel de silicone, a qual usamos, são mais eficazes em pacientes que receberam radioterapia, porque essas técnicas não dependem da cicatrização de feridas.
Na maioria dos pacientes, o problema pode ser resolvido diminuindo-se o tamanho da prótese. O fechamento espontâneo da fístula pode também ocorrer depois da desconexão da prótese. No entanto, se o fechamento da fístula não ocorrer com esses métodos, a aplicação de outras técnicas pode ser necessária, de acordo com o tamanho da fístula.16
Para pequenas fístulas (5-10 mm), técnicas locais são adequadas e a taxa de sucesso é de 60% a 100%.14 Além disso, alguns estudos têm relatado a eficácia do colágeno,8 hialuronato,9 hidroxiapatita de cálcio,10 e injeções de GM-CSF.11
Jacobs et al.17 usaram a técnica "sutura submucosa em bolsa" em 20 pacientes para retrair a fístula e reusar a prótese vocal. Eles foram bem-sucedidos em 16 dos 20 pacientes (80%). Embora eles tenham conseguido sucesso em nove de 16 pacientes na primeira tentativa com sutura, a repetição da sutura foi necessária nos sete pacientes restantes. Essa técnica é simples e pode ser o primeiro método a ser usado para a constrição de fístulas. No entanto, não pode ser considerado eficaz para fístulas de médio ou grande porte. Além disso, a estreita dimensão do traqueostoma, o que excluiu um paciente do estudo, torna a aplicação dessa técnica difícil.17 Lee et al.12 chegaram até a fístula com uma incisão na direção 9 a 15 horas na parte superior do traqueostoma. Eles alongaram a incisão em direção ao músculo esternocleidomastóideo (ECM). Após dividir a traqueia e o esófago, repararam o defeito esofágico com suturas absorvíveis. Girando o retalho com base inferior, com o músculo ECM direito, eles o suturaram no local do esôfago reparado. Além disso, repararam a traqueia com suturas absorvíveis. A fístula foi fechada completamente, mas o paciente não podia falar com a prótese vocal. As limitações desse estudo são o fato de que o diâmetro da fístula não foi declarado e a técnica foi aplicada em apenas um paciente.12 Além disso, Wong et al.15 usaram um retalho do músculo ECM duas vezes, consecutivamente, para fechar uma fístula traqueoesofágica, mas não foram bem-sucedidos. Então, fecharam a fístula com um botão septal de silicone.
Mobashir et al.16 removeram a fístula com uma incisão na direção 9 a 15 horas na parte superior do traqueostoma, em fístulas de tamanho médio (tamanho máximo da fístula, 1,5 × 1 cm). Eles usaram suturas não absorvíveis nas partes da fístula localizadas na traqueia e no esôfago, fecharam a fístula e a suturaram. Em todos os pacientes, a fístula foi fechada com sucesso, mas o paciente não conseguia falar.
Para grandes fístulas, retalhos grandes e retalhos livres podem ser usados. O retalho miofascial do músculo peitoral maior (RMPM)13 e o retalho livre radial do antebraço são os principais tipos usados para grandes fístulas. Nessas cirurgias, morbidade nos locais doadores deve ser considerada. Os retalhos radiais são mais adequados do que os RMPM, porque são menos espessos e mais fáceis de se ajustar. Com um RMPM, podem ocorrer disfagia e constrição da luz traqueal devido ao efeito de massa. Com um retalho livre radial do antebraço, é necessária uma anastomose microvascular. Isso é tecnicamente difícil e o tempo de operação é longo. Além disso, o estado vascular do paciente é importante.14 Apesar dessa técnica cirúrgica, o fechamento de fístulas de grande porte não pôde ser obtido em estudos anteriores. 5,13 Em particular, nos casos em que o vaso no pedículo não conseguiu alimentar o retalho, o fechamento da fístula não foi possível devido à necrose.
Uma abordagem opcional para uma fístula de grande porte é um botão septal de silicone.6,13,15 Botões septais podem ser aplicados de forma fácil e rápida e são bem tolerados. Eles previnem aspiração e infecções pulmonares e os pacientes podem comer e beber confortavelmente. Tubos de derivação salivar (Boston Medical Products, Westborough, MA) também podem ser usados para a ingestão de alimentos e líquidos em pacientes com fístulas grandes. No entanto, a depender da duração de uso do tubo, grandes granulomas podem se desenvolver em sua extremidade e a capacidade de ingestão pode se deteriorar,13 o que traz desconforto para o paciente. Outra situação desconfortável é a exigência de sutura do tubo de derivação salivar normalmente usado para fixá-lo na pele do pescoço.13 Por essas razões, o uso do botão septal de silicone é recomendado para grandes fístulas ou no caso de falha dos retalhos usados para o seu fechamento.6,13,15 Quando a prevenção da morbidez cirúrgica é necessária e no caso de existirem contraindicações médicas, essa técnica pode ser recomendada.13 No entanto, as desvantagens de um botão septal são que o paciente não consegue voltar a falar e pode haver proliferação de fungos em torno.15
Hilgers et al.18 descreveram o tratamento de fistulas traqueoesofágicas com um anel de silicone no flange traqueal da prótese. Eles impediram a recorrência da fístula em 29 de 32 pacientes, mas falharam em três; posteriormente, em nove pacientes a fístula apresentou recorrência e intervenções adicionais foram necessárias. Portanto, em 20 de 32 pacientes eles obtiveram bons resultados, mas em 12 (37,5%) a fístula não pôde ser tratada apenas com esse método. Nesse estudo, tanto para fístulas pequenas ou grandes, a mesma técnica foi usada em todos os pacientes. Em nosso estudo, dois pacientes com retalho local que apresentaram recorrência, dois que tiveram recorrência após sutura e dois que tinham fístulas muito grandes receberam intervenção com anéis de silicone. A diferença entre a nossa técnica e a de Hilger et al.18 é a fixação do anel de silicone em ambos os flanges traqueal e esofágico da prótese vocal, em vez de fixar o anel de silicone em apenas um lado. Dessa forma, objetivamos prevenir a aspiração recorrente.
Eric Blom criou uma prótese ajustável de duplo flange (Blom-Singer®) para o tratamento de fístulas hipofaringeais feita de silicone médico. Os nossos anéis de silicone são semelhantes a essa prótese, mas são usados para prevenir fístulas traqueoesofágicas. Os flanges das próteses projetadas por Blom são macios, flexíveis e translúcidos como nossos anéis.
Com um botão septal, o paciente perde a capacidade da fala, apesar do fechamento da fístula traqueoesofágica, o mesmo ocorre quando a fístula é fechada com retalhos,. Além disso, existe o risco de falha com os retalhos devido à necrose do retalho ou abertura das suturas nos retalhos. No entanto, com a nossa técnica, a fístula foi fechada e o paciente reteve a capacidade de falar. Além disso, a necessidade de cirurgia foi evitada. Em pacientes que receberam radioterapia, a taxa de sucesso de fechamento da fístula diminui,1,14 quer com técnicas cirúrgicas locais ou outras. Em nosso estudo, a taxa de sucesso foi independente da radioterapia. O tempo de vida da prótese também não variou. No entanto, uma das desvantagens da nossa técnica é a necessidade de preparar anéis de silicone toda vez que a prótese é trocada.
Embora tenhamos demonstrado a nossa técnica em apenas seis pacientes, conseguimos tratar fístulas periestomais traqueoesofágicas grandes e persistentes com preservação da fala, sem recorrência de vazamento periprotético. De acordo com o nosso estudo, o uso de próteses vocais expandidas com anéis de silicone para grandes fístulas traqueoesofágicas com vazamento persistente parece ser eficaz.