versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.83 no.4 São Paulo jul./ago. 2017
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2016.04.022
Tontura é um dos sintomas mais comuns da prática médica, com incidência de até 30% ao ano. Apesar de sua difícil abordagem, é possível chegar a um diagnóstico na maioria das vezes.1,2 As doenças vestibulares são as principais, com manifestação de queixa de tontura, e as mais comuns são a vertigem postural paroxística benigna (VPPB), a migrânea vestibular (MV), a doença de Menière e a neurite vestibular, em ordem decrescente de incidência.2
Migrânea é uma doença crônica multifatorial. Seu principal sintoma é a cefaleia, tipicamente unilateral, pulsátil, associada a foto e fonofobia, náuseas e vômitos.3,4 A associação entre cefaleia migranosa e vertigem é conhecida há muito tempo e ocorre com três vezes mais frequência do que se fosse ocasionada apenas pelo acaso.5 Em 1984, Kayan e Hood fizeram um grande estudo em que mostraram maior prevalência de sintomas otoneurológicos em pacientes com migrânea em relação àqueles com cefaleia tensional.6 A migrânea vestibular como uma entidade específica, no entanto, foi apenas recentemente descrita, em 1999, por Dieterich e Brandt,7 foi caracterizada pela associação de crises vertiginosas e de cefaleia migranosa. Até hoje, sua definição não é uniforme entre os autores. Critérios diagnósticos foram propostos por Neuhauser em 20018 e revisados em 2012 pela Bárány Society e pela Sociedade Internacional de Cefaleia (The International Headache Society - IHS)9 e incluídos na terceira versão da Classificação Internacional das Cefaleias - ICHD.10 A MV é aceita atualmente como uma causa frequente de vertigem episódica.
O tratamento da MV envolve duas situações: tratamento das crises e tratamento profilático. Para esse último, pode-se usar algum método de profilaxia.11,12 A recomendação atual é que se usem para a MV os mesmos medicamentos profiláticos usados para a migrânea, o que inclui os β-bloqueadores, antidepressivos e anticonvulsivantes.11-13
O objetivo deste trabalho foi avaliar a melhoria dos sintomas da MV (cefaleia e sintomas vestibulares) após profilaxia medicamentosa usada em pacientes com diagnóstico de MV atendidos em um ambulatório de MV pertencente à disciplina de otoneurologia.
Estudo observacional, longitudinal, retrospectivo, de revisão de prontuários. Foram avaliados os prontuários de todos os pacientes atendidos no ambulatório de migrânea vestibular da disciplina de otologia e otoneurologia do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Federal de São Paulo desde a sua criação, em fevereiro de 2011, até junho de 2013. O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas da Universidade Federal de São Paulo (código 19615313.13.5.0000.5505).
Os critérios diagnósticos para migrânea vestibular usados foram os propostos em 2012 pela Bárány Society e pela Sociedade Internacional de Cefaleia (The International Headache Society - IHD),9 incluídos na terceira versão da Classificação Internacional das Cefaleias - ICHD.10 Foram incluídos pacientes com "migrânea vestibular" e "migrânea vestibular provável". Como o ambulatório de migrânea vestibular da Universidade Federal de São Paulo foi criado em 2011, as informações dos prontuários foram individualmente revisadas e pacientes que preenchiam critérios de 2001 para MV mas não os novos critérios de 2012, ou que deixaram dúvidas a esse respeito, foram excluídos.
Devido à grande variação na literatura quanto aos termos usados em otoneurologia (tontura, vertigem etc.), optou-se por usar neste artigo os termos sugeridos pela "Classificação dos sintomas vestibulares", proposta pela Bárány Society, em 2009.14
Apesar de ter caráter assistencial, o ambulatório de migrânea vestibular foi criado com o intuito de entender melhor essa doença, que mesmo descrita recentemente, em 1999, já corresponde atualmente ao segundo diagnóstico mais frequente de doenças vestibulares. Participam do ambulatório os pacientes encaminhados pela otoneurologia que preencheram os critérios diagnósticos. Cada paciente tem um questionário padronizado a ser preenchido pelo examinador a cada consulta. Os pacientes do ambulatório são instados a responder, entre outras coisas, duas perguntas: "Você melhorou com o tratamento?" e "Dê uma nota de 0 a 10 para seus sintomas, na qual 0 é o mínimo, ou melhor possível, e 10 o máximo, ou pior possível". A cada consulta, os pacientes eram atendidos, pelo fluxo natural do ambulatório, por residentes ou fellows de otoneurologia, supervisionados por um único médico orientador.
Foram incluídos todos os prontuários de pacientes com migrânea vestibular e consideradas as seguintes informações:
- Dados epidemiológicos: nome, gênero, idade, profissão e naturalidade;
- Características clínicas da doença;
- História médica pregressa;
- Resultados dos tratamentos avaliados por meio da pergunta genérica "você melhorou?" e pela escala visual analógica (EVA).
Foram excluídos os prontuários dos pacientes com outro distúrbio causador de tontura e/ou cefaleia, os que não preenchiam critérios de 2012 para MV e aqueles com prontuários ilegíveis ou com informações incompletas ou divergentes.
Cada paciente foi avaliado por meio da EVA referente aos 30 dias anteriores ao tratamento profilático e EVA três meses após o início do tratamento profilático com diferentes medicamentos. A EVA era aplicada para o sintoma cefaleia e para os sintomas vestibulares (SV). Os sintomas vestibulares variam um pouco entre os pacientes. Alguns apresentam vertigem espontânea, outros vertigem posicional, outros sintomas vestíbulo-visuais. Por essa variação, esses sintomas foram agrupados em SV. A melhoria clínica foi determinada pela diferença entre esses escores, denominada resposta terapêutica. Em caso de necessidade de alteração no tratamento devido à falha, ou por efeitos adversos, ou mesmo por motivos financeiros, foi feita a substituição de medicamento ou a associação de um segundo. No ambulatório de MV, a escolha dos medicamentos é baseada no perfil do paciente. Indicam-se, por exemplo, antidepressivos para os que apresentam ansiedade e anti-hipertensivos para os que têm hipertensão arterial associada.
O tempo de três meses entre as intervenções (definição de melhoria/falha) foi decidido com base no fato de o efeito terapêutico das drogas iniciar após duas a quatro semanas e no fato de a doença ter períodos naturais de melhoria/pioria, pode um determinado mês apresentar mais ou menos crises pelo caráter episódico natural da doença, não por uma real melhoria/pioria. Todos os pacientes recebem a mesma orientação sobre o benefício de hábitos alimentares, higiene do sono e identificação e suspensão de gatilhos para enxaqueca e prática de atividades físicas.
Os valores de ganho pré e pós-tratamento foram comparados com o teste estatístico de Kruskall-Wallis. Outros testes estatísticos usados foram o de igualdade de proporções e o de correlação de Spearman. As diferenças foram consideradas estatisticamente significantes quando p < 0,05 em um intervalo de confiança de 95%.
Após análise de 88 prontuários de pacientes com diagnóstico de MV, foram mantidos 47 pelos critérios de inclusão e exclusão. O grupo estudado apresentou média de 45,9 anos (de 19 a 69) e tempo médio de sintomas de 10,8 anos para cefaleia e seis anos para sintomas vestibulares (SV). Devido ao caráter retrospectivo do estudo, algumas informações não foram identificadas no prontuário do paciente e não puderam ser resgatadas por telefone. Assim, alguns dados aparecem com um n diferente dos 47 (tabela 1). Houve predomínio de mulheres (93,6%) e quase um terço dos pacientes não apresentava comorbidade; entre os presentes, a hipertensão foi a mais prevalente (tabela 2).
Tabela 1 Idade e tempo de sintomas (anos) em pacientes com MV
Idade | Tempo cefaleia | Tempo de SV | |
---|---|---|---|
Média | 45,9 | 10,8 | 6,0 |
Mediana | 47,5 | 7,0 | 4,0 |
Desvio padrão | 10,9 | 11,0 | 6,5 |
Mínima | 19 | 1,0 | 0,3 |
Máxima | 69 | 50 | 30 |
n | 46 | 46 | 47 |
MV, migrânea vestibular; SV, sintomas vestibulares.
Tabela 2 Comorbidades em pacientes com MV
Doença | N | % |
---|---|---|
Nenhuma | 15 | 31,9 |
HAS | 15 | 31,9 |
DM | 2 | 4,3 |
Dislipidemia | 9 | 19,1 |
Epilepsia | 2 | 4,3 |
Hipotireoidismo | 6 | 12,8 |
Ansiedade/depressão | 8 | 17,0 |
Outras | 14 | 29,8 |
DM, diabete melito; HAS, hipertensão arterial sistêmica; MV, migrânea vestibular.
A maioria dos 47 pacientes (80,9%) referiu ter apresentado melhoria com os diversos medicamentos profiláticos usados (tabela 3), com diferença estatisticamente significante (p < 0,001) em relação aos que afirmaram não ter melhorado.
Tabela 3 Melhoria clínica dos pacientes com MV
Melhorou? | Sim | p | |
---|---|---|---|
N | % | ||
Amitriptilina 25 | 10 | 76,9% | 0,006 |
Amitriptilina 50 | 2 | 100% | 0,046 |
Flunarizina 10 | 10 | 90,9% | < 0,001 |
Nortriptilina 50 | 1 | 100% | a |
Propranolol 40 | 2 | 66,7% | 0,083 |
Propranolol 80 | 4 | 100% | 0,005 |
Topiramato 100 | 4 | 57,1% | 0,094 |
Topiramato 200 | 1 | 100% | a |
Valproato 1000 | 1 | 100% | a |
Valproato 500 | 2 | 66,7% | 0,083 |
Venlafaxina 75 | 1 | 100% | a |
Geral | 38 | 80,9% | < 0,001 |
MV, migrânea vestibular.
ap não calculado devido a pequeno n.
Ao se avaliarem quantitativamente, os valores de EVA para cefaleia e para sintomas vestibulares foram menores no período pós-tratamento, o que corrobora o achado qualitativo de que houve melhoria clínica (tabelas 4 e 5). O conjunto dos pacientes apresentou melhoria para ambos os sintomas, com diferença estatisticamente significante (p < 0,001).
Tabela 4 Valores obtidos na escala visual analógica para cefaleia, antes e após uso de medicamento profilático, de acordo com a droga usada em pacientes com MV
Cefaleia pré | Cefaleia pós | p | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Profilaxia | Média | N | Média | n | ||
Amitriptilina 25 | 7,54 | 13 | 2,82 | 11 | < 0,001 | |
Amitriptilina 50 | 6,00 | 2 | 4,00 | 2 | 0,317 | |
Flunarizina 10 | 7,73 | 11 | 3,22 | 9 | 0,002 | |
Nortriptilina 50 | 8,00 | 1 | 3,00 | 1 | 0,317 | |
Propranolol 40 | 6,00 | 3 | 3,00 | 3 | 0,178 | |
Propranolol 80 | 8,75 | 4 | 4,00 | 4 | 0,015 | |
Topiramato 100 | 8,71 | 7 | 4,33 | 6 | 0,002 | |
Topiramato 200 | 10,00 | 1 | 8,00 | 1 | 0,317 | |
Valproato 1000 | 7,00 | 1 | 0,00 | 1 | 0,317 | |
Valproato 500 | 9,00 | 2 | 3,00 | 2 | 0,121 | |
Venlafaxina 75 | 10,00 | 1 | 0,00 | 1 | 0,317 | |
Geral | 7,87 | 46 | 3,32 | 41 | < 0,001 |
MV, migrânea vestibular.
Tabela 5 Valores obtidos na escala visual analógica para sintomas vestibulares, antes e após uso de medicamento profilático, de acordo com a droga usada em pacientes com MV
SV pré | SV pós | p | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Profilaxia | Média | N | Média | n | ||
Amitriptilina 25 | 6,38 | 13 | 2,55 | 11 | 0,001 | |
Amitriptilina 50 | 6,50 | 2 | 2,50 | 2 | 0,221 | |
Flunarizina 10 | 6,82 | 11 | 4,56 | 9 | 0,050 | |
Nortriptilina 50 | 8,00 | 1 | 2,00 | 1 | 0,317 | |
Propranolol 40 | 6,33 | 3 | 4,00 | 3 | 0,197 | |
Propranolol 80 | 7,75 | 4 | 3,25 | 4 | 0,034 | |
Topiramato 100 | 8,29 | 7 | 3,33 | 6 | 0,006 | |
Topiramato 200 | 7,00 | 1 | 0,00 | 1 | 0,317 | |
Valproato 1000 | 5,00 | 1 | 0,00 | 1 | 0,317 | |
Valproato 500 | 7,50 | 2 | 2,00 | 2 | 0,121 | |
Venlafaxina 75 | 10,00 | 1 | 0,00 | 1 | 0,317 | |
Geral | 7,04 | 46 | 3,05 | 41 | < 0,001 |
MV, migrânea vestibular; SV, sintomas vestibulares.
O quanto cada medicação profilática amenizou os sintomas dos pacientes, calculado pela diferença entre EVA pré e EVA pós-tratamento (resposta terapêutica), também evidenciou melhoria (tabela 6). Ao comparar cada valor de resposta terapêutica obtida com cada profilaxia usada, exclusive os casos de medicamentos administrados apenas em um ou dois indivíduos, percebemos que não houve diferença estatisticamente significante entre as diferentes medicações (tabela 7).
Tabela 6 Resposta terapêutica avaliada por meio da variação média de EVA após tratamento profilático para pacientes com MV
Cefaleia | SV | ||||
---|---|---|---|---|---|
Profilaxia | Média | N | Média | n | |
Amitriptilina 25 | -4,82 | 11 | -4,00 | 11 | |
Amitriptilina 50 | -2,00 | 2 | -4,00 | 2 | |
Flunarizina 10 | -4,33 | 9 | -2,56 | 9 | |
Nortriptilina 50 | -5,00 | 1 | -6,00 | 1 | |
Propranolol 40 | -3,00 | 3 | -2,33 | 3 | |
Propranolol 80 | -4,75 | 4 | -4,50 | 4 | |
Topiramato 100 | -4,50 | 6 | -5,00 | 6 | |
Topiramato 200 | -2,00 | 1 | -7,00 | 1 | |
Valproato 1000 | -7,00 | 1 | -5,00 | 1 | |
Valproato 500 | -6,00 | 1 | -6,00 | 1 | |
Venlafaxina 75 | -10,00 | 1 | -10,00 | 1 | |
Geral | -4,53 | 40 | -4,10 | 40 |
EVA, escala visual analógica; MV, migrânea vestibular; SV, sintomas vestibulares.
Tabela 7 Resposta terapêutica avaliada por meio da variação média de EVA após tratamento profilático para pacientes com MV por medicamento usado
Cefaleia | SV | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Profilaxia | Média | N | p | Média | N | p | |
Amitriptilina 25 | -4,82 | 11 | 0,977 | -4,00 | 11 | 0,608 | |
Flunarizina 10 | -4,33 | 9 | -2,56 | 9 | |||
Propranolol 40 | -3,00 | 3 | -2,33 | 3 | |||
Propranolol 80 | -4,75 | 4 | -4,50 | 4 | |||
Topiramato 100 | -4,50 | 6 | -5,00 | 6 | |||
Geral | -4,53 | 40 | -4,10 | 40 |
EVA, escala visual analógica; MV, migrânea vestibular; SV, sintomas vestibulares.
Com o teste de correlação de Spearman foi possível saber se houve relação entre o quanto o paciente melhorou (resposta terapêutica) e o tempo em que apresentava sintomas. Não houve relação estatisticamente significante para qualquer grupo de medicamentos, mas, no grupo geral, houve uma relação diretamente proporcional e significativamente estatística (p = 0,037) entre o tempo de tontura relatado pelo paciente e a resposta terapêutica observada para os SV, como visto na tabela 8.
Tabela 8 Correlação estatística entre a resposta terapêutica avaliada por meio da EVA após tratamento profilático para pacientes com MV e tempo dos sintomas (cefaleia e SV)
Profilaxia | Tempo de cefaleia | Tempo de SV | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Corr (r) | p | Corr (r) | p | |||
Amitriptilina 25 | Dor | -10,4% | 0,761 | -12,3% | 0,719 | |
SV | 11,5% | 0,735 | 48,4% | 0,132 | ||
Flunarizina 10 | Dor | 47,0% | 0,202 | 45,3% | 0,221 | |
SV | -61,4% | 0,079 | 9,3% | 0,812 | ||
Propranolol 40 | Dor | 50,0% | 0,667 | 100,0% | - | |
SV | 0,0% | 1,000 | 86,6% | 0,333 | ||
Propranolol 80 | Dor | 100,0% | - | 100,0% | - | |
SV | -100,0% | - | 33,3% | 0,667 | ||
Topiramato 100 | Dor | 77,0% | 0,073 | 77,0% | 0,073 | |
SV | 35,3% | 0,493 | 35,3% | 0,493 | ||
Geral | Dor | 23,5% | 0,150 | 30,4% | 0,056 | |
SV | 14,8% | 0,368 | 33,1% | 0,037 |
EVA, escala visual analógica; MV, migrânea vestibular; SV, sintomas vestibulares.
O grupo de hipertensos que usou β-bloqueadores como profilático para migrânea vestibular e o grupo de ansiosos/deprimidos que usou antidepressivos, no entanto, não apresentaram vantagem com significância estatística ao usar esses grupos de drogas em relação aos que usaram outras drogas (tabelas 9 e 10).
Tabela 9 Comparação entre resposta terapêutica medida por meio da variação de EVA para hipertensos com profilaxia medicamentosa com β-bloqueador e para hipertensos com demais drogas
Droga | Ganho para dor | Ganho para SV | |||
---|---|---|---|---|---|
Outras | Propranolol 40 | Outras | Propranolol 40 | ||
Média | -4,20 | -3,50 | -4,60 | -3,50 | |
n | 10 | 2 | 10 | 2 | |
p | 0,914 | 0,746 |
EVA, escala visual analógica; SV, sintomas vestibulares.
Tabela 10 Comparação entre ganho de EVA para ansiosos com profilaxia medicamentosa com antidepressivos e EVA para ansiosos com demais drogas
Ansiedade | Ganho para dor | Ganho para SV | |||
---|---|---|---|---|---|
Outras | Antidepressivos | Outras | Antidepressivos | ||
Média | -3,67 | -10,00 | -4,17 | -5,00 | |
n | 6 | 1 | 6 | 1 | |
p | 0,094 | 1,000 |
EVA, escala visual analogical; SV, sintomas vestibulares.
Não foi observada diferença estatisticamente significativa entre as respostas terapêuticas obtidas com os três esquemas de tratamento diferentes usados: uma medicação, uma medicação após substituição da primeira por falha e associação de dois medicamentos (tabela 11).
Tabela 11 Comparação entre as respostas terapêuticas medidas por meio da EVA entre os três esquemas de tratamento usados: um medicamento, um medicamento substituto pós-falha do primeiro e associação de dois medicamentos
Esquema | Média | n | p | |
---|---|---|---|---|
Resposta terapêutica para cefaleia | Um medicamento | -4,53 | 41 | 0,174 |
Um medicamento substituto | -3,50 | 15 | ||
Associação de dois medicamentos | -2,50 | 7 | ||
Resposta terapêutica para SV | Um medicamento | -4,10 | 41 | 0,093 |
Um medicamento substituto | -2,21 | 15 | ||
Associação de dois medicamentos | -4,67 | 7 |
EVA, escala visual analogical; SV, sintomas vestibulares.
A MV apresenta predomínio entre pacientes do gênero feminino de 1,5 a 5:1 e pode ocorrer em qualquer idade e a cefaleia costuma preceder os sintomas vestibulares na maioria dos pacientes.7,15 O mesmo foi observado nesta amostra, com 93,6% de mulheres, média de 45,9 anos e tempo médio de cefaleia superior ao tempo médio de sintomas vestibulares (tabela 1).
O benefício da profilaxia medicamentosa para MV ainda representa um vasto campo de estudo. No geral, aceita-se que o tratamento profilático para MV é eficaz, mas não há estudos duplo-cegos randomizados que comparem os diferentes tratamentos.12,13 Devido à recente descrição da MV, apenas trabalhos sobre migrânea associada a tontura ou desequilíbrio puderam ser encontrados na literatura. Reploeg e Goebel relataram 72% de pacientes com melhoria dos sintomas de vertigem e desequilíbrio após tratamento profilático.16 Resultado semelhante foi observado neste estudo, no qual 80,9% dos pacientes referiram melhoria com os diversos medicamentos profiláticos usados (tabela 3).
Não foram encontrados estudos que comparassem grupos de medicamentos profiláticos em pacientes com critérios diagnósticos para MV. Mesmo artigos de revisão sobre esse tema não conseguiram chegar a conclusões sobre qual a melhor opção medicamentosa para profilaxia.12,13,17
A resposta terapêutica de doenças episódicas, como a doença de Menière ou a migrânea vestibular, é algo mais difícil de ser estudado, devido à flutuação natural da doença. Uma melhoria após um mês, por exemplo, pode ocorrer devido a um período natural assintomático, em vez de um efeito terapêutico de alguma intervenção. Quanto maior o período de avaliação, mais fidedigna será a resposta terapêutica. O período de três meses escolhido no presente estudo foi de modo empírico, respeitou as duas a quatro semanas mínimas de início de ação dos medicamentos e acrescentou mais dois meses. Períodos maiores do que os três meses poderiam gerar uma menor adesão ao tratamento por parte dos pacientes.
No presente estudo, observou-se que há benefício com o tratamento medicamentoso para profilaxia da MV também de forma quantitativa, com o uso da EVA. Apesar das imperfeições desse método de avaliação, há algumas suspeitas. Houve melhoria da cefaleia e dos SV de forma estatisticamente significante, porém algumas drogas, isoladamente, apresentaram melhoria sem diferença significante. Doses diárias de amitriptilina 25 mg, flunarizina 10 mg, propranolol 80 mg e topiramato 100 mg apresentaram melhoria com diferença estatisticamente significante. Vale salientar que isso ocorreu igualmente, tanto para o sintoma cefaleia quanto para os SV, e, da mesma forma, as drogas que não mostraram diferença estatística para melhoria dos sintomas vestibulares foram as mesmas que não mostraram para o sintoma cefaleia.
A melhoria sem significância estatística observada para amitriptilina 50 mg e topiramato 200 mg, apesar de doses menores terem apresentado melhoria significante, deve ter ocorrido devido ao fato de que elas foram usadas justamente nos pacientes que não melhoraram com as doses menores, ou seja, eram pacientes com sintomas refratários, apesar da pequena amostra de pacientes. Já para a nortriptilina 50 mg, valproato 500 mg e 1.000 mg e venlafaxina 75 mg, o baixo número de pacientes na amostra pode ter sido responsável pela melhoria não significante. Finalmente, o propranolol parece necessitar de uma dose maior (80 mg/dia) para apresentar melhoria.
A mudança positiva dos valores de EVA não ocorreu de maneira diferente entre os diferentes medicamentos usados (tabela 7). Isso pode ser encarado como um bom resultado, pois todos os medicamentos levaram a uma melhoria percebida pelo paciente de forma subjetiva, tanto para o sintoma cefaleia quanto para os SV. Permanece, no entanto, a dificuldade de escolher a melhor opção para os diferentes pacientes com MV, mantém-se a escolha de acordo com possíveis contraindicações ou interações com outros medicamentos que o pacientes já faça uso, para aprimorar a farmacoterapia do paciente.
A relação temporal entre tontura e migrânea não influenciou a eficiência do tratamento profilático, segundo estudo de Bikhasi et al.18 Neste estudo, no entanto, foi percebida uma relação positiva entre tempo de tontura e resposta terapêutica para tontura com significância estatística (p = 0,037). O tempo de tontura mostrou ainda uma tendência à relação negativa para a resposta terapêutica da cefaleia (p = 0,056). Isso mostra que quanto maior o tempo de SV apresentado pelo paciente, melhor a resposta terapêutica proporcionada pela terapia profilática medicamentosa. Estudos específicos sobre o assunto precisam ser feitos para responder melhor à pergunta "o tempo de sintoma vestibular influencia na eficácia de sua profilaxia medicamentosa?"
A escolha do medicamento profilático é baseada no perfil ou na comorbidade do paciente (antidepressivo no grupo de pacientes com diagnóstico de ansiedade, por exemplo), sem particular vantagem de um grupo de medicamentos sobre outros.11,13,17 Na atual amostra, o grupo de hipertensos que usou betabloqueadores como profilático para MV e o grupo de pacientes ansiosos/deprimidos que usaram antidepressivos não apresentaram vantagem com significância estatística ao se usarem esses grupos de drogas em relação aos que usaram outros medicamentos. Isso não invalida as atuais recomendações quanto à escolha do medicamento profilático. No entanto, levanta a suspeita (dado o pequeno tamanho desta amostra) de que não haja particular vantagem na melhoria dos sintomas da MV. Naturalmente que, no contexto do uso racional de medicamentos, é mais apropriado usar uma única droga que faça efeito para duas comorbidades do paciente do que a administração de uma droga para cada doença.
Apesar de o grupo de pacientes com substituição de medicamento e associação de medicamento ao esquema inicial ter sido pequeno, o que impediu um estudo mais detalhado, a ausência de diferença estatística entre os grupos de pacientes que necessitaram mudar a droga profilática usada corrobora as atuais recomendações de que, nesse caso, não há grupo de medicamentos melhor do que o outro, mesmo quando usados na forma de associação.
Os medicamentos profiláticos usados no tratamento da MV parecem melhorar os sintomas dessa doença. Não há grupo de medicamentos profiláticos que apresente melhores resultados que os outros. Quanto maior o tempo de SV apresentado pelo paciente, melhor será a resposta terapêutica aos medicamentos profiláticos usados. Não há vantagem adicional, além do aprimoramento da farmacoterapia, em relação à redução da cefaleia e dos SV ao se usarem antidepressivos em pacientes com diagnóstico de depressão ou medicamentos anti-hipertensivos para aqueles com diagnóstico de HAS.