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Três décadas de epidemiologia hospitalar e o desafio da integração da Vigilância em Saúde: reflexões a partir de um caso

Três décadas de epidemiologia hospitalar e o desafio da integração da Vigilância em Saúde: reflexões a partir de um caso

Autores:

Claudia Caminha Escosteguy,
Alessandra Gonçalves Lisbôa Pereira,
Roberto de Andrade Medronho

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.22 no.10 Rio de Janeiro out. 2017

http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320172210.17562017

Introdução

Embora a vigilância epidemiológica (VE) seja uma das mais antigas atividades de monitoramento em saúde conhecidas, a participação ativa dos hospitais nesse processo é mais recente, datando da década de oitenta1-10. O reconhecimento da importância da participação dos hospitais nas redes de vigilância epidemiológica já é estabelecido4-9. Os hospitais integram o sistema de saúde atendendo um grande volume de casos, constituem importante porta de entrada para agravos a serem monitorados, e envolvem enormes recursos e desafios, entre eles o acúmulo de dados nem sempre transformados em informação que possa subsidiar a tomada de decisão4,11. Tradicionalmente, a vigilância das infecções hospitalares tem sido um dos componentes mais enfatizados neste contexto, mas o papel da epidemiologia hospitalar como um todo é alvo de crescente discussão4,11. No Brasil, uma das experiências pioneiras é a do Hospital Federal dos Servidores do Estado (HFSE), Rio de Janeiro, que conta com um Serviço de Epidemiologia que integra ações de vigilância epidemiológica, educação continuada, pesquisa clínico-epidemiológica e epidemiologia aplicada à avaliação dos serviços de saúde desde 1986, sendo o primeiro serviço de epidemiologia hospitalar da então rede do antigo INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social). A experiência deste serviço serviu de base para a criação dos núcleos de vigilância epidemiológica dos hospitais municipais do Rio de Janeiro e contribuiu para o projeto dos núcleos de vigilância hospitalar da rede estadual deste estado7,8,12-14.

Através da Portaria nº 2.529 de 23/11/2004, o Ministério da Saúde instituiu o Subsistema de Vigilância Epidemiológica em Âmbito Hospitalar e criou a Rede Nacional de Hospitais de Referência, com os Núcleos Hospitalares de Epidemiologia (NHE)15. A portaria, além da atribuição básica de integrar o chamado Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica, previa ações de integração com a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), Gerência de Risco Sanitário-Hospitalar e Comissão de Revisão de Óbitos, entre outras. Posteriormente o sistema foi reorganizado como Rede de Vigilância Epidemiológica Hospitalar de Interesse Nacional (REVEH), gerenciada pela Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde (MS)16.

As ações de Vigilância Epidemiológica Hospitalar (VEH) têm por objetivo detectar, de modo oportuno, as doenças transmissíveis e os agravos de importância nacional, estadual ou internacional, bem como a alteração do padrão epidemiológico em regiões estratégicas do país, desenvolvida em estabelecimentos de saúde hospitalares, que atuam como unidades sentinelas para a REVEH. Em 2015 a rede nacional de hospitais de referência era composta por 233 núcleos de vigilância epidemiológica hospitalar distribuídos pelo país, incluindo o HFSE17,18. A criação destes núcleos contribui para o aumento da sensibilidade do sistema de vigilância epidemiológica e confere maior oportunidade ao sistema7. Como o hospital é porta de entrada para diversos agravos inusitados e doenças emergentes, a inclusão dessa unidade de saúde ao sistema de vigilância epidemiológica é um avanço importante.

Entre os aspectos que têm merecido destaque no processo de implementação de ações de vigilância à saúde no âmbito hospitalar encontram-se: a necessidade de equipes multidisciplinares, a importância dos sistemas de informação em saúde; as atividades de planejamento, assessoria, monitoramento e avaliação; e o papel da epidemiologia como ferramenta fundamental para o gerenciamento da informação produzida através das várias comissões que participam dessa vigilância5-9.

O HFSE é um hospital geral federal, de ensino, que desenvolve atividades de vigilância epidemiológica desde 1986, coordenadas pelo Serviço de Epidemiologia, e tem participado ativamente de todo esse processo ao longo de três décadas. Nesse contexto, o objetivo deste estudo é relatar esta experiência pioneira no Brasil, trazendo reflexões sobre seus resultados, dificuldades e perspectivas, e sobretudo na aposta continuada pela articulação e integração das práticas e processos de trabalho das diferentes vigilâncias em saúde desenvolvidas no âmbito hospitalar e em integração com o Sistema Único de Saúde.

Metodologia

Relato da experiência de implantação e implementação do Serviço de Epidemiologia/HFSE a partir da revisão da legislação pertinente, documentos oficiais, documentos técnicos produzidos pelo serviço, artigos e resumos publicados em revistas indexadas ou não. Análise estatística dos dados gerados pela vigilância epidemiológica através de dois sistemas de informações: o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), que é o sistema oficial do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica; e o sistema local de notificação compulsória desenvolvido inicialmente em Epi-6 pelo serviço e atualizado para versão EpiInfo Windows. Os autores participaram ativamente das etapas de criação e implementação do serviço, e sua experiência é incluída na análise.

Resultados e discussão

Oficialmente o Setor de Epidemiologia foi inaugurado em 16/07/1987, embora já funcionasse desde novembro/1986. Posteriormente, atendendo à crescente necessidade de incorporar a epidemiologia às atividades hospitalares, criou-se a estrutura administrativa de serviço em 12/05/1988, através da Resolução INAMPS no 186/198813. Foi o primeiro serviço de epidemiologia hospitalar da rede do antigo INAMPS e possivelmente também o primeiro no Brasil a incluir atividades além da VE dos agravos de notificação compulsória. É pioneiro no país na discussão da Epidemiologia com a prática clínica. Seu pioneirismo aparece também na integração de ações de VE, educação continuada, treinamento em serviço, pesquisa clínico-epidemiológica e avaliação dos serviços, e em sua contribuição na formação de recursos humanos em epidemiologia com ênfase em VE de base hospitalar. A sua experiência serviu de base para a criação dos núcleos de VE dos hospitais municipais e para os núcleos de vigilância hospitalar dos hospitais estaduais do Rio de Janeiro7,8,12-14. Com a instituição do Subsistema de Vigilância Epidemiológica em âmbito Hospitalar e da Rede Nacional de Hospitais de Referência (Portaria MS Nº 2.529/04)15, o HFSE foi nomeado Hospital Referência nível II em 24/02/2005, sob a responsabilidade técnica do Serviço de Epidemiologia. A Portaria MS Nº 1.378, de 09/07/2013, que regulamentou as responsabilidades e define diretrizes para execução e financiamento das ações de Vigilância em Saúde no País relativas ao Sistema Nacional de Vigilância em Saúde e Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, incluiu entre as ações estratégicas na vigilância em saúde os Núcleos Hospitalares de Epidemiologia (NHE)19. Houve então uma reorganização do sistema de vigilância hospitalar, e a Portaria nº 48 de 20/01/2015 que habilitou os entes federativos ao recebimento do incentivo financeiro de custeio para implantação e manutenção de ações e serviços públicos estratégicos de Vigilância em Saúde, definiu o HFSE como Hospital Referência da agora denominada REVEH17.

No HFSE, o Serviço de Epidemiologia está diretamente subordinado à atualmente denominada Coordenação Assistencial (antiga Divisão Médico-Assistencial), integrando o conjunto de serviços de apoio diagnóstico e terapêutico; o organograma da portaria original continha as seções informadas na Figura 1 com os respectivos DAI (Direção e Assistência Intermediária), mas a reformulação da estrutura federal suspendeu as funções gratificadas. Entretanto, as seções foram mantidas. Além disso, compõe o Núcleo de Vigilância Hospitalar (PT/HSE/MS nº 337/05 e nº 274/07), que integra também a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), a Gerência de Risco, a Comissão de Revisão de Óbitos, a Comissão de Revisão de Prontuários, o Serviço de Saúde do Trabalhador e a Gerência de Resíduos20. Um grande desafio atual é a integração com o Núcleo de Segurança do Paciente (NSP).

DNC: Doenças e agravos de notificação compulsória; CRO: Comissão de Revisão de Óbitos; CRP: Comissão de Revisão de Prontuários.

Figura 1 Organograma do Serviço de Epidemiologia, subordinado à Coordenação Assistencial do Hospital Federal dos Servidores do Estado. 

A implantação dos NHE dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e Paraná está bem descrita7-10,19,21. Problemas relacionados à estrutura física e recursos humanos são citados nos quatro estados. Quanto à estrutura física, o Rio de Janeiro enfatizou problemas principalmente de equipamentos de informática19. Estudo de 39 hospitais da rede de referência de São Paulo considerou a estrutura física dos NHE satisfatória, apesar da sala ser compartilhada em 47%, na maioria das vezes com a CCIH. A subordinação no organograma era variada, sendo à diretoria médica em 65,4%7.

Os oito núcleos da rede de referência de Pernambuco foram avaliados em dois momentos, 20048 e 20089, com resultados heterogêneos. Em dois NHE houve considerável melhora que foi associada ao maior investimento de material permanente (equipamentos e mobiliário) e de consumo9. A coordenação de sete dos oitos NHE era médica; de enfermagem em um; a regulamentação do núcleo no organograma do hospital foi considerada relevante. No Paraná, avaliação da implantação em dez NHE realizada pela SVS identificou problemas de quantitativo de recursos humanos em cinco, de espaço físico em três, e três estavam desativados21.

No HFSE, desde a criação, o serviço de Epidemiologia integra a rede nacional de VE; é responsável pelo monitoramento dos agravos de notificação compulsória no hospital; interage com outras comissões hospitalares de vigilância à saúde; coordena, no HFSE, a Residência em Medicina Preventiva e Social, o campo de estágio prático da atual Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC) da UFRJ, e até dezembro de 2016 o estágio em epidemiologia hospitalar do internato em Saúde Coletiva da Universidade Estácio de Sá (UNESA).

Com relação a recursos humanos, atualmente conta um quadro de funcionários federais estatutários de cinco técnicos de nível superior, sendo dois médicos, dois enfermeiros e um estatístico; dois técnicos de nível médio (de enfermagem); e um administrativo terceirizado. A titulação máxima de dois técnicos é doutorado e de três, mestrado. Adicionalmente, há dois técnicos de nível superior com vínculo estadual do Instituto Estadual de Infectologia São Sebastião (IEISS) que trabalham no HFSE. Houve importante redução no quadro de médicos, que na década de noventa chegou a seu maior patamar, com sete médicos. Com relação a estagiários, há, em média, atuando no serviço um residente por período; até 2016 seis internos de Medicina; e a partir de 2017, um interno de enfermagem.

Problemas de quantitativo de recursos humanos são citados frequentemente na literatura nacional sobre NHE8-10,19,21. Em Pernambuco observou-se um aumento na qualificação das equipes entre 2004 e 2008, heterogêneo e não acompanhado por aumento no quantitativo de recursos humanos.

Ações de Vigilância Epidemiológica

No âmbito da vigilância epidemiológica, o serviço tem como objetivos detectar as doenças transmissíveis e os agravos de importância nacional, estadual ou internacional; detectar a alteração do padrão epidemiológico dos agravos; promover as medidas de controle pertinentes, no seu nível de atuação; e atuar como unidade hospitalar de referência para a Rede de Vigilância Epidemiológica Hospitalar de Interesse Nacional, interagindo com todos os níveis hierárquicos da VE municipal, estadual e nacional. As ações integradas começam pela interação com o Centro Municipal de Saúde e a Divisão de Vigilância em Saúde (DVS) da Coordenadoria de Saúde da Área de Planejamento 1.0, onde o hospital se insere. O serviço é responsável pelo monitoramento dos agravos de notificação compulsória no HFSE; durante suas atividades interage com outras comissões hospitalares de vigilância à saúde, sobretudo CCIH, Gerência de Risco, Comissão de Revisão de Óbitos e Saúde do Trabalhador, e mais recentemente Segurança do Paciente.

O Serviço participa também da VE das doenças e agravos não transmissíveis, promove assessoria a projetos de pesquisa desenvolvidos no hospital; da elaboração e análise de indicadores hospitalares no sentido de avaliar a qualidade das atividades exercidas no hospital; formação e atualização de recursos humanos na área da Epidemiologia. Todos os estágios coordenados pelo Serviço de Epidemiologia têm intensa carga horária em VE, avaliação dos sistemas de informação disponíveis e análise da situação de saúde local; residentes e internos se integram às atividades de VE em processo de treinamento em serviço.

A integração dos vários níveis da VE agiliza as atividades clássicas de controle das doenças de notificação compulsória e também fornece instrumentos de avaliação da qualidade dos serviços, contribuindo assim para a sua melhoria. A VE operante no nível hospitalar é capaz de gerar e retroalimentar a unidade com indicadores da qualidade da assistência. Trimestralmente é divulgado um consolidado dos agravos notificados e semestralmente o Boletim Epidemiológico, disponível na homepage da instituição. Este esforço de retroalimentação é uma característica do serviço, embora seu impacto seja de difícil mensuração. Em Pernambuco, embora a adesão dos NHE às práticas operacionais de notificação imediata tenha sido alta, a retroalimentação foi considerada um ponto frágil8,9.

A Figura 2 apresenta a evolução temporal do total de 55.747 notificações de doenças e agravos de notificação compulsória registradas no Serviço de Epidemiologia, ilustrando a marcante contribuição para a VE do estado do Rio de Janeiro. A análise do gráfico deve levar em consideração diversos fatores. O impacto das epidemias de arboviroses é grande, inicialmente as de dengue (1986, 1991, 2002, 2008) e a partir de 2015, a febre pelo vírus Zika e a febre de chikungunya. A partir de 11/08/2005, com a inserção do hospital no então chamado Subsistema de Vigilância Epidemiológica em Âmbito Hospitalar, observa-se um incremento das notificações em parte por melhora dos processos de vigilância e em parte por inclusão de novo agravos de notificação compulsória.

Fonte: Sistema NC e SINAN local.

Figura 2 Evolução temporal do total de 55.747 notificações de Doenças e Agravos de Notificação Compulsória realizadas pelo Serviço de Epidemiologia, HFSE, Rio de Janeiro, RJ, 1986-2016. 

A partir de 20/08/2012 ocorreu a vinda do IEISS para a área física do HFSE. O IEISS era referência no estado do Rio de Janeiro para atendimento inclusive de emergência para doenças infectocontagiosas e contava com um laboratório de referência para líquor. Historicamente o papel do IEISS no atendimento às meningites no Rio de Janeiro é reconhecido; em 1997 cerca de dois terços dos casos de meningites de todas as etiologias notificados diariamente à Coordenação de Programas de Epidemiologia da Secretaria Municipal de Saúde do município do Rio de Janeiro eram diagnosticados e tratados no IEISS22. A transferência para o HFSE ocorreu através de um processo que não está solucionado até hoje, não tendo havido uma integração efetiva entre as duas instituições, que são inclusive de naturezas jurídicas distintas, uma estadual e a outra federal. Do ponto de vista da vigilância epidemiológica, o processo de notificação e investigação está unificado e é de responsabilidade do Serviço de Epidemiologia. Com a vinda do IEISS23, houve um aumento significativo do número de notificações de meningite no hospital e uma mudança do perfil clínico-epidemiológico desses casos notificados: o número de notificações de meningites aumentou 5 vezes de 2011 (62 casos) para 2012 (301), e quase dobrou de 2012 a 2013 (571); o percentual de bacterianas aguda aumentou de 18,4% em 2011 para 40,7% em 2012; desde 2013 as meningites respondem por cerca de um quarto das notificações do HFSE. Dados disponíveis para tabulação via a ferramenta Tabnet disponível na página da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro24 para os casos confirmados de meningite na base municipal registram que a unidade notificadora HFSE foi responsável por 4,3% de 766 casos em 2011; 8,9% de 877 em 2012 e por 25,2% dos 610 casos em 2015. Portanto, cerca de um quarto das notificações de meningites confirmadas da base do SINAN municipal são originárias da ação deste serviço.

O impacto da contribuição do Serviço de Epidemiologia para a vigilância epidemiológica do município do Rio de Janeiro também pode ser ilustrado para outros agravos: em 2015, o HFSE foi a unidade notificadora responsável pela notificação de 33,1% das 432 gestante soropositivas para o HIV; 15,0% das 40 leptospirose; 6,7% das 2.252 hepatites infecciosas; 1,5% de 7.965 tuberculose. Nesse ano, foi o maior notificador de meningites, leptospirose e gestante com HIV; o quinto maior de hepatite e o décimo de tuberculose no município24.

O impacto da implantação dos NHE em melhorar a captação e investigação de agravos de notificação compulsória para o nível central está bem documentado no estudo de São Paulo7. Houve aumento de 71,3% nas notificações entre 2006 a 2011, ainda que de forma heterogênea; algumas atividades de alguns núcleos poderiam ser melhoradas. Por exemplo, 13,8% não investigavam os casos notificados de meningites na ocasião. Houve aumento da capacidade de fechamento dos casos notificados de meningites bacterianas pelo critério laboratorial a partir de 2006, embora com heterogeneidade entre os NHE. Outro processo com qualidade heterogênea foi a oportunidade de notificação das meningites, tendo alguns núcleos resultados insatisfatórios. De forma semelhante à experiência do HFSE, dengue, hepatites virais, meningites e Aids estão entre os agravos mais notificados no período analisado em São Paulo. O papel do NHE na resposta a novos agravos está bem documentado na pandemia de influenza A HIN17, e mais recentemente na estruturação da resposta à epidemia de microcefalia relacionada ao Zika vírus25.

A Figura 3 mostra a distribuição segundo os principais agravos notificados para o período acumulado 1986-2016 e para o ano de 2016. Os agravos com maior frequência de notificações no acumulado são hepatites infecciosas, tuberculose, Aids/infecção pelo HIV e arbovirose (principalmente dengue). Em 2016, destacam-se as meningites, as hepatites infeciosas, a tuberculose e as arboviroses (neste caso já incluindo Zika, chikungunya e exantema em gestante). Neste ano, os principais setores de atendimento no momento da notificação foram o Serviço de Doenças Infecto-Parasitárias (DIP) com 43,4% dos casos, sendo que 74,4% destes foram oriundos de atendimento no setor ligado ao antigo IEISS; a Unidade Materno-Fetal com 16,7%, Pediatria com 7,5%; Plantão Interno com 7,2%; Saúde do Trabalhador com 6,4%; Farmácia com 5,7%. O atendimento foi emergencial em 30,4%, ambulatorial em 30,8%, internação em 34,4% e ignorado em 4,4%.

Fonte: Sistema NC e SINAN local.

Figura 3 Distribuição percentual do total de Doenças e Agravos de Notificação Compulsória segundo tipo de agravo, Serviço de Epidemiologia, HFSE, Rio de Janeiro, RJ nos períodos de 1986-2016 (n = 55.747) e no ano de 2016 (n = 2.487). 

Historicamente, a base da vigilância epidemiológica hospitalar tem sido a busca ativa, que demanda grande esforço dos núcleos de epidemiologia para captar, oportunamente, os casos suspeitos. No HFSE, até 2005, mais de 90% das notificações eram obtidas através da busca ativa, com menos de 10% de notificação espontânea. De 2006 a 2016, de um total de 25.041 notificações analisadas, a média de notificação espontânea foi 23,6%, com grande variação na dependência de campanhas de sensibilização e adesão de serviços parceiros. A integração do hospital ao Subsistema de Vigilância Epidemiológica em Âmbito Hospitalar em 11/08/2005 iniciou um processo de reflexão e revisão de rotinas, incluindo estratégias com vistas à agilização da tomada de decisão quanto às medidas de controle, estímulo à notificação espontânea, campanhas de sensibilização e capacitação dos profissionais de saúde, além de estratégias de educação permanente. Em 2006, de um total acumulado de 1.557 notificações, o percentual de notificação espontânea mensal variou de 19,4% a 46,6% (média 31%, sem tendência definida). A partir da possibilidade de uso do fator de incentivo financeiro, foi produzido material educativo (cartazes, folders e Boletim Epidemiológico) sobre notificação compulsória e normas de biossegurança. Iniciou-se uma campanha de sensibilização em 26/02/2007, com visitas diárias aos diversos setores do hospital, contato direto com os profissionais de saúde e discussão à beira do leito dos casos suspeitos; comparecimento às reuniões de serviços e divisões para divulgação do material educativo; otimização das interfaces com as outras comissões de vigilância em saúde26. De forma complementar, o Serviço de Epidemiologia, através de suas atividades de vigilância epidemiológica, mantém contato permanente com os diversos setores e aproveita as oportunidades geradas a partir dos casos investigados para esclarecimento e sensibilização dos profissionais. A campanha teve um impacto significativo no aumento do percentual de notificações espontâneas naquele ano: janeiro - 26,0%; fevereiro - 42,6%; março - 43,2%; abril - 44,5%; maio - 46,7%; junho - 59,5%. Esta tendência crescente foi estatisticamente significativa (r2 = 0,81; p < 0,0001) até junho, quando se atingiu o maior percentual histórico registrado até o momento. A partir de então a tendência foi decrescente, e em 2008 já caíra para 35,0%. A média mensal de notificação espontânea em 2016 foi 18,8% e a mediana 15,1%; ressaltam-se os serviços historicamente parceiros e seus percentuais de notificação espontânea nesse ano: Hemoterapia - 100%, Saúde do Trabalhador - 98,4%, Programa de Controle de Tuberculose Hospitalar - 92,3%, Pediatria - 41,6%.

Embora as estratégias de sensibilização apresentem impacto positivo na notificação espontânea, o desafio que se impõe é a manutenção e melhora constante deste patamar, com o objetivo maior de implementar oportunamente as medidas de controle. A parceria com outras comissões de vigilância, como a CCIH, Gerência de Risco e Saúde do Trabalhador, é particularmente desejável: 100% dos acidentes com exposição a fluidos detectados no HFSE são notificados espontaneamente pelo Serviço de Saúde do Trabalhador via SINAN. A liberação de tuberculostáticos é autorizada mediante o preenchimento da ficha de investigação do SINAN, reduzindo a perda das tuberculoses em tratamento. Aliadas a essas estratégias, a busca ativa permanece como o pilar da notificação e investigação de casos no hospital.

Análises específicas são realizadas de forma sistemática, a partir do SINAN, para avaliação da qualidade da informação, do perfil clínico-epidemiológico dos agravos e da qualidade da assistência. Alguns exemplos de indicadores gerados a partir do SINAN usados localmente para monitorar a qualidade da assistência a alguns agravos são: proporção de casos de meningite de etiologia não especificada; proporção de casos de tuberculose tratados empiricamente; proporção de baciloscopia de escarro positiva nas formas pulmonares de tuberculose; oferecimento de sorologia anti-HIV aos casos de tuberculose. No caso das meningites, a vigilância epidemiológica operante no nível hospitalar foi capaz de retroalimentar os serviços com indicadores da assistência, culminando com a discussão de uma rotina de diagnóstico e tratamento das meningites em conjunto com os serviços envolvidos27. Metodologia de relacionamento probabilístico de bases de dados é empregada para detectar subnotificação.

Não foram encontrados relatos em países desenvolvidos sobre a participação de núcleos hospitalares de epidemiologia na vigilância epidemiológica dos agravos de notificação compulsória; o componente principal tem sido a vigilância das infecções hospitalares4,28-30.

Sistemas de informação da VE

O serviço trabalha com dois conjuntos de sistemas de informações: o relacionado ao SINAN e o sistema desenvolvido localmente. O SINAN tem sido uma ferramenta útil localmente para avaliação de serviços, sobretudo para agravos como meningites, tuberculose, HIV/Aids e sífilis congênita. Desde a primeira versão DOS, o Serviço tem implementado o uso local desta base e lutado pela descentralização da digitação. O SINAN foi concebido com o propósito de ser utilizado a partir do nível local, com vistas a racionalizar o processo de coleta e transferência de dados, sendo adequado à descentralização de ações, serviços e gestão de sistemas de saúde31,32. Contudo, no estado do Rio de Janeiro, apenas recentemente, o município do Rio de Janeiro iniciou um processo de descentralização da digitação do SINAN a partir de um sistema próprio do município, denominado SINAN-Rio, que é digitado online e posteriormente exportado pelas DVS das Coordenadorias de Saúde das Áreas Programáticas (CAP) do município para o SINAN estadual. Até o momento, o sistema está descentralizado para tuberculose, acidente de trabalho não grave, hanseníase, gestante HIV, sífilis em gestante, sífilis congênita e vigilância sindrômica de arboviroses. Para os demais agravos, a notificação imediata é através da ficha digitalizada enviada por email, e a notificação semanal através do envio da ficha original em papel. Nesses casos, a digitação ocorre no nível da DVS e as atualizações são feitas através de planilha eletrônica, via e-mail.

A utilização efetiva do SINAN permite a realização do diagnóstico dinâmico da ocorrência de um agravo de notificação compulsória na população e pode fornecer subsídios para o planejamento de ações na área da saúde, definir prioridades de intervenção, contribuir para avaliação do impacto das intervenções em determinadas área geográficas. O seu uso sistemático, de forma descentralizada, contribui para a democratização da informação, e permite que o profissional de saúde cadastrado tenha acesso à informação.

O SINAN-Rio foi planejado para ser operacionalizado no nível administrativo mais periférico, ou seja, nas unidades de saúde, seguindo a orientação de descentralização do SUS; e há exportação posterior da base para o SINAN-NET estadual. Entretanto, uma questão relevante para o nível da unidade de saúde, é que não foi prevista até o momento uma ferramenta de exportação do banco para o nível local da digitação. Assim, o HFSE pode consultar online individualmente as fichas digitadas a partir do nome ou do número da notificação, o que é útil para identificar um caso notificado por outra unidade. Porém não consegue acessar a partir do sistema a base dos seus casos, o que é relevante para diagnóstico no nível do hospital. Nesse sentido, a partir de acordo com a DVS da CAP1.0, o arquivo XLS de cada agravo é enviado por email mensalmente para o Serviço de Epidemiologia.

A avaliação do impacto da atividade dos NHE através da unidade notificadora informada no SINAN tem limitações; se o caso for atendido por mais de uma unidade de saúde, apenas a primeira unidade de notificação é registrada; isto explica, por exemplo, o maior número de notificações registradas no banco local quando se compara com o disponibilizado pelo nível central. Para meningite em 2015, por exemplo, a base local do SINAN no HFSE registrou 656 casos confirmados e 43 descartados; em consulta via TABNET disponível na página da Secretaria Municipal de Saúde, estão registrados 154 casos confirmados notificados pelo HFSE24.

Além do SINAN, o serviço mantém um sistema local próprio de registro das notificações, anterior a este, desenvolvido inicialmente em Epi-6 e posteriormente em EpiInfo Windows, conhecido como o Sistema NC; e um sistema complementar de organização do arquivo de casos relacionados ao HIV, denominado Arquivo Nominal, desenvolvido em Epi-6. O Sistema NC permite a consolidação mais rápida e sensível das notificações realizadas, e fornece dados relevantes para a unidade não disponíveis no SINAN, como a localização do caso no momento da notificação e o setor notificante; a análise do perfil mais detalhado dos agravos é realizada através do SINAN.

A experiência mexicana de reformulação e implantação de um sistema nacional de vigilância epidemiológica enfatiza alguns pontos já conhecidos no Brasil: a seleção dos agravos de notificação compulsória com ênfase na relevância de qual é a informação útil para tomada de decisão; a necessidade de um sistema de registro único; a descentralização; e a necessidade de treinamento de recursos humanos33. No Brasil, as portarias que definem as competências dos NHE incluem a digitação no SINAN15-17; no entanto, a descentralização da entrada de dados ainda é heterogênea, como mostram as experiências do Rio de Janeiro, incluindo a do HFSE, São Paulo, Pernambuco e Paraná6-9,21. No Rio de Janeiro a proposta de descentralização se dá através da implementação do SINAN-Rio, que não contempla os demais municípios nos quais a descentralização para nível do hospital não ocorreu. Artigo nacional enfatiza a importância de uma política de gestão e disseminação da informação, com investimento em recursos materiais e humanos, chamando a atenção para a “ilusão” de que a automação por si só seria a solução dos problemas do sistema de informação34.

Capacitação, formação de recursos humanos e educação continuada

A história do Serviço de Epidemiologia está profundamente embricada com sua vocação de formação de recursos humanos e busca pela integração entre academia e serviço. A proposta de criação do setor na década de oitenta se iniciou a partir de discussões de um residente de Medicina Preventiva e Social da UERJ que havia passado em concurso de para médicos do antigo INAMPS e foi lotado no Serviço de DIP do HFSE. As discussões tinham em vista inicialmente um trabalho de fim de curso, e acabaram ampliadas envolvendo academia e serviço, inclusive a direção e os médicos do HFSE, culminando com a criação do então Setor de Epidemiologia e da CCIH, que inicialmente dividiam a mesma área física na unidade.

O importante papel na capacitação e formação de recursos humanos é evidenciado através do treinamento de 1.835 internos de medicina e 78 residentes até 2016 (Figura 4); e pelo fato de que esta experiência tem servido de base para a implantação de diversos outros núcleos hospitalares desde 1988.

a Dos 78 residentes, 17 são do Programa de Medicina Preventiva e Social/HFSE e 61 de Saúde Coletiva do convênio com IESC/UFRJ. b Internos do convênio HFSE/UNESA, área básica Saúde Coletiva.

Figura 4 Evolução anual do número de residentes (Residência em Medicina Preventiva e Social e Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva)a e internos de Medicinab com estágio no Serviço de Epidemiologia, 1998 a 2016. 

Ao longo de sua história, o Serviço ofereceu 15 Cursos Anuais de Epidemiologia, para um total de 1441 alunos inscritos; quatro Cursos de Métodos Epidemiológicos Aplicados à Clínica; dois Cursos de Vigilância Epidemiológica para Nível Médio; organizou três Cursos de EpiInfo; prestou assessoria à implantação dos núcleos hospitalares de epidemiologia de hospitais municipais, estaduais, federais e de ensino no Rio de Janeiro. Mantém uma produção científica expressiva para um serviço de saúde, com registro até 2015 de 213 trabalhos apresentados em congressos científicos, 79 artigos completos e 130 resumos publicados em revistas indexadas e não indexadas.

A Figura 4 apresenta a evolução anual do número de residentes de áreas correlatas à Saúde Coletiva e internos de medicina. Com relação aos residentes, no período de 1998 a 2016 houve 17 do programa de Medicina Preventiva e Social, credenciado no HFSE; e 61 oriundos do convênio com o Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), anteriormente denominado de Curso de Especialização em Saúde Coletiva nos moldes da residência, e atualmente reconhecido como Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva. Os residentes de Saúde Coletiva tinham as seguintes graduações: enfermagem-18, nutrição-14, psicologia-11, fisioterapia-4, odontologia-3, medicina-2, medicina veterinária-2, serviço social-2, terapia ocupacional-2, educação física-1, estatística-1, saúde coletiva-1. Enquanto o curso era de especialização admitia o ingresso de médicos. Na década de noventa, o serviço foi campo de estágio para os residentes de infectologia.

O espaço de treinamento em serviço da residência oferece uma oportunidade de exercitar as interfaces com as várias comissões e setores de vigilância em saúde do hospital, já que os residentes têm rodízios por vários desses setores. Um grande desafio que se impõe atualmente é a articulação interna com as demais comissões que compõem o NVH e o NSP, estabelecendo um espaço multidisciplinar e integrado de vigilância em saúde.

A experiência de integração do estágio em epidemiologia hospitalar de um internato de Medicina, área básica Saúde Coletiva, às atividades diárias do Serviço de Epidemiologia de um hospital federal foi bastante exitosa. O Serviço foi campo de estágio em epidemiologia hospitalar do internato de Medicina da Faculdade de Medicina Universidade Estácio de Sá, como parte de convênio com o HFSE. O programa funcionou de 11/2002 até 2016, como parte da grade curricular do internato na área básica de Saúde Coletiva. A carga horária variou de 40h (1 sem) a 160h (4 sem), com 1835 internos até o 2º semestre/2016. A variação da carga horária foi determinada principalmente pelo aumento do número de alunos e a limitação de absorção pelo cenário único. Os alunos participavam de uma equipe multidisciplinar em todas as atividades, com ênfase na VE, com notificação compulsória e investigação epidemiológica de casos atendidos no hospital, e execução de medidas de controle; uso dos sistemas nacionais de informação; desenvolvimento de habilidades em pesquisa aplicada à realização de um estudo em grupo sobre algum problema de saúde no nível hospitalar, integrando VE, gerência de bases de dados e avaliação de serviços. O estudo gerava um seminário como parte da avaliação do aluno. Foram produzidos 599 trabalhos, que geraram, até 2015, 25 apresentações em congressos (15 nacionais; 1 internacional), 4 prêmios, 6 artigos completos e 11 resumos publicados. A integração entre internos e serviço tem sido mutuamente proveitosa, favorecendo o crescimento profissional coletivo. A duração de quatro semanas foi a mais proveitosa para alunos e serviço. Foi uma experiência exitosa de integração da graduação médica com um serviço de epidemiologia hospitalar, porém o crescimento do número de alunos e a discussão do novo currículo levaram à interrupção do modelo em 2017. A partir de 2016, o Serviço passou a oferecer uma vaga para estágio em vigilância epidemiológica para internato de enfermagem.

Os NHE vêm sendo considerados importantes polos e formação e capacitação em vigilância epidemiológica. Em São Paulo, a participação em atividades de ensino e pesquisa é realizada em 28 (71,8%) dos NHE e 18 (46,2%) recebem estagiários de cursos de graduação e especialização. Assim como o HFSE, alguns núcleos como o do Instituto Emilio Ribas e o da Unicamp atuam há vários anos como campo de estágio de especialização/aprimoramento na área de vigilância epidemiológica7. Alguns NHE de São Paulo e do Paraná relatam campo de estágio para graduação médica e/ou de enfermagem7,21; porém não encontramos relato de experiência de internato como a nossa na literatura.

Núcleo de Vigilância Hospitalar: a construção estratégias para uma vigilância em saúde integrada

O conceito de vigilância hospitalar tem recebido força no contexto das várias práticas de vigilância em saúde hoje existentes no âmbito dos hospitais, indo além da vigilância epidemiológica e da vigilância das infecções hospitalares. Alguns estudos mostram que essa prática tem sido exercida de forma fragmentada em instituições brasileiras, com pouca integração entre as várias comissões3,4. A percepção da necessidade de um novo modelo de vigilância cresce entre as equipes das diversas vigilâncias hospitalares. Desde 2002, a experiência de integração das vigilâncias através da estrutura do Núcleo de Vigilância Hospitalar (NVH) no âmbito das unidades hospitalares próprias da rede estadual do Rio de Janeiro14 acrescenta um novo olhar a essa discussão, englobando quatro comissões: Vigilância Epidemiológica, Controle de Infecção Hospitalar, Revisão de Prontuário e Revisão de Óbito. Posteriormente, o HFSE propôs uma adaptação dessa proposta, instituindo o NVH/HFSE que incluiu também a Gerência de Risco Sanitário-Hospitalar, o Serviço de Saúde do Trabalhador e a Comissão de Meio-Ambiente/Gerência de Resíduos20 (Figura 5).

Fonte: HSE35.

Figura 5 Proposta do Núcleo de Vigilância Hospitalar do Hospital Federal dos Servidores do Estado. 

Criado em 2005 para assessorar a Direção Geral e coordenar as ações de vigilância em saúde no HFSE, o NVH tem a função de coordenar as ações de vigilância à saúde desenvolvidas no âmbito do hospital, em integração com o Sistema Único de Saúde. Incorpora métodos, técnicas e instrumentos provenientes da epidemiologia, do planejamento, das ciências sociais e da tecnologia da informação, possibilitando assim análises de situações de saúde que reorientarão as ações e os serviços prestados pelas unidades operacionais, no âmbito da vigilância em saúde, com o objetivo de melhorar a qualidade da assistência e a relação custo-benefício das ações desenvolvidas20,32. Para isso aposta na articulação de vários setores que surgiram no âmbito hospitalar, ao longo da história, vinculados a diferentes movimentos da Saúde Pública. O NVH é um órgão de assessoria da Direção Geral, a ela diretamente subordinado. As comissões e os setores integrantes do NVH já têm uma história de atuação prévia, cada uma de acordo com sua especificidade. O papel do núcleo é facilitar a integração entre os diferentes setores e operacionalizar as atribuições de vigilância à saúde que frequentemente exibem interfaces, preservando, entretanto, as especificidades de cada um, inclusive quanto ao cumprimento da legislação vigente.

Ao buscar estabelecer através de metodologia participativa um espaço que possibilite a articulação de várias instâncias que têm como função a proteção à saúde da população assistida pelo hospital, bem como dos funcionários que trabalham na instituição, investe na integração de diferentes setores como elemento central na melhoria da qualidade. Entende que o exercício constante de uma vigilância em saúde organizada, bem sistematizada, que atenda às demandas da legislação vigente, constitua uma rede ágil de informações capaz de fazer um diagnóstico situacional confiável, detectar eventos-sentinela e contribuir ativamente para desencadear ações de controle com a rapidez necessária, certamente promoverá um impacto positivo na gestão e na qualidade da assistência.

É uma proposta em construção. Entre os desafios podem ser citados dificuldades históricas de integração das vigilâncias já existentes há mais tempo, e a determinação de implementação de novas estruturas de vigilância hospitalar, como por exemplo, o NSP36. Pelo menos um estudo4 discute aspectos da integração das vigilâncias no âmbito hospitalar a partir do caso da vigilância epidemiológica e do controle da infecção hospitalar. A autora fez revisão de aspectos histórico-políticos e das concepções teórico-práticas da organização dos serviços de vigilância hospitalar, e discutiu a partir da narrativa de profissionais que atuam na área, os limites impostos pelas especificidades de cada vigilância e os conflitos muitas vezes relacionados a uma formação diversificada dos profissionais que atuam na área, fatores esses que contribuem para uma atuação fragmentada.

Em novembro de 2013, em atenção à Resolução de Diretoria Colegiada – Anvisa nº 36, de 25/07/201336, que institui ações para a segurança do paciente em serviços de saúde, foi instituído o Núcleo de Segurança do Paciente (NSP) do HFSE. Mais recentemente, por determinação do Departamento de Gestão Hospitalar (DGH) do Estado do Rio de Janeiro foi instituído o Setor de Vigilância Hospitalar (SVH) no âmbito dos Hospitais Federais e no DGH no RJ37. Este SVH incorporou Epidemiologia Hospitalar, Controle de Infecção Hospitalar, Gerência de Risco, Gerência de Resíduos e o Núcleo de Segurança do Paciente. Esta portaria, entre outras competências, define a participação nas ações de vigilância hospitalar com o objetivo de otimizar as ações intersetoriais que possam interferir em ações determinantes e condicionantes de saúde. Assim, há uma diversidade de portarias que não necessariamente se acompanham de ações efetivas. Ressalta-se que as portarias relacionadas à vigilância epidemiológica hospitalar preveem a importância da interface da vigilância epidemiológica com a CCIH, com a Gerência de Risco (nas propostas de hemo, tecno e farmacovigilância), com a vigilância dos óbitos e com saúde do trabalhador, entre outros15,19.

No HFSE, temos dado ênfase à relevância de buscar a articulação entre as ações dos componentes dos NVH e NSP.

Considerações Finais

Ao longo de três décadas de existência o Serviço de Epidemiologia mantém uma coerência interna e externa, cumprindo seu papel como um serviço de vigilância epidemiológica integrado ao SUS, participando ativamente da REVEH nacional, e se destacando como um serviço formador de recursos humanos na sua área de abrangência. A rotina de vigilância epidemiológica está plenamente estruturada; o Serviço integra a Rede de Vigilância Epidemiológica Hospitalar de Interesse Nacional, e tem importante papel como unidade notificadora dentro do município e do estado. Apesar de esforços para divulgar a importância da notificação, o sistema depende da vigilância ativa. O SINAN é útil localmente para avaliação de serviços, e as informações geradas têm sido discutidas com os serviços de assistência aos agravos e orientado a tomada de decisão. A importância e a integração dos sistemas de informação para vigilância no nível hospitalar, a sua utilização na avaliação dos serviços e, principalmente, o papel da epidemiologia no treinamento/capacitação de recursos humanos são questões fundamentais defendidas sistematicamente.

O Serviço de Epidemiologia, através de suas atividades de vigilância epidemiológica, mantém contato permanente com os diversos setores e aproveita as oportunidades geradas a partir dos casos investigados para esclarecimento e sensibilização dos profissionais. Tem sido ainda catalizador da proposta do Núcleo de Vigilância Hospitalar, procurando estabelecer um espaço que possibilite a articulação de várias instâncias de vigilância em saúde que têm como função a proteção à saúde da população assistida pelo hospital, bem como dos funcionários que trabalham na instituição. Entende que o exercício constante de uma vigilância em saúde organizada, sistematizada, que atenda às demandas da legislação vigente, constitua uma rede ágil de informações capaz de fazer um diagnóstico situacional confiável, detectar eventos-sentinela e contribuir ativamente para desencadear ações de controle com a rapidez necessária, certamente promoverá um impacto positivo na gestão e na qualidade da assistência.

Alguns aspectos têm merecido destaque no processo de implementação de ações de vigilância à saúde no âmbito hospitalar: a necessidade de equipes multidisciplinares, a importância dos sistemas de informação em saúde; atividades de planejamento, assessoria, monitoramento e avaliação; e o papel da epidemiologia como ferramenta fundamental para o gerenciamento da informação produzida através das várias comissões que participam dessa vigilância. A partir dessa experiência, é possível refletir sobre os usos, as perspectivas e limitações da vigilância em saúde em uma unidade hospitalar que se integra ao SUS, em que alguns aspectos do chamado saber acadêmico são integrados à rotina de serviço de saúde, e que busca de forma persistente a articulação cotidiana dos vários saberes e tecnologias do campo da vigilância em saúde, visando o fortalecimento do presente em prol de um futuro melhor, sem esquecer a sua história.

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