versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.110 no.4 São Paulo abr. 2018
https://doi.org/10.5935/abc.20180068
As síndromes coronárias agudas (SCA) e, em especial, o infarto agudo do miocárdio (IAM) matam e/ou incapacitam um número elevado de pessoas no mundo todo. Apesar de nem todo paciente pós-IAM cursar com disfunção ventricular, a insuficiência cardíaca pós-evento ainda apresenta prevalência elevada1,2 sendo um problema de saúde pública. Um vasto arsenal medicamentoso, comumente associado a procedimentos de revascularização, compõe a base do tratamento pós-SCA, mas diferentes estratégias não farmacológicas têm se mostrado úteis. Nesse particular, o treinamento físico é indicado,3 e os programas de reabilitação cardíaca comumente mesclam o treinamento aeróbico com o resistido, ambos aliados aos exercícios de flexibilidade/alongamento.
No entanto, não existe “receita de bolo” para prescrição do exercício após um evento coronário agudo. É minha opinião que o uso do receituário do cardiologista deve contemplar o exercício como o faz com um remédio. Em outras palavras, o treinamento físico e o uso das drogas de ação cardiovascular devem ser prescritos levando em consideração diferentes aspectos, tais como dose, intervalo, intensidade e até mesmo potenciais efeitos colaterais. No que diz respeito ao treinamento físico , um verdadeiro “boom” de diferentes modelos vêm sendo aplicados à saúde. Pilates, Tai Chi Chuan, treinamento funcional, crossfit, treinamento intervalado de alta intensidade (TIAI), entre outros, pululam nas academias e centros físicos do país, sendo aplicados primeiramente para pessoas aparentemente saudáveis. Com o passar do tempo, alguns experimentos começaram a ser realizados em animais de laboratório e em indivíduos com doenças cardiovasculares.4-7 O TIAI (do inglês “HIIT”) é um método inicialmente proposto para patinadores olímpicos japoneses por Izumi Tabata. Hoje em dia, é predominantemente realizado com intervalos de um a quatro minutos de maior intensidade em carga submáxima elevada, alternadamente com intervalos de baixa a moderada intensidade. Ensaios clínicos randomizados com pequeno tamanho amostral sugerem uma possível superioridade do método em aumentar o consumo de oxigênio de pico (VO2 pico) quando comparado ao treinamento contínuo convencional. Por suas peculiaridades e resultados, virou uma “febre” mundo afora, mas a literatura internacional continua sendo limitada em relação ao seu impacto em pacientes cardiopatas isquêmicos e, particularmente, pós-IAM.4,8,9
Neste número dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, Winter et al.,10 apresentam informações sobre a repercussão do TIAI sobre a capacidade funcional e a função ventricular de 29 ratos Wistar após IAM. No vigésimo primeiro dia depois do evento, uma amostra foi randomizada, sendo 10 controles, 9 para treinamento contínuo e 10 para TIAI. É importante salientar que todos os ratos apresentavam fração de ejeção maior ou igual do que 50%, ou seja, sem disfunção ventricular. Primordialmente, os autores não encontraram diferença ecocardiográfica intragrupos e intergrupos pré- e pós-treinamento nos ratos randomizados para treinamento contínuo, assim como para o TIAI. Eles sugerem que os dois métodos são capazes de produzir efeito de treinamento (aumento na capacidade funcional) sem alterar a função ventricular (remodelamento). A partir dessa informação a seguinte pergunta poderia ser feita: seres humanos pós-IAM recente e sem disfunção ventricular podem ser expostos a esse tipo de treinamento?
Em um estudo clássico, Wisloff et al.,5 avaliaram três grupos de pacientes idosos com insuficiência cardíaca e fração de ejeção reduzida (ICFER), estáveis clinicamente, todos pós-IAM há mais de um ano. Os sujeitos foram randomizados para grupo controle, treinamento contínuo moderado (TCM) e TIAI.5 Àqueles arrolados para o TIAI apresentaram melhora no VO2 pico, no remodelamento do ventrículo esquerdo, reversão da disfunção endotelial e redução do peptídeo natriurético cerebral (BNP) quando comparados ao TCM. Ainda, uma metanálise composta de 160 pacientes mostrou que o treinamento intervalado (não necessariamente de alta intensidade) aumentou o VO2 pico em pacientes com ICFER.11 Da mesma forma, em uma metanálise com 230 pacientes, Elliott et al.,12 relataram que o treinamento intervalado parece promover aumento no VO2 pico em pacientes com doença arterial coronária estável.12
Ao longo dos últimos anos, diferentes estratégias emergiram como opções interessantes a serem utilizadas nos programas de reabilitação cardíaca pós-IAM recente, sendo o Tai Chi Chuan um exemplo13 Em última análise, toda e qualquer intervenção deve ser usada para auxiliar o paciente em sua recuperação, reduzindo a morbidade, aumentando a funcionalidade e, quando possível, prolongado a sobrevida. Em relação à aplicabilidade do TIAI em pacientes estáveis no cenário pós-IAM recente, especula-se que o método seja capaz de melhorar o VO2 pico, um importante marcador prognóstico. Aliás, no mundo dos stents coronarianos e considerando que um número expressivo de pacientes cursa com miocárdio preservado pós-IAM, o TIAI parece ser uma estratégia de treinamento atraente para alguns indivíduos. Por outro lado, o corpo de informações científicas ainda não me parece robusto suficiente para que o TIAI seja consagrado como opção definitiva para pacientes pós-IAM recente. De qualquer forma, Winter et al.10 ao estudarem animais de laboratório, dão mais um passo importante na direção do que um dia possa constituir uma opção efetiva para programas de reabilitação cardíaca nessa população de seres humanos.