versão impressa ISSN 0066-782X
Arq. Bras. Cardiol. vol.103 no.1 São Paulo jul. 2014 Epub 09-Jul-2014
https://doi.org/10.5935/abc.20140093
Embora o treinamento físico resistido esteja inserido nos programas de reabilitação cardiovascular, pouco se sabe sobre seu papel isolado na função cardíaca e autonômica após o infarto do miocárdio.
Avaliar os efeitos do treinamento físico resistido iniciado precocemente após o infarto do miocárdio na função cardíaca, no perfil hemodinâmico e na modulação autonômica de ratos.
Ratos Wistar machos foram divididos em Grupos Controle Sedentário, Controle Treinado, Infartado Sedentário e Infartado Treinado. Cada grupo foi composto por 9 ratos. Os animais realizaram o teste de carga máxima e a ecocardiografia ao início e ao final do treinamento físico resistido (em escada adaptada, 40 a 60% do teste de carga máxima, 3 meses, 5 dias/semana). Ao final, foram realizadas avaliações hemodinâmicas, de sensibilidade barorreflexa e da modulação autonômica.
O teste de carga máxima aumentou nos Grupos Controle Treinado (+32%) e Infartado Treinado (+46%) em relação aos Grupos Controle Sedentário e Infartado Sedentário. Embora a área de infarto do miocárdio e a função sistólica não tenham sido alteradas, a relação E/A (-23%), o índice de desempenho miocárdico (-39%) e a pressão arterial sistólica (+6%) foram melhorados pelo treinamento físico resistido no Grupo Infartado Treinado. Paralelamente, o treinamento induziu os grupos a benefícios adicionais nas bandas de alta frequência do intervalo de pulso (+45%), bem como a banda de baixa frequência da pressão arterial sistólica (-46%) nos ratos do Grupo Infartado Treinado em relação aos do Infartado Sedentário.
O treinamento físico resistido dinâmico de intensidade baixa/moderada pode ser uma importante e segura ferramenta no manejo de pacientes após infarto do miocárdio, tendo em vista que não promove mudanças expressivas da função ventricular, reduz o estresse cardíaco global e melhora significativamente a modulação autonômica cardíaca e vascular em ratos infartados.
Palavras-Chave: Infarto do Miocárdio; Reabilitação; Treinamento Resistido; Exercício; Função Ventricular; Sistema Nervoso Autônomo; Ratos
Although resistance exercise training is part of cardiovascular rehabilitation programs, little is known about its role on the cardiac and autonomic function after myocardial infarction.
To evaluate the effects of resistance exercise training, started early after myocardial infarction, on cardiac function, hemodynamic profile, and autonomic modulation in rats.
Male Wistar rats were divided into four groups: sedentary control, trained control, sedentary infarcted and trained infarcted rats. Each group with n = 9 rats. The animals underwent maximum load test and echocardiography at the beginning and at the end of the resistance exercise training (in an adapted ladder, 40% to 60% of the maximum load test, 3 months, 5 days/week). At the end, hemodynamic, baroreflex sensitivity and autonomic modulation assessments were made.
The maximum load test increased in groups trained control (+32%) and trained infarcted (+46%) in relation to groups sedentary control and sedentary infarcted. Although no change occurred regarding the myocardial infarction size and systolic function, the E/A ratio (-23%), myocardial performance index (-39%) and systolic blood pressure (+6%) improved with resistance exercise training in group trained infarcted. Concomitantly, the training provided additional benefits in the high frequency bands of the pulse interval (+45%), as well as in the low frequency band of systolic blood pressure (-46%) in rats from group trained infarcted in relation to group sedentary infarcted.
Resistance exercise training alone may be an important and safe tool in the management of patients after myocardial infarction, considering that it does not lead to significant changes in the ventricular function, reduces the global cardiac stress, and significantly improves the vascular and cardiac autonomic modulation in infarcted rats.
Key words: Myocardial Infarction; Rehabilitation; Resistance Training; Exercise; Ventricular Function; Autonomic Nervous System; Rats
O Infarto do Miocárdio (IM) é uma das doenças cardiovasculares mais incidentes em todo mundo, conduzindo a altas taxas de morbidade e mortalidade1. O IM inicia um processo de remodelamento ventricular, caracterizado por progressiva dilatação do Ventrículo Esquerdo (VE), rearranjo da estrutura da parede ventricular, aumento da massa muscular remanescente e queda da função cardíaca2. O desequilíbrio autonômico cardiovascular, após o IM, constitui um elemento fundamental da fisiopatologia da Insuficiência Cardíaca (IC) e é acompanhado por anormalidades no controle cardiorrespiratório reflexo3,4.
Desde o estudo clássico realizado por Sullivan e cols.5, no final de 1980, evidências têm sido acumuladas referentes aos efeitos benéficos do Treinamento Físico (TF) aeróbico, sendo este considerado uma intervenção fundamental para a cardiologia preventiva6-8. Adicionalmente, o tempo para o início do TF, após o IM, parece ser uma variável importante, no que tange aos benefícios observados6. Experimentalmente, nosso grupo tem consistentemente demonstrado que o TF aeróbico, iniciado precocemente após o IM, é capaz de reduzir a área infartada, melhorar a função do VE, aumentar o fluxo sanguíneo periférico, bem como promover ajustes positivos no sistema nervoso autonômico de ratos infartados9-12.
Até a pouco tempo atrás, o Treinamento Resistido (TR) vinha sendo tradicionalmente desencorajado para pacientes após IM ou com IC, em virtude das preocupações em comprometer a função do VE. No entanto, nos últimos anos, o TR vem sendo recomendado para pacientes com IC, com base na lógica de que essa forma de treinamento pode ser mais eficaz em reverter a atrofia muscular esquelética e melhorar a Qualidade de Vida desses indivíduos13,14. De fato, o TR parece atenuar o declínio da massa muscular15, e melhorar a força16 e a resistência17, bem como o consumo máximo de oxigênio18 de pacientes com IC. No entanto, os efeitos cardíacos e autonômicos do TR iniciado precocemente após o IM ainda não estão completamente esclarecidos. Dessa forma, o presente estudo teve como objetivo avaliar os efeitos do TR de baixa/moderada intensidade, iniciado precocemente após o IM, no remodelamento e na função ventricular, bem como no perfil hemodinâmico e no controle autonômico cardiovascular de ratos submetidos à isquemia miocárdica.
Foram utilizados ratos Wistar machos (250 a 300 g), provenientes do biotério da Universidade São Judas Tadeu. Os animais foram mantidos agrupados, em ambiente com temperatura (22 a 24oC) e luz controladas em ciclo de 12 horas (claro/escuro). Água e comida foram oferecidas de modo irrestrito, sendo a dieta normoproteica. O presente estudo obedeceu aos princípios éticos da experimentação animal do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA), esteve de acordo com o Guide for the Care and Use of Laboratory Animals (Institute of Laboratory Animal Resources, National Academy of Sciences, Washington D.C., 1996) e foi aprovado pela Comissão de Ética no Uso de Animais da Universidade São Judas Tadeu (CEUA-USJT: 008/2013).
Os animais foram randomicamente divididos em quatro grupos (n = 9 cada): Controle Sedentário (CS); Controle Treinado (CT); Infartado Sedentário (IS): Infartado Treinado (IT). Após o IM ou cirurgia Sham,os animais foram submetidos à avaliação ecocardiográfica e ao Teste de Carga Máxima (TCM), e foi iniciado o protocolo de TR ou acompanhamento. Ao final de 3 meses, foram realizadas uma avaliação ecocardiográfica, TCM e cateterização de artérias e veias femorais, para o registro direto de Pressão Arterial (PA) e frequência cardíaca.
Os Grupos IS e IT foram anestesiados (80 mg/kg de cetamina e 12 mg/kg de xilazina, i.p.) e submetidos ao IM por oclusão cirúrgica da artéria coronária descendente anterior esquerda, conforme descrito anteriormente12,13. Resumidamente, uma toracotomia esquerda foi realizada, o terceiro espaço intercostal foi dissecado e o coração foi exposto. A artéria coronária descendente anterior esquerda foi ocluída com um fio de sutura (nylon; 6,0) aproximadamente a 1 mm da aurícula esquerda. O tórax foi fechado com um fio de sutura (nylon; 4,0) e os animais foram mantidos em ventilação artificial até a recuperação. Os Grupos CS e CT foram submetidos ao mesmo procedimento, exceto pela não realização da isquemia miocárdica (Sham).
A avaliação ecocardiográfica foi realizada por um observador que desconhecia os grupos a que os animais pertenciam e obedeceu às diretrizes da Sociedade Americana de Ecocardiografia. Os animais foram submetidos a duas avaliações ecocardiográficas: a primeira foi realizada 2 dias após o IM ou Sham (avaliação inicial) e a segunda após 3 meses de TR ou acompanhamento (avaliação final), conforme metodologia descrita anteriormente12,13.
Os ratos foram anestesiados (80 mg/kg de cetamina e 12 mg/kg de xilazina, i.p.) e foram obtidas imagens com um transdutor linear de 10 a 14 MHz em um aparelho Sequoia 512 (ACUSON Corporation, Mountain View, CA) para avaliação de parâmetros: (1) morfométricos: massa do VE, Diâmetro Diastólico do VE (DDVE) e Espessura Relativa de Parede (ERP); (2) função sistólica: Fração de Ejeção (FE) e Velocidade de Encurtamento Circunferencial (VEC); (3) função diastólica: Tempo de Relaxamento Isovolumétrico (TRIV) e relação entre as ondas E/A; e (4) função global: Índice de Desempenho Miocárdico (IDM).
Todos os grupos foram submetidos a um protocolo de TCM e ao TR, realizado em uma escada adaptada para ratos com 54 degraus verticais de 0,5 cm de distância entre cada degrau. Os animais foram gradualmente adaptados para o ato de escalar por 5 dias consecutivos antes do TCM. O teste consistiu de uma carga inicial de 75% do peso corporal, que foi progressivamente aumentado com um adicional de 15% do peso corporal nas subidas subsequentes, conforme previamente descrito por nosso grupo19. O TCM foi realizado após 5 dias de IM ou Sham(avaliação inicial), após 45 dias de treinamento ou acompanhamento para o ajuste de carga (dados não apresentados), bem como ao final de 3 meses de protocolo (avaliação final).
O protocolo de TR foi realizado durante 3 meses, 5 dias por semana, 15 escaladas por sessão, com 1 minuto de descanso entre cada escalada, em intensidade baixa/moderada (40 a 60% da carga máxima)19, conforme recomendado para pacientes com doença cardiovascular14.
Um dia após o TCM final, dois cateteres com 0,06 mL de solução salina foram implantados na artéria e veia femorais dos animais anestesiados (80 mg/kg de cetamina e 12 mg/kg de xilazina, i.p.). No dia seguinte, a cânula arterial foi ligada a um transdutor de pressão (Blood Pressure XDCR; Kent Scientific, Torrington, CT) e os sinais de PA e Intervalo de Pulso (IP) foram registrados durante 30 minutos nos animais acordados, conforme anteriormente descrito12,13,20.
Após o registro basal, injeções sequenciais (0,1 mL) de doses crescentes de fenilefrina (0,25 a 32 mg/kg) e nitroprussiato de sódio (0,05 a 1,6 mg/kg) foram administradas induzindo respostas de aumento ou diminuição da PA Média (PAM), variando de 5 a 40 mmHg. A sensibilidade barorreflexa foi expressa como Resposta Bradicárdica (RB) e Taquicárdica (RT), em batimentos por minuto por milímetro de mercúrio, conforme descrito anteriormente12,13,20.
A variabilidade global do IP e da PA Sistólica (PAS) no domínio do tempo foi avaliada pelo Desvio Padrão (DP) das séries temporais. Flutuações no IP e na PAS foram ainda avaliadas no domínio da frequência, por meio do modelamento autorregressivo da análise espectral. Os procedimentos teórico e analítico para a modelagem autorregressiva dos componentes oscilatórios foram descritos previamente20,21. Resumidamente, as séries de IP e PAS, derivadas de cada gravação, foram divididas em segmentos de 300 batimentos, com sobreposição de 50%. Os espectros de cada segmento foram calculados por meio do algoritmo de Levinson-Durbin, a ordem do modelo escolhido foi de acordo com o critério de Akaike, com os componentes oscilatórios quantificados em Baixa (BF: 0,2 a 0,6 Hz) e Alta Frequência (AF: 0,6 a 3,0 Hz).
Após as avaliações cardiovasculares, os animais foram submetidos à eutanásia por decapitação, e os músculos sóleo e gastrocnêmio, bem como o tecido adiposo branco retroperitoneal, foram imediatamente removidos e pesados.
A análise estatística foi realizada com o software Statistical Package for the Social Sciences(SPSS), versão 20.0 para Windows (Chicago, EUA). Os dados foram apresentados como média ± erro padrão da média. Depois de confirmar que todas as variáveis contínuas foram distribuídas normalmente utilizando o teste de Kolmogorov-Smirnov, as diferenças estatísticas entre os grupos foram obtidas por ANOVA de duas vias seguida pelo pós-teste de Bonferroni. As diferenças estatísticas entre os dados avaliados ao longo do tempo foram obtidas através de ANOVA para medidas repetidas, com fator grupo avaliado, seguido pelo teste de Bonferroni. O nível de significância foi estabelecido em p < 0,05.
Inicialmente, os animais infartados (IS e IT) apresentaram redução do TCM em comparação com animais não infartados (CS e CT). Após o período de TR ou acompanhamento, os grupos treinados (CT e IT) aumentaram os valores de TCM em relação às suas avaliações iniciais e em comparação com seus respectivos controles (CS e IS) (Figura 1). No entanto, o Grupo IT permaneceu com valores de TCM reduzidos, em relação ao CT ao final do estudo. No TCM, houve interação entre os momentos de avaliação e os grupos experimentais (F = 72,402; p < 0,001).
Figura 1 Valores do teste de carga máxima nos Grupos Controle Sedentário (CS), Controle Treinado (CT), Infartado Sedentário (IS) e Infartado Treinado (IT). # p < 0,05 vs. avaliação inicial; * p < 0,05 vs. CS; ‡ p < 0,05 vs. CT; † p < 0,05 vs. IS.
Ao início do protocolo, o peso corporal foi semelhante entre os grupos estudados (~277 ± 7 g); entretanto, ao final, os grupos experimentais apresentaram aumento de peso corporal em relação às suas análises iniciais (CS: 490 ± 10; CT: 454 ± 12; IS: 478 ± 13; IT: 465 ± 18 g). Em relação ao peso do tecido adiposo branco retroperitoneal, os Grupos CT (4,5 ± 0,6 g) e IT (5,9 ± 0,5g) apresentaram redução dessa variável em relação aos Grupos CS (8,1 ± 1,1g) e IS (7,1 ± 0,8 g), respectivamente. Os pesos dos músculos sóleo e gastrocnêmio, que estavam reduzidos no Grupo IS (0,17 ± 0,02 e 1,00 ± 0,09 g) em relação ao CS (0,28 ± 0,02 e 1,37 ± 0,05g), foram aumentados pelo TR, conforme observado nos Grupos CT (0,41 ± 0,03 e 1,59 ± 0,04g) e IT (0,30 ± 0,02 e 1,26 ± 0,01 g) em relação aos seus pares sedentários.
As variáveis ecocardiográficas de morfometria e função ventricular estão apresentadas na Tabela 1. A área de infarto do VE, semelhante entre os grupos infartados (IS e IT) na avaliação ecocardiográfica inicial, não foi alterada pelo período de TR. A massa do VE e a ERP foram semelhantes entre os grupos na avaliação inicial. Ao final do estudo, os grupos treinados (CT e IT) apresentaram aumento da massa do VE em relação às suas avaliações iniciais, bem como em comparação aos seus respectivos controles (CS e IS). Em relação à ERP, o Grupo CT apresentou aumento e o Grupo IS teve redução dessa variável, quando comparados ao CS. No entanto, o TR foi eficaz em prevenir tal redução no Grupo IT em relação ao Grupo IS. O diâmetro diastólico final do VE, semelhante nos grupos ao início do protocolo, estava aumentado ao final do estudo nos Grupos IS e IT, em relação ao CS (Tabela 1). Nas variáveis morfométricas, interações entre momentos de avaliação e grupos experimentais ocorreram nas avaliações da massa do VE (F = 19,805; p < 0,001) e da ERP (F = 0,0296; p < 0,001).
Tabela 1 Avaliações ecocardiográficas iniciais e finais da morfometria e função cardíaca nos Grupos Controle Sedentário (CS), Controle Treinado (CT), Infartado Sedentário (IS) e Infartado Treinado (IT)
Variáveis/grupos | CS | CT | IS | IT | |
---|---|---|---|---|---|
Massa VE (g) | Inicial | 1,07 ± 0,02 | 1,10 ± 0,04 | 1,15 ± 0,04 | 1,11 ± 0,05 |
Final | 1,10 ± 0,05 | 1,77 ± 0,09#* | 1,29 ± 0,05#* | 1,71 ± 0,08#*† | |
ERP | Inicial | 0,39 ± 0,04 | 0,43 ± 0,02 | 0,37 ± 0,02 | 0,44 ± 0,05 |
Final | 0,40 ± 0,01 | 0,52 ± 0,03* | 0,28 ± 0,02* | 0,48 ± 0,04† | |
DDVE (cm) | Inicial | 0,65 ± 0,01 | 0,63 ± 0,01 | 0,80 ± 0,01 | 0,82 ± 0,02 |
Final | 0,73 ± 0,01 | 0,74 ± 0,02 | 0,92 ± 0,04* | 0,87 ± 0,05* | |
Função sistólica | |||||
FE (%) | Inicial | 74 ± 3 | 72 ± 6 | 46 ± 4*‡ | 44 ± 3*‡ |
Final | 71 ± 1 | 68 ± 2 | 43 ± 4*‡ | 40 ± 2*‡ | |
VEC (circ/seg 10-4) | Inicial | 51 ± 4 | 49 ± 3 | 30 ± 5*‡ | 35 ± 2*‡ |
Final | 46 ± 1 | 45 ± 5 | 32 ± 2*‡ | 33 ± 3*‡ | |
Função diastólica | |||||
TRIV (ms) | Inicial | 30 ± 2 | 31 ± 1 | 28 ± 1 | 30 ± 2 |
Final | 31 ± 3 | 32 ± 1 | 30 ± 1 | 32 ± 3 | |
E/A | Inicial | 1,57 ± 0,11 | 1,61 ± 0,22 | 2,74 ± 0,12* | 2,77 ± 0,21* |
Final | 1,61 ± 0,12 | 1,87 ± 0,04* | 2,69 ± 0,05*‡ | 2,07 ± 0,10#*† | |
Função global | |||||
IDM | Inicial | 0,44 ± 0,03 | 0,46 ± 0,03 | 0,45 ± 0,04 | 0,46 ± 0,02 |
Final | 0,37 ± 0,03 | 0,19 ± 0,01* | 0,54 ± 0,04* | 0,33 ± 0,02†‡ |
Valores representam média ± erro padrão da média.
#p < 0,05 vs. avaliação inicial;
*p < 0,05 vs. CS;
†p < 0,05 vs. IS;
‡p < 0,05 vs. CT.
VE: ventrículo esquerdo; ERP: espessura relativa da parede; DDVE: diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo; FE: fração de ejeção; VEC: velocidade de encurtamento circunferencial; TRIV: tempo de relaxamento isovolumétrico; E/A: relação entre as ondas E e A; IDM: índice de desempenho miocárdico.
No que diz respeito às variáveis de função sistólica do VE, os Grupos IS e IT apresentaram redução da FE e velocidade de encurtamento nas avaliações ecocardiográficas iniciais e finais, em relação aos Grupos CS e CT. A relação E/A, inicialmente aumentada nos animais IS e IT, foi melhorada pelo TR nos animais IT se comparada a dos animais IS e também em relação à sua avaliação inicial. Na avaliação final, esse parâmetro de função diastólica estava aumentado nos Grupos CT e IS em relação ao CS, bem como no Grupo IS em relação ao CT. Por outro lado, o TRIV não foi modificado pelo IM ou TR (Tabela 1).
A avaliação da função global do VE, realizada por meio do IDM, foi semelhante entre os grupos ao início do protocolo. No entanto, ao final do estudo, o Grupo IS aumentou essa variável em comparação ao CS. Vale salientar que o período de TR melhorou o IDM nos Grupos CT e IT em relação aos seus respectivos controles (CS e IS). No entanto, o Grupo IT permaneceu com o IDM aumentado em relação ao CT. Interações entre os momentos de avaliação e grupos experimentais foram observadas nas variáveis de função cardíaca: relação E/A (F = 2248,060; p < 0,001) e IDM (F = 23,293; p < 0,001).
O Grupo IS demonstrou redução da PAS em relação ao Grupo CS. Apesar de não terem sido observadas diferenças entre IT e CS, o grupo IT apresentou PAS reduzida em relação ao CT. Na PAS, houve interação entre TF e IM (F = 13,068; p = 0,001). Adicionalmente, não foram observadas diferenças nos parâmetros de PA Diastólica (PAD), PAM e FC entre os grupos avaliados, conforme observado na Tabela 2.
Tabela 2 Avaliações hemodinâmicas nos Grupos Controle Sedentário (CS), Controle Treinado (CT), Infartado Sedentário (IS) e Infartado Treinado (IT)
Variáveis/grupos | CS | CT | IS | IT |
---|---|---|---|---|
Hemodinâmica | ||||
PAS (mmHg) | 125 ± 4 | 130 ± 3 | 113 ± 2* | 121 ± 4† |
PAD (mmHg) | 85 ± 2 | 87 ± 3 | 85 ± 4 | 88 ± 5 |
PAM (mmHg) | 98 ± 5 | 101 ± 4 | 94 ± 4 | 99 ± 3 |
FC (bpm) | 327 ± 8 | 334 ± 10 | 351 ± 12 | 355 ± 14 |
Sensibilidade barorreflexa | ||||
RT (bpm/mmHg) | 3,5 ± 0,1 | 4,4 ± 0,6 | 1,8 ± 0,1*† | 2,2 ± 0,3*† |
RB (bpm/mmHg) | -2,4 ± 0,09 | -4,3 ± 0,31* | -1,3 ± 0,05*† | -2,1 ± 0,21† |
Valores representam média ± erro padrão da média.
*p < 0,05 vs. CS;
†p < 0,05 vs. CT.
PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial diastólica; PAM: pressão arterial média; FC: frequência cardíaca; RT: resposta taquicárdica; RB: resposta bradicárdica.
A RT a quedas de pressão arterial, após a injeção de nitroprussiato de sódio, esteve reduzida nos animais dos Grupos IS e IT em relação aos dos Grupos CS e CT. A RB a aumentos de pressão arterial, após doses crescentes de fenilefrina, esteve reduzida nos animais do Grupo IS em relação ao Grupo CS. O TR induziu um aumento da RB nos ratos do Grupo CT, em comparação ao Grupo CS. Vale ressaltar que não foram observadas diferenças na RB entre os Grupos IT e CS, porém o Grupo IT apresentou redução dessa variável em relação ao CT (Tabela 2). A interação entre TF e IM foi observada na RB (F = 12,087; p = 0,001).
Os dados de variabilidade do IP e da PAS, no domínio do tempo e da frequência, podem ser observados na Tabela 3. Os animais IS apresentaram redução do Desvio Padrão do IP (DP-IP), da Variância do IP (Var-IP) e da Raiz Quadrada da Média das Diferenças dos Intervalos RR Sucessivos (RMSSD) em relação aos animais CS. A Var-IP apresentou redução adicional nos Grupos IS e IT também em relação ao Grupo CT. Após o período de TR, o Grupo IT preveniu uma queda adicional do DP-IP em relação ao Grupo IS, bem como normalizou a RMSSD, uma vez que apresentou valores semelhantes ao Grupo CS. Houve interação entre TF e IM na variável DP-IP (F = 12,106; p = 0,001). No que tange à Var-PAS, não foram observadas alterações nos grupos experimentais.
Tabela 3 Variabilidade do intervalo de pulso e da pressão arterial sistólica, no domínio do tempo e da frequência, nos Grupos Controle Sedentário (CS), Controle Treinado (CT), Infartado Sedentário (IS) e Infartado Treinado (IT)
Variáveis/grupos | CS | CT | IS | IT |
---|---|---|---|---|
Variância do IP | ||||
DP-IP (ms) | 11,5 ± 0,7 | 9,4 ± 1,3 | 5,3 ± 0,4* | 8,1 ± 0,4*† |
Var-IP (ms2) | 136,4 ± 16,1 | 140,0 ± 15,3 | 35,7 ± 7,0*‡ | 64,4 ± 4,0*†‡ |
RMSSD (ms) | 6,3 ± 0,4 | 8,4 ± 0,8* | 4,6 ± 0,2*‡ | 6,0 ± 0,2 |
AF/BF | 0,41 ± 0,02 | 0,43 ± 0,05 | 0,19 ± 0,03* | 0,28 ± 0,07 |
Variância da PAS | ||||
Var-PAS (mmHg2) | 27,5 ± 6,0 | 23,2 ± 3,9 | 19,7 ± 2,2 | 26,9 ± 4,4 |
AF (mmHg2) | 1,9 ± 0,2 | 1,7 ± 0,2 | 1,3 ± 0,2 | 1,8 ± 0,3 |
Índice a (BF, ms/mmHg) | 1,13 ± 0,09 | 1,33 ± 0,32 | 0,62 ± 0,24* | 0,76 ± 0,06* |
Valores representam média ± erro padrão da média.
*p < 0,05 vs. CS;
†p < 0,05 vs. IS;
‡p < 0,05 vs. CT.
IP: intervalo de pulso; DP-IP: desvio padrão do intervalo de pulso; Var-IP: variância do intervalo de pulso; RMSSD: raiz quadrada da média das diferenças dos intervalos RR sucessivos; BF: banda de baixa frequência; AF: banda de alta frequência; PAS: pressão arterial sistólica; Var-PAS: variância da pressão arterial sistólica; AF: alta frequência.
O IM induziu a alterações na modulação autonômica cardíaca dos animais estudados, representadas pela redução das bandas de BF (Figura 2A) e AF (Figura 2B) do IP, bem como do balanço autonômico (BF/AF) no Grupo IS em relação ao CS. Vale salientar que 3 meses de TR foram eficazes em prevenir tais alterações, conforme observado no Grupo IT. No entanto, tanto a banda de BF quanto a banda de AF permaneceram reduzidas no Grupo IT em relação ao CT. Por outro lado, a banda de BF da PAS, que estava aumentada no Grupo IS, foi normalizada no Grupo IT (Figura 2C). Houve interação entre TF e IM nos valores absolutos da banda de BF do IP (F = 11,041; p = 0,02).
Figura 2 Valores absolutos das bandas de baixa (A) e alta frequência (B) da variabilidade do intervalo de pulso, bem como da banda de baixa frequência (C) da pressão arterial sistólica nos grupos experimentais. * p < 0,05 vs. Grupo Controle Sedentário (CS); ‡ p < 0,05 vs. Grupo Controle Treinado (CT); † p < 0,05 vs. Grupo Infartado Sedentário (IS), Infartado Treinado (IT).
Corroborando os dados de sensibilidade barorreflexa avaliado por respostas a drogas vasoativas, o índice alfa da banda BF da PAS, que estava reduzido no Grupo IS, não sofreu modificações pelo TR.
O presente estudo foi realizado para testar a hipótese de que o TR dinâmico de baixa/moderada intensidade poderia promover benefícios na função cardíaca e melhorar o controle autonômico da circulação de ratos infartados. Os principais achados deste trabalho apontam para o fato de que o TR promoveu alterações morfométricas ventriculares nos animais infartados, modificações estas não associadas a alterações da função cardíaca. No entanto, embora a sensibilidade barorreflexa e o índice alfa não tenham sido melhorados, o TR foi eficaz em prevenir um prejuízo adicional da modulação autonômica cardiovascular nos animais submetidos ao IM.
O TR tem sido aceito como componente principal de um abrangente programa de exercícios, tanto para indivíduos aparentemente saudáveis quanto para aqueles com doença cardiovascular. Nesse sentido, as diretrizes enfatizam a importância de se incorporar o TR para uma prescrição ideal de exercícios nos pacientes cardiopatas, com o objetivo de melhorar a força muscular, a capacidade física e a Qualidade de Vida14-18.
Corroborando os dados clínicos, no presente estudo, o TR aumentou os valores do TCM nos animais infartados em relação aos sedentários, sugerindo melhora da força muscular nesses animais. Em adição, a redução do tecido adiposo retroperitoneal, bem como o aumento de peso dos músculos sóleo e gastrocnêmio, nos ratos infartados treinados, sugere uma modificação positiva da composição corporal desses animais. Achados prévios do nosso grupo já demonstraram adaptações positivas do TR na composição corporal e no aumento de força muscular em ratas diabéticas ooforectomizadas19 e ratos saudáveis22.
Apesar dos benefícios conhecidos na Qualidade de Vida, força muscular e composição corporal, o TR vinha sendo tradicionalmente desencorajado para pacientes com IC23 em virtude das preocupações em promover comprometimento da função do VE e potencial efeito adverso no remodelamento cardíaco, principalmente decorrente do aumento da pós-carga. No entanto, quando o TR foi realizado em intensidade baixa/moderada por pacientes com IC, as respostas hemodinâmicas não excederam os níveis atingidos durante um teste de esforço padrão24, e o remodelamento cardíaco adverso não foi observado em pacientes após um período de TR15.
No presente trabalho, embora a área de IM e o DDVE não tenham sido alterados pelo TR nos animais infartados, a massa do VE foi aumentada e a ERP foi normalizada nesses animais − modificações estas que poderiam sugerir um remodelamento cardíaco positivo. No entanto, quando avaliadas as variáveis de função ventricular, adaptações positivas na FE, VEC e TRIV não foram observadas nos animais infartados treinados. Diferentemente desses achados, nosso grupo previamente demonstrou que o TF aeróbico foi capaz de reduzir a área de IM, o DDVE, bem como melhorar a função sistólica e diastólica de ratos infartados10,13. É possível que um volume de treinamento maior, bem como a sobrecarga hemodinâmica desencadeada pelo treinamento aeróbico, tenha sido responsável por essas adaptações.
Por outro lado, a relação E/A e o IDM, um índice que representa o estresse cardíaco global, foram melhorados pelo TR nos animais infartados, sugerindo, assim, alguma adaptação cardíaca favorável ao TR dinâmico nesses animais. Reforçando essa hipótese, o Grupo IS apresentou redução da PAS em comparação aos animais do Grupo CS. No entanto, após o período de TR, os animais treinados normalizaram essa variável. Reconhecendo que a PAS reflete a capacidade de trabalho cardíaco, como sugerido por Yu e McNeill25, pode-se especular que a redução da PAS observada no presente trabalho possa estar relacionada à redução no desempenho ventricular no grupo sedentário, sendo, portanto, normalizado após o período de TR.
Utilizando um equipamento para o TR diferente daquele aplicado na presente investigação, de Cássia Cypriano Ervati Pinter e cols.26 demonstraram que 8 semanas de TR promoveram redução da PA e FC, melhorias da contratilidade do músculo papilar e aumento da atividade da ATPase da miosina cardíaca de ratos saudáveis. Em contrapartida, Barauna e cols.22 sugerem que o TR leva ao desenvolvimento de hipertrofia cardíaca concêntrica sem alteração da função ventricular ou de sua cavidade em ratos saudáveis. Dessa forma, a não concordância entre os resultados de função cardíaca pode ter se dado em razão da escolha do modelo de TR, bem como da presença de disfunção ventricular desencadeada pelo IM nos animais.
Evidências na literatura sugerem que o TF aeróbico, realizado durante a recuperação de IM, proporcionou aumento da variabilidade da FC, um importante índice de função autonômica e preditor de mortalidade27. Além disso, La Rovere e cols.8 evidenciaram que o TF aeróbico, após o IM, pode modificar favoravelmente a sobrevida a longo prazo e que esse benefício está provavelmente relacionado à melhora da sensibilidade barorreflexa, consequentemente, do balanço autonômico após o treinamento nesses indivíduos infartados. Em consonância aos achados em humanos, nosso grupo recentemente demonstrou que 3 meses de treinamento aeróbico foi capaz de melhorar a variabilidade da FC, a modulação autonômica, bem como a sensibilidade barorreflexa em ratos após o IM10,13, aumentando, dessa forma, a sobrevida dos animais treinados.
De fato, a maioria dos estudos aponta para o TF aeróbico como uma importante ferramenta no manejo da disfunção autonômica de pacientes após o IM; no entanto, os efeitos do TR nas variáveis autonômicas cardíacas permanecem pouco explorados. Em estudos clínicos e experimentais com IC, têm sido demonstrado que aumentos na banda de BF da variabilidade da FC estão ligados ao grau de simpato-excitação, avaliado por medidas diretas da atividade nervosa simpática ou de norepinefrina plasmática28,29. Entretanto, em estágios avançados da doença, o oposto também é verdadeiro, ou seja, a banda de BF da VFC chega a quase desaparecer em virtude do aumento da atividade simpática30,31. A redução desse componente tem sido associada a prognósticos negativos em indivíduos insuficientes, visto que La Rovere e cols.32 mostraram que reduzida banda de BF é um preditor independente de mortalidade cardiovascular nesses pacientes.
No presente estudo, embora a sensibilidade barorreflexa e o índice alfa não tenham sido modificados, o TR promoveu adaptações positivas no DP-IP e RMSSD, aumentou as bandas de BF e AF do IP, bem como normalizou o balanço BF/AF. Adicionalmente, o Grupo IT apresentou uma redução da banda de BF da PAS em relação aos animais IS. Dessa forma, pode-se sugerir que o TR desencadeou uma redução da modulação simpática cardíaca e vascular, bem como promoveu um aumento da modulação parassimpática, melhorando, por sua vez, o balanço autonômico cardíaco de ratos infartados submetidos a 3 meses de TR. A não alteração da sensibilidade barorreflexa, bem como do índice alfa da PAS, sugerem que o TR possa ter ocasionado adaptações importantes nos centros de controle cardiovascular, fato este que poderia explicar um melhor controle autonômico cardíaco e vascular nos animais treinados. No entanto, são necessários estudos que investiguem os efeitos do TR no controle central da circulação, para melhor explicitar essas evidências.
Em suma, os dados do presente estudo sugerem que o treinamento físico resistido dinâmico de baixa/moderada intensidade pode ser uma importante e segura ferramenta terapêutica após o infarto do miocárdio, tendo em vista que não promove mudanças expressivas da função ventricular, reduz o estresse cardíaco global e melhora significativamente a modulação autonômica cardíaca e vascular.