versão impressa ISSN 1808-8694
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.81 no.2 São Paulo mar./abr. 2015
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2014.08.017
O hemotímpano pode ocorrer em decorrência de várias condições, incluindo fratura do osso temporal, tamponamento nasal, epistaxe, terapia anticoagulante e doenças hematológicas. A trombastenia de Glanzmann, uma doença hemorrágica congênita rara, representa uma causa pouco frequente de hemotímpano. Apresentamos aqui um caso de hemotímpano bilateral espontâneo em trombastenia de Glanzmann.
Paciente do sexo masculino de 12 anos com histórico de dois dias de perda auditiva bilateral progressiva. O mesmo tinha sido previamente diagnosticado com trombastenia de Glanzmann tipo 2 em 2003, por hemorragia prolongada após circuncisão. O exame otorrinolaringológico da orelha, através de microscopia, revelou a presença de hemotímpano bilateral (figs. 1A e B). Os demais exames foram normais. O paciente não apresentava histórico de trauma, barotrauma, otite média crônica ou terapia anticoagulante. O audiograma revelou perda auditiva condutiva bilateral simétrica (fig. 1C). A timpanometria apresentava curvas planas bilateralmente (Tipo B). Não foram detectados reflexos acústicos ipsi ou contralaterais. A tomografia computadorizada (CT) não foi realizada devido ao curto tempo de história, e por preocupações em relação aos efeitos colaterais da radiação. A contagem de plaquetas do paciente foi de 200.000/mm3; o tempo de sangramento 10 min (faixa normal: 1-3 min). Todos os outros resultados de testes hematológicos foram normais. O paciente foi diagnosticado com hemotímpano espontâneo bilateral. Em geral, o índice de resolução espontânea de hemotímpano é alto,, mas, considerando os impactos imediatos do hemotímpano na audição de uma criança, prescrevemos amoxicilina/ácido clavulânico (40 mg/kg/dia) 2 3 1 por duas semanas, em combinação com descongestionante nasal (três dias 3 3 1). Reavaliamos a membrana timpânica após a terapia médica. A membrana timpânica se encontrava normal e móvel durante a manobra de Valsalva. Os resultados do audiograma, emissão acústica e ressonância magnética temporal (MRı) foram normais, incluindo o seguimento de seis meses durante o exame otorrinolaringológico.
O termo de consentimento livre e esclarecido foi obtido do paciente para essa publicação.
O hemotímpano, caracterizado pelo acúmulo de sangue na orelha média e diagnóstico através de otoscopia, manifesta-se com uma coloração vermelha brilhante ou azul escuro ocupando a membrana timpânica parcial ou totalmente.1 A presença de sangue na cavidade timpânica pode causar perda auditiva mista ou de condução.1 Os pacientes geralmente se queixam de perda de audição de início agudo na orelha afetada. Em geral, a otalgia e a plenitude auricular estão presentes concomitantemente.1
Fraturas traumáticas do osso temporal são as causas mais frequentemente relatadas de hemotímpano.2 Outros antecedentes incluem tamponamento nasal, epistaxe, otite média crônica com efusão, doenças hematológicas e uso de anticoagulantes.3
Alterações da coagulação representam a outra causa de hemotímpano.4 , 5 No presente caso, a trombastenia de Glanzmann era do tipo 2. Este é o primeiro relato de hemotímpano bilateral espontâneo em trombastenia de Glanzmann, uma rara doença congênita que causa sangramento. Na trombastenia de Glanzmann, ocorrem alterações na agregação plaquetária, envolvendo as glicoproteínas Gp2b e Gp3a da superfície das plaquetas, que podem apresentar defeitos ou anomalias. Os genes que codificam para Gp2b e Gb3a localizam-se no cromossomo 17q 21-23; quaisquer mutações podem conduzir à disfunção plaquetária. Na trombastenia de Glanzmann, a morfologia e contagem das plaquetas são normais, mas tempo de sangramento prolongado é habitualmente observado. A trombastenia de Glanzmann é dividida em três tipos. A classificação dos tipos 1 e 2 é baseada na quantidade de Gp2b/Gp3a presente. No entanto, no tipo 3, a quantidade de Gp2b/Gp3a é normal, mesmo com a função anormal. Não há uma cura conhecida para a trombastenia de Glanzmann. O tratamento de suporte e transfusão de plaquetas durante o sangramento representam as abordagens terapêuticas mais eficazes. Em poucos casos, os transplantes de medula óssea têm sido realizados com sucesso. Com os cuidados adequados, a trombastenia de Glanzmann apresenta um bom prognóstico.5
O hemotímpano é uma condição autolimitada, e quando diagnosticada precocemente, a terapia medicamentosa melhora a deficiência da audição rapidamente. Terapia com antibióticos e descongestionantes locais e sistêmicos podem ser usados. No entanto, outros pesquisadores têm sugerido a utilização de miringotomia e colocação de tubos de ventilação para perdas auditivas persistentes.4
Em resumo, muitos fatores podem causar hemotímpano. Doenças hematológicas devem ser consideradas no diagnóstico diferencial. Considerando os impactos imediatos do hemotímpano na audição de uma criança, o diagnóstico precoce e um tratamento médico conservador podem evitar sequelas do hemotímpano persistente a longo prazo.