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Um ano no Núcleo de Pesquisas do campus INPA Aripuanã

Um ano no Núcleo de Pesquisas do campus INPA Aripuanã

Autores:

Mário Benincasa

ARTIGO ORIGINAL

Acta Amazonica

Print version ISSN 0044-5967On-line version ISSN 1809-4392

Acta Amaz. vol.6 no.4 supl.1 Manaus 1976

https://doi.org/10.1590/1809-43921976064s005

Em 24 de janeiro de 1973 os Srs. Ministros do Planejamento e Coordenação Geral, Interior e Educação e Cultura celebraram convênio visando estabelecer as bases para o planejamento racional e sistemático do Município de Aripuanã, situado ao norte de Mato Grosso.

Em decorrencia deste convênio foi elaborado um programa de trabalho que consubstancia o chamado Projeto Aripuanã, o qual prevê como primeira etapa a implantação do Núcleo de Pesquisas Aripuanã (Núcleo Pioneiro Humboldt), com o objetivo de apoiar programas especiais de pesquisa no município, referentes a aspectos: Minerais, Energéticos, Florestais, Pedológicos, Agropecuários e de aproveitamento da água e da terra, entre outros.

Em virtude de suas características básicas, a área de Aripuanã foi selecionada como uma das Áreas-Programa de Desenvolvimento Integrado da Amazônia, constituindo-se fator de mais alta significação na ligação entre o Centro-Oeste e as áreas a serem beneficiadas com a construção da Transamazônica e outras estradas de penetração. Em face desses aspectos, o Programa Aripuanã assume importante característica de ocupação do território, de exploração de nossas riquezas, de segurança nacional e de pesquisas do Trópico-Úmido.

Do ponto de vista internacional Humboldt refletirá o Programa aprovado pelo Conselho Internacional de Coordenação do Programa sobre o "Homem e a Biosfera", em reunião realizada em Paris (1971) sob o patrocínio da UNESCO, indicando que a exploração dos recursos naturais da América Latina devem ser objeto de intensa investigação científica e tecnológica. Novamente discutido em 1972, na conferência das Nações Unidas, sobre o Meio-Ambiente (Estocolmo), esse programa foi transformado numa declaração de trinta e seis (36) princípios. Humboldt representará a congregação perfeita dos Princípios 12 e 13, que unificam a preocupação com o desenvolvimento econômico, a preservação e melhoria do meio-ambiente, responsabilizando entidades nacionais de planejamento pela formação de política regionais para o aproveitamento racional de recursos naturais.

Em meados de 1975, o Programa Aripuanã passou a ser coordenado diretamente pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e por meio do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, a partir do segundo trimestre de 1976.

Nessa nova fase do Projeto objetivou-se, em princípio, atender as necessidades imediatas de pesquisa para ocupação racional da área e iniciar ou dar continuidade ao levantamento vocacional sistemático do espaço Aripuanã.

De modo a se cumprir os objetivos nacionais e regionais propostos para Aripuanã, considerou-se que o planejamento das pesquisas deve ser realizado com base na investigação do ecossistema Homem-Terra, sob suas linhas simultaneas e interdependentes:

a) Aquela que visa identificar as relações entre a população nativa (índios e caboclos) e seu ambiente, e ecossistemas naturais com a finalidade predominante de aprendizado para preservação do equilíbrio ecológico;

b) Aquela em que os componentes do ecossistema são pesquisados sob a ótica de sua utilização econômica racional mais imediata.

Tal planejamento, contudo, sofre uma restrição no tempo, imposta pelo avanço da frente de povoamento, uma vez que grandes áreas do município já foram alienadas. Existe, pois, uma defasagem entre o desconhecimento da área, necessitando de pesquisa do meio-ambiente e a urgência em oferecer um conhecimento para ação dos empresários prontos a iniciar a ocupação do município, exigindo solução que permita oferecer uma alternativa de atualização econômica que satisfaça, tanto ao empresariado, quanto a concepção conservacionista do Projeto.

Nos anos que se passaram, desde a instituição do Projeto, um cem números de contatos foram efetuados, resultando em vários projetos, dos quais apenas três (3) foram realizados ou iniciados: O Projeto RADAM, base fundamental para o conhecimento do municipio, o Projeto de Pesquisas Biomédicas do Instituto Evandro Chagas e um levantamento Ictiológico extremamente preliminar e efetuado pela U.F.M.G.

As precárias condições de infraestrutura existentes realmente não peimitiriam ir-se além de levantamentos. Tornou-se necessária a recuperação dos bens encontrados e adquirir outros como mínimo, de modo a atender as necessidades de pesquisas a curto prazo. Ministraram-se cursos intensivos a pessoal da região, de modo a solicitar a mão-de-obra necessária, contrataram-se técnicos de nível médio, quatro pesquisadores e uma professora, além de pessoal do apoio. Estabeleceu-se um ótimo relacionamento com os habitantes da Vila de Aripuanã. O Núcleo é hoje, tanto para seus funcionários quanto para a Prefeitura do Município, motivo de grande orgulho.

Com o idealismo dos funcionários, orientação científica e um mínimo de infraestrutura, foi possível melhorar as condições da pista de pouso, que se encontra hoje homologada; melhorar as condições de habitação, construir-se instalações para aves, coelhos, gado, suinos, posto meteorológico, galpão para fabricação de ração e depósito, piquetes e cercas. Abriram-se áreas, montaram-se hortas, pastos e ensaios de pesquisas. A área do Núcleo foi ampliada assim com suas atividades. A freqüência de pessoal externo, tanto dos pesquisadores quanto dos ilustres visitantes e proprietários agropecuários da região, aumentou muito. As pesquisas concluídas e em andamento estão aumentando consideravelmente; todavia, a quantidade, qualidade e custo das pesquisas necessárias de serem levadas a termo, são dependentes da consolidação da infraestrutura do Núcleo.

No momento, especial empenho vem sendo dado à construção e montagem de carpintaria e marcenaria, oficina mecânica, implantação da rede de água, instalação da rede de telecomunicações, rádio-farol e hospital, principalmente. Outras iniciativas prioritárias para consolidação do Núcleo que se apresentam como urgentes são:

A geração de energia elétrica durante todo o dia, que vem impedindo a instalação de laboratórios mais sofisticados e a formação de um quadro de pesquisadores e técnicos residentes na região. O atendimento dessas prioridades depende, entretanto, dos recursos postos em disponibilidade, os quais vêm se verificando cada vez menores, apesar da intensificação das atividades científicas e das respostas à análise daquele ecossistema que, em pouco mais de um ano, começam a surgir como altamente promissoras.

As pesquisas Aripuanã vêm sendo desenvolvidas sob dois critérios: através de convênios firmados com entidades científicas, e aquelas realizadas por pesquisadores do próprio Núcleo.

Ressaltamos como altamente positiva a atuação do INPA-Manaus e da Faculdade de Medicina Veterinária e Agronomia de Jaboticabal, em Aripuanã.

Entre as entidades científicas e sua atuação no momento, em linhas gerais, citam-se:

O Instituto de Pesquisa Tecnológica montou em fevereiro deste ano, em Aripuanã, uma excelente serraria; encontra-se no momento instalando, em Cuiabá, o Centro de Tecnologia da Madeira, cujo trabalho, já em sua fase final, apresenta um bom andamento.

Um grupo da Universidade Federal de S. Carlos, após levantamento e coleta de material, encontra-se analisando e interpretando resultados.

O Museu Goeldi de Belém, colaborou com a participação do grupo de Antropologia Social e Ornitologia. O Dr. Fernando da Costa Novaes apresentou um excelente trabalho de sessenta páginas sobre a avifauna do rio Aripuanã.

A COOPPE (U.F.R.J.) — elaborou projeto de uma habitação de baixo custo adequada às condições de Aripuanã. O projeto encontra-se agora na fase de seleção de materiais.

Os pesquisadores do INPA-Manaus fizeram estudos Botânicos, Entomológicos, Ictiológicos, Médicos e Agronômicos. Introduziram várias plantas amazônicas (guaraná, cupuaçu, piquiá, etc.), e estão desenvolvendo ensaios com mais de sessenta variedades de mandioca e com soja.

A Faculdade de Medicina Veterinária e Agronômia de Jaboticabal (UNESP) implantou instalações para cinquenta coelhos (um galpão), quinhentas galinhas (quatro galpões), vinte cabeças de gado (estábulo, duas bezerreiras e piquetes), suinos (sete galpões e piquetes), fábrica de ração e armazenamento (um galpão), posto meteorológico secundário, realizou levantamento de solos, instalou pomar e ensaios com cana-de-açúcar, mandioca e de sorgo.

Foram levados para o Núcleo 11 coelhos, 650 pintos, 26 vacas, 2 touros, 2 búfalos e um cavalo.

No momento já se conta em Aripuanã com mais de cinquenta coelhos, uma produção diária de quatrocentos ovos, suficiente para atender a Vila e trinta e cinco cabeças de gado, sendo que quatro dos animais nasceram no Núcleo. A produção de leite tem sido aproximadamente de sessenta litros diários. Os porcos deverão ser levados em janeiro, após a conclusão definitiva da suinocultura. Espera-se que durante o próximo ano, tanto o Núcleo quanto a Vila, já estejam sendo francamente abastecidos de carne.

Entre as pesquisas de desenvolvimento ou em fase de implantação pelos pesquisadores do próprio Núcleo, com orientação e apoio de pesquisadores do INPA e Faculdade de Medicina Veterinária e Agronomia de Jaboticabal, destacam-se:

a) Produção de mudas de árvores nativas de alto valor econômico e estudos fenológicos, anatómicos e fisiológicos das mesmas, tendo-se elegido para início desse trabalho o mogno (Swietenia macrophilla); ressalta-se que esses estudos estão sendo realizados paralelamente em Jaboticabal (F.M.V.A.J.) e serão iniciados em S. Paulo (Jardim Botânico) e Rio de Janeiro (Jardim Botânico), no próximo ano;

b) Estudos de aproveitamento de espécies de vegetação secundária estabelecida na região, para nutrição de animais como a Trema micrantha. Este estudo está sendo desenvolvido paralelamente no INPA-Manaus, e na F.M.V.A.J.;

c) Estudos e melhoramento de hortaliças, visando a produção de variedades mais adaptadas às condições ambientais de Aripuanã, nas áreas desmatadas, tendo-se já os primeiros resultados com quiabo (Hibiscus esculentus) e tomate (Solanum lycopercicum);

d) Estudos de melhoramento do mamoeiro (Carica papaya) de porte baixo, com frutos de alta qualidade, através de seleção massal estratificada, cuja primeira população obtida está sendo testada atualmente tanto para as características citadas como à resistência a vírus, em Campinas (S. Paulo);

e) Estudos de adaptação de diferentes culturas naturais da Amazônia, mas pouco difundidas na região de Aripuanã e de alto interesse econômico, tais como guaraná, cupuaçu, cacau, etc., os quais estão sendo cultivados em áreas com diferentes intensidades de desmatamento;

f) Ensaios pare formação de pastagem em florestas com diferentes graus de desmatamento, sendo utilizadas, inicialmente, cinco espécies gramíneas, cinco de leguminoses e cinco tipos de arbustos;

g) Estudos da utilização do sebo de Ucuúba (Virola sebifera), para fabricação de sabão e velas;

h) Estudos de conservação do solo a partir de análise do comportamento de terreno desmatado, em faixas de duzentos metros sem mata intercaladas com faixas de cem metros com mata natural;

i) Inventário Florestal em Diferentes Condições de Solo, o qual está sendo realizado em parcelas de um hectare em diferentes tipos de solo;

j) Estudos Entomológicos pelo uso de armadilhas com diferentes cores, em ambientes diversos.

Após uma breve análise do que foi realizado durante aproximadamente um ano de atividades junto ao CNPq/INPA, visando o Projeto Aripuanã, apesar de ter perfeita consciência de que foram alcançados objetivos previamente propostos, sinto que se torna impossível descrever a minha experiência pessoal e a vivência de 10 (dez) anos, adquirida em apenas um ano. Durante este curto espaço de tempo senti crescer e solidificar a fé na capacidade do homem e no papel da ciência. Acompanhei de perto a modificação do comportamento de pessoas de origens diversas, reunidas num agrupamento heterogêneo e sem perspectivas de futuro, ao lhes serem apresentadas alternativas de uma vida mais racional e útil. Vi crescer dentro de cada componente do extenso grupo de pesquisadores e técnicos que se dispuseram a participar neste empreendimento científico, tecnológico e social, o desejo de colaborar e realizar, à medida que se conscientizavam de que tudo o que for feito ainda será pouco diante do que precisa ser realizado.

Muito ainda poderia dizer do que aprendi, vivi e participei, passando a maior parte do período em Aripuanã, local isolado da civilização, no meio da floresta amazônica, mas o que realmente importa é a fé que todos aqueles ligados hoje, direta ou indiretamente, ao Projeto Aripuanã, têm na consolidação de suas metas.

Mário Benincasa