versão impressa ISSN 1677-5449versão On-line ISSN 1677-7301
J. vasc. bras. vol.13 no.2 Porto Alegre abr./jun. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/jvb.2014.052
A doença venosa oclusiva central (DVOC) pode ser definida como uma redução de, pelo menos, 50% da luz, ou oclusão das veias jugulares internas, subclávias, axilares, inominadas ou cava superior. Essa doença ocorre, na maioria das vezes, em consequência de trauma, neoplasia, catéteres centrais e fístulas arteriovenosas de alto débito, sendo as duas últimas as principais causas dessa doença; é desencadeada principalmente pelo desenvolvimento da hiperplasia intimal em até 40% dos pacientes com doença renal terminal( 1 ).
A doença apresenta grande importância clínica não somente pelo aparecimento de sinais e sintomas debilitantes de hipertensão venosa crônica (Figura 1), como também pelo risco da perda do acesso venoso nos pacientes em hemodiálise.
Desde o desenvolvimento das intervenções endovasculares, estas têm sido o tratamento de escolha. As opções incluem angioplastias percutâneas, com ou sem o uso de stents. O objetivo deste trabalho é relatar a nossa experiência no tratamento endovascular da doença venosa oclusiva central, descrevendo as indicações, as taxas de sucesso primário e secundário, as complicações e os resultados durante o acompanhamento dos pacientes por um período de seis meses.
No período de janeiro de 2010 a dezembro de 2012, foram realizadas 25 angioplastias venosas centrais. Entre os pacientes, 52% eram do sexo masculino com idade média de 52 anos. Destes, 24 eram renais crônicos em hemodiálise, que apresentavam doença em veias centrais decorrente de catéteres prévios, e apenas uma angioplastia foi realizada para tratamento da síndrome da veia cava superior por constrição tumoral (metástases de câncer de mama).
Dessa forma, realizamos um estudo retrospectivo e descritivo por meio de revisões de prontuários, laudos e imagens dos procedimentos realizados nesse período, no Hospital Universitário da Universidade Estadual de Londrina. O sucesso clínico foi considerado somente nos casos em que os pacientes apresentaram melhora significativa dos sinais e sintomas de hipertensão venosa crônica, e do fluxo pela fístula arteriovenosa; entretanto, medidas da circunferência do braço não foram realizadas neste período. Já a recorrência dos sintomas foi considerada como falha clínica, assim como a tentativa ou a realização de uma nova angioplastia.
Através de punção em veia periférica ou em fístula arteriovenosa do membro com hipertensão venosa, uma flebografia periférica e uma central eram obtidas para avaliação diagnóstica e planejamento terapêutico. Após confirmação de estenose ou oclusão, um introdutor de 6F era posicionado e um guia hidrofílico com o suporte de um catéter era avançado na tentativa de se ultrapassar a lesão. Após anticoagulação com 5000 UI de heparina não fracionada por via endovenosa e do posicionamento do guia, nos casos em que se conseguia ultrapassar a lesão, um balão de alta pressão era posicionado e expandido sobre a mesma. Eram realizadas duas flebografias de controle, sendo uma imediata e outra tardia, após 15 minutos da angioplastia; note-se que se houvesse uma estenose residual superior a 30%, nova angioplastia era realizada com uso de cutting balloon e/ou stent autoexpansível (Figura 2). Todos os pacientes eram liberados no mesmo dia do procedimento, após algumas horas de observação, e nenhum deles recebia anticoagulantes ou antiagregantes plaquetários no pós-operatório.
Entre as 25 angioplastias realizadas, em 21 (84%) casos a intervenção era primária, e em quatro (16%), tratava-se de reestenoses ocorridas após angioplastias prévias. Entre as lesões, 15 (60%) eram estenoses, sendo as outras dez (40%), oclusões. A veia inonimada foi a topografia mais acometida com 17 (68%) casos, seguida pela veia subclávia, com cinco (20%) casos, e pela veia cava superior, com três (12%) (Tabela 1).
Tabela 1 Dados demográficos e fatores de risco.
Angioplastias | |
---|---|
Pacientes | 25 |
Idade (anos) | 52±16 |
Sexo: masculino / feminino | 52% / 48% |
Hipertensão | 70% |
Diabetes | 50% |
Tabagismo | 25% |
Etiologia: hiperplasia intimal | 24 (96%) |
Estenoses / oclusões | 15 (60%) /10 (40%) |
Angioplastias secundárias | 4 (25%) |
Uso de stent | 7 (47%) |
Seguimento (meses) | 5±5 |
Com relação às angioplastias primárias, 11 (52,3%) eram estenoses e dez (47,7%) eram oclusões. Entre as oclusões, em nenhum caso foi possível sua recanalização devido à não progressão do fio guia pela lesão. Nestes casos, optava-se pela observação clínica ou pela ligadura da fístula. Já nas estenoses, em todas (100%), foi possível o seu tratamento. Em cinco (45,4%) casos obteve-se bom resultado apenas com balão; nos outros seis (54,5%), foram utilizados stents autoexpansíveis: cinco por estenose residual (Figura 2) ou remodelamento, e um por ruptura da veia inominada, numa paciente que apresentava estenose por compressão tumoral; neste caso, foi utilizado um stentrevestido (Figura 3).
Figura 3 Flebografia mostrando ruptura da veia cava superior: A, antes da correção, demonstrando extravasamento de contraste. B, após a correção com stent revestido.
Na avaliação com 30 dias, todos os 11 pacientes tratados apresentavam-se assintomáticos. No seguimento destes casos, dos nove pacientes que mantiveram retorno, duas (22,2%) angioplastias obstruíram com seis meses: uma com e outra sem o uso de stent, sendo que em ambas não foi possível sua recanalização. Em relação às sete angioplastias pérvias, em nenhuma foi necessária nova reintervenção no período analisado.
Quanto às quatro angioplastias secundárias, obteve-se sucesso em todas estas, sendo duas em reestenose após angioplastia sem o uso de stent em veia inominada, e outras duas em reestenose após angioplastia com o uso de stent, uma em veia subclávia e a outra em veia inominada. Das quatro angioplastias, somente em uma foi necessário o uso de um novo stent: no seguimento, foi a única que também ocluiu em um período de três meses.
Devido à sua frequente associação etiológica e com o uso cada vez mais comum de catéteres venosos centrais e de fios de marcapassos cardíacos, a ocorrência da DVOC vem se tornando cada vez mais habitual( 2 - 4 ). Um estudo observou que 27% dos pacientes portadores de DVOC já tinham tido história de uso de catéteres ou fios de marcapasso( 2 ), principalmente em veias subclávias, nas quais a ocorrência desta doença pode chegar a 50%, diferentemente da veia jugular interna, em que tal ocorrência é de 10%( 3 ). Esta prevalência foi associada ao grande calibre dos catéteres de hemodiálise e do elevado fluxo na sessão dialítica. O mecanismo potencial do desenvolvimento da DVOC resultante da colocação do catéter venoso pode ser explicado pelo trauma produzido pelo catéter no endotélio e de seu consequente dano inflamatório na parede do vaso, principalmente quando introduzido pela veia subclávia, em que é maior o seu curso tortuoso e a veia se encontra apoiada sobre a primeira costela( 3 , 5 - 8 ). Além dos catéteres, outra causa frequente deste tipo de lesão nas veias centrais é o fluxo venoso turbulento das fístulas arteriovenosas de alto débito que, consequentemente, também causa a lesão endotelial seguida de processo inflamatório( 1 , 9 ).
A DVOC pode ser sintomática ou assintomática. Os sintomas podem variar de acordo com sua evolução e a posição anatômica da doença( 2 , 9 ). Assim sendo, estenoses e oclusões em veias subclávias podem causar hipertensão venosa nos membros superiores, caracterizada por edema, cianose, varizes, hiperpigmentação e até mesmo úlceras (Figura 1). Em localizações mais centrais, como na veia braquiocefálica, podem causar também edema de face, tórax e desenvolvimento da rede venosa superficial nessa região( 9 - 11 ). Em pacientes em hemodiálise, pode ocorrer redução do débito e aumento da pressão venosa, levando a uma diálise ineficiente. Nos pacientes que apresentam a compressão venosa por lesões tumorais, iremos encontrar os sinais e sintomas da doença de base associados aos da hipertensão venosa já descritos.
A suspeita diagnóstica é realizada através do quadro clínico; entretanto, a confirmação diagnóstica desta somente pode ser realizada através de exames complementares de imagem. O estudo ultrassonográfico venoso pode demonstrar ondas sem fasicidade cardíaca e respiratória, e seu achado é de alto valor preditivo positivo( 9 , 12 ). A flebografia venosa com subtração digital ainda é considerada o padrão ouro( 13 ). Entretanto, a angiotomografia e a angiorressonância podem ser alternativas à angiografia convencional. Porém, se deve ressaltar que os pacientes com diminuição da taxa de filtração glomerular estão em risco de desenvolvimento da fibrose sistêmica nefrogênica, pelo uso do gadolínio na angiorressonância( 14 ).
Atualmente, o tratamento de escolha é o endovascular, podendo ser realizado com e sem o emprego de stents. As taxas de sucesso técnico imediato da angioplastia realizada somente com o balão podem variar de 70 a 90%( 1 , 15 - 20 ). Em um estudo realizado por Kovalik et al.( 16 ), em 1994, os autores observaram que havia dois tipos de lesões venosas centrais: lesões não elásticas, que respondem bem à angioplastia, e lesões elásticas, que não respondem ou respondem pouco à angioplastia. Desta forma, lesões elásticas tendem a manter uma perviedade menor em relação às lesões não elásticas.
Os resultados da perviedade em longo prazo das angioplastias para DVOC empregando apenas balão demonstram uma ampla variabilidade. Há relatos de perviedade primária em seis meses, variando de 23 a 55%( 1 , 15 - 20 ). Em um dos maiores estudos sobre angioplastias para DVOC realizados, Bakken et al.( 20 ), em 2007, demonstraram, em 47 pacientes estudados, sucesso técnico de 77%, com perviedade primária aos três meses de 58%, aos seis meses de 45% e aos 12 meses de 29% (Tabela 2).
Tabela 2 Perviedade primária e secundária da angioplastia da estenose venosa central com balão.
Estudo | Ano | Número de participantes |
Sucesso primário (%) | Perviedade 3 meses (%) |
Perviedade 6 meses (%) |
Perviedade 12 meses (%) |
---|---|---|---|---|---|---|
Glanz et al.1 | 1988 | 29 | 76 | - | 50 | 35 |
Beathard15 | 1992 | 27 | 89 | 49 | 29 | - |
Kovalik et al.16 | 1994 | 30 | 70 | - | 43 | 13 |
Quinn et al.17 | 1995 | 24 | - | 100 | 23 | 12 |
Dammers et al.18 | 2003 | 20 | 90 | 63 | 50 | 50 |
Surowiec et al.19 | 2004 | 35 | 89 | - | 55 | 43 |
Bakken et al.20 | 2007 | 47 | 77 | 58 | 45 | 2 |
Quanto aos stents, estes foram utilizados pela primeira vez por Gunther et al. em 1989, para o tratamento dos casos refratários de DVOC( 21 ). São considerados como a segunda linha de tratamento. Os stents fornecem suporte mecânico para o sítio da estenose, quando esta é resistente à angioplastia. Além disso, são potencialmente úteis em estenoses com acotovelamentos, estenoses elásticas, dissecções ou perfurações circunscritas após angioplastias; também estabelecem e mantêm a permeabilidade das oclusões crônicas das veias centrais. No entanto, existem limitações significativas ao uso dos stents. Após sua implantação, os stents podem migrar, encurtar ou fraturar, e sua utilização pode impedir procedimentos endovasculares ou cirúrgicos futuros. Além disso, já é evidente que todos os stents podem incitar a hiperplasia intimal, levando a estenoses recorrentes e a múltiplas intervenções para manter a perviedade( 22 ). Assim como para as angioplastias com balão, os stentstambém demonstram uma grande variabilidade em relação à perviedade no tratamento da DVOC. Esta perviedade pode variar de 72 a 100% aos três meses, de 55 a 100% aos seis meses e de 56 a 97% aos 12 meses( 20 , 23 - 28 ). Até o momento, de nosso conhecimento, não houve estudos prospectivos controlados comparando angioplastias com e sem o uso de stent para o tratamento da DVOC. No estudo retrospectivo de 2007, elaborado por Bakken et al.( 20 ), comparando angioplastias com e sem o uso de stent, esses autores demonstraram que não houve diferenças significativas nos resultados de perviedade entre as angioplastias com e sem o uso de stent (Tabela 3).
Tabela 3 Perviedade primária e secundária da angioplastia da estenose venosa central com stent.
Estudo | Ano | Número de participantes | Sucesso primário (%) | Perviedade 3 meses (%) |
Perviedade 6 meses (%) |
Perviedade 12 meses (%) |
---|---|---|---|---|---|---|
Bakken et al.20 | 2007 | 26 | 96 | 72 | 55 | 46 |
Chen et al.23 | 2003 | 18 | 100 | 100 | 100 | 91 |
Vogel et al.24 | 2004 | 16 | 98 | 81 | 74 | 67 |
Aytekin et al.25 | 2004 | 14 | 100 | 100 | 89 | 56 |
Haage et al.26 | 1999 | 50 | 100 | 92 | 84 | 97 |
Vesely et al.27 | 1997 | 20 | 100 | 89 | 64 | 56 |
Gray et al.28 | 1995 | 52 | 96 | - | 76 | 33 |
Relacionando nossos resultados, percebemos que, em relação às estenoses, um sucesso técnico primário de 100%, seguido de uma perviedade aos três meses de 93% e aos seis meses de 80%, é semelhante ao encontrado por outros autores (Figura 4)( 1 , 15 20 , 23 28 ). Também, assim como outros autores( 20 , 21 ), não encontramos superioridade na perviedade das angioplastias com o uso de stent. No entanto, nossos resultados diferem quando analisadas as obstruções, pois em nenhum caso conseguimos sucesso técnico. Farrell et al.( 29 ), em 1999, relataram cinco recanalizações de obstruções venosas centrais através do uso da agulha de Rosch-Uchida, normalmente usada para a criação de shunts intra-hepáticos por punção, sem complicações maiores. Outros autores referem-se à recanalização das obstruções com o uso de guias rígidas( 26 ). No entanto, não tivemos a oportunidade de empregarmos tais técnicas e as oclusões continuam sendo o nosso maior desafio no tratamento endovascular da DVOC. Consideramos tais técnicas agressivas e sujeitas a complicações de alta morbimortalidade.
Sobre os stents recobertos, dois aspectos devem ser comentados: o primeiro é que a sua disponibilidade na sala de hemodinâmica é imperativa para a utilização no tratamento das complicações durante a angioplastia, como a ruptura que ocorreu em um de nossos casos. O segundo aspecto é que os stentsrecobertos também vêm sendo usados para o tratamento de lesões pouco responsivas à angioplastia, mesmo com o uso do stent ( 26 , 30 , 31 ). As vantagens potenciais desses materiais incluem o fornecimento de uma matriz intravascular relativamente inerte e estável para a endotelização, aliado às vantagens mecânicas dos stents. Isso poderia reduzir a resposta da hiperplasia intimal, reduzindo a reestenose após angioplastia( 27 ). Um estudo realizado por Kundu( 32 ), os quais utilizaram oito stents recobertos para o tratamento da DVOC, relatou uma perviedade primária em três, seis e nove meses de 100%. No entanto, ensaios clínicos controlados e randomizados de maiores seguimentos ainda são necessários.
A colocação de catéteres venosos centrais ou intervenções venosas são os fatores de risco mais importantes para a DVOC. Apesar dos elevados índices de sucesso primário obtidos nas estenoses, as opções atuais para o tratamento dessa doença indiscutivelmente irão levar, mais cedo ou mais tarde, à reestenose ou à oclusão, exigindo múltiplas intervenções para manter a perviedade. Dessa forma, mais estudos controlados e randomizados sobre as opções de tratamento disponíveis são necessários para desenvolver algoritmos de tratamento adequado. Outros avanços na técnica e na tecnologia de novos materiais para o tratamento também são necessários para se obterem melhores resultados, inclusive nos casos de oclusão venosa, que se constituem no maior desafio do tratamento.
Conclui-se que, devido à grande dificuldade de resultados satisfatórios, a prevenção assume papel preponderante, com o uso racionalizado de acessos venosos centrais assim como o planejamento adequado nas confecções de fístulas arteriovenosas em pacientes predialíticos. Tal como acontece na disfunção renal, a colocação do catéter venoso central deve ser evitada se possível e, em particular, na veia subclávia. Além disso, a utilização de outras vias periféricas venosas também deve ser minimizada para preservar o futuro acesso venoso.