versão impressa ISSN 1677-5449versão On-line ISSN 1677-7301
J. vasc. bras. vol.14 no.3 Porto Alegre jul./set. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/1677-5449.0089
Os aneurismas da artéria temporal superficial (AATS) constituem uma condição rara e infrequente na literatura1. A grande maioria é secundária a traumatismos na região temporal, e em 95% dos casos evoluem para pseudoaneurismas2,3. Entretanto, os aneurismas verdadeiros espontâneos são extremamente raros2 e representam 8% dos casos de AATS, sendo, geralmente, de etiologia aterosclerótica4. Estes últimos podem estar associados à presença de outros aneurismas arteriais, à síndrome de Marfan e à arterite de células gigantes1. Além dos efeitos estéticos, os AATS podem causar manifestações locais e quadros álgicos importantes4.
No presente estudo, relata-se um caso de aneurisma aterosclerótico da artéria temporal superficial, sua apresentação clínica, diagnóstico e breve revisão da literatura.
Paciente do sexo masculino, 69 anos, branco, com queixa de pequena nodulação em região fronto-temporal esquerda, de aparecimento espontâneo, sem história prévia de trauma ou cirurgia no local. Ao exame físico, evidenciou-se pequeno nódulo pulsátil, cístico, indolor, de aproximadamente 1 cm de diâmetro em região fronto-temporal esquerda, e cuja pulsatilidade desaparecia com a compressão da artéria temporal superficial junto ao arco zigomático (Figura 1). A ausculta da região não revelou sopros. O paciente realizou Ecodoppler em região temporal, confirmando o diagnóstico de aneurisma sacular de artéria temporal. O paciente foi submetido à excisão cirúrgica do aneurisma (Figura 2), sob anestesia geral, sendo este encaminhado para análise anatomopatológica, onde foi diagnosticado aterosclerose da parede arterial (Figura 3). O aneurisma não continha trombos em seu interior e sua superfície era lisa. Na avaliação do pós-operatório tardio, o paciente apresentava-se sem queixas e com a ferida operatória de bom aspecto e sem sinais flogísticos (Figura 4).
Figura 3 A lâmina do anatomopatológico mostra segmento arterial, cuja parede revela variáveis graus de espessamento com fibroplasia e foco de calcificação na intimidade da túnica muscular, compatível com processo aterosclerótico. Os números 1, 2 e 3 correspondem, respectivamente, às túnicas íntima, média e adventícia.
Em 1742, Thomas Bartholin reportou o primeiro caso de pseudoaneurisma da artéria temporal superficial, secundário a um trauma na região temporal1,4, e somente em 1955 foi descrito o primeiro caso de aneurisma aterosclerótico comprovado histologicamente, por Martin e Shoemaker1,5. Até 2013, pouco mais de 30 casos de AATS verdadeiros foram reportados4.
Os aneurismas verdadeiros são definidos a partir de exame histológico, onde todas as camadas da parede arterial encontram-se intactas. Tais aneurismas ocorrem devido a uma fragilidade na parede do vaso. Esta fragilidade pode estar associada a fatores congênitos ou de natureza aterosclerótica6. Os pseudoaneurismas (ou falsos aneurismas) são diferenciados dos aneurismas verdadeiros por apresentarem uma ruptura parcial da parede arterial, de modo que a dilatação não inclua todas as camadas da parede6.
Aproximadamente 80% dos AATS ocorrem em homens, geralmente entre 20-40 anos, sendo a maioria pseudoaneurismas de etiologia traumática6. Embora geralmente protegidos contra trauma por tecidos moles circunjacentes, os ramos da artéria temporal superficial encontram-se próximos da superfície da pele em regiões faciais ósseas, determinando maior susceptibilidade a traumas2,7-9.
Uma pequena parte dos AATS ocorre de forma espontânea, podendo ter origem congênita ou arterosclerótica8. Tais aneurismas podem coexistir com outras lesões vasculares, incluindo o aneurisma intracraniano9. É sabido que o aneurisma intracraniano ocorre preferencialmente em pacientes com doenças sistêmicas específicas, como a síndrome de Ehlers-Danlos, síndrome de Marfan e rim multicístico4. Porém, estas doenças não foram encontradas em estudos anteriores de aneurisma espontâneo da artéria temporal4.
O diagnóstico de aneurisma de artéria temporal normalmente pode ser feito pela história e exame físico. O paciente deve ser questionado quanto a história recente ou remota de trauma ou cirurgia na região7,10. O sintoma de apresentação mais comum é um nódulo pulsátil na região temporal, ou dor de cabeça palpitante7. A massa é geralmente única e pulsátil, sendo que na compressão proximal da artéria, haverá uma diminuição ou desaparecimento da pulsação7. A maioria dos pacientes se queixa de um ou vários nódulos indolores na distribuição da artéria temporal, associados ou não à pulsação, dor de cabeça, desconforto no ouvido, tontura e hemorragia2. Tal nódulo pode comprimir artérias e nervos adjacentes, levando à paralisia de nervos cranianos, parestesia e comprometimento vascular2. Pode ocorrer embolização de trombos luminais para um vaso principal, embora essa possibilidade diminua com o tempo2.
O tamanho dos aneurismas de artéria temporal varia de 0,5 cm a 5,7 cm, sendo mais comuns entre 1 cm e 1,5 cm2. Patologicamente observa-se hiperplasia do complexo íntima-média e adventícia, bem como indistinção parcial da lâmina elástica interna4.
Aneurismas de artéria temporal superficial podem ser facilmente confundidos com cisto sebáceo, lipoma, linfadenopatia, lesão inflamatória, tumor de nervo facial, fístula arteriovenosa, hematoma ou abscesso9,11. No entanto, uma história detalhada e a palpação cuidadosa podem diminuir consideravelmente as opções de diagnóstico diferencial2. Erros diagnósticos podem ter consequências devastadoras, incluindo hemorragia maciça após punção aspirativa com agulha3.
O diagnóstico diferencial mais importante é o pseudoaneurisma da artéria temporal superficial1. História de trauma na região temporal e/ou pré-auricular permite suspeitar da presença de um pseudoaneurisma1. A diminuição ou desaparecimento da pulsação com compressão da artéria temporal superficial proximal é sinal significativo; no entanto, isso também pode ser possível em um caso de malformação arteriovenosa2. O Ecodoppler pode revelar uma forma de onda de fluxo turbulento e resistência vascular periférica elevada, o que elimina a possibilidade de uma fístula arteriovenosa2.
O exame não-invasivo mais preciso para o diagnóstico dos AATS é o duplex-scan da lesão, que demonstra uma dilatação fusiforme consistente com a massa e fluxo sanguíneo turbulento intraluminal7. A tomografia computadorizada com contraste e a angiografia por ressonância magnética são úteis nos casos em que há suspeita de aneurismas intracranianos. A arteriografia deve ser reservada para os casos de diagnóstico mais difícil, possibilitando também o tratamento endovascular concomitante3,4,6.
Embora exista possibilidade de sangramento espontâneo do aneurisma devido à perda de tecido conjuntivo frouxo, hematomas subcutâneos são raros4. Dessa maneira, problemas estéticos, dor ou desconforto são as razões pelas quais o paciente deve ser submetido ao tratamento4. Em 2014, Joshi e Klimczak12 publicaram o primeiro caso de ruptura espontânea do AATS, confirmando a importância do seu tratamento eletivo4,12.
As opções de tratamento em aneurismas e pseudoaneurismas são semelhantes e incluem a compressão repetida da lesão, guiada por ultrassom, métodos conservadores e excisão cirúrgica do aneurisma com ligadura ou obliteração endovascular7,11. No entanto, o tratamento de escolha é a excisão do aneurisma e ligadura dos vasos aferente e eferente7. O objetivo principal da cirurgia é reduzir o risco de hemorragia em caso de trauma, aliviar a dor referida pelo paciente e melhorar os resultados estéticos7,11.
A compressão guiada por ultrassom visa a obliteração do aneurisma, levando a formação de trombos11. Esta técnica pode ser utilizada no tratamento de pequenos aneurismas, porém muitas vezes é falha11.
As técnicas endovasculares mostram-se promissoras em casos alternativos e vários estudos descrevem o uso bem sucedido de embolização por trombina ou coils11. A injeção direta de trombina é um método simples, mas pode levar a complicações, como reação alérgica, risco de recanalização, trombose intravascular, necrose do couro cabeludo e isquemia distal11.
Apesar do avanço nas técnicas minimamente invasivas, a cirurgia excisional continua a ser o tratamento padrão-ouro11. É um procedimento simples e eficaz enquanto curativo, utiliza anestesia local ou geral, não há recidivas relatadas na literatura e as cicatrizes são mínimas11. Dentre os principais riscos potenciais da cirurgia, destaca-se a lesão do nervo facial em aneurismas localizados próximos à glândula parótida11.
Embora raro, o AATS deve ser considerado entre as hipóteses diagnósticas em massas presentes na região temporal, mesmo na ausência de pulsatilidade, sendo o exame clínico suficiente para predizer o diagnóstico, que deve ser confirmado por ultrassom.