Print version ISSN 0102-6720
ABCD, arq. bras. cir. dig. vol.27 supl.1 São Paulo 2014
https://doi.org/10.1590/s0102-6720201400s100020
O tratamento dos escapes pós-gastroplastia conheceu novo desafio com a aprovação da gastrectomia em manga (sleeve gastrectomy) como procedimento bariátrico isolado1. Erroneamente visto como mais simples, diversos cirurgiões pouco experientes em videolaparoscopia e cirurgia bariátrica começaram sua utilização nos pacientes. Descobriu-se que fístulas dessa operação são de difícil tratamento com necessidade de diversos tratamentos endoscópicos, reoperações e ressecções gástricas2,3,4. Utilizando o mesmo princípio das septotomias realizadas no bypass gástrico, este autor pioneiramente utilizou esse método para os casos de fístulas do ângulo esofagogástrico e corpo gástrico após as gastrectomias verticais ou em manga.
Mulher de 54 anos portadora de obesidade grau III (IMC=43,2 kg/m2) associada à hipertensão arterial sistêmica e artropatia severa de joelho direito foi submetida à gastrectomia em manga laparoscópica sem intercorrências e com sobressutura da linha de grampeamento. Evoluiu com sinais sistêmicos de fístula (taquicardia, taquipnéia, febre e secreção fétida e ácida no dreno) no 9o dia de pós-operatório. Foi tratada no seu serviço de origem com antibioticoterapia e nutrição via sonda nasoenteral. Na endoscopia digestiva observou-se orifício fistuloso de 10 mm na topografia do ângulo esofagogástrico. Tomografia computadorizada evidenciou cavidade perigástrica, porém sem coleções intra-abdominais. Estudo radiográfico contrastado demonstrou extravazamento no ângulo (Figura 1) e a drenagem média diária pelo dreno de Penrose número 2 era de 30-50 ml. Foi encaminhada para tratamento endoscópico no 30o dia do pós-operatório onde evidenciou-se orifício fistuloso de 10-12 mm no ângulo esofagogástrico e estenose com angulação excessiva da incisura angular (Figura 2).
Figura 1 Radiografia contrastada mostrando extravasamento para cavidade extra-gástrica na altura do ângulo esofagogástrico
Figura 2 Procedimento endoscópico da septotomia: A) aspecto endoscópico da fístula no ângulo esofagogástrico; B) septotomia sendo realizada
Durante o procedimento endoscópico realizado em ambiente de centro cirúrgico com paciente intubado, o primeiro passo foi dilatar a incisura com balão tipo Rigiflex de 40 mm sob alta pressão. Posteriormente realizou-se a abertura do septo mucoso entre a cavidade abscedada peri-bolsa gástrica e a própria luz do órgão (septotomia ou septoplastia ou "drenagem endoscópica interna"). Ela foi realizada com catéter de argônio a 2 l/m e 90 w , afim de evitar sangramento desta área inflamada e hipervascularizada (Figura 3). O dreno que comunicava a cavidade peri-bolsa com a pele foi retirado no mesmo procedimento por considerar-se epitelizado o trajeto fistuloso pelo tempo de evolução da fístula. A dieta líquida foi iniciada em 24 h.
Figura 3 Evolução do processo cicatricial: A) aspecto inicial após septotomia com abertura completa; B) aspecto final em controle endoscópico no 30o dia pós-septotomia
Foi feito controle endoscópico após cinco dias para complementação da septoplastia com argônio e observação da incisura angular e do eixo bolsa gástrica já retificado. A fístula cessou sua drenagem para a pele no 7o dia após o início do tratamento endoscópico. A cavidade formada previamente pela fístula teve sua resolução endoscópica completa em 30 dias (Figura 3), embora a paciente já realizasse suas atividades normalmente e alimentando-se sem dificuldades.
Atualmente o autor tem 10 casos assim tratados com resolução completa em todos em prazo não superior a 60 dias após o início do tratamento endoscópico.
A associação proposta - dilatação e septotomia com argônio -, diferentemente dos demais serviços de endoscopia bariátrica do país, permite a resolução mais precoce das fístulas pós-gastrectomia em manga, reduzindo desta maneira o tempo de internação hospitalar, a necessidade de suporte nutricional enteral ou parenteral prolongado bem como a necessidade de reoperação e o risco de desecho desfavorável. O autor não realiza a abertura da fístula antes do 30o do pós-operatório pois no caso do sleeve não há estômago excluso para bloquear a fístula e o risco de penetração em cavidade abdominal livre após este procedimento endoscópico é maior antes deste período. Geralmente nas dilatações mais "forçadas" ocorre laceração mucosa com sangramento de pequena monta não necessitando de hemostasia.