versão impressa ISSN 1677-5449versão On-line ISSN 1677-7301
J. vasc. bras. vol.13 no.3 Porto Alegre jul./set. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/jvb.2014.035
Em 1982, Mulliken e Glowacki1 classificaram as lesões vasculares, propondo um sistema de classificação baseado no método celular, dividindo as lesões em duas formas: aquelas com proliferação endotelial (hemangioma), cujo crescimento é rápido, seguido da involução gradual, visto que 90% dos casos resolvem-se antes dos nove anos de idade e 5 a 10% ocorrem em crianças com até um ano de idade2; e as sem proliferação do endotélio (má formação vascular), que estão presentes ao nascimento e persistem por toda a vida, ocorrendo em cerca de 0,3 a 1% dos recém-nascidos2.
O hemangioma é uma neoplasia benigna comum na região de cabeça e pescoço, e sua persistência depois dos nove anos de idade é relativamente rara. Na região oral e perioral, pode causar prejuízo estético e funcional a depender da sua localização2,3. Sua localização mais frequente é o lábio4, sendo que outras regiões, como língua, mucosa jugal e palato, também são referenciadas3,5,6. A sua maior incidência é relatada logo após o nascimento ou na primeira infância; porém, alguns casos se desenvolvem na fase adulta2,3,6,7.
Para seu diagnóstico, a definição clínica é primordial, pois, em casos extensos, a realização da cirurgia pode resultar em sangramento de difícil controle transoperatório. Portanto, manobras semiotécnicas e exames complementares utilizados no diagnóstico são absolutamente conclusivos, na maioria dos casos8,9.
Clinicamente, o hemangioma apresenta-se como aumento de volume de conteúdo sanguíneo ou até mesmo por manchas de cor vermelha ou azulada purpúrea; a depender da profundidade da lesão e da localização no tecido, desaparecem momentaneamente com a compressão digital ou a vitropressão, retornando ao seu volume primitivo. Pode-se, assim, estabelecer o diagnóstico clínico8,9.
Seu tamanho é variável, indo de poucos milímetros até vários centímetros, podendo causar assimetria facial. Apresenta-se como uma lesão plana ou elevada, representada por mácula, pápula, nódulo ou tumor, normalmente pulsáteis, com temperatura mais elevada do que os tecidos adjacentes. A consistência elástica ou fibrosa está na dependência da quantidade de tecido conjuntivo que se interpõe entre os espaços vasculares2.
Dentre as opções de tratamento, a escleroterapia vem sendo utilizada com grande sucesso em lesões pequenas e localizadas em áreas estéticas, nas quais o procedimento cirúrgico poderia gerar cicatrizes antiestéticas6,10-12. A proposta deste artigo é de relatar um caso de hemangioma em lábio superior tratado com esclerose terapêutica (oleato de monoetanolamina), em paciente do gênero feminino, considerando-se as características clínicas e os métodos de diagnóstico desta lesão.
Paciente M.E.N., feoderma, 13 anos, sexo feminino, procurou o Serviço de Diagnóstico Oral, com queixa principal de 'lesão de cor azulada', localizada no lábio superior.
Durante a anamnese, a paciente relatou que percebeu a lesão havia mais de dois anos. Apresentava o hábito de morder o lábio, no qual percebia o aumento de tamanho da lesão, quando chorava ou tomava banho de piscina. Ao exame físico extraoral, notava-se pouca assimetria facial, provavelmente pelo fato de a paciente possuir lábios bem proeminentes (Figura 1). No exame físico intraoral, constatou-se lesão resiliente à palpação, coloração arroxeada, implantação séssil, com superfície lisa e mucosa íntegra (Figura 2).
A lesão era indolor e, mesmo à manipulação, não apresentava qualquer outro sintoma. Realizou-se a vitropressão, em que se notou o esmaecimento da coloração arroxeada. Na avaliação da ultrassonografia com Doppler, observaram-se alterações ecográficas no tecido subcutâneo do lábio superior à esquerda da linha média contendo tecido de ecotextura hipoecogênica, discretamente heterogêneo, contornos regulares e margens bem definidas, medindo 3,0×1,0×1,0 cm de diâmetro, com discreta dilatação dos vasos com baixo fluxo de resistência ao estudo Doppler, sugerindo o diagnóstico de hemangioma (Figura 3).
Confirmada, no exame ecográfico, a natureza vascular da lesão com fluxo contínuo pequeno, bem como a localização da mesma, optou-se pela escleroterapia com oleato de monoetanolamina 0,05 g/mL, que consistiu em três aplicações de 2 mL no centro da lesão e infiltração lenta, com intervalo entre as aplicações de uma semana (Figura 4).
No controle pós-operatório de quatro meses (Figura 5), foi observada involução favorável, com presença de fibrose local. Atualmente, a paciente encontra-se com um ano de acompanhamento, sendo observada regressão da fibrose tecidual, bem como diminuição significativa da lesão, quando comparado com o aspecto inicial, apresentando um resultado estético satisfatório (Figura 6).
Os hemangiomas orais são mais frequentes na região de lábio, língua e mucosa jugal, apresentando-se como uma mácula ou nódulo de coloração vermelha, arroxeada ou violeta, circunscritos ou difusos, relativamente depressíveis à palpação e de tamanho variável3,4,6,8. No caso relatado, a lesão encontrava-se em lábio superior à esquerda, sem alterações importantes no aspecto extraoral, com discreto aumento de volume; entretanto, no aspecto intraoral, apresentava aumento de volume palpável e coloração arroxeada.
Os hemangiomas podem ocorrer tanto na infância como na idade adulta, estando etiologicamente ligados à questão genética ou ao trauma no local da lesão7-9. Segundo Neville et al., ocorre uma predileção pelo sexo feminino (3:1)2. Já Angelo et al.7 encontraram que o gênero masculino é o mais prevalente com 54%, enquanto que Johann et al.13 observaram a prevalência do gênero feminino, com 59%. No caso apresentado, a paciente se encontrava na faixa etária que, segundo Angelo et al.7, é a mais acometida (adolescentes de 13 a 18 anos). A paciente ainda relatou hábito de morder o lábio superior, possível trauma causador da lesão.
O tratamento do hemangioma depende da localização, do tamanho e da natureza (venosa ou arterial) da lesão. Dessa forma, um correto diagnóstico é fundamental2,14. No caso clínico descrito, as características clínicas possibilitaram o diagnóstico de hemangioma, complementado pelo exame de imagem (Ultrassom com Doppler). A realização da vitropressão e da diascopia fez com que a lesão adquirisse uma coloração pálida, com diminuição de tamanho em razão do esvaziamento de seus vasos sanguíneos, diferenciando-a de outras lesões, como cistos e mucoceles, que manteriam sua coloração. Apesar de o diagnóstico ser extremamente facilitado através desta manobra, existem algumas áreas, como a gengiva e o palato, que dificultam esta técnica8,9.
A realização de exames complementares, como a ultrassonografia com Doppler, pode ser necessária para verificação da natureza da irrigação da lesão (arterial ou venosa), auxiliando também no diagnóstico5. Com ultrassonografia solicitada para o caso, a suspeita de que se tratava de um hemangioma foi confirmada e, com o estudo Doppler, indicou-se discreta dilatação dos vasos com baixo fluxo de resistência e natureza venosa.
As lesões presentes na face causam alterações estéticas que se tornam queixas constantes de seus portadores durante o período de espera para a involução da lesão, o qual pode ser longo a depender da resposta do paciente14. Em vista disto, diversos métodos de tratamento vêm sendo empregados na tentativa de controlar o crescimento e antecipar a regressão do hemangioma, dependendo de sua extensão e localicalização2. Para as lesões menores e periféricas, pode-se optar por escleroterapia, excisão cirúrgica convencional, laserterapia, radioterapia, eletrocoagulação e crioterapia3,4,12,15. Nas lesões maiores e/ou intraósseas, localizadas em área estética, o tratamento deve ser através de embolização ou obliteração da lesão e dos vasos adjacentes; indica-se este tratamento objetivando involução da lesão para posterior procedimento cirúrgico5,15,16.
A escleroterapia é o método mais seguro, tornando possível a regressão total ou parcial da lesão, facilitando a ressecção posterior através de intervenção cirúrgica, caso mostre-se necessário. Em alguns casos, a escleroterapia pode representar o tratamento definitivo, com total regresso da lesão. Podem ser utilizados, com esta finalidade, morruato de sódio, psiliato de sódio, solução hipertônica de glicose, tetradecil sulfato de sódio e oleato de etanolamina6,11,12. A Medicina Oral, que, ao longo de sua história, busca procedimentos que minimizem a morbidade do paciente, tem, nesta forma de tratamento, um valioso aliado.
Apesar de ser uma técnica simples e aparentemente sem complicações, cuidados especiais devem ser tomados durante a escleroterapia. A aplicação do agente esclerosante deve ser realizada por meio de agulha de insulina, injetando a solução em meio à área da lesão, para evitar necrose dos tecidos vizinhos6,10,11. A quantidade a ser injetada vai depender das dimensões da lesão, mas, via de regra, não deve ultrapassar 2 mL. O tratamento consiste de uma ou mais aplicações, na dependência da extensão da lesão e dos resultados que deverão ser observados quando a dose seguinte for ministrada, no intervalo de uma a duas semanas6,11,13.
A escleroterapia está contraindicada em pacientes diabéticos não controlados e em áreas de infecção secundária. O emprego do oleato de monoetanolamina está contraindicado em gestantes, já que pode apresentar efeito teratogênico. A injeção de volume maior do que o recomendado pode, além de causar necrose tecidual, desencadear uma reação anafilática em pacientes sensíveis ao fármaco10.
Lesões vasculares na região de cabeça e pescoço são patologias complexas e de difícil resolubilidade se a forma de tratamento for mal indicada. O escleroterapia é, sem dúvida, uma modalidade de tratamento viável, sendo eficaz e eficiente na resolução desta neoplasia vascular, desde que seja corretamente indicada, com base nos seus benefícios e limitações. No caso apresentado, a aplicação do agente esclerosante oleato de monoetanolamina promoveu a involução da lesão de modo rápido e seguro, através de método não cirúrgico, favorecendo a recuperação estética da paciente.