Compartilhar

Trauma torácico: análise de 100 casos consecutivos

Trauma torácico: análise de 100 casos consecutivos

Autores:

Maíra Benito Scapolan,
Nathália Lins Pontes Vieira,
Silvia Stiefano Nitrini,
Roberto Saad Junior,
Roberto Gonçalves,
Jacqueline Arantes Giannini Perlingeiro,
Jorge Henrique Rivaben

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.8 no.3 São Paulo jul./set. 2010

http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082010ao1532

INTRODUÇÃO

O trauma torácico corresponde a 25% das mortes em politraumatizados(1). A mortalidade é alta, porém 85% das vítimas de trauma de tórax podem ser assistidos adequadamente apenas com suporte ventilatório, analgesia e drenagem de tórax(2). A classificação das lesões de tórax restringe-se basicamente a traumas fechados ou penetrantes, sendo esses últimos divididos em ferimentos por arma branca e de fogo. O sucesso no atendimento a esses pacientes depende da identificação dos tipos de lesão e de uma conduta adequada, que apesar de simples, é decisiva para a sobrevida do paciente.

OBJETIVO

Analisar os traumas torácicos atendidos pelo Serviço de Emergência do Pronto-Socorro Central do Hospital da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP) em conjunto com a Disciplina de Cirurgia do Tórax da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP) a partir da análise de cem casos consecutivos.

MÉTODOS

Foi elaborado um Protocolo de Trauma Torácico, o qual foi completado com dados retirados de prontuários de cem pacientes atendidos no ano de 2006, ao longo de seis meses, no Serviço de Emergência da ISCMSP. Esse protocolo continha os seguintes itens: identificação, mecanismo de trauma, exame físico geral e específico, exame radiológico, conduta inicial, tratamento, lesões associadas, ventilação mecânica, diagnóstico e evolução. De acordo com essas informações, os pacientes foram divididos em três grupos, respeitando a classificação proposta por Saad Jr. et al.(3). O Grupo I abrangia os pacientes instáveis; o Grupo II, os doentes estáveis cuja drenagem de tórax apresentavase como o tratamento definitivo; e Grupo III continha os doentes estáveis cuja drenagem de tórax não era o tratamento definitivo. Foi utilizado também o Escore Revisado de Trauma (RTS), amplamente empregado na triagem pré-hospitalar, para avaliar a gravidade da lesão desses pacientes e calcular a taxa de sobrevida a partir dos parâmetros fisiológicos da pressão sanguínea sistólica, frequência respiratória e a Escala de Coma de Glasgow(4). Assim, foi possível tabular os dados e analisá-los, para obter as frequências dos tipos de lesões e suas apresentações, e comparar com a sobrevida esperada e entre os grupos de classificação.

RESULTADOS

Na análise dos casos, pôde-se perceber prevalência do sexo masculino, na faixa etária de 20 a 29 anos. Em relação aos tipos de lesões, obtiveram-se 44% de traumas fechados e 56% de traumas penetrantes, sendo que, dentro destes, 78,6% eram por arma branca e 21,4% por arma de fogo. Quanto à localização das lesões: 70% eram torácicas (incluindo fraturas de arcos costais, feridas cardíacas, contusão pulmonar, hemotórax e pneumotórax), 23% localizavam-se na transição toracoabdominal e 7% na região precordial. Os achados associados mais comuns em traumas torácicos fechados foram as fraturas de arcos costais. Além disso, foi frequente o politrauma, apresentando as fraturas de membros (Figura 1) como principal fator simultâneo ao trauma torácico. Em casos de injúrias penetrantes, o hemotórax destacou-se com maior predominância, quase sempre associado ao pneumotórax (Figura 2). Dos pacientes com ferimentos toracoabdominais, 22,7% se encontravam instáveis e 77,3%, estáveis. Daqueles com ferimentos precordiais, 75,0% se encontravam instáveis e 25,0%, estáveis. Dos indivíduos com lesões toracoabdominais, 40,9% apresentavam lesões diafragmáticas e todos eram estáveis. Já dos que possuíam ferimentos precordiais, 37,5% apresentavam lesões cardíacas, das quais 66,7% eram estáveis e 33,3%, instáveis (Tabela 1). De maneira geral, segundo a classificação proposta por Saad Jr. et al.(3), os pacientes do estudo apresentaram a seguinte distribuição entre os três grupos: 24 pacientes no Grupo I, 36 no Grupo II, e 40 no III. Considerando as lesões da região de transição toracoabdominal, os ferimentos diafragmáticos foram os mais frequentes (23%), seguidos dos exclusivos de tórax – como pneumotórax e hemotórax (22%) –, de fígado (15%) e estômago (11%). Quanto às cirurgias e aos procedimentos realizados, a drenagem de tórax foi o mais frequente. Correspondendo a 50% das cirurgias, foi realizada em 71% dos pacientes. As outras cirurgias mais frequentes nesse grupo estudado foram: esplenectomia, hepatorrafia, frenorrafia, cardiorrafia, gastrorrafia, reparo vascular e craniotomia. Além disso, 16% dos pacientes não foram submetidos a qualquer procedimento (Tabela 2). A taxa de mortalidade do grupo foi de 8,3%. O valor do RTS médio calculado foi 6,571, o que corresponde a uma taxa de sobrevida de aproximadamente 95%.

Figura 1 Lesões associadas a traumas torácicos fechados 

Figura 2 Lesões associadas a traumas torácicos fechados 

Tabela 1 Porcentagens de ferimentos torácicos relacionados à instabilidade clínica dos pacientes que os apresentaram durante o período de duração do estudo 

Ferimentos Estáveis (%) Instáveis (%)
Toracoabdominais 77,3 22,7
Precordiais 25 75
Diafragmáticos 40,9 0
Cardíacos 66,7 34,4

Tabela 2 Porcentagens de pacientes nos quais foram efetuados os diferentes tipo de cirurgias realizadas durante o período de duração do estudo 

Cirurgias Pacientes (%)
Drenagem 71
Frenorrafia 14
Hepatorrafia 6
Esplenectomia 5
Craniotomia 5
Cardiorrafia 4
Gastrorrafia 4
Reparo vascular 4
Nenhuma 16
Outras 13

DISCUSSÃO

O perfil epidemiológico das vítimas de trauma de tórax analisadas se mostrou coerente ao apresentado na literatura para todos os tipos de trauma, sendo ele: jovem, entre 20 e 29 anos, e do sexo masculino. A surpresa está na maior incidência de traumas penetrantes principalmente por armas brancas, contrariando a expectativa de um grande número de vítimas por arma de fogo. As lesões associadas foram mais comuns entre os ferimentos fechados, por envolverem mecanismos de trauma com alta energia, geralmente relacionadas a pacientes com politraumas. Nos ferimentos por arma de fogo, são criadas duas cavidades: uma permanente, visível ao exame, e uma temporária que dura apenas alguns segundos, devido ao deslocamento de massa resultante da dissipação da energia proveniente do projétil. Já os ferimentos penetrantes por arma branca apresentam um mecanismo local, causando lesões apenas na área atingida, sem criar essa cavidade temporária. Sendo assim, os ferimentos por arma branca resultam principalmente em hemotórax e pneumotórax, surgindo simultaneamente em muitos dos casos(5).

As lesões diafragmáticas apresentaram frequência maior do que a descrita em literatura(6,7). Em sua totalidade, os pacientes eram estáveis, apesar da gravidade de seus ferimentos. Isto pode ser atribuído a alta incidência de lesões por arma branca, tornando a lesão mais localizada e com menor efeito sistêmico, pois a lesão isolada de diafragma não causa efeitos graves. Os eventos geralmente associados a esta lesão podem levar a um desequilíbrio hemodinâmico e respiratório imediato, como a redução do débito cardíaco e a formação de pneumotórax hipertensivo(8,9).

O mesmo pode ser dito sobre os pacientes com lesões cardíacas, que em sua maioria apresentaram-se como estáveis(10). A predominância de casos de trauma penetrante exclusivamente em região torácica fez com que a maioria desses pacientes fosse submetida à drenagem. Em muitos, essa foi a forma de tratamento definitivo, fazendo com que houvesse um maior número de casos no Grupo II da classificação de Saad Jr. et al.(3), indicando a existência de traumas menos complexos, mais localizados e de tratamento menos agressivo e mais efetivo(4). No entanto, o Grupo I, dos pacientes graves, mostrou-se maior do que o esperado, visto que concentrava os casos com alto número de lesões associadas.

Outro procedimento muito frequente neste estudo foi a frenorrafia, principalmente devido à alta prevalência de lesões diafragmáticas. Quanto ao RTS, o valor calculado revelou, de acordo com a literatura, uma probabilidade de sobrevida de aproximadamente 95%. Neste estudo, os pacientes revelaram uma sobrevida de 91,7%. A discreta diferença da Probabilidade de Sobrevida calculada e a Sobrevida Real encontrada está relacionada ao fato de que havia indivíduos muito críticos (normalmente os politraumatizados) destoantes da maioria dos pacientes que se encontrava no Grupo II da classificação de Saad Jr. et al.(3) Sendo assim, vale ressaltar que o RTS calculado apenas nos pacientes que apresentavam lesões associadas graves revelou uma probabilidade de sobrevida menor, o que justifica o desvio da probabilidade. Os altos valores de sobrevida se explicam pela baixa incidência de lesões associadas nos casos estudados. A maior parte desses traumas acomete o pulmão, órgão provido de mecanismos próprios de cicatrização e drenagem, geradores de uma resolutividade efetiva pós-traumática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi interessante destacar o aumento dos ferimentos por arma branca. A alta taxa de sobrevida mostrouse associada ao limitado número de casos com lesões extratorácicas, sendo estes responsáveis pelo Grupo I de acordo com a classificação Saad Jr. et al(3). Entre os ferimentos da zona de transição, predominaram os casos estáveis e houve uma alta frequência de lesões diafragmáticas. Quanto aos ferimentos precordiais, verificou-se a mesma tendência quanto à estabilidade entre as lesões cardíacas. A drenagem torácica foi o procedimento mais realizado, confirmando a maior prevalência de casos que se classificam como do Grupo II, seguido da frenorrafia devido ao alto índice de lesões diafragmáticas. Os dados encontrados são importantes no aspecto de se acentuar à equipe multidisciplinar de atendimento em Serviços de Emergência a relevância da análise dos tipos de lesões e busca de ferimentos associados ao trauma torácico, de acordo com o perfil do paciente atendido. A análise de estudos consecutivos em diversos Serviços de Atendimento em Emergência confirmará a importância da sistematização do atendimento ao trauma torácico, bem como contribuirá para o replanejamento de ações no atendimento à vítima de causas externas torácicas dentro do atendimento multidisciplinar, no intuito sempre de se elevar a taxa de sobrevida do paciente.

Espera-se que este estudo possa fornecer subsídios para aqueles que trabalham em Serviço de Emergência e Pronto-Socorro refletirem acerca das lesões torácicas mais prevalentes em cada Serviço e suas comorbidades associadas, bem como contribuir para o planejamento de ações no atendimento à vítima de causas externas torácicas dentro do atendimento emergencial multidisciplinar.

CONCLUSÃO

Foi possível traçar um perfil de pacientes com trauma torácico e a apresentação das suas lesões, assim como projetar a sua sobrevida por meio de escores de trauma. O paciente de trauma torácico mais frequentemente encontrado neste estudo foi homem com idade entre 20 e 29 anos, com ferimento penetrante por arma branca, estável, apresentando principalmente hemotórax sem lesões associadas e com alta probabilidade de sobrevida.

REFERÊNCIAS

1. Mesquita Filho M, Jorge MHPM. Características da morbidade por causas externas em serviços de urgência. Rev Bras Epidemiol. 2007;10(4):579-91.
2. Giannini JA, Soldá SC, Saad Jr R. Trauma de tórax. In: Coimbra RSM, Soldá SC, Casarole AA, Rasslan S. Emergências traumáticas e não traumáticas. São Paulo: Ateneu; 2001. p.57-69.
3. Saad Jr R, Botter M, Giannini JA, Dorgan Neto V. Trauma de tórax: lesões viscerais graves e doentes estáveis. Rev Col. Bras Cir. 1997. 24:168.
4. Natta TLV, Morris Jr JA. Escores de lesões e desfechos em trauma. In: Mattox KL, Feliciano DV, Moore EE. Trauma. 4a ed. São Paulo: Revinter; 2005. p. 69-78.
5. Norman E, Mcswain JR. Cinemática do trauma. In: Mattox KL, Feliciano DV, Moore EE. Trauma. 4a ed. São Paulo: Revinter; 2005. p. 127-51.
6. Friese RS, Coln E, Gentilello L. Laparoscopy is sufficient to exclude occult diaphragm injury after penetrating abdominal trauma. J Trauma. 2005;58(4):789-92.
7. Leppaniemi A, Haapiainen R. Occult diaphragmatic injuries caused by stab wounds. J Trauma. 2003;55(4):646-50.
8. Asensio JA, Demetriades D, Rodriguez A. Lesões ao diafragma. In: Mattox KL, Feliciano DV, Moore EE. Trauma. 4a ed. São Paulo: Revinter; 2005. p. 603-32.
9. Gonçalves R. Análise da evolução natural das feridas pérfuro-cortantes equivalentes a 30% do diafragma esquerdo. Estudo experimental em ratos [tese]. São Paulo: Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; 2008.
10. Coimbra RSM, Pinto MCC, Razuk Filho A, Aguiar JR, Rasslan S. Penetrating cardiac wounds: predictive value of trauma indices and the necessity of terminology standardization. Am Surgeon. 1995;61(5):448-52.