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Tuberculose linfonodal axilar coexistente com carcinoma mamário em tratamento adjuvante: relato de caso

Tuberculose linfonodal axilar coexistente com carcinoma mamário em tratamento adjuvante: relato de caso

Autores:

Silvio Eduardo Bromberg,
Paulo Gustavo Tenório do Amaral

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.13 no.3 São Paulo jul./set. 2015 Epub 19-Maio-2015

http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082015RC2963

INTRODUÇÃO

A tuberculose mamária foi primeiramente descrita por Astley Cooper em 1829, com a denominação de edema escrofuloso da mama. A concomitância de tuberculose primária e câncer de mama foi relatada apenas em 1897 por Pilliet e Piatot, e o acometimento específico de linfonodos axilares pela tuberculose foi registrado em 1899 por Warthin.(1) Esse quadro de coexistência das duas morbidades é extremamente raro, variando entre 0,1 a 4,9%. Grande parte dos relatos refere-se a comprometimento linfonodal axilar por lesão tuberculosa, podendo ou não coexistir nesse sítio com lesão neoplásica.(2)

O diagnóstico de acometimento ganglionar pela tuberculose é muito difícil devido à sua escassa manifestação clínica. Normalmente, a doença se manifesta com linfadenomegalia isolada ou associada com sintomas menores e inespecíficos, como febre baixa e perda de peso, que podem também estar presentes em casos de carcinoma mamário avançado ou recidiva locorregional do mesmo.(3) A tuberculose ganglionar, no curso do tratamento para o câncer de mama, geralmente está associada a estados de imunossupressão, eventualmente correlacionados ao tratamento quimioterápico empregado para controle de doença neoplásica.(4,5)

Relatamos o caso clínico de uma paciente com carcinoma mamário que desenvolveu linfadenomegalia axilar ipsilateral por tuberculose em pleno tratamento adjuvante. Houve um dilema diagnóstico em razão de possível recidiva locorregional.

RELATO DE CASO

A paciente RAS, 43 anos, sexo feminino, raça branca, apresentou nódulo palpável em mama esquerda há cerca de 6 meses. Negava outras queixas e antecedente pessoal ou de contato com o bacilo da tuberculose. Constava apenas tratamento prévio para doença de arranhadura do gato no lado esquerdo há 9 anos.

Ao exame físico, verificava-se nódulo endurecido de 15mm em junção dos quadrantes laterais (JQL) da mama esquerda. Axila normopalpável bilateralmente. Foram realizadas mamografia digital bilateral e ultrassonografia mamária, que identificaram apenas um nódulo irregular de 14mm em JQL à esquerda. Na ressonância nuclear magnética, identificou-se o nódulo irregular de 18mm em JQL à esquerda, próximo ao músculo peitoral e a 6cm da papila, com realce heterogêneo e curva tipo 2, além de linfonodos axilares habituais ipsilateralmente. Realizada biópsia por agulha grossa guiada pela ultrassonografia, que mostrou se tratar de um carcinoma ductal invasivo, grau histológico e nuclear 3, triplo negativo.

A paciente foi submetida à adenomastectomia e à biópsia de linfonodo sentinela à esquerda, associadas com reconstrução mamária imediata com retalho muscular abdominal e prótese mamária. O resultado anatomopatológico foi de carcinoma ductal invasivo, medindo 17mm, triplo negativo e sem acometimento linfonodal. Estadiamento final: T1cN0.

No estadiamento sistêmico, obtiveram-se tomografia toracoabdominal e cintilografia óssea sem anormalidades. Iniciado, então, tratamento adjuvante sistêmico, com quatro ciclos de doxorrubicina 60mg/m2 e ciclofosfamida 600mg/m2, seguidos por paclitaxel 80mg/m2por 12 semanas.

Ao final do tratamento quimioterápico, a paciente apresentou nódulo fibroelástico de 3cm, palpável e doloroso em linha axilar anterior à esquerda. À ultrassonografia axilar, encontrou-se um nódulo irregular com calcificações de permeio, medindo 3,1cm. Por meio da tomografia computadorizada, encontramos um linfonodo axilar esquerdo aumentado e contendo calcificações em seu interior (Figura 1). Na ressonância nuclear, o mesmo nódulo mostrava-se com morfologia globosa, e área de liquefação e realce heterogêneo pós-contraste, medindo 3cm (Figura 2). Foi realizada punção por agulha fina, que resultou sugestiva de linfadenopatia reacional com substituição adiposa.

Figura 1 Imagem obtida por tomografia computadorizada de linfonodo axilar esquerdo de tamanho aumentado e contendo calcificação em seu interior 

Figura 2 Realce suspeito por ressonância nuclear magnética de linfonodo axilar esquerdo 

Diante do resultado discordante da punção com os exames de imagem, realizou-se exérese cirúrgica do linfonodo, e o resultado anatomopatológico foi de processo inflamatório crônico com formação de granuloma e necrose central (Figuras 3 e 4). Devido ao antecedente de doença de arranhadura do gato, foi realizada pesquisa de imunoglobulinas para Bartonella, que resultou negativa. Realizada também pesquisa do complexo de tuberculose por quantificação de interferon gama, que resultou positiva, sugerindo o diagnóstico de adenopatia axilar por tuberculose. Após avaliação do infectologista e cultura para tuberculose positiva, foi iniciado o tratamento para tuberculose primária e a paciente permaneceu assintomática.

Figura 3 Peça cirúrgica de linfonodo axilar esquerdo suspeito 

Figura 4 Lâminas de anatomopatológico com coloração específicas 

DISCUSSÃO

A tuberculose é um problema de saúde pública em diversos países. É estimado que um quinto da população mundial seja infectado por tuberculose e que 3 milhões de pessoas morram todo ano por causa dessa doença. Mesmo com toda tecnologia diagnóstica e novos tratamentos, esse número ainda pode se elevar ano a ano.(6)

A associação de tuberculose com câncer de mama é rara, variando entre 0,1 a 4,9%. A grande porcentagem dessa incidência deve-se ao acometimento ganglionar da tuberculose.

Para o diagnóstico do acometimento ganglionar na prática clínica, optamos por exames de imagem (mamografia, ultrassonografia e ressonância nuclear magnética), citologia aspirativa por agulha fina e exérese cirúrgica da lesão. As acurárias dessas técnicas são, respectivamente, 14%, 12% e 60%. Para o aumento da taxa de diagnóstico, recorremos aos testes de imunologia e de biologia molecular, que incluem o uso de anticorpos marcados, provas de imunoenzimático e reação em cadeia de polimerase.(7)

Os exames de imagem não permitem a distinção entre processos benignos e malignos nestes casos; porém imagens que indicam calcificações e processos de liquenificação podem levar a suspeita de tuberculose.

Histologicamente, processo inflamatório granulomatoso e focos de necrose caseosa requerem pesquisa para tuberculose, independentemente da técnica utilizada.(8)

O tratamento da tuberculose ganglionar consiste na administração de drogas antituberculínicas (rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol).(3)

CONCLUSÃO

O diagnóstico adequado do acometimento ganglionar pela tuberculose em coexistência com câncer de mama é muito importante para evitarmos o estadiamento incorreto do câncer de mama como localmente avançado e, dessa forma, evitarmos um tratamento cirúrgico agressivo da axila nessas pacientes. Assim, deve-se dar especial atenção à investigação histopatológica de linfonodos axilares não habituais, antes do tratamento cirúrgico definitivo.

Além disso, em situações em que encontramos granulomas com necrose caseosa em linfonodos axilares, deve ser realizada a exclusão da tuberculose como diagnóstico principal. Nesses casos, a investigação diagnóstica deve ser realizada mesmo em pacientes assintomáticos ou que não apresentaram contato com pacientes bacilíferos, já que a doença é muito frequente e que o achado histopatológico é típico da mesma.

REFERÊNCIAS

Miller RE, Salomon PF, West JP. The coexistence of carcinoma and tuberculosis of the breast and axillary lymph nodes. Am J Surg. 1971;121(3):338-40.
Salemis NS, Razou A. Coexistence of breast cancer metastases and tuberculosis in axillary lymph nodes-a rare association and review of the literature. Southeast Asian J Trop Med Public Health. 2010;41(3):608-13.
Silva Junior CT. Abordagem diagnóstica da tuberculose pleural, ganglionar, renal e sistema nervoso central. Pulmão (Rio de Janeiro). 2012;21(1):32-5.
Baslaim MM, Al-Amoudi SA, Al-Ghamdi MA, Ashor AS, Al-Numani TS. Case report: breast cancer associate with contralateral tuberculosis of axillary lymph nodes. World J Surg Oncol. 2013;11:43.
Khurram M, Tariq M, Shahid P. Breast cancer with associated granulomatous axillary lymphadenitis: a diagnostic and clinical dilemma in regions with high prevalence of tuberculosis. Pathol Res Pract. 2007;203(10):699-704.
Tulasi NR, Raju PC, Damodaran V, Radhika TS. A spectrum of coexistent tuberculosis and carcinoma in the breast and axillary lymph nodes: report of five cases. Breast. 2006;15(3):437-9.
Akbulut S, Sogutcu N, Yagmur Y. Coexistence of breast cancer and tuberculosis in axillary lymph nodes: a case report and literature review. Breast Cancer Res Treat. 2011;130(3):1037-42. Review.
Walsh N, Greene J, Catherine Lee M. Tuberculous adenopathy masquerading as locally advanced breast cancer. Breast J. 2013;19(1):106-7.