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Tratamento Percutâneo de Refluxo Paraprotético Mitral: Alternativa à Cirurgia

Tratamento Percutâneo de Refluxo Paraprotético Mitral: Alternativa à Cirurgia

Autores:

Roney Orismar Sampaio,
Alessandra Gomes de Oliveira,
George Barreto Miranda,
Pedro Alves Lemos Neto,
Marcelo Luiz Campos Vieira,
Flávio Tarasoutchi

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170

Arq. Bras. Cardiol. vol.105 no.4 São Paulo out. 2015

https://doi.org/10.5935/abc.20150115

Introdução

O refluxo paraprotético ocorre em cerca de 7 a 17% dos pacientes submetidos a substituição valvar mitral e em 2 a 10% dos pacientes que realizaram troca valvar aórtica1,2. Habitualmente o refluxo é discreto e não acarreta grandes complicações clínicas, entretanto, quando moderado ou importante, a repercussão pode ser grave, com o desenvolvimento de insuficiência cardíaca, e/ou hemólise3,4. Estima-se que aproximadamente 1 a 5% dos casos desenvolvem condições clínicas mais severas1,4. As principais causas para ocorrência de refluxo paraprotético são: calcificação do anel valvar, infecção, técnica de sutura, e tamanho e forma da prótese1,5.

Usualmente, o tratamento cirúrgico é considerado a primeira opção para pacientes que se encontram sintomáticos4. Entretanto, em 1992, foi proposto tratamento alternativo por via percutânea para oclusão do orifício paravalvar, sendo este considerado para os casos em que o paciente apresenta alto risco ao tratamento cirúrgico6-8.

Relato do caso

Paciente com 70 anos, sexo masculino, portador de prótese mecânica mitral implantada em 2002, em sua quarta cirurgia cardíaca. Apresentou, à época, múltiplas intercorrências no pós-operatório, a saber: choque séptico, necessitando altas doses de vasoativos, insuficiência renal e fibrilação atrial aguda, além de tempo de internação prolongado. Após esse período, evoluiu bem, sem limitações para atividades habituais, até que, há 3 anos, iniciou hematúria recidivante, devido à hemólise intravascular. O paciente manteve acompanhamento clínico até que, em junho de 2012, houve piora acentuada da hemólise, associada à insuficiência cardíaca até classe funcional New York Heart Association (NYHA) III. Ao exame físico, observou-se um sopro sistólico regurgitativo +++/4 na área mitral e estertores crepitantes nas bases pulmonares.

Os exames laboratoriais demostravam: Desidrogenase Lática (DHL) 3.256 U/L (Valor de Referência – VR: 85 a 227 U/L), haptoglobina 0,2 g/L (VR: 0,3 a 2,0 g/L), Hemoglobina (Hb) 7,3 g/dL (VR: 13,0 a 18,0 g/dL), Hematócrito (Ht) 22% (VR: 40,0 a 52,0%) e hemoglobinúria. O ecocardiograma transesofágico bidimensional demostrou prótese mecânica com mobilidade normal de seus elementos e moderada/importante regurgitação periprotética (Figuras 1Ae1B), associados a gradiente diastólico máximo átrio esquerdo - ventrículo esquerdo (AE-VE) estimados em 13 mmHg (pico) e 4 mmHg (médio). A área valvar foi estimada em 3,2 cm2. Devido à dificuldade em determinar com precisão a dimensão do orifício regurgitante e, a partir daí, a escolha do melhor dispositivo oclusor, foi realizado ecocardiograma transesofágico tridimensional. O mesmo identificou insuficiência periprotética (posterior e anterior), sendo a anterior com dimensão em eixo longo de 22 mm e a posterior de aproximadamente 12 mm (Figura 1C). Considerando um pós-operatório em 2002 com muitas complicações e alto risco cirúrgico, por se tratar de uma quinta cirurgia cardíaca, optou-se, em decisão conjunta com o paciente e familiares, por tratamento percutâneo.

Figura 1 (A) Ecocardiograma transeofágico bidimensional. (A) Pré-operatório; (B) ecocardiografia transesofágica bidimensional pré-operatório; (C) ecocardiografia transesofágica tridimensional pré-operatório; (D) ecocardiografia transesofágica tridimensional pós-operatório. 

Tratamento

Foi realizado implante de dois dispositivos percutâneos Amplatzer® Duct-Occluder 8 x 6 mm e VSD 5 mm, com redução significativa do refluxo pós-implante (houve redução de aproximadamente 70% do orifício anterior (Figura 2). Contado 45 dias do procedimento, foi realizado novo ecocardiograma tridimensional (Figura 1D), sendo demonstrados bom posicionamento dos oclusores e mínimo refluxo paraprotético residual. Após 6 meses do procedimento, o paciente apresentou bloqueio atrioventricular de segundo grau, Mobitz II e dois episódios de pré-síncope, sendo implantado marca-passo DDD. O paciente evoluiu com melhora para classe funcional (I/NYHA). O exame físico, nesta ocasião, mostrou discreto sopro sistólico regurgitativo mitral (+/4) e melhora dos parâmetros laboratoriais (DHL 728 U/L, Hb 10,5 g/dL, Ht 32,3%).

Figura 2 (A) Imagem do laboratório de hemodinâminca de cateter no orifício paraprotético antes de sua liberação. (B) Imagem do laboratório de hemodinâmica do dispositivo já alocado. 

Discussão

O refluxo paraprotético é uma complicação relevante em cirurgia de troca valvar. O fechamento percutâneo do orifício paraprotético tem sido considerado um procedimento seguro, servindo como opção terapêutica alternativa à cirurgia em paciente com alto risco cirúrgico. Entretanto ainda há poucos relatos de intervenção percutânea em portadores de refluxo paraprotético.

Em 2006, Pate e cols.9 demostraram experiência com dez pacientes submetidos à oclusão percutânea de leak paravalvar mitral em pacientes não candidatos a cirurgia, tendo observado taxa de 70% de sucesso no procedimento, associado à melhora clínica. No entanto, quatro pacientes necessitaram de uma segunda intervenção.

Em 2011, Sorajja e cols.10 publicaram estudo com 115 pacientes que realizaram procedimento percutâneo, com sucesso técnico em 77% dos casos e melhora clínica em 67%. O total de complicações após 30 dias do procedimento foi de 8,7%: sendo morte em dois (1,7%) casos, acidente vascular cerebral em três casos (2,6%), complicações vasculares em um caso (0,9%), hemotórax em quatro casos (3,5%) e cirurgia de emergência em um caso (0,9%).

Ainda em 2011, Ruiz e cols.8, em análise retrospectiva em 43 pacientes, observaram sucesso no procedimento em 86% dos casos e melhora clínica em 77%.

No presente caso, após 6 meses do tratamento percutâneo, o paciente apresentou bloqueio atrioventricular, tendo sido necessário implante de marca-passo. Após extensa revisão em literatura, não encontramos relato de bloqueio atrioventricular de segundo grau como complicação tardia, do fechamento percutâneo de orifício paraprotético em posição mitral1. Mesmo na posição aórtica, que poderia ser mais usual, dada a anatomia do sistema de condução, não há relatos a respeito. O risco desse evento (implante tardio de marca-passo pelo BAV) ter sido ao acaso, sobretudo no fechamento do orifício paraprotético na posição mitral, não pode, portanto, ser desprezado. Entretanto, o fato do implante do marca-passo ter ocorrido 6 meses após o procedimento é também relevante, o que, a nosso ver, deixa a questão aberta quanto à possível complicação ainda não descrita. Esse evento deve ser, dessa forma, citado e acompanhado pela literatura.

Concluímos que o procedimento percutâneo para correção de refluxo paraprotético é factível em paciente com alto risco cirúrgico e repercussão clínica importante.

REFERÊNCIAS

1. Kliger C, Eiros R, Isasti G, Einhorn B, Jelnin V, Cohen H, et al. Review of surgical prosthetic paravalvular leaks: diagnosis and catheter-based closure. Eur Heart J. 2013;34(9):638-49.
2. Hammermeister K, Sethi GK, Henderson WG, Grover FL, Oprian C, Rahimtoola SH. Outcomes 15 years after valve replacement with mechanical versus a bioprostetic valve: final report of the Veterans Affairs randomized trial. J Am Coll Cardiol. 2000;36 (4):1152-8.
3. Kim MS, Casserly IP, Garcia JA, Klein AJ, Salcedo EE, Carroll JD. Percutaneous transcatheter closure of prosthetic mitral paravalvar leaks: are we there yet? JACC Cardiovasc Interv. 2009;2(2):81-90.
4. Buellesfeld L, Meier B. Treatment of paravalvular leaks through interventional techniques. Multimed Man Cardiothorac Surg. 2011;2011(924):mmcts.2010.004895.
5. Sampaio RO, Silva FC Jr, Oliveira IS, Padovesi CM, Soares JA, Silva WM, et al. Evolução pós-operatória de pacientes com refluxo protético valvar. Arq Bras Cardiol. 2009;93(3):283-9.
6. Hourihan M, Perry SB, Mandell VS, Keane JF, Rome JJ, Bittl JA, et al Transcatheter umbrella closure of valvular and paravalvar leaks. J Am Coll Cardiol. 1992;20(6):1371-7.
7. Ruiz CE, Cohen H, Del Valle-Fernandes R, Jelnin V, Perk G, Kronzon I. Closure of prosthetic paravalvular leaks: a long way to go. Eur Heart J Suppl. 2010;12(Suppl E):E52-62.
8. Ruiz CE, Jelin V, Kronzon I, Dudy Y, Del Valle-Fernandez R, Einhorn BN, et al. Clinical outcomes in patients undergoing percutaneous closure of periprosthetic paravalvular leaks. J Am Coll Cardiol. 2011;58(21):2210-7.
9. Pate GE, Al Zubaidi A, Chandavimol M, Thompson CR, Munt BI, Webb JG. Percutaneous closure of prosthetic paravalvular leaks: case series and review. Catheter Cardiovasc Interv. 2006;68(4):528-33.
10. Sorajja P, Cabalka AK, Hagler DJ, Rihal CS. Percutaneous repair of paravalvular prosthetic regurgitation: acute and 30-day outcome in 115 patients. Circ Cardiovasc Interv. 2011;4(4):314-21.