versão impressa ISSN 0066-782X
Arq. Bras. Cardiol. vol.103 no.3 São Paulo set. 2014
https://doi.org/10.5935/abc.20140143
A insuficiência cardíaca (IC) congestiva continua sendo um dos mais importantes e desafiadores problemas clínicos da medicina cardiovascular no Brasil e no mundo. Há evidência de que a mortalidade nesse cenário decresceu no Brasil nos últimos anos1, provavelmente devido, pelo menos em parte, ao uso mais intenso e disseminado de bloqueio neurohormonal (com os inibidores da enzima conversora de angiotensina e os beta-bloqueadores) para IC avançada2. Para melhor avaliar as características da doença cardíaca terminal no Brasil, o Primeiro Registro Brasileiro de Insuficiência Cardíaca (I Brazilian Registry of Heart Failure - BREATHE registry) em andamento avaliará o perfil de 1.200 pacientes admitidos com IC descompensada em 60 hospitais representantes das diferentes regiões brasileiras3. Espera-se que os resultados finais do registro BREATHE estejam disponíveis nos próximos meses. A despeito das recentes melhoras na terapia médica, a IC avançada continua a apresentar um mau prognóstico; em séries contemporâneas de centros brasileiros, as taxas de mortalidade podem alcançar 30% a 50% no primeiro ano de doença4. Nesse contexto, alternativas terapêuticas tem sido intensamente investigadas na tentativa de melhorar os desfechos de pacientes com IC.
A regurgitação mitral (RM) é achado frequente em indivíduos com IC terminal5,6. Estudos observacionais revelaram que a maioria dos pacientes com IC e RM grave (≥ 3+) apresenta mais RM funcional (74%) do que degenerativa (21%)7. Embora a cirurgia seja a terapia padrão-ouro para pacientes com valvopatia mitral orgânica (i.e., degenerativa) associada a sintomas ou evidência de disfunção ventricular esquerda8, seu benefício para pacientes com RM secundária a disfunção ventricular subjacente (i.e., RM funcional) permanece incerto9. Portanto, indivíduos com RM funcional são com frequência encaminhados para manejo clínico isolado e apresentam mau prognóstico de longo prazo7.
Terapias percutâneas transcateter de válvula mitral, como anuloplastia direta e indireta, dispositivos de correção de folheto valvar e substituição valvar, recentemente surgiram como potenciais alternativas para pacientes com RM. Dentre as terapias transcateter para RM, o tratamento percutâneo 'edge-to-edge' com clip mitral (sistema MitraClip, Abbott Vascular, Abbott Park, Illinois, EUA) exibe a maior quantidade de dados disponíveis10. O procedimento mostrou-se consistentemente seguro, sendo acompanhado por eficiente redução da RM, remodelamento reverso do ventrículo esquerdo, e melhora dos sintomas na IC congestiva e da qualidade de vida dos pacientes com RM funcional ou degenerativa11,12. A implantação do sistema MitraClip já foi aprovado para uso comercial há muitos anos na Europa, mas apenas recentemente nos Estados Unidos. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já aprovou o sistema, que deve estar disponível em breve.
O único ensaio prospectivo, randomizado, controlado comparando a terapia MitraClip com cirurgia convencional principalmente para pacientes com RM orgânica (i.e., estudo EVEREST II) mostrou que o procedimento percutâneo apresentava segurança superior e semelhante melhora nos desfechos clínicos, embora a cirurgia leve a uma redução mais efetiva na magnitude da RM10. Atualmente há uma intensa investigação para esclarecer se as terapias envolvendo cateter podem ser oferecidas como estratégia minimamente invasiva também para pacientes com RM grave secundária a disfunção ventricular esquerda. Recentemente, estudos não randomizados incluindo pacientes de alto risco e com RM funcional confirmaram excelentes segurança e eficácia dos perfis de implantação de MitraClip em cenários clínicos mais complexos, contribuindo para refinar o entendimento do papel dessa nova terapia em pacientes com RM de diferentes etiologias13,14.
As terapias transcateter minimamente invasivas para corrigir (ou minimizar) RM funcional representam uma nova e promissora estratégia terapêutica para pacientes com IC avançada15. Não obstante seu potencial, o novo tratamento deve ser investigado com cuidado no contexto dos estudos especificamente desenhados com o objetivo de avaliar seu valor clínico para melhorar os desfechos clínicos de curto e longo prazo.