versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.110 no.6 São Paulo jun. 2018
https://doi.org/10.5935/abc.20180097
A congestão pulmonar é um achado clínico importante em paciente com insuficiência cardíaca (IC). Exame físico e radiografia do tórax têm acurácia limitada na detecção da congestão. A ultrassonografia pulmonar (UP) vem sendo incorporada à prática clínica na avaliação da congestão pulmonar. Este artigo teve como objetivo realizar revisão sistemática sobre a utilização da UP em pacientes com IC, nos diferentes cenários. Foi realizada uma pesquisa nas bases de dados MEDLINE e LILACS no mês de fevereiro de 2017 envolvendo artigos publicados entre 2006 e 2016. Foram encontrados 26 artigos na presente revisão, 11 deles no cenário da emergência e 7 em cenário ambulatorial, com valor diagnóstico e prognóstico definido e valor terapêutico pouco estudado. A UP aumentou a acurácia em 90% em relação ao exame físico e à radiografia do tórax para o diagnóstico da congestão, sendo mais sensível e precoce. A qualificação do executor da UP não interferiu na acurácia diagnóstica. O achado de linhas B ≥ 15 teve correlação com BNP elevado (≥ 500) e relação E/e' ≥ 15, com impacto prognóstico em pacientes com IC ambulatoriais e na alta hospitalar. Conclui-se que, na avaliação da congestão pulmonar na IC, a UP tem valor incremental na abordagem diagnóstica e prognóstica em todos os cenários encontrados.
Palavras-chave Insuficiência Cardíaca; Congestão Pulmonar; Água Extravascular Pulmonar; Pulmão / diagnóstico por imagem; Ultrassonografia; Pulmão / radiografia
Pulmonary congestion is an important clinical finding in patients with heart failure (HF). Physical examination and chest X-ray have limited accuracy in detecting congestion. Pulmonary ultrasound (PU) has been incorporated into clinical practice in the evaluation of pulmonary congestion. This paper aimed to perform a systematic review of the use of PU in patients with HF, in different scenarios. A search was performed in the MEDLINE and LILACS databases in February 2017 involving articles published between 2006 and 2016. We found 26 articles in the present review, 11 of which in the emergency setting and 7 in the outpatient setting, with diagnostic and prognosis defined value and poorly studied therapeutic value. PU increased accuracy by 90% as compared to physical examination and chest X-ray for the diagnosis of congestion, being more sensitive and precocious. The skill of the PU performer did not interfere with diagnostic accuracy. The presence of B-lines ≥ 15 correlated with high BNP values (≥ 500) and E/e' ratio ≥ 15, with prognostic impact in IC patients at hospital discharge and those followed up on an outpatient basis. In conclusion, when assessing pulmonary congestion in HF, PU has an incremental value in the diagnostic and prognostic approach in all scenarios studied.
Keywords Heart Failure; Pulmonary Congestion, Extravascular Lung Water / diagnostic imaging; Lung / diagnostic imaging; Ultrassonography; Lung / radiography
A insuficiência cardíaca (IC) é uma das principais causas de hospitalização em adultos no Brasil. O registro BREATHE é o primeiro a incluir uma ampla amostra de pacientes hospitalizados com IC descompensada de diferentes regiões do Brasil,1 sendo a primeira causa de hospitalização em pacientes acima de 65 anos,2 um quarto dos quais é re-hospitalizado em 30 dias.3 Na Europa, 44% dos pacientes com IC são re-hospitalizados pelo menos uma vez em 12 meses.4 A dispneia aguda ou progressiva devido a congestão pulmonar é o principal fator para os pacientes procurarem atendimento nas emergências.5 A congestão subclínica está associada a um pior desfecho clínico.3,4
O exame físico e a radiografia do tórax são amplamente utilizados pelos emergencistas; mostram-se, entretanto, de baixa acurácia para o diagnóstico da congestão pulmonar. Ademais, a radiografia do tórax frequentemente depende da avaliação do radiologista, o que atrasa a tomada de decisão.6
A ultrassonografia pulmonar (UP) foi anteriormente tida como de baixa utilidade clínica em livros textos clássicos de cardiologia.5 Entretanto, há cerca de 20 anos, com o trabalho de Daniel Lichtenstein em 1997,6 a UP passou a ser amplamente estudada na avaliação da síndrome intersticial alveolar, a qual engloba a congestão pulmonar de origem cardíaca,6 nos cenários de terapia intensiva e sala de emergência, assim como em pacientes internados, na pré-alta hospitalar e nos pacientes ambulatoriais com IC.
A principal aplicação da UP para o cardiologista é a avaliação das linhas B.7-9 A análise da linha B - sinal do cometa - permitiu a detecção de síndrome alveolar intersticial e o acesso à água pulmonar extravascular.6,7 As linhas B são descritas com um artefato de reverberação hiperecoica semelhante ao feixe de laser vertical, que se origina da linha pleural, estende-se para a parte inferior da tela sem desvanecimento e move-se de forma sincrônica com o deslizamento do pulmão.10 Várias linhas B estão presentes na congestão pulmonar e podem auxiliar na detecção, semiquantificação e monitorização da água pulmonar extravascular, no diagnóstico diferencial de dispneia e na estratificação prognóstica de IC crônica e aguda.6,11 É considerado como zona ou campo positivo quando se identificam três ou mais linhas B.7,10,12
Metodologias diferentes têm sido aplicadas à UP para a análise das linhas B, desde o cenário pré-hospitalar, onde se avaliam 2 campos pulmonares apenas13,14 até avaliações mais detalhadas com 28 campos, conforme descrito por Jambrik12,15 (Figura 1). No entanto, a maioria dos trabalhos usou a metodologia de 8 campos conforme a Figura 2.
Figura 1 Esquema de 28 campos (zonas) para avaliação de ultrassonografia pulmonar adaptado segundo Jambrik et al.15
Figura 2 Esquema de oito campos (zonas) para avaliação de ultrassonografia pulmonar adaptado de Volpicelli et al.12Legenda: LPE: linha paraesternal; LAA: linha axilar anterior; LAP: linha axilar posterior.
A UP tem se mostrado de melhor acurácia que o exame físico e a radiografia pulmonar para o diagnóstico de congestão pulmonar, mesmo quando realizada por médicos poucos experientes no método ou por médicos não radiologistas.16,17 Esse método agrega valor aos neuropeptídeos [peptídeo natriurético tipo B (BNP) e NTpró-BNP] no diagnóstico,18 prognóstico e tratamento dos pacientes com IC descompensada.
O objetivo deste trabalho foi realizar uma revisão sistemática acerca da utilização da UP em pacientes com IC em diferentes cenários clínicos, buscando identificar seu papel no diagnóstico, no prognóstico e na orientação terapêutica. Nossa hipótese é que a UP aplicada à análise da congestão pulmonar em diferentes cenários clínicos em pacientes com IC possa oferecer real contribuição à prática clínica.
Foram pesquisadas as bases de dados MEDLINE (acessado via PubMed) e LILACS. Os descritores utilizados foram "heart failure", "pulmonary ultrasound", "thoracic ultrasound". A pesquisa nas bases de dados foi realizada com os seguintes conectores: (heart failure) AND (pulmonary ultrasound) AND (thoracic ultrasound). Adotaram-se como critérios de inclusão dos estudos: artigos escritos em inglês, português ou espanhol, que abordaram a UP na avaliação da dispneia ou congestão em pacientes com IC. Os dados foram extraídos de forma padronizada, por dois investigadores independentes responsáveis pela avaliação da qualidade metodológica dos manuscritos. Foram excluídos artigos em duplicidade, revisões, editoriais, carta ao editor e aqueles feitos em animais e em populações menores de 18 anos. A busca na literatura foi realizada em fevereiro de 2017, incluindo artigos de 2006 a 2016.
A seleção dos artigos ocorreu respeitando-se duas etapas. Na primeira, foi realizada leitura dos resumos e foram excluídos aqueles que não se enquadraram nos critérios de inclusão. Na segunda etapa, os estudos restantes foram lidos na íntegra e, da mesma forma, foram excluídos aqueles que não se adequaram aos critérios de inclusão, segundo modelo PRISMA (Figura 3).
Gustafsson et al.,19 verificaram que enfermeiros especializados em IC, treinados por 4 horas em UP, atingiram nível substancial de análise interobservador quando comparados a cardiologistas para análise de linhas B e derrame pleural (k = 0,71 e 0,66, respectivamente).19 Esses resultados e demais dados estão apresentados na Tabela 1.
Tabela 1 Resumo dos artigos encontrados e seus respectivos resultados
Avaliação diagnóstica de dispneia pré-hospitalar (ICA ou ICCD) |
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UP foi útil para o diagnóstico em 68% dos pacientes dispneicos pré-hospitalar sem atraso no tratamento e/ou transporte, onde a presença de DP em pacientes com IC descompensada foi de 100%, em pacientes com SCA (17%) e em pacientes com DPOC (20%; p < 0,01), sendo o DP marcador diagnóstico em pacientes com IC descompensada.13 Sensibilidade de 100% e especificidade de 95% para o diagnóstico de IC pela UP foram comparáveis às do NT-próBNP (> 1,000 pg/mL), S = 92% e E = 89%, e superior às dos critérios de Boston modificado: S = 85% e E = 86%. A combinação de UP e NT-próBNP teve S e E de 100%.18 |
Avaliação diagnóstica de dispneia na emergência (ICA ou ICCD) |
Estudos apresentaram S variando de 70% a 96,2% e E de 54% a 75%,23-25,27,29,31 sendo que a reclassificação diagnóstica variou de 19% a 47%,23,24 havendo mudança de tratamento em 43%,24 com valores comparáveis aos do BNP > 500 (S = 75% e E = 83%).27 Acurácia de 90% da UP versus 67% (p = 0,0001) para exame clínico, e acurácia de 81% (p = 0,04) para a combinação de exame clínico, NT-próBNP e raioX.25 A UP foi superior para o diagnóstico de ICCD com S = 100% e de PNM com S = 75% comparada ao estetoscópio (S = 89% e S = 73%, respectivamente).26 A concordância interobservador foi melhor nas zonas torácicas anterior/superior, por ambos os pares perito/perito e perito/iniciante,16 sendo que a UP feita por iniciantes versus especialista teve S e E de 79-85% e 84-88%, respectivamente,17,37 VPP de 64-75% e VPN de 90,9-94%.17,29 A concordância global com o padrão-ouro na interpretação de edema pulmonar na UP foi 74%, superior à do raioX (58%, p < 0,0001).28 UP e US de VCI integradas apresentou S= 94,3%, E= 91,9%, VPN= 91,9% e VPP= 94,3% para diferenciar ICA de doença pulmonar,29 e a DVJ-US é teste sensível (S = 98,2%) para identificar edema pulmonar em pacientes dispneicos com suspeita de ICA congestiva.30 Estudos revelaram LR(+) da UP de 3,88-4,8% e LR(-) da UP de 0,20-0,50%24,31 para um diagnóstico de ICA ou ICCD, sendo superior à LR(+) do NT-próBNP [= 2,3] e semelhante à LR(-) do NT-próBNP [= 0,24].31 |
Avaliação diagnóstica na terapia intensiva (ICA ou ICCD) |
Concordância da UP com diagnóstico final foi de 84%, tendo o edema pulmonar cardiogênico S = 86% e E = 87%,32 e valores de VCI > 9 mm, no modo-B, tiveram S = 84,4% e E = 92,9% [LR(+) = 11,8, LR(-) = 0,16] para diagnóstico de dispneia cardiogênica.33 |
Avaliação diagnóstica ambulatorial |
O desfecho primário (internação por ICCD e morte por todas as causas) ocorreu 4x mais nos pacientes no terceiro tercil do que nos pacientes no primeiro tercil com ≥ 3 linhas B (p < 0,001), que ficaram menos tempo vivos e menos dias fora do hospital (p < 0,001).36 O achado de linhas B ou DP ou ambos aumentou o risco de morte ou hospitalização (p < 0,05)19 e correlacionou-se de forma pareada com as estimativas de PCAP (p < 0,001) e com o índice de impedância de fluidos (p < 0,001); o alerta de impedância detectou deterioração clínica de IC com S = 92% e ≥ 5 linhas B mostrou S = 83%.35 A descompensação da IC esteve presente em 68% dos pacientes quando o número de linhas B foi ≥ 15, tendo correlação com o NT-próBNP > 1000 (p< 0,0001) e a relação E/e’ > 15 (p < 0,0001).34 |
Avaliação prognóstica |
A sobrevida livre de eventos (morte por todas as causas ou reinternação) em pacientes com IC e com ≥ 30 linhas B foi menor que em pacientes com < 30 linhas B (p < 0,0001) em 3 meses10 e em pacientes com ≥ 15 linhas B em 6 meses,11 sendo que um número ≥ 30 linhas B foi preditor de morte juntamente com BNP > 700 (p = 0,002).10 |
Avaliação terapêutica |
Houve redução do número de linhas B com o tratamento (p < 0,05), havendo correlação linear do escore da UP com o escore radiológico (p < 0,05), o escore clínico (p < 0,05) e o nível de BNP (p < 0,05).8 |
Avaliação da UP em comparação com outros métodos diagnósticos |
Achado de aumento de linhas B correlacionou-se com VDFVE (p = 0,036);20 diâmetro sistólico final VE (p = 0,026);20 PP (p = 0.009)20; índice massa VE (p = 0,001);20 índice volume AE (p = 0,005);20 velocidade da RT (p = 0,005);20 medida de AD, PDAP, PAPM, RVP, todos p < 0,005,21 e PSAP (p = 0,003-0,005);20,21 e, para cada linha B, houve aumento de 1 mmHg na PSAP e 0,1 ui Woods na RVP.21 Não houve diferença estatística na análise de número de linhas B entre os tipos de aparelhos de US usados, seja 4 ou 8 zonas avaliadas (p = 0.67),22 mas houve diferença na duração do clip 4 versus 2 segundos (p < 0,001 para 4 e 8 zonas) e clip 6 versus 4 segundos (p = 0,057 para 4 zonas e p = 0,018 para 8 zonas).22 |
ICA: insuficiência cardíaca aguda; ICCD: insuficiência cardíaca crônica descompensada; IC: insuficiência cardíaca; UP: ultrassonografia pulmonar; DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; DP: derrame pleural; SCA: síndrome coronariana aguda; S: sensibilidade; E: especificidade; VPN: valor preditivo negativo; VPP: valor preditivo positivo; NT-próBNP: N-terminal pró-peptídeo natriurético cerebral; LR(+): razão de verossimilhança positiva; LR(-): razão de verossimilhança negativa; US: ultrassom; raioX: radiografia do tórax; PNM: pneumonia; VCI: veia cava inferior; DVJ-US: distensão da veia jugular ao ultrassom; PCAP: pressão capilar da artéria pulmonar; BNP: peptídeo natriurético tipo B; VDFVE: volume diastólico final do ventrículo esquerdo; PP: parede posterior; VE: ventrículo esquerdo; AE: átrio esquerdo; RT: regurgitação tricúspide; AD: átrio direito; PDAP: pressão diastólica da artéria pulmonar; PAPM: pressão arterial pulmonar média; RVP: resistência vascular pulmonar; PSAP: pressão sistólica da artéria pulmonar; ui: unidades internacionais.
Platz et al.,20 ao analisarem as linhas B com dados do doppler cardiográfico, encontraram correlação com diâmetro diastólico final (DDF) do ventrículo esquerdo (VE; p = 0,036) e diâmetro sistólico final do VE (p = 0,026), com espessamento da parede septal (p = 0,009), índice de massa do VE (p = 0,001), índice de volume do átrio esquerdo (p = 0,005), velocidade da regurgitação tricúspide (p = 0,005) e pressão sistólica da artéria pulmonar (PSAP, p = 0,003).
Platz et al.,21,22 concluíram, em dois trabalhos distintos, que a duração dos vídeos ("clips") é mais importante que o tipo de aparelho usado na análise das linhas B e que as linhas B se correlacionam com pressões do átrio direito, pressão arterial diastólica e sistólica pulmonar e pressão venosa central, mas não se correlacionaram com a pressão de oclusão da artéria pulmonar nem com o índice cardíaco.
Em nossa experiência inicial, a congestão pulmonar detectada à UP correlacionou-se mais com a PSAP do que com o DDF, 86% e 58% respectivamente.
Foi identificado derrame pleural em 100% dos pacientes com IC descompensada em cenário pré-hospitalar,13 e Prosen et al.,18 concluíram que a UP tem potencial para diferenciar dispneia de origem cardiogênica ou pulmonar, principalmente quando associado ao uso do BNP, onde se observou aumento da sensibilidade e especificidade diagnóstica para associação do UP com o BNP.
No cenário da emergência, Pivetta et al.,23 observaram aumento da acurácia diagnóstica e 19% dos pacientes foram reclassificados quanto ao diagnóstico após a realização da UP. Russel et al.,24 encontraram uma mudança de conduta na fase aguda em torno de 47% dos casos. Gallard et al.,25 encontraram uma acurácia de 90% quando a UP foi comparada ao exame clínico (67%, p = 0,001) e quando comparada ao exame clínico acrescido de NT-próBNP e radiografia do tórax (81%, p = 0,04). Oskan et al.,26 ao compararem o desempenho diagnóstico entre UP e ausculta, encontraram sensibilidade de 100% e 89% vs. 75% e 73%, respectivamente, para o diagnóstico de IC descompensada e pneumonia. Tanto Gullet et al.,16 quanto Chiem et al.,17 encontraram concordância entre o executor com pouca experiência ou recém-treinado e o especialista na análise interobservador para o diagnóstico de pacientes dispneicos na sala de emergência. Quanto ao diagnóstico de IC descompensada em pacientes dispneicos na emergência, Anderson et al.,27 encontraram valores semelhantes para a UP (S = 70%) e o BNP > 500 pg/mL (S = 75%). E Martindale et al.,28 encontraram superioridade da UP (74%) versus radiografia do tórax (58%) na concordância global com o padrão-ouro para o diagnóstico de edema pulmonar. Kajimoto et al.,29 constataram que a ultrassonografia de veia cava inferior (VCI) aliada à UP aumenta a sensibilidade diagnóstica na IC aguda versus doença pulmonar primária. Jang et al.,30 constataram que a medida longitudinal e transversal da veia jugular interna no final da expiração é teste sensível para identificar edema pulmonar em radiografia do tórax em pacientes com suspeita de IC. Liteplo et al.,31 observaram a superioridade da UP comparada ao NT-próBNP para diferenciar IC crônica de doença pulmonar obstrutiva crônica, com verossimilhança positiva [LR(+)] de 3,88 (99% [IC] = 1,55 a 9,73), enquanto o NT-próBNP teve uma LR(+) de 2,3 (95% [IC] = 1,41 a 3,76).
Em ambiente de terapia intensiva, Dexheimer Neto et al.,32 usaram o protocolo BLUE em pacientes dispneicos e encontraram uma concordância da UP com o diagnóstico final de pneumonia ou edema agudo pulmonar de 84% (kappa total = 0,81). E Yamanoglu et al.,33 detectaram a origem cardíaca da dispneia através do índice de colapsabilidade da VCI (sensibilidade = 84,4% e especificidade = 92,9%).
Temos observado em nossa prática clínica que a UP aumenta a acurácia diagnóstica de congestão pulmonar, sendo superior ao estetoscópio tanto na emergência quanto na unidade de terapia intensiva cardiológica.
No cenário ambulatorial, Miglioranza et al.,34 verificaram que o número de linhas B ≥ 15 correlacionou-se ao NT-próBNP > 1000 (p < 0,001), à relação E/e' > 15 (p = 0,001) e à avaliação clínica (p< 0,001), com sensibilidade de 85% e especificidade de 83%, para o risco de IC descompensada. Maines et al.,35 obtiveram correlação da presença das linhas B com o índice de impedância dos fluidos (p < 0,001) em pacientes ambulatoriais com IC.
No âmbito ambulatorial, Platz et al.,36 identificaram que pacientes que apresentaram mais de três linhas B tiveram quatro vezes mais chances de internação por IC ou mortes por todas as causas, ressaltando-se que 81% desses não apresentaram alterações compatíveis na ausculta pulmonar. Gustafsson et al.,37 verificaram em 104 pacientes que a presença de linhas B ou derrame pleural ou ambos se correlacionou com risco aumentado de morte ou hospitalização (HR: 3-4; p < 0,05). Gargani et al.,9 e Corio et al.,10 ambos em 2015, encontraram valor prognóstico na alta hospitalar, quando linhas B ≥ 30 e ≥ 15, respectivamente, para morte por todas as causas ou internação em 3 meses (p < 0,001) e 6 meses livre de eventos (p< 0,001).
Em nossa casuística, encontramos um número médio de linhas B de 12,2 ± 7,3, no momento da alta hospitalar. Cinco pacientes reinternaram em 90 dias, com uma média livre de eventos de 63,6 ± 25,7 dias e valor médio de BNP de 450,10 ± 409,96 pg/mL.
Volpicelli et al.,8 concluíram haver redução das linhas B após instituição do tratamento e correlação dessa melhora com outros parâmetros, como o escore radiológico de congestão (p < 0,05), o escore clínico (p< 0,05) e o nível de BNP (p < 0,05).
Esta revisão sistemática teve como objetivo identificar as evidências científicas sobre UP na IC. Os resultados mostram o aumento da acurácia no diagnóstico da IC no ambiente pré-hospitalar e hospitalar, com valor incremental no prognóstico na alta dos pacientes com IC descompensada e um provável papel para guiar o tratamento nos pacientes portadores de IC.
Nota-se que, ao longo desses 10 últimos anos, houve um aumento progressivo de publicações sobre UP na IC, conforme a Figura 4, sendo, porém, muitos trabalhos de revisão clínica,7,38,39 descrição metodológica40 e editoriais.
Figura 4 Distribuição de publicações específicas sobre ultrassonografia pulmonar aplicada à insuficiência cardíaca ao longo do período (2006-2016).
Diversos são os cenários de aplicabilidade da UP na avaliação de pacientes dispneicos com IC descompensada ou IC presumida. A aplicação emergencial foi a mais estudada conforme a Figura 5. Acredita-se que um dos fatores seja a baixa acurácia do exame físico e da radiografia do tórax6 para um diagnóstico rápido e mais preciso.23,24 Um estudo de revisão que envolveu 100 pacientes na sala de emergência e usou ultrassom cardíaco portátil revelou que a UP pode rapidamente auxiliar no diagnóstico de IC e facilitar o tratamento mais adequado e precoce.38
Figura 5 Distribuição do número de publicações sobre ultrassonografia pulmonar aplicada à insuficiência cardíaca conforme cenário de avaliação. UI: unidade de internação; UTI: unidade de tratamento intensivo.
Ainda nesse contexto de avaliação emergencial, Miglioranza et al.,34 e Facchini et al.,41 concluíram haver correlações positivas entre dados da UP e níveis de neuropeptídeos. Essa informação pode ser útil, principalmente quando não se dispõe dos peptídeos natriuréticos para avaliação inicial. Outro autor42 também aplicou a UP no cenário emergencial e constatou que a identificação de múltiplas linhas B bilateralmente foi preditor sensível, mas não específico, para elevação do BNP > 500 pg/mL. Esse foi o primeiro trabalho publicado que correlacionou as linhas B com BNP.42 Também há confirmação de que a presença de síndrome intersticial alveolar, identificada pela presença de linhas B, pode representar um teste preciso e reprodutível na discriminação entre dispneia cardiogênica e não cardiogênica na sala de emergência, com sensibilidade de 93,6%, especificidade de 84%, valor preditivo positivo de 87,9% e valor preditivo negativo de 91,3%,43 e esses achados também possuem correlação com classe funcional da NYHA, fração de ejeção ventricular esquerda e graus de disfunção diastólica.44
Diversos trabalhos5,18,23,24 correlacionaram a presença de linhas B na UP com marcador sensível para o diagnóstico de IC descompensada; no entanto, a presença de linhas B não é exclusiva da IC descompensada. Elas também ocorrem na síndrome da angústia respiratória do adulto e na fibrose intersticial pulmonar.12
Em outro estudo de revisão com pacientes ambulatoriais com IC, concluiu-se que a UP tem grande potencial diagnóstico à beira do leito para identificar sinais de congestão pulmonar, podendo vir a ser "state-of-the-art" como marcador de fluido intersticial, e esse padrão de linha B geralmente desaparece após tratamento adequado da IC aguda, revelando-se instrumento diagnóstico alternativo de fácil utilização com aplicabilidade terapêutica.8 Em trabalho recente de revisão sistemática, foi constatado que os achados da UP podem modificar-se rapidamente com a terapia para IC, e que a identificação de congestão residual em pacientes de alta hospitalar com IC aguda ou pacientes ambulatoriais com IC crônica pode indicar aqueles sob maior risco de eventos adversos.45
Autores como Gullet et al.,16 e Bedetti et al.,46 concluíram ótima correlação entre dois observadores com diferentes expertises em UP para análise de linhas B à beira do leito, em pacientes com IC tanto conhecida quanto presumida.
Num trabalho em pacientes dialíticos estáveis, o achado de linhas B à UP correlacionou-se com a pressão arterial diastólica pré-diálise (p = 0,015) e com a combinação de fração de ejeção reduzida e o percentual de volume sanguíneo reduzido no final da hemodiálise (p = 0,028).47
Tivemos a oportunidade de treinar dois médicos não especialistas em UP para avaliação de congestão. Percebemos que 4 horas de teoria e 15 exames práticos foram satisfatórios para que eles apresentassem acurácia semelhante na quantificação da congestão pulmonar. Nossos exames são validados por um radiologista especialista pela AMB, reforçando nosso compromisso com áreas de atuação e necessidade de proficiência-capacitação.
Também podemos constatar, em nossa prática médica, que a UP é superior ao estetoscópio na avaliação da congestão pulmonar, que a presença de linhas B (valor médio de 12,2 ± 7,3) foi marcador de reinternação para um quarto dos pacientes em 90 dias, e que a presença de congestão moderada foi preditor de reinternação em 100% dos casos.
O primeiro documento a apresentar recomendações baseadas em evidências sobre o uso clínico da UP no "point-of-care" foi de Volpicelli et al.,12 Esses autores determinaram os níveis de evidência para cada aplicabilidade, tendo ficado definido que, na avaliação da síndrome intersticial, a técnica do exame de ultrassonografia consiste idealmente em avaliação de 8 regiões, podendo variar de 2 a 28. Uma região positiva é definida pela presença de três ou mais linhas B em um plano longitudinal entre duas costelas.
A definição ultrassonográfica da linha B e de zona positiva - presença de ≥ 3 linhas por campo analisado - foram critérios usados por todos os autores da presente revisão. Também o critério de definição de síndrome intersticial alveolar (≥ 3 linhas por campo analisado bilateralmente) foi comum entre os autores.
A presente revisão sistemática teve como limitação o reduzido tamanho amostral. A falta de padronização dos escores utilizados para análise semiquantitativa também foi fator limitante.
O uso da UP na avaliação de pacientes dispneicos e aqueles com IC em diferentes cenários clínicos na abordagem diagnóstica e prognóstica possui valor incremental na sensibilidade, especificidade e acurácia para o diagnóstico da congestão pulmonar em pacientes com IC.
A UP agrega valor ao diagnóstico, facilitando a tomada de decisão na avaliação do paciente agudo e dispneico, onde a IC é um dos diagnósticos diferenciais, minimizando erros de tratamento e melhorando o desfecho clínico desse modelo de paciente.