versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756
J. bras. pneumol. vol.45 no.3 São Paulo 2019 Epub 27-Jun-2019
http://dx.doi.org/10.1590/1806-3713/e20180312
A endobronchial ultrasound-guided transbronchial needle aspiration (EBUS-TBNA, aspiração transbrônquica com agulha guiada por ultrassonografia endobrônquica) e a endoscopic ultrasound-guided fine-needle aspiration (EUS-FNA, biópsia por aspiração com agulha fina guiada por ultrassonografia endoscópica) são técnicas minimamente invasivas, seguras e precisas para biopsiar massas e linfonodos hilares e mediastinais.1 São consideradas técnicas complementares e a combinação das duas permite que se alcancem praticamente todas as cadeias linfonodais mediastinais, apresentando grande precisão para o estadiamento do câncer de pulmão e de esôfago.1,2
O câncer de esôfago é a sexta principal causa de morte por câncer em todo o mundo, e a endoscopia digestiva alta (EDA) é o padrão ouro para seu diagnóstico.3 Embora a EUS-FNA seja usada principalmente para o estadiamento locorregional do câncer de esôfago - é o método padrão ouro para esse fim - a técnica pode ser usada para o diagnóstico de câncer de esôfago em casos em que haja grande suspeita de doença maligna do esôfago e a EDA não seja suficiente para o diagnóstico definitivo.2-4 Como são ambas realizadas através do esôfago, tanto a EUS-FNA como a EDA podem ser tecnicamente desafiadoras se houver estenose maligna do lúmen esofágico. Em virtude da proximidade entre o esôfago e a árvore traqueobrônquica, a EBUS-TBNA pode ser uma técnica diagnóstica alternativa em casos assim. Relatamos aqui um caso no qual a EBUS-TBNA foi usada para diagnosticar carcinoma de esôfago.
Uma mulher de 60 anos apresentava odinofagia, disfagia progressiva e perda de peso (10 kg) havia um mês. A TC de pescoço e tórax mostrou espessamento inespecífico e realce heterogêneo discreto na transição faringoesofágica (Figura 1A). A EDA mostrou uma lesão vegetante que obstruía parcialmente o lúmen esofágico e impedia a progressão do endoscópio. A biópsia da lesão revelou displasia epitelial escamosa de baixo grau. A broncoscopia flexível não mostrou lesões endobrônquicas ou sinais de compressão extrínseca. A tomografia por emissão de pósitrons revelou espessamento circunferencial do esôfago cervical causando estreitamento do lúmen esofágico (valor padronizado de captação: 9,6), além de linfonodos mediastinais subcentimétricos inespecíficos (valor padronizado de captação do linfonodo subcarinal: 2,2), sem nenhum sinal de invasão das estruturas adjacentes (Figura 1B).
Figura 1 Em A, TC de pescoço e tórax mostrando espessamento inespecífico e realce heterogêneo discreto na transição faringoesofágica. Em B, tomografia por emissão de pósitrons mostrando espessamento circunferencial do esôfago cervical causando estreitamento do lúmen esofágico (valor padronizado de captação: 9,6). Notar a ausência de sinais de invasão das estruturas adjacentes. Em C, ultrassonografia endobrônquica mostrando uma lesão heterogênea com margens bem definidas, sem vasos na altura da subglote, onde foi realizada a aspiração transtraqueal com agulha guiada por ultrassonografia endobrônquica.
Em virtude da proximidade entre a lesão e o esfíncter esofágico superior e como a estenose esofágica impedia a passagem do endoscópio para que se realizasse uma nova biópsia, realizou-se a EBUS-TBNA; a EBUS revelou uma lesão heterogênea com margens bem definidas, sem vasos na altura da subglote (Figura 1C), e os achados da TBNA com agulha de calibre 22 foram consistentes com carcinoma de células escamosas do esôfago.
As características clínicas marcantes do câncer de esôfago são disfagia progressiva e perda de peso.3,4 No entanto, pacientes com câncer de esôfago muitas vezes não apresentam sintomas ou apresentam poucos sintomas; a disfagia ocorre somente quando dois terços do lúmen esofágico são afetados, motivo pelo qual é comum que haja demora no diagnóstico e que o prognóstico seja ruim.3-5
O câncer de esôfago pode se apresentar na forma de uma área plana e sutil ou de uma massa que obstrui o lúmen.3 A EDA permite a análise detalhada do tumor e a obtenção de amostras de tecido.3,4 Pelo menos sete biópsias devem ser realizadas na área suspeita para que a amostragem seja adequada; não é suficiente realizar escovações apenas.3,4 Quando a EDA não é suficiente para o diagnóstico definitivo, deve-se considerar a EUS-FNA.4 No entanto, as sondas de EUS-FNA são tipicamente grossas e podem, portanto, ser um problema se houver estenose maligna.4 Além disso, embora a extensão local aos linfonodos e a invasão da parede esofágica sejam mais bem investigadas por meio de EUS-FNA,2,4 o estreitamento do lúmen esofágico pode impedir a progressão do endoscópio em até 30% dos casos,5 o que constitui um obstáculo ao diagnóstico e estadiamento em virtude da impossibilidade de coletar, por meio de biópsia, material representativo através do lúmen esofágico. Em casos assim, a EBUS-TBNA pode ser realizada através do esôfago (porque as sondas de EBUS-TBNA têm diâmetro menor) ou da árvore traqueobrônquica, sendo assim uma abordagem alternativa.2,5
A EBUS-TBNA é indicada para o diagnóstico de lesões mediastinais adjacentes à árvore traqueobrônquica ou em contato direto com ela, permitindo a visualização de estruturas mediastinais como linfonodos, vasos e o próprio esôfago.1 Para além do estadiamento mediastinal do câncer do pulmão, a EBUS-TBNA tem sido considerada para o estadiamento do câncer do esófago e como um método de diagnóstico de câncer de pulmão de localização central e linfadenopatia mediastinal e hilar benigna/maligna.1,2
Garrido et al. descreveram o uso de EBUS apenas (isto é, sem biópsia) para avaliar a invasão traqueobrônquica em pacientes com estenose esofágica maligna.5 Demonstrou-se que a EBUS é altamente específica e sensível para detectar invasão traqueobrônquica, pois permite uma avaliação de alta resolução da camada mais externa da árvore traqueobrônquica.4 O uso de EBUS-TBNA com EUS-FNA tem demonstrado melhorar o estadiamento do câncer de esôfago através da amostragem de linfonodos que são mal avaliados ou não podem ser avaliados por meio de EUS-FNA, inclusive linfonodos peritumorais.1,2 A EBUS-TBNA contribui para o estadiamento do câncer de esôfago porque permite que se avaliem linfonodos paratraqueais direitos - muitas vezes difíceis de visualizar com EUS-FNA em virtude da interposição de ar da traquéia - e linfonodos hilares que não podem ser alcançados pela EUS-FNA.1,2 Quando se coletam amostras dos linfonodos peritumorais por meio de EUS-FNA, há risco de contaminação dos espécimes por perfuração do tumor primário; isso pode ser evitado por meio de EBUS-TBNA realizada através da árvore traqueobrônquica.2
Pelo que sabemos, não há dados sobre a utilidade da EBUS-TBNA para o diagnóstico de câncer de esôfago por meio de amostragem realizada através da árvore traqueobrônquica. Nosso estudo contribui para a literatura porque relata o caso de uma paciente na qual a estenose esofágica maligna impediu a coleta de material representativo por meio de biópsia através do lúmen esofágico e o diagnóstico definitivo de câncer primário de esôfago foi feito por meio de EBUS-TBNA realizada através da árvore traqueobrônquica. Em virtude da proximidade entre a árvore traqueobrônquica e o esôfago, a colaboração entre o endoscopista gastrointestinal e o broncoscopista é intuitiva e desejada, a fim de melhorar a precisão do diagnóstico.