versão impressa ISSN 1677-5449versão On-line ISSN 1677-7301
J. vasc. bras. vol.15 no.3 Porto Alegre jul./set. 2016 Epub 19-Set-2016
http://dx.doi.org/10.1590/1677-5449.001016
A síndrome de Ehlers-Danlos é uma doença do tecido conjuntivo de caráter hereditário que se caracteriza por hipermobilidade, fragilidade e hiperextensibilidade da pele. É uma doença congênita cuja sintomatologia geralmente se exacerba no início da idade adulta. Atualmente, há 11 variantes já descritas, e cada uma delas apresenta características clínicas típicas, que variam de intensidade1.
A síndrome de Ehlers-Danlos tipo IV, ou síndrome de Sack-Barabas, é uma doença genética autossômica dominante que determina uma anomalia estrutural no colágeno de tipo III e provoca fragilidade em vasos sanguíneos, intestino, pulmões, pele, fígado, baço, etc. Há elevada possibilidade de rotura e dissecção arterial, mais frequentemente sem qualquer fator desencadeante. A rotura arterial espontânea é a principal causa de mortalidade entre os doentes que sofrem da síndrome (78,5%). Esse acidente arterial é raro durante a infância, mas 25% dos doentes sofrem um episódio inicial antes dos 20 anos e 80% antes dos 40 anos. Na Tabela 1, evidenciamos os critérios diagnósticos da síndrome de Ehlers-Danlos tipo IV1-4.
Tabela 1 Critérios maiores e menores para o diagnóstico de síndrome de Ehlers-Danlos tipo IV2.
Síndrome de Ehlers-Danlos tipo IV | |
---|---|
Defeito | Na produção de colágeno tipo III |
Critérios maiores | Pele fina e transluscente* |
Fragilidade ou ruptura arterial/intestinal/uterina*
Aparência facial característica* Hematomas frequentes e extensos* |
|
Critérios menores | Acrogeria |
Hipermobilidade de pequenas articulações* | |
Ruptura muscular e/ou tendínea | |
Pé torto* | |
Desenvolvimento precoce de varizes | |
Fístula arteriovenosa (carótido-cavernosa) | |
Pneumotórax*
História familiar positiva* |
|
Morte súbita |
*Critérios apresentados pelo caso relatado.
Nesses pacientes, o seguimento inclui exame físico anual, ecocardiograma e ultrassonografia Doppler de carótidas e abdome. A arteriografia somente é indicada caso haja suspeita de complicações. Diversas complicações vasculares já foram relatadas. É comum o relato da presença de múltiplos aneurismas aórticos, periféricos e viscerais5-8.
Paciente do sexo masculino, branco, 19 anos, com quadro de dor torácica aguda em hemitórax direito e dispneia moderada. Realizou radiografia de tórax que evidenciou tratar-se de quadro de pneumotórax espontâneo. Foi solicitada tomografia de tórax, que evidenciou grande massa em mediastino superior. Após a realização de angiotomografia, ela foi caracterizada como grande aneurisma de tronco braquiocefálico, sacular, medindo 7,2 cm em seu maior diâmetro (Figura 1).
Figura 1 Imagens de reconstrução de angiotomografia evidenciando aneurisma de tronco braquiocefálico.
O paciente já sabia do seu diagnóstico de síndrome de Ehlers-Danlos tipo IV. Relatou ter uma irmã com o mesmo diagnóstico e histórico recente de dissecção de carótida e de aorta abdominal tratadas clinicamente e sem sequelas.
Optou-se por correção endovascular do aneurisma. Por acesso femoral (9Fr), realizou-se implante de dois stents revestidos (Stent-graft Direct® 12x40), selando o colo do aneurisma e mantendo a perviedade das artérias carótida e subclávia, conforme evidenciado em angiografia de controle (Figura 2). Retirou-se o introdutor e realizou-se compressão manual do sítio de punção por 30 minutos, seguida da realização de curativo compressivo. O paciente foi encaminhado para a unidade de terapia intensiva sem queixas, assintomático e com parâmetros vitais estáveis.
Figura 2 Imagens do tratamento endovascular do aneurisma de tronco braquiocefálico com stents revestidos. Arteriografia inicial (A, B); Arteriografia final (C, D).
Uma hora após a realização do procedimento, o paciente evoluiu com choque hipovolêmico e foi levado em caráter emergencial novamente para hemodinâmica. Foi realizada nova angiografia, puncionando a artéria femoral contralateral. Ficou evidenciado sangramento posterior retroperitoneal na ilíaca externa próximo ao local de implante do introdutor no procedimento prévio. Nesse contexto, realizou-se implante de stent revestido (Advanta® 7x40), ocluindo o orifício do sangramento e mantendo a perviedade ilíaco-femoral (Figura 3). Implantou-se o dispositivo de selamento arterial Angioseal® (8Fr) no sítio de acesso femoral utilizado, seguido da realização de curativo compressivo. O paciente apresentou boa evolução e encontra-se em acompanhamento ambulatorial há 3 meses. Está assintomático, e a tomografia de controle evidenciou bom resultado (Figura 4).
Foram relatadas inúmeras complicações vasculares decorrentes da fragilidade vascular nos pacientes portadores da síndrome de Ehlers-Danlos. Na Tabela 2, evidenciamos as complicações arteriais encontradas após uma revisão literária com 231 pacientes. Mais da metade desses pacientes tinham aneurismas, geralmente múltiplos e frequentemente em artérias viscerais. Porém, é necessário caracterizar também que há risco de ruptura arterial em vasos não aneurismáticos, espontânea ou decorrente de mínimos traumas3.
Tabela 2 Complicações vasculares em 231 pacientes portadores da síndrome de Ehlers-Danlos3.
Complicações vasculares | Número de pacientes | Porcentagem de pacientes |
---|---|---|
Aneurisma arterial* | 93 | 40 |
Ruptura arterial (não aneurismática) | 75 | 33 |
Fístula carótido-cavernosa | 39 | 18 |
Grande hematoma (retroperitoneal/intestinal) | 33 | 15 |
Hemorragia operatória* | 30 | 13 |
Dissecção arterial | 28 | 12 |
Pseudoaneurisma | 21 | 9 |
Ruptura aneurismática | 23 | 10 |
Fístula arteriovenosa | 5 | 2 |
Aneurisma de coronária | 2 | 1 |
*Complicações da doença apresentadas pelo caso relatado.
A indicação de tratamento desses pacientes deve ser ponderada frente ao elevado risco de complicações. Há elevada incidência de complicações vasculares, incluindo dissecções arteriais e rupturas no sítio de acesso2. Em revisão da Mayo Clinic, caracterizou-se uma mortalidade de 46% após o tratamento aberto ou endovascular de pacientes portadores da síndrome5.
Na Tabela 3, evidenciamos os tratamentos e a mortalidade pós-cirúrgica de 119 pacientes após revisão literária. Esses tratamentos incluem inúmeros tipos de reconstruções vasculares abertas, ligaduras, exclusões de órgãos (baço e rim), entre outros. O tratamento endovascular foi realizado em 32 pacientes. O grupo miscelâneas é formado por uma variedade de procedimentos, como pacientes submetidos a exérese de órgão que evoluíram a óbito antes do tratamento ou cujo diagnóstico foi realizado durante uma autópsia.
Tabela 3 Procedimentos cirúrgicos realizados e mortalidade em curto prazo (em 30 dias após o procedimento) em 119 pacientes portadores de síndrome de Ehlers-Danlos3.
Cirurgia aberta | Cirurgia endovascular* | Miscelânea | Total | |
---|---|---|---|---|
Tratamento (n) | 44 | 33 | 42 | 119 |
Mortalidade (n/%) | 13/30 | 8/24 | 25/60 | 46/39 |
*Procedimento cirúrgico realizado no caso relatado.
Houve uma diferença mínima entre o grupo de cirurgia aberta e o de cirurgia endovascular. O grupo com menor taxa de complicações foi o dos pacientes submetidos a embolização (20% - cinco de 25 casos), e o grupo com maior taxa foi o de miscelâneas (60%).
Assim, na revisão literária, da mesma forma que no caso apresentado, ficou evidente uma incidência elevada de complicações após o tratamento cirúrgico dos pacientes. Depois do tratamento endovascular, dois pacientes morreram de acidente vascular cerebral (AVC) após o implante de stents ou embolização com molas de fístulas carótido-cavernosas; um paciente morreu de AVC após o implante de endoprótese torácica; um paciente morreu de ruptura da artéria ilíaca após implante de stent em artéria vertebral; e um paciente morreu de sangramento após embolização mesentérica. Todos os pacientes no grupo de miscelâneas faleceram de complicações hemorrágicas. A média de idade dos pacientes que foram a óbito foi de 31 anos (de 5 meses até 53 anos)2-4.
A partir desses dados, concluímos que o prognóstico é ruim após o tratamento, seja ele aberto ou endovascular, com uma taxa de mortalidade de 29% na revisão de literatura. Frente à raridade da doença e à pequena quantidade de publicações, sugere-se a realização de um registro nacional e internacional para coleta de dados e futuras publicações.