Compartilhar

Tratamento fisioterapêutico vascular para a doença venosa crônica: artigo de revisão

Tratamento fisioterapêutico vascular para a doença venosa crônica: artigo de revisão

Autores:

Flávia de Jesus Leal,
Leila Manuela Soares dos Santos,
Renata Cardoso Couto,
Sinthia Guimarães Pauferro Moraes,
Tatiana Sabino da Silva,
Wilma Renata dos Santos

ARTIGO ORIGINAL

Jornal Vascular Brasileiro

versão impressa ISSN 1677-5449versão On-line ISSN 1677-7301

J. vasc. bras. vol.15 no.1 Porto Alegre jan./mar. 2016

http://dx.doi.org/10.1590/1677-5449.003215

INTRODUÇÃO

A visão de uma fisioterapia voltada aos distúrbios circulatórios (fisioterapia vascular) ainda é recente, a exemplo da doença venosa crônica (DVC), sendo ainda escassa sua descrição na literatura1. Apesar da grande escassez de estudos investigativos sobre a atuação da fisioterapia nessa doença, alguns deles vêm mostrando seu papel fundamental tanto na prevenção, evitando a incapacidade na realização de tarefas simples em virtude de uma acentuação do quadro álgico, quanto no tratamento, proporcionando melhoria da qualidade de vida (QV) dos indivíduos acometidos2-4.

Autores destacam alguns recursos fisioterapêuticos que podem compor seu tratamento: cinesioterapia vascular (com exercícios de alongamento, metabólicos, de fortalecimento, aeróbicos e proprioceptivos), exercícios respiratórios, drenagem linfática manual (DLM), pressoterapia, posicionamento de incentivo vascular, como também orientações vasculares5.

A DVC é uma anormalidade de funcionamento do sistema venoso, causada por incompetência valvular, afetando o sistema venoso superficial, profundo ou ambos e podendo ser resultado de uma desordem congênita ou adquirida6-9. Está entre as condições mais comuns que acometem os membros inferiores (MMII), sendo considerada um problema funcional e não somente estético. A DVC tornou-se um problema de saúde pública por suas complicações, como a úlcera de estase venosa. Essa doença afeta a capacidade produtiva de trabalho, reduzindo de forma significativa a qualidade de vida dos acometidos, podendo provocar alterações psicológicas e isolamento social5,8,9.

Atualmente, o exercício físico é considerado uma medida efetiva de prevenção e tratamento da DVC, tendo a prática da caminhada como destaque. Com os exercícios de fortalecimento, o treinamento da musculatura da panturrilha é colocado em evidência como atividade capaz de diminuir o refluxo sanguíneo, por aprimorar a competência das veias e promover redução dos desconfortos e malefícios causados pela doença10.

O fisioterapeuta tem ampla atuação no processo de prevenção e recuperação de danos causados por essa doença. O tratamento precoce destinado a prevenir a hipertensão venosa, o refluxo e a inflamação pode aliviar os sintomas de DVC e reduzir o possível risco de úlcera, maior complicação da doença11,12. Dessa forma, este estudo visa a elaborar um protocolo de tratamento fisioterapêutico vascular, mostrando evidências e benefícios das técnicas da fisioterapia vascular e propondo como podem ser utilizadas no tratamento da DVC.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo de revisão de literatura, considerando as publicações disponíveis nas bases de dados bibliográficos LILACS e SciELO no período de 1990 a 2014. A expressão de pesquisa constou dos seguintes palavras-chave: insuficiência venosa; modalidades de fisioterapia; exercício; terapêutica. O critério de inclusão de artigos no estudo foi de trabalhos que contemplassem pelo menos uma das palavras-chave e não fosse do período anterior a 1990.

Do resultado do processo de pesquisa junto às bases de dados e no acervo da biblioteca, foram selecionadas 26 publicações relacionadas diretamente com insuficiência venosa, o restante esteve relacionado com procedimentos endovasculares, testes com medicamentos e agregação plaquetária. Os demais materiais utilizados foram obtidos a partir de pesquisa não sistemática em bibliotecas locais e revistas eletrônicas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A fisioterapia vascular vem ganhando espaço, pelo tratamento não invasivo da DVC, baseado em exercícios terapêuticos. Devido a isso, buscou-se a elaboração de um protocolo de tratamento fisioterapêutico vascular (Apêndice 1), para uso como suporte no atendimento fisioterapêutico ao indivíduo com DVC.

O alongamento é utilizado para recuperar a amplitude de movimento, melhorar a função corporal e como aquecimento antes de um programa de exercícios, com o objetivo de reduzir o risco de lesões13. Para o protocolo, a técnica de alongamento eleita foi a estática, mantendo a posição de alongamento muscular por 20 segundos em quatro repetições, como descrito por Lima et al.6 (Figuras 1-4).

Figura 1 Alongamento de extensores de joelho. 

Figura 2 Alongamento de flexores de joelho. 

Figura 3 Alongamento de adutores de coxa. 

Figura 4 Alongamento de abdutores de coxa. 

De acordo com Meyer et al.14, o exercício combinado do tornozelo e dos movimentos subtalares por 5 minutos, causa aumento do fluxo sanguíneo através da estimulação da bomba muscular da panturrilha (BMP), associado a postura em elevação de MMII, a fim de promover a ação da gravidade, favorecendo uma maior mobilidade desse fluxo1,6,15.

Sochart e Hardinge16 enfatizam que a associação entre a cinesioterapia vascular e a postura em elevação de MMII é capaz de evitar o aparecimento da dor e de complicações decorrentes de DVC. Outro benefício do movimento ativo dessas articulações é a melhoria da hemodinâmica venosa, que é mantida por até 30 minutos após o término do exercício. Dessa forma, os exercícios metabólicos de tornozelos foram contemplados neste protocolo (Figuras 5-7).

Figura 5 Movimento de flexoextensão de tornozelo. 

Figura 6 Movimento de circundução de tornozelo. 

Figura 7 Flexão do quadril combinado com flexoextensão de tornozelo. 

Em estudo de Azoubel et al.17, onde foi avaliada a hemodinâmica muscular da panturrilha submetida a exercício supervisionado, observou-se significativa melhora da ejeção do volume venoso, da função do volume residual e aumento da resistência muscular da panturrilha.

Segundo estudos de Alberti et al.18, o exercício físico aumenta o tônus muscular dos MMII e, consequentemente, pode melhorar sua ação no sistema venoso, com consequente queda da pressão de deambulação e elevação do retorno sanguíneo. Assim, o exercício resistido (ou de fortalecimento) contribui para o tratamento da DVC, fazendo parte do protocolo de tratamento elaborado (Figuras 8-10).

Figura 8 Fortalecimento de panturrilha com faixa elástica. 

Figura 9 Fortalecimento de panturrilha em posição ortostática. 

Figura 10 Fortalecimento de panturrilha em posição ortostática com caneleira. 

Com relação aos exercícios aeróbicos, percebe-se que o objetivo da caminhada, segundo Lima et al.6, é produzir um maior aproveitamento da musculatura da panturrilha, facilitando o retorno venoso e promovendo melhor mobilização das articulações metatarso-falangeanas, ativando a BMP. Alguns estudos demonstraram que indivíduos que praticam atividade física obtiveram redução do aparecimento de complicação da DVC em relação aos que não praticavam nenhum tipo de atividade física14,15,18.

No estudo de Silva et al.10, o treinamento da musculatura da panturrilha é colocado em evidência como uma atividade capaz de diminuir o refluxo sanguíneo, aprimorar a competência das veias e causar redução dos desconfortos e malefícios promovidos pela DVC. Por isso, a caminhada foi escolhida para compor o protocolo com duração de 10 minutos na esteira ergométrica, variando com a evolução do treino, o comprimento dos passos e a velocidade (Figura 11).

Figura 11 Exercício aeróbico de caminhada. 

Segundo Godoy et al.19, nos princípios dos exercícios miolinfocinéticos, estão a contração muscular e a diminuição do efeito da gravidade nos vasos. Quando a contração muscular vence uma pressão gravitacional menor, melhora o retorno venolinfático, pelo fato de os MMII estarem posicionados no mesmo nível do coração. Por isso, a modalidade de exercício adaptado na bicicleta ergométrica realizado em decúbito dorsal (bicicleta adaptada ou camicleta), está inserido neste protocolo (Figura 12).

Figura 12 Exercício aeróbico com bicicleta adaptada. 

De acordo com Baldaço et al.20, a propriocepção é um mecanismo de percepção corporal em que os receptores periféricos enviam informações ao sistema nervoso central (SNC), a fim de manter o controle postural. O comprometimento desse sistema acarreta deficit na estabilização articular, o que pode contribuir para a desestabilização postural.

Na DVC, o aumento do volume articular devido ao edema provoca limitação da amplitude de movimento, diminuição da propriocepção articular, afetando assim, a capacidade funcional do indivíduo. Alguns estudos demonstraram que os exercícios proprioceptivos podem melhorar a estabilidade do equilíbrio articular18,21,22. Justifica-se assim a inclusão dos exercícios proprioceptivos no protocolo (Figura 13).

Figura 13 Movimento de flexoextensão em superfície instável proprioceptiva. 

Figueiredo23 afirma que a cinesioterapia se mostrou eficaz para a aquisição de equilíbrio e mobilidade tíbio-társica, melhorando o desempenho na marcha. Em seu estudo, Tanaka e Revagnani24 diz que a melhora da amplitude de movimento do tornozelo está relacionada com a ativação do mecanismo da BMP, facilitando o retorno venoso, pela contração dos músculos locais (Figura 14).

Figura 14 Movimento de flexoextensão em prancha de equilíbrio. 

Como recurso de relevância, Tanaka et al.12 enfatizam o exercício respiratório de incentivo à inspiração máxima, pois promove diferentes gradientes pressóricos, torácicos e abdominais alternadamente, transmitindo-os mecanicamente aos grandes vasos e potencializando o fluxo sanguíneo a esse nível. Esse tipo de exercício é considerado um ativador da bomba toracoabdominal (diafragmática), favorecendo um melhor retorno sanguíneo e ajudando na oxigenação sanguínea1,15,25. Devido à sua importância, os exercícios respiratórios foram inseridos no protocolo de tratamento (Figura 15).

Figura 15 Posição de relaxamento acompanhando os movimentos diafragmáticos. 

Chaves et al.26 ressaltam que a educação em saúde é reconhecida pelo seu potencial, por favorecer a promoção do autocuidado e o desenvolvimento da responsabilidade do paciente sobre decisões relacionadas à saúde. As orientações vasculares são consideradas como a parte mais importante do tratamento, devendo ser seguidas pelos indivíduos acometidos, e por esse motivo foram inseridas no protocolo.

Araújo27 diz que em qualquer atividade física ocorrem respostas fisiológicas durante e após a sua realização, como alteração da frequência cardíaca (FC) e da pressão arterial (PA) em relação aos valores de repouso que podem perdurar por até 24 a 48 horas. Corroborando com esse autor, Paula et al.28 afirmam que durante o exercício de força, tanto a PA sistólica quanto a PA diastólica tendem a se elevar, ocasionando um aumento na PA (média), mesmo que por um período curto de tempo.

Segundo Nóbrega29, a FC aumenta durante o exercício devido aos mecanismos autonômicos, que ficam evidentes em exercícios intensos. Devido a esses fatores, ressalta-se que, na proposta deste protocolo de tratamento fisioterapêutico vascular, devem ser mensurados sinais vitais como PA e FC, antes e após a aplicação do protocolo.

CONCLUSÕES

Este protocolo constitui uma proposta de tratamento direcionada às necessidades dos indivíduos com DVC, a partir da verificação dos benefícios da fisioterapia vascular na redução dos sinais, sintomas e possíveis complicações da doença, a fim de proporcionar uma melhor qualidade de vida a esses indivíduos.

Espera-se que nosso protocolo norteie a conduta terapêutica a ser utilizada nos indivíduos com DVC e seja o primeiro passo para novas discussões acerca das medidas adotadas para a prevenção e o tratamento dessa doença.

REFERÊNCIAS

1 Machado NL, Leite TL, Pitta GB. Frequência da profilaxia mecânica para trombose venosa profunda em pacientes internados em uma unidade de emergência de Maceió. J Vasc Bras. 2008;7(4):333-40. .
2 Moura EM, Gonçalves GS, Navarro TP, Britto RR, Dias RC. Correlação entre classificação clínica CEAP e qualidade de vida na doença venosa crônica. Rev Bras Fisioter [online]. 2010;14(2):99-105. . PMid:20464164.
3 Santos RF, Porfírio GJ, Pitta GB. A diferença na qualidade de vida de pacientes com doença venosa crônica leve e grave. J Vasc Bras [online]. 2009;8(2):143-7. .
4 Klyscza T, Junger M, Rassner G. Physical therapy of the ankle joint in patients with chronic venous incompetence and arthrogenic congestive syndrome. Current problems in dermatology. 1999;27:48-53.
5 Bertoldi CM, Proença RP. Doença venosa e sua relação com as condições de trabalho no setor de produção de refeições. Revista Nutrição. 2008;21(4):447-54. .
6 Lima RC, Santiago L, Moura RM, et al. Efeitos do fortalecimento muscular da panturrilha na hemodinâmica venosa e na qualidade de vida em um portador de insuficiência venosa crônica. Relato de Caso. J Vasc Bras. 2002;1(3):219-26.
7 Gagliardi RJ, Raffin CN, Bacellar A, Longo A. Insuficiência venosa crônica. São Paulo: Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular; 2001. Projeto Diretrizes.
8 Costa LM, Higino WJF, Leal FJ, Couto RC. Perfil clínico e sociodemográfico dos portadores de doença venosa crônica atendidos em centros de saúde de Maceió (AL). J Vasc Bras. 2012;11(2):108-13. .
9 Pena CO, Macedo LB. Existe associação entre doenças venosas e nível de atividade física em jovens? Fisioter Mov. 2011;24(1):147-54. .
10 Silva GC, Medeiros RJ, Oliveira LS, et al. Treinamento de sobrecarga muscular não afeta o diâmetro das principais veias dos membros inferiores em mulheres adultas com insuficiência venosa. Rev Bras Med Esporte. 2010;16(6):413-7. .
11 Alberti LR, Petroianu A, Corrêa D, Silva TF. Efeito da atividade física na insuficiência venosa crônica dos membros inferiores. Acta Med Port. 2008;21(3):215-20. PMid:18674413.
12 Tanaka C, Ravagnani R, Höfling L, Guimarães PCM, Muraco-Neto B, Puech-Leão P. Análise morfométrica do reparo de ulcerações e pele de origem venosa após tratamento de fisioterapia. Rev Fisioter Univ. 1996;3(1/2):47-53.
13 Carolyn C. Exercícios terapêuticos: fundamentos e técnicas. 5. ed. São Paulo: Manole; 2009.
14 Meyer PF, Chacon DA, Lima AC. Estudo piloto dos efeitos da pressoterapia, drenagem linfática manual e cinesioterapia na insuficiência venosa crônica. Reabilitar. 2006;31(8):11-7.
15 Rodrigo MT, Samsó JJ. Revisión de La insuficiência venosa. Nursing. 2003;21(5):54-65. PMid:12792573.
16 Sochart DH, Hardinge K. The relationship of foot and ankle movements to venous return in the lower limb. The Journal of Bone and Joint Surgery. 1999;81-B(4):700-4. . PMid:10463749.
17 Azoubel R, Torres GV, Silva LW, Gomes FV, Reis LA. Efeitos da terapia física descongestiva na cicatrização de úlceras venosas. Rev Esc Enferm USP. 2010;44(4):1085-92. . PMid:21337794.
18 Alberti LR, Petroianu A, França DC, Silva TM. Relação entre exercício físico e insuficiência venosa crônica. Rev Med Minas Gerais. 2010;20(1):30-5.
19 Godoy JM, Belczac CE, Godoy MF. Reabilitação linfovenosa. Rio de Janeiro: Di Livros; 2005.
20 Baldaço FO, Cadó VP, Souza J, Mota CB, Lemos JC. Análise do treinamento proprioceptivo no equilíbrio de atletas de futsal feminino. Fisioter Mov. 2010;23(2):183-92. .
21 Vogt RA, Copetti F, Noll M. Áreas de abrangência da propriocepção: um estudo preliminar. Revista Digital (Buenos Aires) [internet]. 2012 [citado 2015 Jan 26];15(166).
22 Silva AE, Martimbianco AL, Pontin JC, Lahoz GL, Carneiro M Fo, Chamlian TR. Análise da reprodutibilidade da circumetria do joelho em indivíduos com osteoartrite. Acta Fisiatr. 2014;21(2):49-52.
23 Figueiredo M. Úlceras varicosas. In: Pitta GB, Castro AA, Burihan E. Angiologia e cirurgia vascular: guia ilustrado. Maceió: UNCISAL/ECMAL & LAVA; 2003.
24 Tanaka C, Revagnani R. Fisioterapia em clínica de cirurgia vascular: resultados preliminares. Rev Fisioter Univ São Paulo. 1995;2(2):79-86.
25 Orestes LD, Lizame ML, Bringuez YP, Mussenden OE, Torres DC. Rehabilitación en atención primaria al paciente claudicante y varicose. Rev Cubana Med Gen Integr [internet]. 2003 [citado 2015 Jan 26];19(5).
26 Chaves ES, Lúcio IM, Araújo TL, Damasceno MM. Eficácia de programas de educação em saúde para portadores de hipertensão arterial. Rev Bras Enferm. 2006;59(4):543-7. . PMid:17340732.
27 Araújo CG. Fisiologia do exercício físico e hipertensão arterial: uma breve discussão. Hipertensão. 2001;4(3):78-83.
28 Paula AH, Silva LC, Andrade GD, Lima DD, Souza JJ Jr, Silva MB. Comportamento da pressão arterial e frequência cardíaca após exercícios resistidos em adolescentes. Revista Digital (Buenos Aires) [internet]. 2008 [citado 2015 Jan 26];13(121).
29 Nóbrega AC. Fisiologia do Exercício. Rev SOCERJ. 2000;4:19-23.