versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.113 no.1 São Paulo jul. 2019 Epub 08-Ago-2019
https://doi.org/10.5935/abc.20190118
Atualmente, as doenças cardiovasculares constituem o maior agravo para a saúde, estando diretamente envolvidas em mais de 17 milhões de mortes a cada ano, o que representa metade de todas as mortes por doenças não transmissíveis.1 Além de seus efeitos no bem-estar individual, as doenças cardiovasculares são responsáveis por elevado impacto econômico. Estudo recentemente publicado mostrou que, no Brasil, apenas quatro doenças - hipertensão arterial, infarto do miocárdio, fibrilação atrial e insuficiência cardíaca - totalizaram custo financeiro estimado em 56,2 bilhões de reais no ano de 2015.1
O tratamento das doenças cardiovasculares envolve o uso de fármacos específicos e a adesão a intervenções não farmacológicas.2 Este Editorial será dedicado ao papel do exercício físico no tratamento das doenças cardiovasculares. O Brasil ocupa posição de destaque no cenário mundial no estudo dos efeitos do exercício físico em diferentes condições clínicas. Exercícios vêm sendo preconizados há décadas para a promoção da saúde e o tratamento de diversas doenças cardiovasculares. A prática regular de exercícios resulta em inúmeros benefícios como aumento da capacidade funcional e melhora na composição corporal, resistência à insulina, função endotelial, hipertensão arterial, estado antioxidante e qualidade de vida.3-9 No caso da insuficiência cardíaca, exercícios passaram a ser preconizados há quase três décadas no tratamento de pacientes estáveis. Além de aumentar a tolerância aos esforços, melhora a qualidade de vida e reduz hospitalizações por insuficiência cardíaca.2 Apesar de grande número de estudos avaliando os efeitos do exercício, sua influência em diferentes situações de agressão cardíaca ainda não está totalmente esclarecida.10
Em artigos recentemente publicados neste periódico, o papel do exercício físico e seus mecanismos moleculares de ação foram avaliados em diferentes modelos experimentais de doenças cardíacas.3,5,11-13 Efeitos benéficos na remodelação cardíaca têm sido frequentemente observados, a exemplo de atenuação de hipertrofia miocárdica e de disfunção do ventrículo esquerdo.7,14 Entretanto, resultados inesperados têm chamado a atenção para a necessidade de melhor esclarecer o assunto. Por exemplo, Rodrigues et al.,13 submeteram camundongos knockout para receptor beta1-adrenérgico cardíaco, que podem evoluir para insuficiência cardíaca, a treinamento em esteira por oito semanas. Surpreendentemente, os animais knockout treinados tiveram aumento da capacidade funcional e da contratilidade miocárdica superior ao dos animais-controle treinados. Como estímulo exagerado da contratilidade pode levar a deterioração da função cardíaca a longo prazo, estudos adicionais são necessários para definir o papel do exercício na função cardíaca em camundongos knockout para o receptor beta1-adrenérgico em períodos mais avançados de vida.
Tópicos de grande incerteza em relação à prescrição de exercícios incluem intensidade e duração do exercício. Recentemente, Ellingsen et al.,15 publicaram o primeiro estudo multicêntrico randomizado comparando os efeitos do treinamento intervalado de alta intensidade (popularmente conhecido como HIIT, high-intensity interval training) com aqueles do treinamento contínuo em moderada intensidade ou recomendação para exercícios regulares em pacientes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida. Em ambos os grupos de treinamento específico, os resultados foram apenas moderadamente superiores à recomendação para exercício regular. Além disso, 51% dos pacientes no grupo HIIT se exercitaram abaixo da frequência cardíaca prescrita, e 80% do grupo de treinamento contínuo em moderada intensidade treinaram em frequência acima de seus alvos. Assim, considerando que o HIIT não foi superior ao treinamento contínuo em moderada intensidade em reduzir o processo de remodelação ou melhorar desfechos clínicos, e a dificuldade em obter adesão à intensidade prescrita, os autores recomendam que o treinamento contínuo em moderada intensidade deva permanecer como a modalidade padrão para pacientes com insuficiência cardíaca crônica.
Outro fator ainda não esclarecido é se a prática de exercício em períodos curtos e intensos repetidos no decorrer do dia, denominada exercício acumulado, pode ser uma alternativa para pessoas sedentárias. Martinez et al.,16 observaram que tanto o exercício contínuo como o acumulado melhoraram a aptidão física de ratos saudáveis. Entretanto, somente o exercício contínuo foi capaz de reduzir o ganho de peso corporal e melhorar a função endotelial. Aortas retiradas do grupo submetido a exercício contínuo apresentaram redução da resposta contrátil à norepinefrina e aumento do relaxamento induzido por acetilcolina, o que não foi observado no grupo treinado por exercício acumulado.16
Consenso maior se observa na literatura em relação ao papel do exercício físico sobre o sistema vascular. Lemos et al.,12 mostraram que o exercício aeróbico regular, por nove semanas, levou a atenuação da atividade simpática e redução da resistência vascular, contribuindo, portanto, para diminuição da pressão arterial de ratos espontaneamente hipertensos. Também o treinamento resistido foi efetivo em melhorar a resposta bradicárdica e a sensibilidade barorreflexa de ratos espontaneamente hipertensos.11 Entretanto, o fato de que estes efeitos não foram acompanhados por redução da pressão arterial sistêmica11 sugere que o exercício aeróbico é superior ao resistido no controle da hipertensão arterial.
Apesar dos grandes avanços no entendimento dos efeitos do exercício físico no sistema cardiovascular saudável ou submetido a diferentes tipos de agressão, ainda estamos longe de esclarecer os mecanismos de ação do exercício físico e de cientificamente definir a melhor prescrição para pacientes com doença cardiovascular.