Compartilhar

Tratamento invasivo da estenose assintomática da carótida extracraniana. Uma abordagem conceitual

Tratamento invasivo da estenose assintomática da carótida extracraniana. Uma abordagem conceitual

Autores:

Ricardo Cesar Rocha Moreira

ARTIGO ORIGINAL

Jornal Vascular Brasileiro

versão impressa ISSN 1677-5449versão On-line ISSN 1677-7301

J. vasc. bras. vol.17 no.2 Porto Alegre abr./jun. 2018

http://dx.doi.org/10.1590/1677-5449.170201

Nesta segunda década do século XXI, um vasto corpo de conhecimento (> 4,800 artigos listados no MEDLINE) já foi acumulado em todos os aspectos da doença da carótida extracraniana. A partir desta riqueza de informação, Sociedades científicas de todo o mundo vêm propondo diretrizes para o manejo da doença cerebrovascular 1-4 .

As diretrizes mais recentes são quase consensuais quanto ao manejo dos pacientes sintomáticos com aterosclerose da carótida extracraniana 5 . Contudo, em pacientes assintomáticos, há muita incerteza se os tratamentos invasivos - endarterectomia da carótida (EAC) e angioplastia da carótida com stent (ACS) - reduzem o risco de isquemia cerebral. O benefício de se indicar um tratamento invasivo além do Tratamento Clínico Otimizado (TCO) é atualmente a questão mais controvertida no manejo de pacientes com estenose assintomática da carótida extracraniana 6 .

O autor propõe uma abordagem alternativa para responder à questão de quais são os pacientes com doença carotídea assintomática que podem se beneficiar dos tratamentos invasivos. O conhecimento acumulado ao longo de mais de um século pode ser resumido em uns poucos conceitos, com os quais se pode formar uma estrutura 7 . A estrutura conceitual pode então ser usada como uma ferramenta provisória para a tomada de decisões clínicas, quando diretrizes não são claras ou aplicáveis em um caso em particular.

O primeiro conceito pode ser enunciado da seguinte forma: “a vasta maioria dos indivíduos com estenoses da carótida extracraniana são assintomáticos e vão permanecer assintomáticos por toda a vida”. Este conceito é baseado em mais de 50 estudos prospectivos de longo prazo, que seguiram pacientes com placas significativas de carótida sob tratamento clínico 5,8 . Os estudos mostraram que pacientes com estenoses assintomáticas das carótidas tinham um risco elevado de eventos cardíacos isquêmicos e mortalidade alta a longo prazo, comparados com a população em geral 8 . Este conceito leva a dois colorários: a presença de uma placa assintomática de carótida é um forte marcador de aterosclerose sistêmica; e todos os pacientes em quem uma placa de carótida é detectada devem ser submetidos a TCO e seguidos de perto para progressão da sua doença aterosclerótica 3,4,8 .

O segundo conceito é referente ao risco: “Pacientes com aterosclerose carotídea assintomática sob TCO têm um risco muito baixo de desenvolver acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico”. Uma meta-análise recente de 49 estudos de longo prazo mostra que, no geral, o risco de eventos isquêmicos cerebrais dos pacientes sob tratamento clínico é menos de 1% por ano de seguimento 9 . Mesmo assim, uma minoria dos pacientes com lesões assintomáticas da carótida vão desenvolver isquemia cerebral. A missão dos médicos envolvidos em cuidar de pacientes com estenose assintomática da carótida é descobrir quais pacientes tem risco mais elevado de desenvolver eventos isquêmicos cerebrais 4-6 .

O terceiro conceito se refere a benefício: “O benefício do tratamento invasivo da aterosclerose assintomática de carótida extracraniana se limita a um subgrupo de pacientes com lesões de alto risco”. Especificamente, placas de carótida vulneráveis. As características que definem uma placa vulnerável incluem: um núcleo grande rico em lipídios: uma capa fibrose tênue; inflamação dentro ou ao redor da placa; neovascularização nos vasavasorum; e hemorragia intraplaca 10 . Placas vulneráveis são particularmente propensas a desenvolver eventos intraplaca. Os eventos mais comuns: ulceração da placa, hemorragia intraplaca e ruptura da placa resultam em extrusão do conteúdo ateromatoso na luz arterial, causando embolização para o leito arterial distal. Embolização distal a partir de eventos intraplaca é o principal mecanismo de isquemia cerebral, e pode se apresentar clinicamente como com ataque isquêmico transitório (AIT) ou com acidente vascular cerebral isquêmico (AVC) 4,10 . O outro mecanismo de isquemia cerebral relacionado ao evento intraplaca é oclusão da carótida interna, que pode ser causada por um evento intraplaca, como uma hemorragia, ou por progressão da placa para estenose de alto grau/suboclusiva, com trombose subsequente 10 .

Uma série de estudos foram conduzidos em pacientes assintomáticos sob TCO para tentar identificar fatores que aumentam o risco de um evento isquêmico cerebral 4,11 . Nestes estudos, os seguintes fatores clínicos e de imagem foram associados com aumento estatisticamente significativo do risco de isquemia tardia em pacientes assintomáticos com estenose da carótida de 60-99%:

    -. Infarto cerebral silencioso à TAC - tomografia computadorizada;

    -. Progressão do grau de estenose em exames seriados de ecodoppler;

    -. Área da placa em análise computadorizada (quanto maior a placa, maior o risco);

    -. Tamanho da área hipoecóica (ou ecolucente) justaluminal dentro da placa;

    -. Hemorragia intraplaca na imagem por Ressonância Magnética;

    -. Reserva vascular cerebral reduzida no ecodoppler transcraniano;

    -. Placa predominantemente ecolucente no exame de ecodoppler;

    -. Embolização espontânea no Doppler transcraniano;

    -. Embolização espontânea no Doppler transcraniano, mais placa ecolucente;

    -. Oclusão da carótida contralateral ou isquemia cerebral sintomática contralateral.

Nos próximos 5 a 10 anos, os estudos prospectivos em andamento vão gerar dados sólidos quanto ao significado destes fatores clínicos e de imagem, que provavelmente vão mudar as recomendações atuais para o tratamento invasivo da estenose assintomática da carótida extracraniana 12 . Enquanto estas informações novas não estiverem disponíveis, a questão “Quais pacientes podem se beneficiar do tratamento invasivo da estenose assintomática da carótida extracraniana?” pode ser respondida com o uso da estrutura conceitual descrita acima:

    1. A placa de ateroma da carótida é um forte marcador de aterosclerose sistêmica. Todos os pacientes com uma placa significativa devem ser colocados em TCO e seguidos cuidadosamente, pelo alto risco de eventos isquêmicos cardiovasculares;

    2. Tratamentos invasivos - EAC ou ACS - devem ser indicados apenas em pacientes assintomáticos que se apresentam com ou progridem para estenoses de alto grau/suboclusivas; e em pacientes nos quais a avaliação clínica e de imagem sugerem uma placa vulnerável, com alto risco de provocar isquemia cerebral.

REFERÊNCIAS

1 Brott TG, Halperin JL, Abbara S, et al. 2011 ASA/ACCF/AHA/AANN/AANS/ACR/ASNR/CNS/SAIP/SCAI/SIR/SNIS/SVM/SVS guideline on the management of patients with extracranial carotid and vertebral artery disease: executive summary. A report of the American College of Cardiology Foundation/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines, and the American Stroke Association, American Association of Neuroscience Nurses, American Association of Neurological Surgeons, American College of Radiology, American Society of Neuroradiology, Congress of Neurological Surgeons, Society of Atherosclerosis Imaging and Prevention, Society for Cardiovascular Angiography and Interventions, Society of Interventional Radiology, Society of NeuroInterventional Surgery, Society for Vascular Medicine, and Society for Vascular Surgery. Circulation. 2011;124(4):54-130. . PMID: 21282505.
2 Ricotta JJ, Aburahma A, Ascher E, Eskandari M, Faries P, Lal BK. Updated Society for Vascular Surgery guidelines for management of extracranial carotid disease. J Vasc Surg. 2011;54(3):e1-31. . PMid:21498023.
3 Tendera M, Aboyans V, Bartelink ML, et al. ESC Guidelines on the diagnosis and treatment of peripheral artery diseases: Document covering atherosclerotic disease of extracranial carotid and vertebral, mesenteric, renal, upper and lower extremity arteries: the Task Force on the Diagnosis and Treatment of Peripheral Artery Diseases of the European Society of Cardiology (ESC). Eur Heart J. 2011;32(22):2851-906. . PMid:21873417.
4 Naylor AR, Ricco JB, Borst GJ, et al. Editor's Choice - Management of Atherosclerotic Carotid and Vertebral Artery Disease: 2017 Clinical Practice Guidelines of the European Society for Vascular Surgery (ESVS). Eur J Vasc Endovasc Surg. 2018;55(1):3-81. . PMID: 28851594.
5 Abbott AL, Paraskevas KI, Kakkos S, et al. Systematic Review of Guidelines for the Management of Asymptomatic and Symptomatic Carotid Stenosis. Stroke. 2015;46(11):3288-301. . PMid:26451020.
6 Naylor AR. Why is the management of asymptomatic carotid disease so controversial? Surgeon. 2015;13(1):34-43. . PMid:25439170.
7 Ravitch SM, Riggan M. Reason & Rigor. how conceptual frameworks guide research. 2nd ed. Thousand Oaks CA: Sage Publications, 2017.
8 Giannopoulos A, Kakkos S, Abbott A, et al. Long-term mortality in patients with asymptomatic carotid stenosis: implications for statin therapy. Eur J Vasc Endovasc Surg. 2015;50(5):573-82. . PMid:26299982.
9 Hadar N, Raman G, Moorthy D, et al. Asymptomatic carotid artery stenosis treated with medical therapy alone: temporal trends and implications for risk assessment and the design of future studies. Cerebrovasc Dis. 2014;38(3):163-73. . PMid:25300534.
10 Naim C, Douziech M, Therasse E, et al. Vulnerable atherosclerotic carotid plaque evaluation by ultrasound, computed tomography angiography, and magnetic resonance imaging: an overview. Can Assoc Radiol J. 2014;65(3):275-86. . PMid:24360724.
11 Nicolaides AN, Kakkos SK, Kyriacou E, et al. Asymptomatic internal carotid artery stenosis and cerebrovascular risk stratification. J Vasc Surg. 2010;52(6):1486-96, 5. . PMid:21146746.
12 Rubin MN, Barrett KM, Brott TG, Meschia JF. Asymptomatic carotid stenosis: what we can learn from the next generation of randomized clinical trials. JRSM Cardiovasc Dis. 2014;3:1-8. . PMid:25247072.